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SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS
Sumário
A medida de suspensão temporária de operações bancárias não depende da existência de indícios, mas apenas de suspeitas da existência de um crime de catálogo e constitui um mecanismo necessariamente expedito, destinado a prevenir ou a evitar o prosseguimentode uma actividade criminosa de branqueamento, sem prejuízo de se revelar, secundariamente; um instrumento de obtenção de recolha de prova e de informações relevantes para a investigação. - Apesar da sua natureza cautelar, a medida não apresenta qualquer similitude, seja de que natureza for, com uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, pelo que não vemos fundamento para exigir; no procedimento de decisão da medida de suspensão de operação bancária, a aplicação do regime próprio constante dos artigos 191º e seguintes do Código de Processo Penal, nomeadamente a constituição e audição do Recorrente como arguido.” - Estando em causa uma medida de natureza preventiva e repressiva, nomeadamente de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, o que só pode ser alcançado de forma eficaz com medidas próprias como a decretada, de forma a evitar que o agente faça desaparecer os valores detectados, nomeadamente através de transferências internacionais facilmente exequíveis, em particular quando podem estar em causa agentes experientes em actividades económico-financeiras internacionais, compreende-se que não seja exigida a constituição de arguido, pois não se está perante uma medida de coacção ou de garantia patrimonial – daí a inaplicabilidade do regime previsto no artigo 191º e segs, do CPP - mas antes de um instrumento do regime específico cautelar e de obtenção de prova instituído para superar alguns pontos de bloqueio na investigação da criminalidade económico-financeira organizada. - Sendo de natureza cautelar reforçada, não se configura, porém, como uma medida de coacção ou de garantia patrimonial e, apresentando-se, também, como um meio de obtenção de prova, integra um regime específico.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO
1. No Tribunal Central de Instrução Criminal, aos 27/04/2021, foi proferido despacho pelo Mmº JIC que:
a) - Em cumprimento do Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10/03/2021, que revogou os despachos proferidos em 28/07/2020, 06/08/2020 e 26/10/2020, substituiu tais despachos, confirmando a suspensão temporária decretada pelo DCIAP e determinando o bloqueio de todo o tipo de movimentos a débito e do acesso através do canal de “home banking”, a vigorar até 27 de Outubro de 2020, nos seguintes termos:
- Suspensão de todos os movimentos a débito, incluindo do pagamento para a conta de AA e do acesso via “home-banking”, relativamente às contas BCP nº ….. (Euro) e nº ….. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente às contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLD WIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº ……..;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente às contas EUROBIC associadas ao nº …., titulada em nome de WFS WORLD WIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº ……, …… e ……, tituladas em nome de AA, com o NIF ….;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN …., titulada em nome de AA, com o NIF ….., bem como de outras contas do mesmo titular;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN ……, em que é interveniente AA, com o NIF ......
b) Confirmou a suspensão temporária decretada pelo DCIAP e reformulou a decisão de bloqueio supra determinada de todo o tipo de movimentos a débito e do acesso através do canal de “home banking”, a vigorar até 27 de Outubro de 2020, como segue:
- Suspensão de todos os movimentos a débito e do acesso via home-banking, relativamente às contas BCP nº …. (Euro) e nº ….. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- Suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº ……;
- Suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às contas EUROBIC associadas ao nº …., titulada em nome de WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- Suspensão de todas as operações a débito da conta BCP nº …. que impliquem a diminuição do saldo de conta abaixo do montante de € 1.110.548,95, que corresponde ao montante recebido da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS e que assim deve permanecer cativo na conta, ficando assim também suspensa a venda do cheque bancário solicitada pelo cliente AA a débito da mesma conta;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº ….. e ….., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN ….., titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular (medida inalterada);
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN …., em que é interveniente AA, com o NIF ..... (medida inalterada).
c) Concordou seja mantida a medida preventiva de bloqueio de movimentos e determinou a prorrogação/renovação da medida de bloqueio das seguintes operações, a vigorar até 27 de Janeiro de 2021, relativamente às seguintes contas:
- Suspensão de todos os movimentos a débito e do acesso via homebanking, relativamente às contas BCP nº …… (Euro) e nº …. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- Suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº …..;
- Suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às contas EUROBIC associadas ao nº …., titulada em nome de WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- Suspensão de todas as operações a débito da conta BCP nº …. que impliquem a diminuição do saldo de conta abaixo do montante de € 1.110.548,95, que corresponde ao montante recebido da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS e que assim deve permanecer cativo na conta, ficando assim também suspensa a venda do cheque bancário solicitada pelo cliente AA a débito da mesma conta;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº ….. e …., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN ….., titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular (medida inalterada);
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN ……, em que é interveniente AA, com o NIF ..... (medida inalterada).
d) Concordou seja mantida a medida preventiva de bloqueio de movimentos e determinou a prorrogação/renovação da medida de bloqueio das seguintes operações, a vigorar até 27 de Julho de 2021, relativamente às seguintes contas:
- Suspensão de todos os movimentos a débito e do acesso via homebanking, relativamente às contas BCP nº …. (Euro) e nº ….. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- Suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº ……;
- Suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às contas EUROBIC associadas ao nº ….., titulada em nome de WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- Suspensão de todas as operações a débito da conta BCP nº …. que impliquem a diminuição do saldo de conta abaixo do montante de € 1.110.548,95, que corresponde ao montante recebido da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS e que assim deve permanecer cativo na conta, ficando assim também suspensa a venda do cheque bancário solicitada pelo cliente AA a débito da mesma conta;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº …. e …., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN …., titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular (medida inalterada);
- Suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN ….., em que é interveniente AA, com o NIF ..... (medida inalterada).
e) Indeferiu a reclamação apresentada por AA do despacho proferido pelo Ministério Público, em 12/04021, que indeferiu o requerimento de constituição como arguido na pessoa do seu mandatário.
2. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso AA, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): Introdução (i) O presente recurso tem por objecto o despacho do TCIC de 27/4/2021, constante de fls. 888 a 922, nomeadamente nas partes em que: a) determina a substituição dos revogados despachos de 28/7/2020, 6/8/2020 e 26/10/2020 (v. fls. 888 a 915), que determinaram a suspensão de contas bancárias da titularidade do Recorrente; b) confirma a renovação da medida de suspensão de contas bancárias da titularidade do Recorrente, para vigorar até dia 27/7/2021 (v. fls. 915 a 920); e c) indefere a reclamação do Recorrente quanto ao despacho do DCIAP de 12/4/2021. (ii) As decisões contidas nos pontos a) e b) supra indicados traduzem um grave desrespeito pelo Acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 10/3/2021, porquanto se demitem de fazer uma apreciação crítica e minimamente fundamentada das promoções do DCIAP no sentido da suspensão de movimentações bancárias em contas do Recorrente. (iii) Já a decisão contida no ponto c) indicado supra, representa uma restrição arbitrária do (inquestionável) direito do Recorrente a ver-se constituído arguido e a beneficiar das correspondentes faculdades de defesa e consulta dos autos. Da subida imediata (iv) O efeito útil do presente recurso consiste em prevenir, mediante a impugnação da legalidade das decisões recorridas, a produção de prejuízos acrescidos na esfera do Recorrente, fruto do inusitado bloqueio das suas contas bancárias, bem como a permitir que o mesmo exerça plenamente o seu direito fundamental de defesa, na qualidade de arguido, durante a fase de inquérito. (v) O eventual diferimento do presente recurso para o final do processo geraria um acumular desses prejuízos na esfera do Recorrente, por tempo indeterminado, sem que o mesmo possa esperar vir a ser ressarcido dos mesmos; e, simultaneamente, inviabilizaria o pleno exercício do direito de defesa em tempo útil. (vi) Pelo que a respectiva retenção o tornaria absolutamente inútil, além de se traduzir numa restrição desproporcional ao direito de defesa do Recorrente; (vii) Devendo por isso o mesmo subir imediatamente, nos termos do artigo 407.º n.º 1 do CPP, o que desde já se requer. (viii) No mesmo sentido, observe-se que a medida de suspensão de movimentações bancárias ditada pelas decisões recorridas causa uma restrição a direitos patrimoniais em tudo análoga à de uma decisão que condene no pagamento de certa importância, para cujo recurso esta prevista subida imediata, nos termos do artigo 407.º n.º 2, alínea d), do CPP; pelo que, por identidade de razões, deverá também o presente recurso subir de imediato, no que a essa medida respeito. (ix) Ainda que assim não se entendesse, o que se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre deverá ser atribuída subida imediata ao presente recurso a respeito das decisões que aplicam e renovam medidas de suspensão de contas bancárias, nos termos do artigo 407.º n.º 2, alínea c), do CPP, porquanto, conforme se demonstrou e adiante se concluirá, as decisões recorridas, na parte atinente à suspensão de contas bancárias são qualificáveis como medidas cautelares. Da invalidade à luz do regime das medidas cautelares (x) O TCIC é explícito e inequívoco, no despacho recorrido, em atribuir um escopo puramente cautelar à medida de suspensão temporária de movimentações bancárias decretada nos autos. (xi) Contudo, o TCIC incorre numa contradição com as suas próprias afirmações, ao proclamar no despacho recorrido que a medida decretada é um "instrumento de recolha de prova", o que faz, aparentemente, para forçar um alinhamento entre o caso concreto e certo entendimento dos Tribunais Superiores a este respeito. (xii) Considere-se, em sintonia com a melhor jurisprudência e doutrina, que os meios de obtenção de prova, em processo penal, se destinam em exclusivo a recolher meios de prova atinentes a factos que possam consubstancia crimes, sendo justificáveis apenas em função desse fim específico. (xiii) O regime jurídico dos meios de obtenção de prova é particularmente restritivo quanto à possibilidade de, por aplicação de tais meios, as autoridades afectarem direitos individuais, justamente porque a necessidade que os mesmos corporizam de obter prova pressupõe essencialmente uma incerteza quanto aos factos probandos. (xiv) Assim, o regime dos meios de obtenção de prova não está vocacionado para aplicação de medidas com escopo cautelar, nomeadamente, porque estas pressupõem, por natureza, um grau razoável de certeza quanto à verificação dos crimes cuja continuação, ou cujos resultados, se pretende acautelar. (xv) Mediante esta delimitação, pela negativa, do regime dos meios de obtenção de prova, é já possível concluir pela improcedência da qualificação das medidas aplicadas nos autos como um "instrumento de recolha de prova", conforme pretende o TCIC, atenta a sua função cautelar. (xvi) Caracterize-se, agora, pela positiva, qual o regime legal ajustado a disciplinar a aplicação de medidas com escopo cautelar em processo penal, à luz das exigências constitucionais aplicáveis. (xvii) Qualquer intervenção das autoridades judiciárias, legalmente enquadrada, que resulte numa restrição de direitos individuais deve, por imperativo constitucional, pautar-se pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, nos termos do disposto no artigo 18.º n.º 2 da CRP. (xviii) Nessa senda, estabeleça-se que a aplicação de medidas restritivas de direitos individuais com propósitos cautelares, em processo penal, concita superlativamente a ponderação dos referidos princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade, porquanto traduzem uma ampla, por vezes total, privação desses direitos e, o que é mais, pressupõem um juízo de imputação da prática de crimes aos sujeitos visados, ainda que a título provisório. (xix) O dispositivo legal vigente vocacionado para realizar essas garantias e direitos fundamentais, no confronto com os fins de interesse público que subjazem ao inquérito criminal, é o regime das medidas cautelares, previsto nos artigos 191.º segs. do CPP, conforme fica estatuído expressamente do n.º 1 desse preceito: "A liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na ler'. (xx) O regime das medidas cautelares consagra especificamente, no artigo 193.