CONTRATO DE ARRENDAMENTO
TRANSIÇÃO PARA O NRAU
NEGOCIAÇÃO
Sumário

I - O procedimento extrajudicial, negocial, de “transição do contrato de arrendamento para o NRAU e atualização da renda”, com vista à referida transição e aumento de renda ou, apenas, à transição, a desencadear pelo senhorio mediante comunicação ao arrendatário da sua intenção, vem regulado nos arts 50º a 54º, do NRAU, fazendo o legislador depender, naquele preceito, «a transição para o NRAU” e “a atualização da renda”, de determinadas formalidades e requisitos materiais a observar, sendo eles a comunicação, efetuada nos termos do art. 9º e segs de tal diploma, da sua intenção ao arrendatário, com indicação: i) do valor da renda, ii) do tipo de contrato proposto, iii) da duração do mesmo, iv) do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI constante da caderneta predial urbana e v) cópia dessa mesma caderneta;
II - À comunicação do senhorio (proposta a despoletar negociação, obrigatória, do “novo” contrato, com cessação do vinculísmo anterior) na inobservância, (a si imputável), de requisitos impostos (estes elementos essenciais à definição do contrato de arrendamento a nascer) nenhum valor negocial, pode ser atribuído, antes padecendo de ineficácia;
III - É constitucional a norma legal constante do artigo 50° do NRAU interpretada no sentido de os requisitos materiais aí aludidos (elementos essenciais à definição do novo contrato, carecidos de ponderação pelo arrendatário, tendente à sua necessária consciencialização e formação da vontade negocial), têm de ser, obrigatoriamente, observados, ainda que apenas se vise a transição de contrato vinculistico para o NRAU, sob pena de incumprido o ónus pelo senhorio, a sua comunicação ser ineficaz

Texto Integral

Apelação nº 1672120.9T8PRT.P1
Processo do Juízo Local Cível do Porto – Juiz 6
Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério.

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrentes: os Autores, B… e C….
Recorrida: a Ré, D…, Ld.ª

B… e C… intentaram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra D…, Ld.ª pedindo a condenação desta a:
a) Reconhecer que o Rés-do-chão do bem imóvel identificado é propriedade dos autores;
b) Reconhecer que não tem qualquer título que legitime nem nada que justifique a posse que está a exercer sobre o mesmo;
c) Abrir mão dele e a entregá-lo aos Autores, completamente desembaraçado de pessoas e de coisas, estas que não sejam pertença dos Autores;
d) Indemnizar os Autores por todos os prejuízos decorrentes da ocupação, desde a citação até efetiva entrega e que se venham a liquidar em execução de sentença.
A ré contestou invocando a existência de contrato de arrendamento vigente, bem como invocou litigância de má-fé dos Autores.
Os autores responderam aceitando a pretérita vigência de uma relação de arrendamento e invocando a sua transição para o novo RAU e subsequente oposição à renovação. Juntaram documentos.
A ré pronunciou-se sobre os documentos, alegando que os mesmos, mormente a invocada comunicação de resolução não tem o pretendido efeito resolutivo.
Afigurando-se que seria possível proferir saneador-sentença, foi dado o contraditório à partes, tendo as mesmas alegado o que consta dos autos.
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Foi proferido saneador-sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgando a presente ação totalmente improcedente:
a) absolvo a ré do pedido;
b) condeno a autora nas custas do processo”.
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Os Autores apresentaram recurso de apelação, pugnando por que lhe seja dado provimento e revogada a decisão, formulando, prolixamente, as seguintes
CONCLUSÕES:
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A Ré respondeu pugnando por que seja negado provimento ao recurso.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Da legalidade, validade e eficácia da comunicação efetuada pelos Senhorios à arrendatária, para efeitos de o contrato de arrendamento vinculistico, vigente, transitar para o NRAU.