º do CPP, os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, que estabelecem a garantia de presunção de inocência e os direitos fundamentais concretamente afectados pela medida aplicada, como contrapeso da actuação das autoridades e dos fins do inquérito. (xxi) Limitando essa actuação ao menor grau possível/necessário de interferência ou restrição daquela garantia fundamental e correspondentes direitos fundamentais. (xxii) Esse regime consagra ainda outras normas que alicerçam a tutela devida à garantia da presunção de inocência, do direito de defesa do sujeito visado e dos direitos fundamentais concretamente afectados, qual seja, por exemplo, a imposição de constituição de arguido, anterior ou posterior ao decretamento, prevista no artigo 192.º do CPP, os requisitos qualificados de fundamentação da decisão que aplica a medida cautelar, nos termos do artigo 194.º n.º 6 do mesmo código, e a permissão de acesso aos elementos constantes dos autos que suportam essa decisão, nos termos do n.º 8 do mesmo preceito. (xxiii) Em suma, e de um modo geral, o regime das medidas cautelares, corporizando garantias fundamentais incontornáveis, exige uma aplicação parcimoniosa do leque de medidas disponíveis — que apenas se pode basear na existência de fortes indícios, devidamente comprovados - e confere especial tutela ao direito de defesa do sujeito afectado. (xxiv) Acresce que o regime das medidas cautelares estatui, nos termos do artigo 204.º, alínea b), do CPP, que um dos propósitos concretamente admissíveis dessas medidas é o de prevenir o "perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova". (xxv) Temos, então, que as medidas com fins cautelares, em processo penal, podem também servir propósitos probatórios e de instrução da causa - o que parece estabelecer um perfeito paralelismo com a configuração geralmente atribuída à medida de suspensão de movimentações bancárias prevista nos artigos 48.º e 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto; (xxvi) Ao passo que - repita-se - o regime dos meios de obtenção de prova é inteiramente inapto para tutelar suficientemente os direitos e garantias fundamentais dos particulares que resultam afectados por tais medidas com funções cautelares (e, simultaneamente, probatórias). (xxvii) Face ao exposto, torna-se notório que o escopo atribuído pelo Tribunal a quo à medida de suspensão de movimentações bancárias decretada nos autos e os efeitos restritivos de direitos individuais inerentes a essa medida entrem permitem - rectius: tornam forçoso - caracterizá-la como uma medida cautelar, sujeita, necessariamente, ao respectivo regime geral, previsto no artigo 191.º e segs. do CPP. (xxviii) Conclusão contrária retiraria as medidas limitadoras das liberdades individuais das malhas apertadas do regime das medidas cautelares e deixaria desprotegidos os direitos e garantias fundamentais que essas medidas, por inerência, infringem. (xxix) Ainda que, por hipótese, não se qualifique directamente a medida em causa como uma medida cautelar, o que não se concede, sempre seria de reconhecer que se está perante uma figura jurídica carecida de um regime materialmente ajustado à tutela das garantias fundamentais que assistem ao Recorrente. (xxx) Essa carência traduzir-se-ia numa "lacuna oculta" - por o regime aparentemente aplicável ser, como se disse, desajustado - a preencher por aplicação analógica do regime geral das medidas cautelares, constante dos artigos 191.º e seguintes, em obediência à regra do artigo 10.º n.º 1 e 2 do Código Civil, e ponderando as valorações às quais apela esta figura jurídica. (xxxi) Ao que fica exposto, acrescente-se outros argumentos acessórios, no sentido da qualificação da medida decretada nos autos como medida cautelar. (xxxii) Os artigos 48.º e 49.º da Lei n.° 83/2017, de 18 de Agosto, inserem-se sistematicamente no regime do dever de abstenção aí previsto; o dever de abstenção é, em si mesmo, previsto e regulado no artigo 35.º da Directiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015. (xxxiii) A Directiva 2015/849/EU não prevê, nem poderia prever, nomeadamente no artigo 35.°, uma qualquer medida de âmbito processual-criminal destinada a investigar o crime de branqueamento, muito menos prevendo (e impondo aos Estados-Membros) um suposto meio de obtenção de prova consistente em suspensão temporária de operações ou movimentações bancárias. (xxxiv) O artigo 35.º dessa Directiva remeter a actuação das autoridades judiciárias, em contexto de prevenção de branqueamento de capitais, para o ordenamento interno preexistente de cada Estado-Membro, nada prevendo ou acrescentando ao que já resultar de cada um desses ordenamentos internos. (xxxv) O regime da suspensão temporária de movimentações bancárias previsto nos artigos 48.º e 49.º da Lei n.° 83/2017, de 18 de Agosto, não encontra, por isso, justificação na Directiva 2015/849/EU, antes tendo sido acrescentado ao regime material que resultaria da transposição dessa Directiva por exclusiva opção do legislador Português. (xxxvi) Por conseguinte, nada justificaria, quer no plano do Direito interno, quer no plano do Direito da União Europeia, o entendimento de estarmos aqui perante uma medida com finalidade cautelar que, a título excepcionalíssimo, se submetesse ao regime dos meios de obtenção de prova e pudesse ser posto em prática pelas autoridades à margem do regime das medidas cautelares... (xxxvii) O que é dizer: ao contrário do pretendido pelo TCIC e pelo DCIAP não há razão juridicamente atendível para conceder uma carta branca às autoridades judiciárias para prescindir de "fortes indícios" ou fundadas suspeitas da actividade delituosa, coarctar o direito de defesa do visado, bastando-se com fundamentações remissivas ou puramente conclusiva. (xxxviii) O que é mais, não se encontram nem no Direito interno nem no Direito da União Europeia, quaisquer elementos interpretativos que militem a favor da qualificação desta medida como um "meio de obtenção de prova". (xxxix) Em qualquer dos casos, sempre se acrescente que a interpretação do disposto nos artigos 48.º e 49.º n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que resulta na qualificação da medida de suspensão temporária de movimentações bancárias, aí prevista, como um meio de obtenção de prova, e não como uma medida cautelar sujeita ao respectivo regime geral subsidiário - ainda que com as devidas adaptações - previsto nos artigos 191.º e segs. do CPP, com destaque para os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade enquanto garante da presunção de inocência, sempre seria MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL, por se traduzir, à luz do artigo 18.º n.º 2 da CRP, numa restrição desnecessária, inadequada e desproporcional à garantia de presunção de inocência e ao direito fundamental de defesa que assiste aos particulares em processo penal, conforme previstas no artigo 32.º n.º 1 e n.º 2 da CRP, bem como ao direito fundamental à propriedade privada, previsto no artigo 62.º do CRP - o que desde já se invoca para todos os efeitos. (xl) À luz do regime das medidas cautelares, as decisões em crise são nulas ao abrigo do disposto no artigo 120.º n.º 2 alínea d) do CPP, porquanto a medida decretada não foi antecedida, e tão pouco sucedida, da constituição do Recorrente como arguido, incumprindo assim uma condição essencial imposta pelo artigo 58.º n.º 1 alínea b) e 192.º n.º 1 do CPP - o que desde já se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 122.º n.º 1 do CPP. (xli) As decisões em causa são ainda nulas por ter sido preterida a prévia audição do Recorrente na qualidade de arguido, obrigatória ao abrigo do artigo 194.º n.º 4 do CPP, sendo que a morada do mesmo, em …., é conhecida destes autos e quer a diligência de constituição de arguido, quer a da respectiva audição estariam facilitadas pela vigente "Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa", assinada na Cidade da Praia em 23/11/2005. (xlii) Ainda que assim não se entenda quanto aos dois vícios acima referidos, o que se concebe por mera hipótese de patrocínio, sempre se invocam as mesmas omissões de actos legalmente devidos enquanto geradoras da irregularidade das decisões impugnadas, nos termos do disposto no artigo 123.º do CPP, e também aqui merecendo a cominação constante do artigo 122.º do CPP. (xliii) (x/iii) Aduza-se que a irregularidade invocada, atenta a sua gravidade, é apta a afectar o valor do acto em causa, podendo e devendo ser conhecida oficiosamente e independentemente de qualquer prazo, nos termos do artigo 123.º n.º 2 do CPP. (xliv) Ainda que assim não fosse, sempre se deveria considerar, em consonância com a melhor jurisprudência, que qualquer irregularidade concernente a acto passível de recurso pode ser invocada dentro do prazo, mais amplo, do próprio recurso, sob pena de, numa aplicação espúria do prazo de 3 dias previsto no artigo 123.º nº° 1 do CPP, se inutilizar o prazo mais alargado legalmente previsto, especificamente, para o recurso - sendo, por isso, tempestiva a invocação da aludida irregularidade. (xlv) As decisões recorridas, atinentes à suspensão de contas bancárias incumprem também os requisitos imperativamente estabelecidos no artigo 194.º n.º 6 do CPP no que concerne ao respectivo conteúdo - ao falhar em indicar os factos concretos em que se baseia, os meios de prova considerados, e o enquadramento jurídico pertinente, com destaque para a inobservância aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade - sendo sancionadas por esse mesmo preceito com nulidade, o que desde já se invoca. Ainda que assim não se entenda, o que se concebe por mera hipótese de raciocínio e sem conceder, sempre se considere o seguinte: Da falta de fundamentação (xlvi) O conteúdo das decisões do TCIC que visam "substituir" os despachos (revogados) de 28/7/2020, 6/8/2020 e 26/10/2020 e, bem assim, o teor da decisão que determina a renovação da medida suspensiva até 27/7/2021 cingem-se a um conjunto de considerações genéricas e teóricas acerca do regime aplicável à medida suspensiva de contas bancárias em presença. (xlvii) As decisões em causa não contêm um enunciado das respectivas razões, quer por referência aos eventuais factos dados como provados ou sequer indiciados, quer em relação ao respectivo enquadramento jurídico. (xlviii) As mesmas limitam-se a aceitar e deferir o conteúdo de promoções do DCIAP, não denotando ter procedido a uma ponderação (minimamente) crítica do teor das mesmas. (xlix) (xlix) No caso da decisão que determina a renovação da medida de suspensão de movimentações bancárias até 27/7/2021, a promoção subjacente do DCIAP não é sequer citada, não obstante o TCIC a dê por reproduzida, tornando-se liminarmente impossível conhecer quais os (eventuais) fundamentos tidos em conta pela decisão. (l) O dever de fundamentação das decisões judiciais proferidas em processo penal tem assento legal no artigo 97.º n.º 5 do CPP, e expressa consagração constitucional no artigo 205.º n.º 1 da CRP, constituindo ainda, em si mesmo, um corolário do princípio processo equitativo, previsto no artigo 20.º n.º 4 da CRP. (li) Esse dever fundamental tem, de acordo com a concepção dominante na doutrina e na jurisprudência, uma dúplice função: por um lado, visa permitir ao sujeito visado pela decisão o exercício do contraditório, dando-lhe conhecimento das premissas da mesma, e do processo lógico-dedutivo que conduziu á decisão; por outro lado, visa garantir que a decisão é apreensível e sindicável à luz da consciência jurídica dominante na comunidade, substanciada na figura da(o) cidadã(o) média(o). (lii) O dever de fundamentação impõe-se com especial acuidade quando em causa esteja uma decisão restritiva de direitos individuais, cujos pressupostos de facto e de Direito sejam de natureza complexa, como é aqui o caso. (liii) Sendo que a fundamentação puramente remissiva - neste caso, para o teor de promoções antecedentes - como a que é adoptada nas decisões recorridas, atinentes à suspensão de contas bancárias, deve considerar-se, em si mesma, inapta a cumprir o dever de fundamentação particularmente exigente que, in casu, se impõe ao TCIC, atenta a gravidade da decisão e a complexidade da matéria (v. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/9/2020, processo n.º 546/18.4TELSB-A.L1-3, disponível in www.dgsi.pt. (liv) Posto isto, conclui-se que as decisões recorridas incumpriram ostensivamente o dever de fundamentação legalmente previsto no artigo 97.º n.º 5 do CPP e constitucionalmente consagrado no artigo 205.º n.º 1 da CRP, sendo comináveis com irregularidade, nos termos do artigo 123.° do CPP, a qual desde já se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 122.º n.º 2 do mesmo código. (lv) A irregularidade em questão foi, tempestivamente, invocada perante o TCIC por requerimento apresentado, em 10/5/2021, pela WFS - World Food Suppliers Limited, pelo que não se encontra, em qualquer dos casos, sanada. (lvi) A interpretação do disposto no artigo 97.º n.º 5 do CPP no sentido de ser admissível a fundamentação do despacho judicial de confirmação de medida de suspensão de movimentações bancárias, previsto no artigo 49.º n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, por mera remissão e adesão ao conteúdo de promoções do Ministério Público, consubstanciaria uma norma MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL, por se traduzir numa restrição desadequada, desnecessária e desproporcional, à luz do disposto no artigo 18.º n.º 2 da CRP, ao direito fundamental de defesa do sujeito visado, que promana dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do processo equitativo, previstos no artigo 20.º n.º 1, n.º 4 e n.º 5 da CRP, bem como do direito fundamental ao recurso, que resulta do disposto no artigo 32.º n.º 1 da CRP - o que desde já se invoca, para todos os efeitos. (lvii) Admitindo ainda assim, por mera hipótese de raciocínio, e sem conceder, que se considere admissível a referida técnica de fundamentação, por remissão para o conteúdo de promoções do DCIAP, sempre haveria que relevar aqui novamente que o TCIC ocultou deliberadamente ao Recorrente a promoção subjacente à decisão de renovação da medida em causa até 27/7/2021 (v. fls. 915 e segs.). (lviii) O TCIC impediu, assim, o Recorrente de tomar conhecimento da putativa fundamentação dessa decisão recorrida, colocando-o numa situação de indefesa, em directa contravenção à garantia fundamental de acesso ao direito, prevista no artigo 20.º n.º 1 e n.º 4 da CRP. (lix) Da actuação do TCIC decorre uma frustração do escopo que é assacado ao dever de fundamentação, qual seja o de permitir ao sujeito visado exercer o contraditório com base num conhecimento razoável da motivação decisória violação do dever de fundamentação. (lx) A ponderação conjugada do conteúdo puramente remissivo dos despachos do TCIC, na parte recorrida, com a ordem de notificação constante do despacho de 26/10/2020, a fls. 361, permite concluir por uma violação do dever de fundamentação (ainda que por remissão) por parte do TCIC, que é geradora da sanção de irregularidade, a qual desde já se invoca nos termos conjurados dos artigos 122.º n.º 2 e 123.º do CPP. (lxi) Em qualquer dos casos, sempre se aduza que a interpretação do disposto no artigo 97.º n.º 5 do CPP no sentido de se considerar cumprido o dever de fundamentação de despachos judiciais por mera remissão e adesão ao conteúdo de promoções antecedentes do Ministério Público, quando a motivação constante dessas promoções não seja dada a conhecer, na íntegra, ao sujeito afectado e interessado, consubstanciaria uma norma MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL, por se traduzir numa restrição desadequada, desnecessária e desproporcional à luz do disposto no artigo 18.º n.º 2 da CRP, ao direito fundamental de defesa do sujeito visado, que promana dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do processo equitativo, previstos no artigo 20.º n.º 1, n.º 4 e n.º 5 da CRP, bem como do direito fundamental ao recurso, que resulta do disposto no artigo 32.º n.º 1 da CRP, violando a proibição de indefesa que deflui desses preceitos - o que desde já se invoca, para todos os efeitos. (lxii) Acrescente-se que a irregularidade invocada, atenta a sua gravidade, é apta a afectar o valor do acto em causa, podendo e devendo ser conhecida oficiosamente e independentemente de qualquer prazo, nos termos do artigo 123.º n.º 2 do CPP. (lxiii) Ainda que assim não fosse, o que se admite por mera hipótese, a invocação da referida irregularidade sempre seria tempestiva, porquanto o prazo de 30 dias, previsto no artigo 411.º do CPP, deverá considerar-se aplicável à invocação de irregularidades em sede de recurso, enquanto norma especial, em derrogação da norma geral prevista no artigo 123.º do CPP, em conformidade com o entendimento propugnado pela melhor doutrina e jurisprudência. Ainda que não proceda o que fica exposto, o que se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre sobrariam razões para a revogação do despacho recorrido, senão vejamos: Do erro de iulaamento à luz do regime dos meios de obtenção de prova (lxiv) Admitindo, por cautela e a título de mera hipótese de raciocínio, que a medida aplicada nos autos não seja qualificada como uma medida cautelar, mas antes como um meio de obtenção de prova, sempre haveria que relevar a ilegalidade da mesma à luz do correspondente regime. (lxv) Recupere-se a conclusão alcançada acima: o uso, pelas autoridades judiciárias, de meios de obtenção de provas, só se pode justificar pelo propósito último de recolher meios de prova directamente relacionados com as suspeitas sob investigação. (lxvi) Verificou-se também que, quer o DCIAP, quer sobretudo o TCIC, são explícitos em atribuir à medida de suspensão de movimentações bancárias aplicada nos autos uma finalidade pura e exclusivamente preventiva, cautelar - dir-se-ia até, sancionatória- sem prejuízo de não ser possível descortinar os eventuais motivos desse veredicto, face à já reportada falta de fundamentação. (lxvii) Pressupondo a aplicação ao caso do regime dos meios de obtenção de prova, haverá então que concluir que a medida concretamente aplicada nos autos serve uma finalidade (preventiva, cautelar...) que esse regime não suporta nem admite, radicando num manifesto erro de julgamento. (lxviii) O sancionamento de decisões do TCIC, em alinhamento (como sempre), com o DCIAP que instrumentalizam meios de obtenção de prova para prosseguir finalidades puramente cautelares - furtando-se assim ao regime das medidas cautelares - não é, de todo, sem antecedentes, sendo de apontar como exemplo o Acórdão proferido por este douto Tribunal da Relação em de 7/7/2016, no âmbito do processo n.º 244/11.0TELSB-G.L1-9 (disponível em www dgsi.pt). (lxix Razão pela qual se requer a V.a Ex.a, a titulo subsidiário face ao lá invocado, que revogue as decisões recorridas, atinentes à suspensão de movimentações bancárias, com fundamento em manifesto erro de julgamento. Da decisão atinente à constituição de arquido do Recorrente (lxx) O Juiz de Instrução Criminal - in casu corporizado pelo TCIC - goza de competência para o exercício das funções jurisdicionais durante o inquérito, nos termos do artigo 17.º do CPP, tendo sido comummente entendido que esta abrange a sindicância de todo e qualquer acto do Ministério Público que contenda com direitos individuais (maxime direitos fundamentais do sujeito visado e, entre destes, as garantias fundamentais de âmbito adjectivo, vigentes em processo penal). (lxxi A decisão do TCIC constante de fls. 920 a 922, veio indeferir uma reclamação apresentada pelo Recorrente quanto ao despacho do DCIAP, que por sua vez indefere um pedido do Recorrente para que os formalismos da sua constituição como arguido — em si mesma aceite pelo DCIAP - sejam realizados na pessoa do seu Mandatário subscritor, com poderes especiais para o efeito, passados por procuração forense junta aos autos por requerimento apresentado em 5/4/2021. (lxxii) Os formalismos da constituição de arguido na pessoa do próprio Recorrente são de muito difícil realização, tendo em conta que este reside em ……, onde os serviços de correio, quer nacional, quer internacional, funcionam de forma muito deficitária, (lxxiii) Acresce, no mesmo sentido, que uma eventual deslocação do Recorrente a Portugal, com vista à constituição presencial de arguido implicaria uma exposição a riscos de saúde, fruto do Covid-19, e sempre teria que se defrontar com o mau funcionamento dos serviços de transporte aéreo entre Portugal e ….., já comprovados nos autos. (lxxiv) A realização dos formalismos da constituição do arguido na pessoa do Recorrente, a ser possível face aos constrangimentos apontados - o que em si mesmo é questionável - sempre comportaria delongas incompatíveis com o exercício pleno, em tempo útil, do seu direito fundamental de defesa, desde logo contra as medidas de suspensão de contas bancárias que contra si foram decretadas. (lxxv) Constituindo a decisão em causa traduz uma limitação efectiva, eminentemente prática, ao direito fundamental de defesa do Recorrente e, bem assim, ao seu direito fundamental à propriedade privada, previstos, respectivamente, nos artigos 32.º n.º 1 e 62.º da CRP, forçoso será concluir que a sindicância da mesma cabe nas competências jurisdicionais do TCIC, nos termos do artigo 17.º do CPP. (lxxvi) Assim, a decisão do TCIC, na qual se declara incompetente para este efeito, padece de um manifesto erro de interpretação, pelo que se requer a V.a Ex.a a respectiva revogação. (lxxvii) Em qualquer dos casos, a interpretação da norma presente no artigo 17.º do CPP, conjugada com o disposto no artigo 59.º n.º 2 do mesmo Código, no sentido de que não é da competência do juiz de instrução a sindicância da legalidade de actos do Ministério Público que implique restrição ao direito processual do suspeito a ver-se constituído arguido, sempre será MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL, por acarretar uma limitação inadmissível ao conteúdo essencial do direito fundamental de defesa, bem como uma contracção da função jurisdicional que incumbe ao juiz de instrução em sede de inquérito, em violação do disposto nos artigos 32.º n.º 1 e 202.º, ambos da CRP - o que desde já se argui, para todos os efeitos. (lxxviii) Tendo-se concluído que a questão sub judice se integra na competência do órgão jurisdicional na fase de inquérito, importa expor a este douto Tribunal as razões de fundo que suportam a discordância do Recorrente face à decisão do DCIAP de 12/4/2021, com vista à respectiva apreciação por este douto Tribunal. (lxxix) A decisão do DCIAP de 12/4/2021, na parte que foi objecto de reclamação, e agora de recurso, suporta-se no entendimento de que da constituição de arguido "emergem direitos e deveres para o arguido que, por lei, devem ser pessoalmente comunicadas ao "visado" (art. 58º n° 2 do CPP)" - trata-se, contudo, de um enunciado sem suporte normativo, quer na letra quer no espírito das disposições legais aplicáveis. (lxxx) Primeiro, porque, tendo a constituição de arguido sido requerida pelo próprio Recorrente, ao abrigo do artigo 59.º do CPP, fácil é constatar que o artigo 58.º n.° 2 do CPP, invocado pelo DCIAP, não em aplicação, atento o disposto no n.º 3 do referido artigo 59.º ("correspondentemente aplicável o disposto nos 3 e 4 do artigo anterior"). (lxxxi) Segundo - e admitindo por mera hipótese que fosse aplicável ao caso o artigo 58.º n.º 2 do CPP - porque a possibilidade, prevista nesse preceito, de a constituição de arguido resultar de comunicação feita por escrito significa, por corolário lógico, que os correspondentes formalismos não têm que ser efectuados pessoalmente perante o sujeito visado, ao contrário do que afirma o DCIAP, com a chancela do TCIC. (lxxxii) Terceiro, o mesmo artigo 58.º n.º 2 do CPP não prevê, como regra geral, que os direitos e deveres inerentes ao estatuto de arguido devam ser pessoalmente explicados ao sujeito visado, mas apenas se tal for considerado necessário, e havendo razões para tal. - que in casu não se poderiam verificar, tanto que foi o próprio Recorrente que pediu que a constituição de arguido fosse feita através do seu Mandatário. (lxxxiii) Quarto, e em conexão com a conclusão anterior, in casu nunca poderia haver razões que determinassem que a comunicação dos direitos e deveres do arguido devessem ser comunicados directamente ao Recorrente, na medida em que foi o próprio que tomou a iniciativa de pedir a sua constituição como arguido, o que pressupõe que conheça os direitos e deveres correspondentes (mais a mais, por se encontrar assistido por Advogados, que sempre lhe explicariam previamente o conteúdo desses direitos e deveres). (lxxxiv) Quinto, temos que a pretensão do Recorrente de que os formalismos da constituição de arguido tenham lugar na pessoa de terceiro sempre contra abrigo legal expresso no disposto no artigo 113.º n.º 9 do CPP, que foi, neste caso, inteiramente ignorado pelo DCIAP e pelo TCIC. (lxxxv) Tudo visto, a decisão que indefere o pedido do Recorrente para que os formalismos da constituição de arguido sejam realizados na pessoa do seu Mandatário milita contra disposições legais imperativas, destinadas a garantir ao arguido todas as faculdades de defesa, constitucionalmente tuteladas, sendo cominada com nulidade nos termos do disposto no artigo 120.º n.º 1, alínea d), do CPP, ou, em qualquer dos casos, com irregularidade do acto, nos termos do disposto no artigo 123.º do CPP - as quais, tendo sido invocadas tempestivamente perante o TCIC, aqui se invocam novamente, para todos os efeitos. Nestes teremos, requer-se a V.a Ex.a se digne declarar o presente recurso procedente e, em consequência: i) reconheça a qualificação da medida aplicada através das decisões recorridas como uma medida cautelar; e, consequentemente, ii) declare nulas as decisões recorridas atinentes à suspensão de movimentações bancárias, nos termos dos artigo 120.º n.º 2, alínea d) e 122.º, do CPP com fundamento no ostensivo incumprimento dos requisitos e imposições resultantes do regime das medidas cautelares, nomeadamente a omissão de constituição do Recorrente como arguido e audição do mesmo nessa qualidade, nos termos do artigos 58.º n.º 1, alínea b), 192.º n.º 1 e 194.º n.º 4 do CPP, bem como na inobservância do dever de fundamentação especificamente previsto no artigo 194.º n.º 6 do CPP; ou, na mera hipótese de assim não se entender, que se admite por cautela de patrocínio e sem conceder, declare a irregularidade das decisões recorridas atinentes à suspensão de movimentações bancárias, por falta de fundamentação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 97.º n.º 5 e 123.º do CPP; ou, na mera hipótese, que não se aceita, de assim não se entender, revogue as decisões recorridas atinentes à suspensão de movimentações bancárias, com fundamento em erro de julgamento consubstanciado na aplicação de uma medida com escopo exclusivamente cautelar e preventivo e sem finalidades de âmbito probatório, indevidamente, ao abrigo do regime dos meios de obtenção de prova; Revogue a decisão recorrida, que indeferiu a reclamação do Recorrente apresentada em 22/4/2021, substituindo-a por outra que determine que os formalismos da constituição de arguido do Recorrente seja feita na pessoa do Mandatário subscritor, com base em procuração com poderes especiais para o efeito, junta aos autos.
3. Respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo à motivação de recurso, pugnando por lhe ser negado provimento.
4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da sua improcedência.
5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta pelo recorrente.
6. Em 07/07/2021, veio o recorrente requerer a desistência do recurso na parte que se reporta ao indeferimento da reclamação apresentada do despacho proferido pelo Ministério Público, em 12/04/021, que indeferiu o requerimento de constituição como arguido na pessoa do seu mandatário, por inutilidade superveniente, uma vez que já foi constituído arguido nos autos aos 28/06/2021, através de carta rogatória.
A desistência foi verificada por despacho de relator, nos termos do artigo 415º, nº 2, do CPP e julgada válida.
7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Âmbito do Recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:
Nulidade ou irregularidade das decisões de substituição dos revogados despachos de 28/07/2020, 06/08/2020 e 26/10/2020 e de confirmação da renovação da medida de suspensão das operações/movimentos a débito de contas bancárias da titularidade do recorrente, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP.
Nulidade ou irregularidade das mesmas decisões por preterição da prévia audição do recorrente na qualidade de arguido.
Nulidade das decisões recorridas por inobservância do estabelecido no artigo 194º, nº 6, do CPP.
Verificação do erro de julgamento à luz do regime dos meios de obtenção de prova.
Irregularidade das decisões recorridas por falta de fundamentação.