2º- Da inconstitucionalidade dos ónus impostos nas als a) a c) do art. 50º, do referido diploma, que foram inobservados no procedimento extrajudicial negocial, para o exercício do Direito de operar o transito do contrato para o NRAU, nele consagrado.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
A) - Os autores são proprietários do prédio urbano sito à Rua …, nº .. a .., da freguesia …, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1894º da União de Freguesias de …, …, …, …, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1026/20111010, por o terem adquirido por partilha e por compra – documentos nº 1 e 2 (artigo 1.º da petição inicial – matéria aceite).
B) - A sobredita transmissão encontra-se definitivamente registada a favor dos Autores na competente Conservatória (artigo 2.º da petição inicial – matéria aceite).
C) - Correu termos na instância local cível do Porto (J7), ação comum, sob o n.º 8329/16.0T8PRT, em que foram partes B…, na qualidade de autor e a D…, Ld.ª, na qualidade de ré, nos termos da qual o autor pediu que fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento e a ré condenada a entregar o arrendado, livre de pessoas e bens.
D) - No âmbito da ação referida na alínea C) supra, foi proferida sentença, transitada em julgado, que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido, tendo sido considerado provado o seguinte:
«A) Por contrato escrito, B… deu de arrendamento à sociedade comercial D…, Limitada, que assim o tomou, o rés-do-chão, que compreende uma loja e dependência, do prédio urbano situado à Rua …, nº .. a.. , da freguesia …, concelho do Porto, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 6º.
B) O arrendamento teve início no dia 1 de novembro de 1972, tendo sido celebrado pelo prazo de um ano, renovável.
C) A renda anual convencionada foi de 78.000$00 ou 389,07€, que a sociedade arrendatária se obrigou a pagar em duodécimos de 6.500$00 ou 32,43€, a entregar na residência do Senhorio, ou do seu representante legal, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.
D) Devido às atualizações legais, a renda atualmente situa-se em 418,00€/mês.
E) O arrendado destinou-se ao comércio ou indústria em geral, com exceção de qualquer comércio ou indústria de ferro, restaurante e similares, não podendo ser sublocado, no todo ou em parte, sem consentimento, por escrito do senhorio (cfr. Doc. nº 1 junto com a PI, aqui dado por integralmente reproduzido).
F) Apesar de possuir outros espaços, edifícios e instalações na cidade do Porto, nomeadamente na Rua …, …, no Porto, é no local arrendado (Rua …, .. a .., Porto) que a Ré tem a sua sede social – cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial junta a fls. 24 e ss..
G) É na Rua … que recebe e levanta uma significativa parte da sua correspondência (com exceção das faturas do consumo de água, que são pagas pelo senhorio e cujo valor é adicionado mensalmente à renda).
H) O local arrendado continua a ser usado pela Ré para fins de depósito e conservação de livros, pertença da Ré, como sempre fez desde o início do arrendamento.
I) A Ré, através do sócio-gerente, ou de trabalhadores às ordens deste, vai com regularidade e frequência ao arrendado, não só para levantar correspondência como para depositar livros ou proceder ao seu levantamento para distribuição no circuito comercial
J) O estabelecimento da Ré não se encontra aberto ao público na referida Rua….
K) A Ré exerce a sua atividade de comércio de livros na Rua …, …, no Porto, há mais de um ano consecutivo
L) Na sequência do falecimento de B…, sucederam-lhe dois filhos, o ora Autor e sua irmã E…, a quem o Autor posteriormente comprou a sua metade, encontrando-se a propriedade do imóvel arrendado à Ré registada em nome do Autor (cfr. Doc. nº 2 junto com a PI, aqui dado por integralmente reproduzido). »
E) - Por carta, registada com aviso de receção, datada de 8 de fevereiro de 2017 o autor comunicou à ré o seguinte: «Venho pela presente na qualidade de proprietário e senhorio do prédio urbano (…) do qual essa empresa é arrendatária – arrendamento para fins não habitacionais (…) comunicar a Vossas Excelências a minha intenção de transição do contrato de arrendamento (…) para o Novo Regime do Arrendamento Urbano.
Proponho que o contrato fique submetido ao Novo Regime do Arrendamento Urbano, mantendo-se para fins não habitacionais e com prazo certo com a duração de três anos, renovando-se por um ano.
Informo Vossas Ex.ªas de que dispõem do prazo de 30 dias para responder querendo, podendo nessa resposta:
- Pronunciar-se quanto ao tipo ou à duração do contrato proposto:
- Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 53.º da Lei 6/2006, de 27/02, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08 e pela Lei n.º 79/2014 de 19/12.
Nessa mesma resposta e dentro do mesmo prazo, podem ainda Vossas Excelências invocar isolada ou conjuntamente, as seguintes circunstâncias: (…)
A falta de resposta de Vossas Excelências, bem como a não invocação de qualquer das circunstâncias acima referidas, terá como consequência a aceitação do tipo e duração do contrato acima proposto, ficando o contrato submetido ao Novo Regime do Arrendamento Urbano a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao termo do prazo de resposta acima referido.
(…) doc. de fls. 52-verso e 53).
F) - A ré não respondeu à carta referida na alínea E) supra.
G) - Por carta, registada com aviso de receção, datada de 4 de julho de 2018 o autor e sua cônjuge comunicaram a oposição a renovação do referido contrato, com efeitos a partir de 30 de Abril de 2020 (doc. de fls. 58-verso).
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º- Do procedimento para transição do contrato de arrendamento para o NRAU e da legalidade, validade e eficácia da comunicação efetuada pelo senhorio, por dispensa de ónus

Insurgem-se os apelantes contra a decisão que julgou improcedente a ação, por considerar ineficaz a comunicação efetuada (através da carta enviada a 8-02-2017), pelos autores (senhorios) à ré (arrendatária), entendendo, aqueles, ter-se operado a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, pois que o Senhorio bem pode comunicar ao inquilino essa transição, sem se pronunciar sobre a renda, caso em que estão dispensados da observância do formalismo não observado, previsto nas alíneas a) a c), do art. 50º, do NRAU
Prendendo-se o objeto do litígio com a legalidade, validade e eficácia da comunicação efetuada pelos senhorios à arrendatária e, consequente, operar da transição, para o NRAU, do contrato de arrendamento em vigor, e, subsequente, extinção da relação de arrendamento, entendem os Apelantes ter-se a referida transição operado validamente e bem se terem oposto à renovação do contrato de arrendamento, estando, por isso, a Ré a ocupar, sem título, o local arrendado, cuja entrega pretendem.
A questão a apreciar neste recurso resume-se, pois, a saber se se operou a transição do contrato de arrendamento referido nos autos para o NRAU, como pretendem os Apelantes, procedendo a ação, ou, ao invés, se, a comunicação efetuada foi ineficaz para conseguir tal desiderato, mantendo-se a relação de arrendamento anteriormente existente (com a, consequente, improcedência da pretensão formulada na ação, por a ocupação da Ré ser legitima), como sustenta a apelada e foi entendido pelo Tribunal a quo.
Na verdade, bem considerou o Tribunal de 1ª instância ser a comunicação ineficaz e, por isso, irrelevante a falta de resposta à mesma, mantendo-se o arrendamento, pois que, dispondo o artigo 50.º, do NRAU, no âmbito do arrendamento para fim não habitacional,
«a transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:
a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI constante da caderneta predial urbana;
c) Cópia da caderneta predial urbana.»,
não reveste a comunicação de todos os referidos requisitos impostos.