2. Elementos relevantes para a decisão
É o seguinte o teor do despacho onde se inserem as decisões recorridas, na parte que para aqui releva (transcrição): Fls. 843 - Atento o decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, por douto Acórdão proferido em 10 de Março de 2021, que revogou os despachos proferidos em 28/07/2020, em 06/08/2020 e em 26/10/2020 e, em cumprimento do aí decidido substituem-se tais despachos, na parte em que respeita à medida de suspensão de operações bancárias promovidas pelo Ministério Público, pelo seguinte: Fls. 107 e seg.s. - Da medida de suspensão provisória de operações bancárias a débito promovida pelo Ministério Público. Compulsados os autos verifica-se que, face aos indícios de movimentos de branqueamento sobre as identificadas contas bancárias, o detentor da acção penal determinou, ao abrigo dos art.ºs 47.° e 48.º, da Lei 83/2017 de 18/08, a suspensão temporária das seguintes operações, relativamente às seguintes contas:
- suspensão de todos os movimentos a débito, incluindo do pagamento para a conta de AA, e do acesso via home-banking. relativamente às contas BCP nº ….. (Euro) e nº … .(USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLD WIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros n° …….;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente às conta EUROBIC associadas ao nº …., titulada em nome de WFS WORLD WIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº …., …. e ….., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN ……, titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN ……, em que é interveniente AA, com o NIF ...... O titular da acção penal, veio promover que seja confirmada tal medida de suspensão provisória decretada pelo DCIAP, com os fundamentos constantes da douta promoção antecedente, aduzindo a seguinte factualidade: «Confirmação da decisão de suspensão temporária e bloqueio de contas Por via das regras de prevenção do branqueamento foram identificadas junto do BCP contas tituladas pela entidade WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, entidade com registo nas Seychelles, que em Portugal tem o NIF 710787243, mas que se afigura estar a operar a partir de Portugal na área do "trading" para o fornecimento de produtos a …... As contas identificadas têm os nº …., em Euros, e ….., em USD, tendo sido abertas em Dezembro de 2013 e em Janeiro de 2014, respetivamente, sendo autorizados nas mesmas os identificados BB e CC, cidadãos portugueses e residentes em Portugal. Tais contas da WFS junto do BCP revelam saldos à ordem com grande estabilidade desde o início de 2020, pelo menos, tendo a conta em Euros um montante à ordem de € 3.270.710,09, no final de Junho passado, e a conta em USD um montante de 148.408,47 USD, afigurando tratar-se de fundos que aguardavam apenas justificação formal para serem entregues em Portugal a terceiros. Tal justificativo apresenta-se agora como sendo a distribuição de dividendos e o beneficiário apresenta-se como sendo o acionista da WFS identificado como AA - tendo sido emitida urna ordem de transferência da conta n° ……., no montante de 1.110.548,95 para a conta em Euros, também junto do BCP, do referido AA. No entanto, indicia-se que a gestão de facto da WFS é feita a partir de Portugal, sendo a entidade uma mera ficção para receber ganhos destinados a colocar nos sócios, sem qualquer manifesto fiscal. Com efeito, a referida BB, com o NIF …., é autorizada nas contas da WFS, mas, na realidade, é Diretora Financeira e integra o CA da sociedade FOODCARE COMÉRCIO INTERNACIONAL SA, com o NIF 507483120, que se dedica à importação e exportação e à gestão hoteleira. Por sua vez o CC, com o NIF ….., também autorizado nas contas da WFS, é Diretor de Compras e integra também o CA da mesma FOODCARE COMÉRCIO INTERNACIONAL SA. Esta FOODCARE tem sede na Rua José Afonso, nº 10-A, em Lisboa, que é precisamente a mesma morada que é indicada aos Bancos, para efeito de correspondência, pela WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LTD. Para além das contas BCP acima referidas, a WFS é também titular em Portugal de contas junto do EUROBIC e do BAI EUROPA. Junto do EUROBIC, a WFS titula contas em EUROS e USD associadas ao nº ……, abertas em 2012, onde são autorizados os mesmos dois cidadãos nacionais acima referidos. Junto do BAI EUROPA a WFS titula a conta nº ……, em Euros, para além de outras contas em diferentes divisas e aplicações financeiras, onde figuram como autorizados, desde 2018, pelo menos, os mesmos dois acima referidos e ainda a identificada DD. Analisado o extrato desta última conta em Euros, junto do BAI EUROPA, verifica-se que regista, pelo menos desde Maio de 2019, saldos sempre superiores a 3 (três) milhões de euros, registando pagamentos e recebimentos da acima referida FOODCARE, mas tendo como principais entradas movimentos com origem numa sociedade ….. designada de NOVAGEST-SERVIÇOS E GESTÃO SA. Com efeito, ainda em Maio de 2019, mostram-se lançado, na conta da WFS junto do BAI EUROPA, o recebimento de cinco pagamentos, num total superior a E 900.000,00, estes com origem numa conta em …. da acima referida NOVAGEST e que se reportam todos a alegados pagamentos de facturas, isto é de fornecimentos da WFS para ….., abrangendo produtos como carne congelada e tubos PVC. Relativamente aos beneficiários da WFS mostra-se que, perante os Bancos, foram identificados como sendo os seguintes cidadãos, com as seguintes participações sociais: - EE, detentor de 40% do capital da WFS, que se mostra ser cidadão nacional, nascido em …., com o NIF ….., mas com residência fiscal em ….., apesar de deter vários interesses em empresas na zona da sua naturalidade e em …... por exemplo, caso da …. SOCIEDADE HOTELEIRA, indiciando-se que seja ainda o detentor do controlo da NOVAGEST, acima referida, identificada como sendo a principal cliente da WFS - AA, detentor de 17,5%, que é cidadão …., residente em …., mas com NIF ..... e morada conhecida em Portugal, sendo aqui titular de contas, junto do BCP, mas também do Santander, do Banco Atlântico Europa e do BAI EUROPA, sendo mesmo administrador do BAI ……, por designação do acionista S…... Este acionista esteve ligado à sociedade ….. G….., o qual se afigura envolvido.em suspeita, sob investigação, relativamente à venda de um terreno recebido da EMPRESA DO CAMINHO DE FERRO DE …… e que terá sido vendido pelo preço de USD 78.678.324,00 - o Ministro que tutelou a referida doação e venda, identificado como FF, chegou a ser detido em …...
- GG, detentor de 15%, que é cidadão português, com o NIF ….., com residência conhecida em ….. na Rua ….., que se apresenta como ligado à sociedade U…...
- HH, detentor de 12,5%, que é cidadão português, com o NIF ….., mas residente entre …. e Portugal, sendo-lhe conhecida morada na Rua ….., em ….., sendo ainda administrador da já acima referida sociedade FOODCARE.
- II, detentor de 7,5%, que se mostra ser cidadão …., residente em …., tendo, em Portugal, o NIF …..
- JJ, detentor de 7,5%, sendo este um cidadão Português, com o NIF …., com residência conhecida na Rua …., em …., conhecido por ser próximo da pessoa de LL, tendo, designadamente, a seu cargo a gestão dos interesses imobiliários do mesmo em Portugal, desenvolvendo atividade através de sociedades como a R…. SA (NIF ….) e a O…. (NIF ….). A entidade WFS tem registado elevados dividendos que têm sido repartidos e pagos aos referidos acionistas. Indicia-se que, já em 2018, o referido AA recebeu, sob alegação de representar a distribuição de dividendos, a quantia de 1.032.468,08, paga pela WFS, a partir da conta junto do EUROBIC, tendo então como destino uma conta junto do Santander, titulada pelo primeiro, conta com o IBAN …... Verifica-se que essa alegada distribuição de dividendos ocorreu pouco depois de a já referida sociedade …. G…. receber, pela venda do terreno doado pela Empresa dos Caminhos de Ferro de …, a quantia de USD 16.767.363,94, que representou o final do pagamento do preço de venda já acima referido de USD 78.678.324,00. Tal alegada distribuição de dividendos voltou a ocorrer em 2019, desta vez feita a partir da conta da WFS junto do BAI EUROPA. Com efeito, na data de 2 de Maio de 2019 mostra-se lançado na conta em Euros da WFS junto do BAI EUROPA, um movimento a crédito de 4.000.000,00 que se verificou ter tido origem na conta da mesma WFS junto do EUROBIC. Logo de seguida a esse crédito mostram-se realizadas transferências a débito para alguns dos acima referidos acionistas, a titulo de dividendos, referentes ao ano de 2018, tendo sido identificados os seguintes pagamentos:
- € 369.789,34 a favor de JJ, para a conta BCP ….;
- € 616.315,56 a favor de HH, para a conta no Banque Privée BCP com o IBAN …..;
- € 1.972.209,78 a favor de EE, para a conta no Banque Privée BCP com o IBAN ……. No que se reporta ao ano de 2018, os dividendos que foram declarados como tendo sido pagos a AA atingiram o montante de USD 1.962.910,00, tendo parte desse montante sido pago para uma conta do mesmo junto do Banco Atlântico Europa, com o IBAN …... Atendendo à proporção do capital social detido pelo AA, os referidos 17,5% afigura-se que o montante distribuído é proporcionalmente superior ao distribuído aos demais sócios, se atendermos a que o EE, que detêm 40%, recebeu € 1.972.209,78. Também no que se refere à distribuição de dividendos referentes ao ano de 2019 se verifica que o AA se prepara para receber o montante de € 1.110.548,95, pagos a partir da conta da WFS junto do 13A1 EUROPA e que estão dirigidos à conta do primeiro junto do BCP, conta em Euros n° ….. - o mesmo cidadão possui também no BCP uma outra conta em Euros com o n° …. e uma conta em USD com o n° …... Com efeito, mostra-se que, relativamente ao ano de 2019, a entidade WFS se prepara para pagar aos seus acionistas, alegando serem dividendos, o montante total de € 11.538.170,00, suportado em acta de assembleia geral de aprovação de contas e de distribuição de proveitos, supostamente realizada nas ……, com a presença dos acionistas EE e GG - nas contas aprovadas nessa acta a maior rúbrica de ganhos não são compras e vendas de mercadorias, como é o seu objeto, mas sim prestação de serviços, desconhecendo-se de que tipo. Cabendo ao AA a percentagem de 17,5% desse ganho, a WFS admite distribuir ao mesmo, a título de dividendos do ano de 2019, a quantia de € 2.019.179,92, o que não corresponde à quantia que foi transferida para a conta BCP do primeiro - mesmo admitindo que tivessem sido retidos impostos na fonte. Aliás, na mesma conta do BAI EUROPA em nome da WFS mostram- se lançadas, com data de 21-07-2020, outras transferências a favor dos alegados acionistas, verificando-se que todas são em montante inferior ao que o AA se prepara para receber:
- para o JJ foi transferido € 475.949,55
- para o GG foi enviado C 951.899,10