E bem esclarece a sua posição, indicando a orientação da jurisprudência, quer a do STJ quer a das Relações, que segue, e o que era necessário para que este “novo” contrato pudesse ser, válida e eficazmente, gerado, referindo:
“Como é referido no Ac. STJ de 18.09.2018, processo n.º 8346/15.7T8LSB.L1.S1 (v. www.dgsi.pt), «A especificidade e o rigor impresso às formalidades exigidas explicam-se, em boa parte, pela circunstância de a comunicação em causa dar início a um verdadeiro procedimento negocial obrigatório encetado com vista à formação de um novo contrato e, bem assim, na necessária conjugação entre o mercado do arrendamento e a avaliação fiscal dos imóveis arrendados. Como se vê, estamos, pois, bem distantes da imposição de um estrito formalismo burocrático desprovido de real utilidade.»
Na verdade, e como é salientado pelo acórdão acima mencionado, não estamos perante um mero aumento da renda, tratando-se, ao invés, da negociação de um novo contrato integrado num processo negocial obrigatório. Daí que a falta quer dos requisitos materiais previstos no artigo 50.º do NRAU ou o não cumprimento das regras relativas à forma e destinatário da comunicação tenha como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse sido feita (v. Ac. da RE de 17-01-2019, www.dgsi.pt)” (negrito nosso).
E bem analisa o caso face ao direito aplicável, considerando: A carta remetida não continha todos os elementos previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 50.º do NRAU, desde logo não indicou o valor da renda; nem o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI constante da caderneta predial urbana; nem remeteu a cópia da caderneta predial urbana (…). Pelo que os autores não cumpriram integralmente o procedimento legal previsto no NRAU com vista à transição do contrato para o NRAU e à atualização da renda respetiva. Isto é, a comunicação carece de todos os elementos formativos previstos na lei, logo, por esta considerados essenciais para que aquela comunicação pudesse produzir os efeitos a que se destina” (negrito nosso).
Sustentando os autores que não invocaram, sequer pretenderam, proceder à atualização da renda e sendo os elementos em falta relativos ao aumento de renda, não lhes era exigido que os cumprissem, constata-se que assim não sucede, como entendeu o Tribunal a quo que, citando o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2016, proc. 5538/15.2T8PRT.P, refere: «a fixação da renda por acordo prévio das partes, resultando de um contrato de arrendamento não submetido ao NRAU, (…), teve certamente atualizações ordinárias, como decorrentes e permitidas a partir do disposto no DL nº330/81 de 4/12, resultando assim um balanço e um equilíbrio entre o vinculismo anterior do contrato e a possibilidade de aumento anual ordinário da renda. Não cabendo a atualização extraordinária da renda prevista pelo NRAU, e não optando o senhorio, seja pela denúncia do contrato, seja pela atualização da renda, nos termos do artº 33º nº5 NRAU, diz a doutrina que o “processo de transição para o NRAU” se torna ineficaz, mantendo-se o contrato em vigor como se nada tivesse sucedido”, sem prejuízo de o senhorio poder reiniciar o processo – assim, Dr. Francisco Castro Fraga, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas (coord. Prof. Menezes Cordeiro), pg. 496. Existe assim uma correlação, que a doutrina citada divisa, entre prazo do contrato e aumento extraordinário da renda - não cabendo esta, não cabe o primeiro. Cumpre salientar aliás que o valor do imóvel, para efeitos de tributação, tem inúmeros reflexos em toda a economia da transição do contrato para o NRAU: - o arrendatário pode aceitar ou opor-se ao valor da renda; - o mesmo arrendatário pode propor um novo valor para a renda (artigo 51.º, n.º 3 NRAU); - permite-se a denúncia do contrato, no prazo de dois meses, pelo arrendatário (artigos 53.º e 34.º NRAU); - é permitida a denúncia do contrato pelo senhorio, com base, entre outros, nos valores das rendas propostas por senhorio e arrendatário (artigos 52.º e 33.º, n.º 5 alínea a) NRAU); - permite-se que a renda seja “atualizada”, isto é “aumentada”, de acordo com os critérios do artigo 35.º, n.º 2, alíneas a) e b), considerando-se o contrato celebrado pelo prazo certo de 5 anos – artigo 33.º, n.º 5, alínea b) – ex vi artigo 54.º n.º 1 e 2 NRAU; - só depois do decurso desse prazo o contrato se considera transitado para o NRAU, resultando a renda da aplicação do critério legal supletivo – artigo 54.º, n.º 6. Dir-se-á, porém que o senhorio, no caso concreto, prescindia das faculdades da lei, relativas a alteração da renda, até porque, em concreto, quer o senhorio quer o arrendatário possuíam uma vinculação prévia e que superava a vinculação legal – a renda que vigorava por força do contrato de arrendamento celebrado (...). Todavia quod erat demonstrandum dizer que a renda convencionada supera a renda que os critérios legais estabelecem pressupõe sempre que se possa calcular esta última designadamente por apelo ao disposto nos artigos 52º, 54º, 33º e 35º NRAU. E essa prova carecia de ser efetuada a partir da comunicação do senhorio a que alude, no caso, o artigo 50.º NRAU.»(negrito nosso) [1].