- para o EE, seguiu o valor de € 793.249,25 - para o II, foi transferido € 475.949,55 Indicia-se assim que a WFS, sendo uma entidade com registo em off- shore, estará a ser usada para fazer distribuir quantias conforme as conveniências e da forma encoberta que os seus beneficiários finais lhe solicitem. Aliás, no que se reporta à gestão da WFS verifica-se que terá sido designada para a função de "Diretor", equivalente a gerência, uma outra entidade, designada de B…. HOLDING OFFSHORE SARE, a qual se afigura também registada em off-chore e cujo beneficiário final se desconhece. Indicia-se que esta entidade WFS não é mais assim, do que uma fachada para o desenvolvimento de práticas de trading entre Portugal e …, situando-se em Portugal o verdadeiro centro de decisão da sociedade. Por esse motivo, entendemos que a verdadeira sede da sociedade se situa no endereço da Rua José Afonso, nº 10-A, em Lisboa, tanto mais que ali se situa também a sociedade FOODCARE, que é a parceira de negócio, designadamente para figurar como fornecedora, da WFS. Aliás, a mesma prática de alegados serviços de trading, que são desnecessários numa normal cadeia de fornecimento, mostra-se desenvolvida por outros acionistas da WFS, numa lógica de sacar de ganhos para a esfera pessoal à custa do preço a que o produto chega no destino ……. O referido EE é casado com MM sendo o casal os pais de NN, pessoa que se encontra ligada às sociedades M…..SA e T……LDA., Ora, a referida sociedade M….. tem também como administrador outro sócio da WFS, no caso o acima referido HH, tendo ainda figurado como administrador dessa sociedade, até 2014, o também acima referido EE - nessa data este último declarava residir em …., na Rua …... A entidade WFS WORLDWIDE FOOD SUPLIERS LIMITEI) corresponde assim a uma extensão das sociedades FOODCARE, como fornecedora em Portugal, e NOVAGEST, como adquirente em ….., sendo uma ficção apenas destinada a serem colocados na sua esfera os ganhos que deveriam ser contabilizados nas outras sociedades exportadoras, aproveitando os agentes, dessa forma, as condições mais benéficas para a tributação desses ganhos. uma vez que a WFS declara ter sede nas Seychel les. Estamos assim, perante uma fraude ao IRC, consumada através da deslocalização viciada dos dividendos para uma entidade de fachada, mas com sede em off-shore e portanto sem sujeição tributária no país onde, de facto, exerce actividade. Por outro lado, mesmo aceitando que sejam gerados ganhos e que sejam distribuídos, sempre os mesmos se mostram aumentados pelo facto de não terem sido suportados os impostos devidos, a que acresce que, relativamente aos pagamentos feitos a AA, se suspeita que estejam ainda acrescidos por outros ganhos ilícitos, gerados por práticas lesivas do Estado de ….. Entendemos assim, que nas contas da WFS WORLD WIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED e nas contas em Portugal de AA se encontram fundos com origem ilícita, representando o produto de crimes de fraude fiscal qualificada, de burla e de abuso de confiança, pelo que importando evitar que tais montantes continuem a circular em operações de branqueamento, determinámos a suspensão de operações, em particular com destino ao estrangeiro e de todas as operações a débito quanto à conta BCP da WFS acima referida. Pelo exposto, determinamos, nos termos dos arts, 47º e 48º da Lei 83/2017, de 18 de agosto, a suspensão temporária das seguintes operações, relativamente às seguintes contas:
- suspensão de todos os movimentos a débito, incluindo do pagamento para a conta de AA, e do acesso via home-banking. relativamente às contas BCP nº ….. (Euro) e nº …… (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLD WIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº ……;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente às conta EUROBIC associadas ao n° ….., titulada em nome de WFS WORLD WIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº …., …. e …., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN ….., titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN ….., em que é interveniente AA, com o NIF ..... . Mais promovemos se comunique a decisão que vier a ser proferida aos Departamentos de Compliance dos Bancos BCP, Santander, EUROBIC, Banco BAI EUROPA e Banco Atlântico Europa, sujeita ao dever de não divulgação, mais se solicitando seja informado o número das contas abrangidas e respetivo saldo actual. Promovemos ainda que, relativamente aos titulares das contas abrangidas, WES WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED e AA, se difira por 30 dias a comunicação da decisão a proferir, de forma a poder realizar as diligência urgentes de recolha da prova, sem que os visados estejam de pré-aviso, nos termos do art. 49º-3 da Lei 83/2017.» (sic) O pressuposto de aplicação desta medida assenta na possibilidade de formulação de um juízo indiciário de que as operações detectadas (realizadas ou em curso), sejam particularmente susceptíveis de estarem relacionadas com a prática de actividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo. Assim, por via da citada Lei 83/2017, pretendeu o legislador adoptar medidas preventivas de combate aos referidos fenómenos - branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, o que fez por ter entendido que os instrumentos e mecanismos já disponíveis, designadamente os disciplinados pelo Código de Processo Penal, revelavam, desde logo, insuficiência e desadequação para a prossecução de tais fins preventivos, donde se poderá concluir que, se tratam, na verdade, instrumentos diversos e dependentes de pressupostos igualmente diferentes. No nosso humilde entendimento, julgamos que o legislador compreendeu que o fenómeno do branqueamento de capitais deve ser visto como um processo e não como um acto isolado, uma vez que se visa ocultar ou dar nova justificação para um conjunto de fundos de indiciada origem ilícita, finalidade que apenas é alcançada por um somatório de operações/ manobras de colocação, de circulação e de integração, que, a final, pode permitir quebrar a ligação dos fundos com a sua real origem ilícita — vide "El delito de blanqueo de capitales", de Carlos Aránguez Sánchez, Editora Marcial Pons, ano 2000, página 45. Ademais, a medida preventiva disciplinada pelo Lei 83/2017, de 17/08, não faz apelo aos pressupostos de que dependem os meios de obtenção de prova disciplinados pelo art.º 181º do CPP, relativamente a apreensões. O mesmo será dizer que, limitar a fundamentação da medida preventiva com a verificação de indícios sérios, no momento inicial ou mesmo embrionário de uma investigação, poderia inviabilizar, por si só, grande parte da possibilidade de prevenção de práticas de branqueamento e de utilização do sistema financeiro para esse fim, quando a medida aqui em referência se propõe viabilizar a investigação relativamente à prática ou comportamento que se diagnostica na forma de suspeita. Neste tocante, somos do entendimento de que a medida de suspensão de operações bancárias a débito, depende apenas da existência de suspeitas de prática de acto criminoso - de catálogo, e deve ser entendida como um meio especial cautelar, reservado, designadamente à criminalidade económico-financeira, capaz de inviabilizar a disseminação dos fundos detectados (de proveniência duvidosa) no sistema financeiro, devendo, posteriormente e de imediato prosseguir a investigação sobre a ilicitude da transacção bancária fundada na existência de um crime precedente. Porém, a especificidade da medida de suspensão de operações bancárias a débito, não dispensa o apelo a princípios gerais da necessidade da aplicação de tal medida e da sua criteriosa proporcionalidade e busca da verdade material, critérios, aliás, orientadores de qualquer outra intervenção investigatória ou judicial, pelo que, defendemos que tal interpretação não belisca os princípios constitucionais de adequação e proporcionalidade e não comprime infundadamente Direitos, Liberdades e Garantias, protegidos pela Lei fundamental. Reunidos que estejam os pressupostos fundamentais, o recurso a uma medida desta natureza, pretende, desde logo, defender os superiores interesses da investigação criminal em crimes desta natureza, que, no nosso entender, justificam o sacrifício imposto ao visado pela medida, pois que fica sujeito a uma mora na disponibilização de determinada quantia. Ao sobredito acresce que, ao amparo do disposto nos artºs 15º, nº 2 e 40º, ambos da Lei 25/2008, de 05/06, essa apreciação é feita, em primeiro lugar, pelas entidades obrigadas a um dever de vigilância, entre as quais as entidades do sector financeiro e seus reguladores. Relativamente ao crime de branqueamento, designadamente quanto à sua autonomia, a mesma resulta de o crime ser previsto, pelo art.º 368º-A do Código Penal, relativamente a bens provenientes da prática de "factos ilícitos típicos", não se pressupondo, desde logo, a existência de uma condenação anterior ou sequer simultânea com a actividade de branqueamento, mas sim a verificação, independentemente de um juízo de culpa, de um "facto ilícito típico", que proporciona a produção de uma vantagem, a qual se pretende converter, transferir ou ocultar. Tal autonomia do crime de branqueamento de capitais é imposta, desde logo, pelo art.º 9º, nº 5 da Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, concluída em Varsóvia a 16-05-2005, ratificada por Portugal, conforme Resolução da AR nº 82/2009, de 27 de Agosto, e Decreto do Presidente da República nº 78/2009, de 27/08, vigente relativamente a Portugal desde 01-08-2010. No referido art.º 9º, nº 5 da Convenção, declaradamente se estatui que deverá ser garantida a possibilidade de condenação por branqueamento, independentemente de condenação anterior ou simultânea pela prática de infracção subjacente. Nesse tocante, todas as operações bancárias que recaíam sobre os fundos cuja origem mereça a referida apreciação de risco devem ser consideradas suspeitas de constituírem manobras de branqueamento de capitais. Aqui chegados, cumpre consignar que o Tolo, tem vindo a louvar-se no douto aresto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa - 5a Secção, datado de 10-01-2012, Pº 169/10.6TELSB-A.L1, o qual nos ensina que a medida aqui em causa, sendo um instrumento de recolha de prova, não pressupõe obrigatoriamente a existência de fortes indícios da prática do crime de "catálogo" e de quem é ou são os seus agentes, isto porque o recurso à imposição de tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime de "catálogo", como a seguir se transcreve: (...) " Importa deixar claro que o recurso a tal-medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo. Com efeito, sendo um instrumento de recolha de prova, não faria sentido que fosse legafinente exigida a existência dessa forte indiciação, sob pena de se contrariar, ou submeter a uma inversão intolerável, a lógica da reconstrução material da verdade factual levada a cabo peta investigação criminal A. semelhança do que acontece com outros meios de obtenção de provas (v.g. as intercepções telefónicos), basta que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes. " (...) Vai mais longe o supracitado Acórdão do TRL, quando nos aclara: (...) "não se trata de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, mas essencialmente de um meio de recolha de prova na investigação do branqueamento, não se lhe pode negar uma certa função cautelar ("prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais'. Mas não podem restar dúvidas de que se trata de um dos instrumentos do regime específico de obtenção de prova instituído para superar alguns pontos de broqueio na investigação da criminalidade económico financeira organizada. A suspensão de movimentos sobre contas de depósitos é, pois, uma medida que se integra no recentemente criado instituto de controlo ou vigilância de contas bancárias e os traços essenciais do seu regime são os seguintes: §tem de ser ordenada ou autorizada pelo juiz (caso em que será incluída no despacho judiciar que ordena ou autoriza o controlo da(s) conta(s) bancária(s)) ou, sendo da iniciativa de uma "entidade sujeita" ao dever de abstenção, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 17.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, tem de ser confrmada peto juiz de instrução criminal- no prazo de dois dias úteis a contar da comunicação daquela entidade; § a sua aplicação terá lugar quando se revelar necessária a prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais e tiver grande interesse para a descoberta da verdade." (...) (sic.) Assim, atenta a factualidade vertida na douta promoção em apreciação supra transcrita, que aqui se dá por reproduzida e, face aos indícios da proveniência ilícita dos fundos e por forma a evitar que estes se dispersem na economia legítima enquanto se apura a verdade dos factos, deferindo-se ao doutamente promovido pelo titular da acção penal, ao abrigo do disposto nos art.ºs 48.º e 49º, da Lei 83/2017 de 18/08, confirmo a suspensão temporária decretada pelo DCIAP e determino o bloqueio de todo o tipo de movimentos a débito e do acesso através do canal de home banking, relativamente às seguintes contas, a vigorar até 27 de Outubro de 2021: (rectificado por despacho de fls. 951 para 27 de Outubro de 2020).
- suspensão de todos os movimentos a débito, incluindo do pagamento para a conta de AA, e do acesso via home-banking. relativamente às contas BCP nº …… (Euro) e nº ….. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLD WIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº …..;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente às conta EUROBIC associadas ao nº …., titulada em nome de WFS WORLD WIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP n° …., …… e ….., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN ….., titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN …., em que é interveniente AA, com o NIF ...... Oficie à respectiva IC, com a advertência de que fica obrigado ao dever de não divulgação consagrado no art.º 54.º n.ºs 1 e 5 da Lei n.º 83/2017. Defiro por 30 dias a comunicação da decisão, de forma a poder realizar as diligências urgentes de recolha de prova sem que os visados estejam ao corrente, tudo ao amparo do art.º 49.º, 3 da Lei 88/07 Notifique. D.N.. Fls. 239 e seg.s — Veio o detentor da acção penal, promover a alteração da medida de suspensão temporária e bloqueio de contas, nos termos e com os seguintes fundamentos que infra se transcrevem: «Alteração da medida de suspensão temporária e bloqueio de contas Posteriormente à nossa promoção de folhas 107 e seguintes, o BCP veio informar que o suspeito AA tinha pedido a emissão de um de um cheque bancário no montante de € 723.750,00, a adquirir por débito da sua conta nº …... Verifica-se que a conta nº …. dispunha de um saldo disponível de € 17.203,91, tendo recebido, na data de 27 de Julho, uma transferência, com origem em conta da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED junto do Banco BAI EUROPA, no montante de e 1.110.548,95. A conta do BAI EUROPA de origem desse montante, conta com o IBAN …., da referida WFS, veio a ser bloqueada a operações a débito, mas apenas para o estrangeiro, no âmbito do presente Inquérito. Verifica-se assim, que, por lapso, referimos a folhas 108 que a operação de transferência de € 1.110.548,95 para a conta BCP de AA tinha tido origem na conta BCP da WFS, conta nº ….., quando, na realidade, essa operação teve origem na conta da WFS junto do BAI EUROPA. Tal reposição da verdade quanto ao circuito dos fundos reforça a estabilidade dos montantes que remanescem nas contas da WFS junto do BCP, já notada a folhas 107, último parágrafo. Certo é que, em face do então decidido, a operação de transferência de fundos da WFS para o AA, que pretendíamos impedir, acabou por se consumar, gerando uma disponibilidade na conta BCP deste último, conta nº ….., no montante de € 1.127.752,86. Sobre esse montante o AA pretende mobilizar, por compra de um cheque bancário, a quantia de € 723.750,00, alegando que se destina à aquisição de um imóvel. Verifica-se que essa aquisição de imóvel será feita em nome da sociedade ,I…..LDA, na qual figura como um dos sócios, desde Outubro de 2019, a pessoa de OO, residente em …., que será filho de AA. Estamos assim, perante uma forma indireta de aporte de fundos a uma sociedade, uma vez que, pese embora AA tenha feito um contrato de mútuo com OO, os fundos não entram na esfera do mutuário, mas são diretamente pagos a uma pessoa terceira, vendedora de um imóvel à sociedade onde intervém OO. Note-se que o contrato de mútuo tem a data de 28 de Julho 2020, quando os fundos da WFS entraram na conta do AA na data de 27 de Julho 2020, evidenciando o propósito de que os mesmos fossem, de imediato, aplicados. A mesma lógica explica a estratégia seguida por AA de pedir sucessivos financiamentos junto do BCP, os quais liquida depois de uma só vez, suportando encargos com juros, mas conseguindo, dessa forma, ter uma aparente explicação para as elevadas disponibilidades que mantém nas contas - só no presente ano AA contratou com o BCP cinco financiamentos, que somam um total de cerca de 2,5 milhões de euros. De facto, conforme razões já adiantadas na nossa promoção de folhas 107 e seguintes, que aqui damos por reproduzidas, a actividade de WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS, que é uma entidade em off-shore, está efetivamente sedeada em Portugal e aqui deve reportar para efeitos fiscais, o que não acontece. Verifica-se mesmo, segundo informação agora recebida das Alfândegas, que as únicas exportações realizadas de Portugal para …, onde o adquirente é a sociedade NOVAGEST, têm como expedidor a sociedade FOODCARE, que é controlada pelos mesmos sócios da WFS. Mostra-se assim, reforçada a indiciação de que a WFS é uma plataforma fictícia para a colocação de operações, que na realidade não desenvolve, permitindo apenas a deslocação de ganhos para uma entidade que não está sujeita a qualquer tributação, uma vez que registada e data como sedeada nas Seychelles. O nível de ganhos alocados à WFS é tal que, só nas contas tituladas por essa entidade junto do BAI EUROPA, se encontra um montante total de perto de 15 (quinze) milhões de USD. Pelo exposto, entendemos que os montantes distribuídos pela WFS são o produto de crime de fraude fiscal, além do mais, pelo que a utilização desses fundos transferidos para a conta de AA, deve ser bloqueada. Por outro lado, face ao crescente de indícios, entendemos que as contas tituladas pela WFS devem ser bloqueadas a todas as formas de movimentos a débito. Assim, nos termos dos arts. 48º e 49º da Lei 83/2017, de 18 de agosto, promovemos se confirme a suspensão temporária e se reformule a decisão de bloqueio de folhas 126, mantendo a mesma vigência de 27 de Outubro 2020, mas passando a abranger as seguintes operações:
- suspensão de todos os movimentos a débito e do acesso via honre-banking, relativamente às contas BCP nº ….. (Euro) e nº …. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente à contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº ……;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às conta EUROBIC associadas ao n° …., titulada em nome de WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todas as operações a débito da conta BCP nº … que impliquem a diminuição do saldo de conta abaixo do montante de € 1.110.548,95, que corresponde ao montante recebido da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS e que assim deve permanecer cativo na conta, ficando assim também suspensa a venda do cheque bancário solicitada pelo cliente AA a débito da mesma conta;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº … e …, tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
-- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN …., titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular (medida inalterada);
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN ….., em que é interveniente AA, com o NIF ..... (medida inalterada). Mais promovemos que, assim se decidindo, a nova decisão seja comunicada aos Bancos onde se encontram as contas cujo regime de bloqueio foi alterado, caso dos bancos BCP, BAI EUROPA e EUROBIC, sujeito ao dever de não divulgação.» (sic). Cumpre decidir: Atenta a douta promoção do titular da acção penal supra transcrita, com a qual se concorda na íntegra, corroboramos o entendimento sancionado pelo detentor da acção penal de que, os montantes distribuídos pela WFS são o produto de crime de fraude fiscal, além do mais, pelo que a utilização desses fundos transferidos para a conta de AA, deve ser bloqueada. Por outro lado, como bem refere o titular da acção penal, face ao crescente de indícios, entendemos que as contas tituladas pela WFS devem ser bloqueadas a todas as formas de movimentos a débito. Assim, atenta a douta promoção em apreciação, com a qual se concorda, mantendo-se os fundamentos de facto e de direito do despacho inicial supra que aqui se reitera e se dá por reproduzido, por mera economia processual, face aos indícios da proveniência ilícita dos fundos e por forma a evitar que estes se dispersem na economia legítima enquanto se apura a verdade dos factos, deferindo-se ao doutamente promovido pelo titular da acção penal, ao abrigo do disposto nos art.ºs 48.º e 49º, da Lei 83/2017 de 18/08, confirmo a suspensão temporária decretada pelo DCIAP e reformulo adecisão de bloqueio supra determinada de todo o tipo de movimentos a débito e do acesso através do canal de home bankinq, relativamente às seguintes contas, a vigorar até 27 de Outubro de 2021: (rectificado por despacho de fls. 951 para 27 de Outubro de 2020)
- suspensão de todos os movimentos a débito e do acesso via home-banking, relativamente às contas BCP nº ….. (Euro) e nº …. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente à contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros n° ……;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às conta EUROBIC associadas ao nº …, titulada em nome de WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todas as operações a débito da conta BCP nº …. que impliquem a diminuição do saldo de conta abaixo do montante de € 1.110.548,95, que corresponde ao montante recebido da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS e que assim deve permanecer cativo na conta, ficando assim também suspensa a venda do cheque bancário solicitada pelo cliente AA a débito da mesma conta;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº …. e …., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN …, titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular (medida inalterada);
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN ….., em que é interveniente AA, com o NIF ..... (medida inalterada). Oficie às respectivas IC's, com a advertência de que ficam obrigadas ao dever de não divulgação consagrado no art.º 54.º n.ºs 1 e 5 da Lei n.º 83/2017. Defiro por 30 dias a comunicação da decisão, de forma a poder realizar as diligências urgentes de recolha de prova sem que os visados estejam ao corrente, tudo ao amparo do art.º 49.º, 3 da Lei 88/07 Notifique. D.N.. Fls. 357 (ponto III) — Veio o detentor da acção penal promover a prorrogação da medida de suspensão de operações a débito, nos termos e com os seguintes fundamentos: «Resulta do despacho de fls. 249 que as medidas de suspensão de operações bancárias se mantêm até ao próximo dia 27 de Outubro, pelo que se impõe proceder à sua revisão tendo em vista eventual prorrogação. Compulsados os autos constata-se que neste momento mantêm-se inalterados os pressupostos de facto e de direito que estiveram na origem do decretamento da medida aplicada por despacho de fls. 126 a 127 dos autos e alterada por despacho de fls. 249. Assim, dando por integralmente reproduzidas as promoções de fls. 107 a 118 e 239 a 244, o Ministério Público promove que as medidas em causa se mantenham até ao próximo dia 27 de Janeiro de 2021.» (sic). Cumpre decidir: No âmbito dos presentes autos, foi confirmada a suspensão temporária decretada pelo DCIAP e determinado o bloqueio das seguintes operações, a vigorar até 27/10/2020:
- suspensão de todos os movimentos a débito e do acesso via homebanking, relativamente às contas BCP nº ….. (Euro) e nº …. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente à contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº ….;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às conta EUROBIC associadas ao nº …., titulada em nome de WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todas as operações a débito da conta BCP nº …. que impliquem a diminuição do saldo de conta abaixo do montante de € 1.110.548,95, que corresponde ao montante recebido da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS e que assim deve permanecer cativo na conta, ficando assim também suspensa a venda do cheque bancário solicitada pelo cliente AA a débito da mesma conta;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº ….. e …., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN …., titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular (medida inalterada);
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN …., em que é interveniente AA, com o NIF ..... (medida inalterada) O detentor da acção penal, veio promover a renovação da medida vigente, por um novo período de três meses, aduzindo o entendimento que subscrevemos, de que subsistem os pressupostos de facto anteriormente promovidos que conduziram à decretação e manutenção da medida vigente. Verifica-se que a presente investigação não se mostra ainda concluída. Compulsados os autos e, atenta a douta promoção antecedente e supra transcrita, entendemos que continuam a manterem-se válidos e actuais todos os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a determinação da medida vigente, inexistindo, até ao momento, quaisquer elementos nos autos que permitam infirmar, com segurança, as suspeitas iniciais. As medidas em apreço estão sujeitas à clausula rebus sic standibus. Como já antes referido, a medida aqui em referência configura natureza cautelar, cuja imposição resulta, aliás, das próprias Directivas da EU, relativas à prevenção do branqueamento de capitais (actuais Directivas 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e Directiva 2006/70/CE, da Comissão). Consigna-se que, o TCIC tem vindo a louvar-se no douto cresto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa – 5ª Secção, datado de 10-01-2012, Pº 169/10.6TELSB-A.L1, o qual nos ensina que a medida aqui em causa, sendo um instrumento de recolha de prova, não pressupõe obrigatoriamente a existência de fortes indícios da prática do crime de "catálogo" e de quem é ou são os seus agentes, isto porque o recurso à imposição de tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime de "catálogo", como a seguir se transcreve: (...) " Importa deixar claro que o recurso a tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo. Com efeito, sendo um instrumento de recolha de prova, não faria sentido que fosse legalmente exigida a existência dessa forte indiciação, sob pena de se contrariar, ou submeter a uma inversão intolerável, a lógica da reconstrução material da verdade factual levada a cabo pela investigação criminal. Á semelhança do que acontece com outros meios de obtenção de provas (v.g. as intercepções telefónicas,), basta que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes." (...) Vai mais longe o supracitado Acórdão do TRL, quando nos aclara: (...) "não se trata de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial; mas essencialmente de um meio de recolha de prova na investigação do branqueamento, não se lhe pode negar uma certa função cautelar «prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais"). Mas não podem restar dúvidas de que se trata de um dos instrumentos do regime específico de obtenção de prova instituído para superar alguns pontos de broqueio na investigação da criminalidade económico financeira organizada. A suspensão de movimentos sobre contas de depósitos é, pois, uma medida que se integra no recentemente criado instituto de controlo ou vigitância de contas bancárias e os traços essenciais do seu regime são os seguintes: § tem de ser ordenada ou autorizada pelo juiz (caso em que será incluída no despacho judicial que ordena ou autoriza o controlo da(s) conta(s) bancaria(s)) ou, sendo da iniciativa de uma "entidade sujeita" ao dever de abstenção, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 17.° da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, tem de ser confirmada peto juiz de instrução criminal no prazo de dois dias úteis a contar da comunicação daquela entidade; § a sua aplicação terá lugar quando se revelar necessária a prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais e tiver grande interesse para a descoberta da verdade." (…) (sic.) Face ao supra exposto, concordando com o doutamente promovido e supra transcrito, que aqui se dá por integralmente reproduzido, não por falta de ponderação própria da questão, mas por simples economia processual, mantendo-se os fundamentos de facto e de direito do despacho inicial supra, que aqui se dá por reproduzido e, continuando a inexistir nos autos quaisquer elementos que permitam infirmar as suspeitas iniciais, somos a concordar que, por forma a impedir que os fundos se dissipem pela economia legitima enquanto não se apura cabalmente a verdade dos factos, seja mantida a medida preventiva de bloqueio de movimentos na conta em apreço, pelo que, atento o objecto dos autos, determino, ao abrigo do disposto no art.º 49.º, n.ºs 1, 2 e 6, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, a prorrogação/renovação da medida de bloqueio das seguintes operações, a vigorar até 27 de Janeiro de 2021, relativamente às seguintes contas:
- suspensão de todos os movimentos a débito e do acesso via homebanking, relativamente às contas BCP nº ….. (Euro) e nº ….. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente à contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº ……;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às conta EUROBIC associadas ao nº ….., titulada em nome de WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todas as operações a débito da conta BCP nº ….. que impliquem a diminuição do saldo de conta abaixo do montante de € 1.110.548,95, que corresponde ao montante recebido da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS e que assim deve permanecer cativo na conta, ficando assim também suspensa a venda do cheque bancário solicitada pelo cliente AA a débito da mesma conta;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº …. e …., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN …., titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular (medida inalterada); - suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN …., em que é interveniente AA, com o NIF ..... (medida inalterada) . Comunique, via fax, às referidas instituições bancárias. Notifique e D.N.. Os despachos supra foram proferidos em obediência ao determinado pelo douto Acórdão do TRL de 10 de Março de 2021 e em face do promovido pelo detentor da acção penal a fls. 843 e substituem os despachos revogados de fls. 28/07/2020, 06/08/2020 e 26/10/2020. Fls. 840 - Tomei conhecimento do estado dos autos e, bem assim, da douta promoção antecedente. Como já antes referido, no âmbito dos presentes autos, foi confirmada a suspensão temporária decretada pelo DCIAP e determinado o bloqueio das seguintes operações:
- suspensão de todos os movimentos a débito e do acesso via home banking, relativamente às contas BCP nº ….. (Euro) e nº ….. (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente à contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº ……;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às conta EUROBIC associadas ao nº ….., titulada em nome de WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todas as operações a débito da conta BCP nº …. que impliquem a diminuição do saldo de conta abaixo do montante de € 1.110.548,95, que corresponde ao montante recebido da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS e que assim deve permanecer cativo na conta, ficando assim também suspensa a venda do cheque bancário solicitada pelo cliente AA a débito da mesma conta;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº …. e …., tituladas em nome de AA, como NIF .....;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN …., titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular (medida inalterada);
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN ….., em que é interveniente AA, com o NIF ..... (medida inalterada). Tal medida encontra-se em vigor até ao dia 27/04/2021. O detentor da acção penal, veio promover a renovação da medida vigente, por um novo período de três meses, aduzindo o entendimento que subscrevemos, de que subsistem os pressupostos de facto anteriormente promovidos que conduziram à decretação e manutenção da medida vigente. Verifica-se que a presente investigação não se mostra ainda concluída. Compulsados os autos e, atenta a douta promoção antecedente, entendemos que continuam a manterem-se válidos e actuais todos os pressupostos de facto e de direito que fundamentaram a determinação da medida vigente, inexistindo, até ao momento, quaisquer elementos nos autos que permitam infirmar, com segurança, as suspeitas iniciais. Como já antes referido, a medida aqui em referência configura natureza cautelar, cuja imposição resulta, aliás, das próprias Directivas da EU, relativas à prevenção do branqueamento de capitais (actuais Directivas 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e Directiva 2006/70/CE, da Comissão). Consigna-se que, o TCIC tem vindo a louvar-se no douto aresto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa – 5ª Secção, datado de 10-01-2012, Pº 169/10.6TELSB-A.L1, o qual nos ensina que a medida aqui em causa, sendo um instrumento de recolha de prova, não pressupõe obrigatoriamente a existência de fortes indícios da prática do crime de "catálogo" e de quem é ou são os seus agentes, isto porque o recurso à imposição de tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime de "catálogo", como a seguir se transcreve: Importa deixar claro que o recurso a tal medida não depende da existência de fortes indícios da prática de um crime do catálogo. Com efeito, sendo um instrumento de recolha de prova, não faria sentido que fosse legalmente exigida a existência dessa forte indiciação, sob pena de se contrariar, ou submeter a uma inversão intolerável, a lógica da reconstrução material da verdade factual levada a cabo pela investigação criminal. Á semelhança do que acontece com outros meios de obtenção de provas (v.g. as intercepções telefónicas), basta que haja suspeitas da prática do crime (de catálogo) e de quem é ou são os seus agentes. " (...) Vai mais longe o supracitado Acórdão do TRL, quando nos aclara: ( ...) "não se trata de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, mas essencialmente de um meio de recolha de prova na investigação do branqueamento, não se lhe pode negar uma certa .função cautelar ("prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais"). Mas não podem restar dúvidas de que se trata de um dos instrumentos do regime específico de obtenção de prova instituído para superar alguns pontos de bloqueio na investigação da criminalidade económico-financeira organizada. A suspensão de movimentos sobre contas de depósitos é, pois, uma medida que se integra no recentemente criado instituto de controlo ou vigilância de contas bancárias e os traços essenciais do seu regime são os seguintes: § tem de ser ordenada ou autorizada pelo juiz (caso em que será incluída no despacho judicial que ordena ou autoriza o controlo da(s) contas) bancária(s)) ou, sendo da iniciativa de uma "entidade sujeita- ao dever de abstenção, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 17. da Lei n. º 25/2008, de 5 de Junho, tem de ser confirmada pelo juiz de instrução criminal no prazo de dois dias úteis a contar da comunicação daquela entidade; § a sua aplicação terá lugar quando se revelar necessária a prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais e tiver grande interesse para a descoberta da verdade." (...) (sic.) Face ao supra exposto, concordando com o doutamente promovido, que aqui se dá por integralmente reproduzido, não por falta de ponderação própria da questão, mas por simples economia processual e, continuando a inexistir nos autos quaisquer elementos que permitam infirmar as suspeitas iniciais, somos a concordar que, por forma a impedir que os fundos se dissipem pela economia legitima enquanto não se apura cabalmente a verdade dos factos, seja mantida a medida preventiva de bloqueio de movimentos na conta em apreço, pelo que, atento o objecto dos autos, determino, ao abrigo do disposto no art.º 49.º, n.ºs 1, 2 e 6, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, a prorrogação/renovação da medida de bloqueio das seguintes operações, a vigorar até 27 de Julho de 2021, relativamente às seguintes contas:
- suspensão de todos os movimentos a débito e do acesso via home banking, relativamente às contas BCP nº … (Euro) e nº … (USD), tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente à contas do Banco BAI EUROPA tituladas em nome da WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243, designadamente da conta em euros nº ……;
- suspensão de todos os movimentos a débito relativamente às conta EUROBIC associadas ao n° …, titulada em nome de WFS WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS LIMITED, com o NIF 710787243;
- suspensão de todas as operações a débito da conta BCP nº ….. que impliquem a diminuição do saldo de conta abaixo do montante de € 1.110.548,95, que corresponde ao montante recebido da WORLDWIDE FOOD SUPPLIERS e que assim deve permanecer cativo na conta, ficando assim também suspensa a venda do cheque bancário solicitada pelo cliente AA a débito da mesma conta;
-suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro, relativamente às contas BCP nº … e …., tituladas em nome de AA, com o NIF .....;
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta do Banco Atlântico Europa com o IBAN …, titulada em nome de AA, com o NIF ....., bem como de outras contas do mesmo titular (medida inalterada);
- suspensão dos movimentos a débito para o estrangeiro relativamente à conta SANTANDER com o IBAN ….., em que é interveniente AA, com o NIF ..... (medida inalterada) . Comunique, via fax, ás referidas instituições bancárias. Notifique e D.N.. Fls. 879, com referência a fls. 847 a 861 - Veio AA, a douto punho, apresentar reclamação do despacho proferido pelo M.º P.º em 12/04/2021, que lhe indeferiu o requerimento a requerer a sua constituição como arguido na pessoa do seu mandatário, pretendendo que seja declarada a nulidade de tal despacho ao abrigo do art.º 120º nº 2 al. d) do CPP ou, subsidiariamente, a irregularidade do mesmo nos termos do art.° 123º do CPP. O detentor da acção penal, pronuncia-se nos seguintes termos: «Inconformado com o despacho proferido pelo MP em 12-04-2021 que indeferiu a pretensão de ser constituído arguido na pessoa do seu mandatário ao qual concedeu poderes especiais para o efeito (nos termos da procuração forense que juntou aos autos), AA veio reclamar daquele despacho perante o Mº JIC, pretendendo que seja declarada a nulidade daquele despacho ao abrigo do art. 120º nº 2 al. d) do CPP ou, subsidiariamente, a irregularidade do mesmo nos termos do art. 123º do CPP. Considerando que está em causa uma suposta nulidade sanável ou irregularidade de um ato praticado pelo MP no inquérito, em matéria não incluída na reserva de competência do juiz de Instrução definida nos arts. 268º e 269º do CPP, e que, por força da autonomia do MP (art. 219º nº 2 da CRP; art. 3º Lei n.º 68/2019, de 27-08) e da estrutura acusatória do processo penal (art. 32º nº 5 da CRP) assente na separação orgânica e funcional entre a magistratura do MP e Judicial, o juiz de instrução não é uma instância de recurso das decisões proferidas pelo MP, em sede de inquérito, no exercício das suas competências, promove-se que a reclamação seja liminarmente indeferida. Sem prescindir, caso assim não se entenda, deve a reclamação ser indeferida por não se verificarem os alegados vícios no despacho reclamado. Como se alcança daquele despacho, o que o MP indeferiu não foi o pedido do ora reclamante ser constituído arguido (art. 59º nº 2 do CPP) e sujeito a TIR, para satisfação do qual, de imediato determinou ao OPC a realização de diligências urgentes no sentido daquele ser constituído arguido e sujeito a TIR, caso fosse localizado na sua morada em Portugal, ao mesmo tempo que expediu carta rogatória às autoridades judiciárias de ….. para os mesmos efeitos. O que o MP indeferiu foi a pretensão dessa constituição de arguido e sujeição a TIR serem realizadas na pessoa do mandatário do reclamante com poderes especiais, por não ser legalmente permitido, atentas as razões aludidas no despacho reclamado que aqui se dão por integralmente reproduzidas» (sic). Cumpre decidir: Veio o ora requerente AA, reagir contra o despacho do titular da acção penal que indeferiu o seu pedido de constituição como arguido na pessoa do seu mandatário ao qual concedeu poderes especiais para o efeito, arguindo a nulidade de tal despacho. Porém, corrobora-se o entendimento sancionado pelo detentor da acção penal de que, estando em causa uma suposta nulidade sanável ou irregularidade de um ato praticado pelo M.º P.º no inquérito, em matéria não incluída na reserva de competência do juiz de Instrução definida nos arts. 268º e 269º do CPP, e que, por força da autonomia do M.º P.º (art. 219º nº 2 da CRP; art. 3º Lei n.º 68/2019, de 27-08) e da estrutura acusatória do processo penal (art. 32º nº 5 da CRP) assente na separação orgânica e funcional entre a magistratura do MP e Judicial, o juiz de instrução não é uma instância de recurso das decisões proferidas pelo MP, em sede de inquérito, no exercício das suas competências. Entendemos que o requerente deveria e só poderia ter reagido contra a rejeição do requerimento pelo Ministério Público, submetendo a questão ao superior hierárquico do magistrado do Ministério Público, por intermédio de reclamação hierárquica, pelo que se indefere liminarmente a reclamação apresentada. Notifique. D.N.
Apreciemos.
Nulidade ou irregularidade das decisões de substituição dos revogados despachos de 28/07/2020, 06/08/2020 e 26/10/2020 e de confirmação da renovação da medida de suspensão das operações/movimentos a débito de contas bancárias da titularidade do recorrente, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP
Considera o recorrente que as decisões recorridas são nulas, nos termos do estabelecido no artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP, ou irregulares, por não terem sido antecedidas (nem sucedidas) da sua constituição como arguido.
A Lei nº 83/2017, de 18/08, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como, a Directiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016, que altera a Directiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações anti branqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais – artigo 1º.
Estabelece-se no seu artigo 48º:
“1 - Nos quatro dias úteis seguintes à remessa da informação a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, o DCIAP pode determinar a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando para o efeito a entidade obrigada.
2 - Fora dos casos previstos no número anterior, a suspensão temporária pode ainda ser decretada nas seguintes situações:
a) Quando as entidades obrigadas não tenham dado cumprimento ao dever de comunicação de operações suspeitas previsto no artigo 43.º ou às obrigações de abstenção ou de informação previstas no artigo anterior, sendo os mesmos devidos;
b) Com base em outras informações que sejam do conhecimento próprio do DCIAP, no âmbito das competências que exerça em matéria de prevenção das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo;
c) Sob proposta da Unidade de Informação Financeira com base na análise de comunicações de operações suspeitas preexistentes.
3 - A decisão de suspensão temporária:
a) Pode abranger operações presentes ou futuras, incluindo as relativas à mesma conta ou a outras contas ou relações de negócio identificadas a partir de comunicação de operação suspeita ou de outra informação adicional que seja do conhecimento próprio do DCIAP, independentemente da titularidade daquelas contas ou relações de negócio;
b) Deve identificar os elementos que são objeto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos:
i) O tipo de operações ou de transações ocasionais;
ii) As contas ou as outras relações de negócio;
iiiAs faculdades específicas e os canais de distribuição.”
E, no artigo 49º:
“1 - A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação.
2 - Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior.
3 - Por solicitação do Ministério Público, a notificação das pessoas e entidades abrangidas, na decisão fundamentada do juiz de instrução que, pela primeira vez, confirme a suspensão temporária, pode ser diferida por um prazo máximo de 30 dias, caso entenda que tal notificação é suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato.
4 - O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efetuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se outra não houver.
5 - Na vigência da medida de suspensão, as pessoas e entidades por ela abrangidas podem, através de requerimento fundamentado, solicitar autorização para realizarem uma operação pontual compreendida no âmbito da medida aplicada, a qual é decidida pelo juiz de instrução, ouvido o Ministério Público, e ponderados os interesses em causa.
6 - A solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, caso se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima.
7 - Em tudo o que não se encontre especificamente previsto no presente artigo, é subsidiariamente aplicável o disposto na legislação processual penal.”
Pois bem.
Nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP, “constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: (…) a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.”
E, consagra-se, no mesmo Código: “é obrigatória a constituição de arguido logo que (…) tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, ressalvado o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 192º” – alínea b), do nº 1, do artigo 58º.
Vero é que não foi o recorrente constituído arguido antes da prolação dos despachos em causa, mas, também, a lei não o impõe.
É, em causa está uma medida de natureza preventiva e repressiva, nomeadamente de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, o que só pode ser alcançado de forma eficaz com medidas próprias, como a decretada, de forma a evitar que o agente faça desaparecer os valores detectados, nomeadamente através de transferências internacionais facilmente exequíveis, em particular quando podem estar em causa agentes experientes em actividades económico-financeiras internacionais.
Compreende-se que não seja exigida a constituição de arguido, pois não se está perante uma medida de coacção ou de garantia patrimonial – daí a inaplicabilidade do regime previsto no artigo 191º e segs, do CPP - mas antes de um instrumento do regime específico cautelar e de obtenção de prova instituído para superar alguns pontos de bloqueio na investigação da criminalidade económico-financeira organizada, conforme se elucida cabalmente no Ac. da R. de Lisboa de 07/05/2019, Proc. nº 963/18.0TELSB-B.L1-5 - no mesmo sentido, vd. Acs. da R. de Lisboa de 06/10/2020, Proc. nº 261/20.9TELSB-A.L1-5 e 10/03/2021, este lavrado neste mesmo Processo; Ac. da R. do Porto de 14/07/2020, Proc. nº 109/19.7TELSB-A.P1, (onde se pode ler: “não constitui uma medida de coacção, dado que estas, de forma insofismável, encontram-se sujeitas ao princípio da legalidade conforme dispõe expressamente o art.191º nº1 do CPP e são determinadas pelo juiz de instrução”), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
No aludido Acórdão de 10/03/2021, que incide sobre recurso também interposto pelo ora recorrente AA dos despachos datados de 28/07/2020, 05/08/2020 e 26/10/2020 do Mmº Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, refere-se:
“Vemos assim que a medida de suspensão temporária de operações bancárias não depende da existência de indícios, mas apenas de suspeitas da existência de um crime de catálogo.
Constitui um mecanismo necessariamente expedito, destinado a prevenir ou a evitar o prosseguimentode uma actividade criminosa de branqueamento, sem prejuízo de se revelar, secundariamente; um instrumento de obtenção de recolha de prova e de informações relevantes para a investigação.
Apesar da natureza cautelar, a medida não apresenta qualquer similitude, seja de que natureza for, com uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, pelo que não vemos fundamento para exigir; no procedimento de decisão da medida de suspensão de operação bancária, a aplicação do regime próprio constante dos artigos 191º e seguintes do Código de Processo Penal, nomeadamente a constituição e audição do Recorrente como arguido.”
E, só não assentamos que sobre a questão se formou caso julgado formal, em virtude de os aludidos despachos, por força do mesmo Acórdão, terem sido revogados por padecerem de irregularidade devido ao desrespeito da obrigação de fundamentação e terem sido substituídos por outras decisões (as revidendas).
Ora, a nulidade mencionada no artigo 120º, nº 2, alínea d), pressupõe que no decurso da fase de inquérito (ou de instrução) não haja sido praticado qualquer acto que a lei considera obrigatório praticar.
Não se impondo, como dito, a prévia constituição de arguido, verificado não está, desde logo, esse pressuposto da verificação da nulidade.
Quanto à subsequente constituição do recorrente como arguido, reconhece o próprio já se ter verificado aos 28/06/2021.
Por outro lado, ainda que assim não fosse (que é, efectivamente) o regime das nulidades apresenta-se sujeito aos princípios da legalidade e tipicidade, como resulta do artigo 118º, nº 1, do CPP, constituindo apenas nulidades insanáveis as que no artigo 119º, do mesmo diploma legal, se mostram elencadas ou as que como tal, são cominadas em outras disposições legais.
A nulidade assinalada na motivação de recurso reveste a natureza de sanável.
Assim entendendo o recorrente, deveria tê-la arguido perante o Mmº juiz da 1ª instância.
Com efeito, como se pode ler no Ac. R. do Porto de 25/11/2020, Proc. nº 230/14.8TAVLG-G.P1, disponível em www.dgsi.pt, nos casos em que tenha sido omitida a prática de um acto legalmente obrigatório, tal como a constituição de arguido, a referida omissão constitui nulidade dependente de arguição. Não estando uma tal nulidade coberta por despacho judicial, nunca poderia o tribunal de recurso dela conhecer, na medida em que jamais uma irregularidade ou uma nulidade sanável poderá constituir fundamento autónomo de recurso, posto que só a nulidade de sentença penal pode ser arguida autonomamente em sede de recurso da decisão final.
É que, não nos eximimos ainda a afirmar, posto que se não está perante questão de conhecimento oficioso (e, também não, manifestamente, no âmbito de aplicação do nº 2, do artigo 379º), o seu conhecimento não competiria a este Tribunal sem que previamente houvesse sido suscitada na 1ª instância, porquanto, os recursos têm por objecto a decisão recorrida e não a questão por ela julgada; são remédios jurídicos e, como tal, destinam-se a reexaminar decisões proferidas pelas instâncias inferiores, verificando a sua adequação e legalidade quanto às questões concretamente suscitadas e não a decidir questões novas, que não tenham sido colocadas perante aquelas.
Face ao que, mesmo que se verificasse a referida nulidade (que não está presente, como se disse), sempre estaria sanada.
Quanto a integrar irregularidade, vale o já explicitado, pois não é exigível legalmente a prévia constituição de arguido.
E, acrescenta-se, a eventual irregularidade teria o regime de arguição previsto no artigo 123º, nº 1, do CPP, estando vedado a este Tribunal da Relação o recurso ao consagrado no seu nº 2 pois, como refere Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, vol. II, 3ª edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 89, “ainda antes da arguição e mesmo que a irregularidade não seja arguida, pode oficiosamente ser reparada ou mandada reparar pela autoridade judiciária competente para aquele acto enquanto mantiver o domínio dessa fase do processo” e, aliás, “mal se perceberia que, sendo a irregularidade o menos relevante dos vícios processuais, tivesse um regime mais devastador do que as nulidades relativas (estas, se não forem arguidas no prazo de 10 dias, ficam sempre definitivamente sanadas – arts. 120º e 105 nº 1 do CPP)” – cfr. Ac. R. de Guimarães de 21/11/2005, Proc. nº 1877/05-1 e Ac. R. do Porto de 27/05/2009, Proc. nº 47/02.2IDPRT-B.L1, a ler no referenciado sítio.
Consequentemente, não tendo o ora recorrente invocado, atempadamente e perante o tribunal a quo (autoridade judiciária que praticou o acto em causa e a competente para reparar a (propalada) a enfermidade, sempre estaria ela sanada.
Nulidade ou irregularidade das mesmas decisões por preterição da prévia audição do recorrente na qualidade de arguido
Assinala ainda o recorrente a verificação das mesmas enfermidades (nulidade ou irregularidade das decisões), por preterição da sua prévia audição na qualidade de arguido.
Mas também aqui sem razão.
Como se deixou retro explanado, a medida em causa não reveste a natureza de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial
E, como se pode ler no já referenciado Ac da R. do Porto de 14/07/2020, “daqui decorrem várias consequências, desde logo para o ato de confirmação da suspensão temporária prevista no nº 2 do art. 49º da Lei nº38/2017 não é necessário o prévio contraditório com o arguido (tal como é exigido nas medidas de coacção)”.
Pois, “muito embora a presente medida de suspensão temporária das operações a débito da conta não constitua uma medida de coacção, o argumento da cláusula rebus sic stantibus” em matéria de reapreciação dos pressupostos é equiparável, porquanto se ele vale na reapreciação das medidas de coacção que constitui um regime mais garantístico, igualmente, pode valer para esta medida. Com o mesmo pressuposto, se para a reapreciação de medidas de coacção gravosas a audição prévia do arguido pode ser dispensada, muito mais no âmbito desta medida, portanto, não obstante o carácter conclusivo e lacónico do despacho, como a ponderação supostamente não incide sobre matéria superveniente com a referida vocação, não seria exigível superior fundamentação, assim devendo improceder as conclusões do recurso na nulidade invocada.”
Porque assim é, também no que tange a esta questão o recurso não merece provimento.
Nulidade das decisões recorridas por inobservância do estabelecido no artigo 194º, nº 6, do CPP
Crítica merece ainda o despacho recorrido, onde se compreendem as duas decisões em causa, aduzindo o recorrente que não foi dado cumprimento aos requisitos estabelecidos no artigo 194º, nº 6, do CPP, pois não “indicam os factos concretos em que se baseia, os meios de prova considerados, e o enquadramento jurídico pertinente, com destaque para a inobservância aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade”, o que geraria a sua nulidade.
Mas, também aqui, como se tem vindo a dizer, não há lugar à observância do estabelecido no normativo legal chamado à colação, pois a medida em causa não é uma medida de coacção ou de garantia patrimonial.
E, vale também o afirmado no que tange à eventual nulidade que sempre teria de ser arguida previamente na 1ª instância e sobre ela incidir decisão judicial para em sede de recurso ser conhecida.
Pelo que improcede, também, o recurso neste segmento.
Verificação do erro de julgamento à luz do regime dos meios de obtenção de prova
Subsidiariamente, sustenta o recorrente que, a considerar a medida aplicada como um meio de obtenção de prova, “sempre haveria que relevar a ilegalidade da mesma à luz do correspondente regime”, pois “pressupondo a aplicação ao caso do regime dos meios de obtenção de prova, haverá então que concluir que a medida concretamente aplicada nos autos serve uma finalidade (preventiva, cautelar…) que esse regime não suporta nem admite, radicando num manifesto erro de julgamento”.
Mas, se vero é que a medida de suspensão de operações financeiras acaba por integrar também um meio de obtenção de prova, como decorre do estabelecido nos nºs 1 e 7, do artigo 56º, da Lei nº 83/2017 (“as entidades obrigadas disponibilizam todas as informações, todos os documentos e os demais elementos necessários ao integral cumprimento dos deveres enumerados nos artigos 43º, 45º, 47º e 53º, ainda que sujeitos a qualquer dever de segredo, imposto por via legislativa, regulamentar ou contratual” – nº 1; “os elementos disponibilizados pelas entidades sujeitas ao abrigo do nº 1 podem ser utilizados em processo penal, nos inquéritos que tiveram origem em comunicações de operações suspeitas, bem como em quaisquer outros inquéritos, averiguações ou procedimentos legais conduzidos pelas autoridades judiciárias, policiais ou sectoriais, no âmbito das respectivas atribuições legais e na medida em que os elementos disponibilizados se mostrem relevantes para efeitos probatórios” – nº 7), menos certo se não mostra que a sua finalidade primordial é a cautelar, “tomada para evitar o descaminho de quantias financeiras envolvidas em movimentos financeiros suspeitos (…) que protege os fins da lei de combate ao branqueamento”, como se refere no Ac. da R. de Lisboa de 06/10/2020, Proc. nº 261/20.9TELSB-A.L1-5, em www.dgsi.pt.
Sendo de natureza cautelar reforçada, não se configura, porém, como uma medida de coacção ou de garantia patrimonial e, apresentando-se, também, como um meio de obtenção de prova, integra um regime específico, pelo que inexiste erro de julgamento algum.
E, também não resulta que tenha sido feita interpretação legal obliteradora das normas contidas nos artigos 18º, nº 2, 32º, nºs 1 e 2 e 62º, da Constituição da República Portuguesa.
Irregularidade das decisões recorridas por falta de fundamentação
No entender do recorrente as decisões de substituição dos despachos revogados de 28/07/2020, 06/08/2020 2 26/10/2020 e de renovação da medida suspensiva até 27/07/2021, padecem de irregularidade, por falta de fundamentação, nos termos do artigo 123º, do CPP, porquanto não contêm um enunciado das respectivas razões, quer por referência aos eventuais factos dados como provados ou sequer indiciados, quer em relação ao respectivo enquadramento jurídico e limitam-se a aceitar e deferir o conteúdo das promoções do Ministério Público, sem ponderação críticas das mesmas. Ao que acresce ser o conteúdo desses despachos meramente remissivo, tendo sido ocultado o teor da promoção do Ministério Público subjacente à decisão de renovação da medida até 27/07/2021.
Tem assento na Lei Fundamental – artigo 205º, nº 1, da CRP – a imposição da fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, devendo esta ser feita na forma prevista na lei.
Por sua vez, estabelece-se no artigo 97º, nº 5, do CPP, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
A falta de fundamentação da sentença integra nulidade, conforme resulta dos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº1 alínea a), do CPP, mas, a omissão de fundamentação de despacho decisório que não seja de mero expediente (com excepção da situação prevista no nº 6, do artigo 194º - norma que já vimos não ser aplicável ao caso em apreço - e da decisão instrutória, esta face ao disposto nos artigos 308º, nº 2 e 283º, nº 3, do mesmo diploma) constitui mera irregularidade, como até adianta o recorrente.
Porque integra uma irregularidade, o respectivo regime de arguição é o previsto no artigo 123º, nº 1, do CPP, não sendo admissível a este Tribunal da Relação o recurso ao consagrado no seu nº 2, pelas razões já enunciadas retro.
Não tendo o recorrente arguido a eventual invalidade das decisões no prazo de três dias a contar do conhecimento das irregularidades, requerendo que o Sr. Juiz a quo concretizasse o que agora vem afirmar foi omitido, a existir, sempre estaria sanada a irregularidade – neste sentido, vd. Ac. da R. do Porto de 09/01/2008, Proc. nº 0715119, no referenciado sítio.
Ao contrário do regime recursivo em sede de sentença final, em que é permitido invocar a nulidade decorrente da falta de fundamentação nos termos do disposto no artigo 379º, nº 2, do CPP, a eventual falta ou insuficiência de fundamentação de um despacho judicial, constituindo uma irregularidade, não é idóneo para ser invocado como fundamento de um recurso, antes devendo ser suscitada perante o tribunal que a praticou, sob pena de se considerar sanada nos termos do artigo 123º, do CPP – cfr. Ac. da R. de Lisboa de 01/03/2021, Proc. nº 401/19.0PLLRS.L1-9, em www.dgsi.pt.
Mas, diz o recorrente que a irregularidade foi tempestivamente invocada perante o TCIC pela “WFS – World Food Suppliers Limited” em 10/05/2021, pelo que não se encontra sanada.
Só que, a arguição da irregularidade pela “WFS – World Food Suppliers Limited” não aproveita ao ora recorrente, que aceitou o despacho nos exactos termos em que foi proferido, relegando para a motivação de recurso a invocação da mesma (não seria assim se estivéssemos perante uma nulidade insanável ou a inexistência jurídica do despacho), o que não é admissível, como vimos.
Assim, não se vislumbra interpretação desconforme às normas contidas nos artigos 18º, nº 2, 20º, nºs 1, 4 e 5 e 32º, nº 1, da Lei Fundamental.
III - DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto por AA e confirmar as decisões recorridas.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.
Lisboa, 19 de Outubro de 2021
(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP).
Artur Vargues
Jorge Gonçalves