Mais considerou o Tribunal a quo “De igual modo, assim foi entendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-2020 (processo 10390/18.3T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt), nos termos do qual nem sequer é possível ao senhorio optar apenas pela transição para o NRAU. Aí se discutiu se o senhorio podia optar apenas pela transição para o NRAU, sem se encontrar obrigado a indicar o valor do locado, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana, e a enviar cópia da caderneta predial urbana, nos termos previstos nas alíneas b) e c) do art.º 50.º do NRAU, supra transcrito. Foi considerado que: «Embora o corpo do citado art.º 50.º pareça consagrar dois direitos potestativos, ligados pela conjunção copulativa “e”, a verdade é que a previsão da “transição para o NRAU” só está ali prevista para efeitos de “atualização da renda”, funcionando aquele como pressuposto desta. É o que resulta, a nosso ver, das alíneas que se seguem, nomeadamente a) e b) que se referem ao “valor da renda” e “valor do locado”, bem como do conteúdo da resposta a apresentar pelo arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, que se referem ao “valor da renda proposto”. Ainda que assim não se entenda, as alíneas do citado art.º 50.º, nomeadamente as alíneas b) e c), em causa no recurso, respeitam à “transição para o NRAU” e à “atualização da renda”, como claramente resulta daquele normativo. É o que consta da sua letra, pois que, sem fazer qualquer distinção, faz depender o exercício daqueles direitos da “iniciativa do senhorio”, o qual “deve comunicar a sua intenção ao arrendatário” fazendo as indicações elencadas nas alíneas seguintes. É o que diz, de forma clara, aquela norma, não sendo lícito outra interpretação que não tenha na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (cfr. art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil). Além de resultar da letra da lei, segundo cremos, a evolução legislativa também não justifica qualquer interpretação corretiva, restritiva ou extensiva, muito menos analógica. A previsão expressa da lei não exige qualquer cuidado interpretativo, com recurso a elementos a ela estranhos, nem suporta aplicação analógica pela simples razão de que não existe lacuna. Parece-nos, assim, que a distinção entre uma simples transição para o NRAU, que teria a ver com o tipo e duração do contrato, e a atualização da renda não tem qualquer cabimento. (…) Temos assim como certo que se impunha a comunicação do valor dos locados avaliados nos termos do art.º 38.º e segs. do CIMI, bem como o envio das respetivas cadernetas prediais. O facto de os locados não se encontrarem autonomizados na matriz predial, nem o prédio em que aqueles se integram estar constituído em propriedade horizontal, só pode ser imputável ao senhorio (a aqui autora)».
Assim, o Tribunal a quo, aderindo aos fundamentos explanados, concluiu que a falta dos requisitos materiais da comunicação inicial do senhorio, previstos no citado artigo 50.º, tem como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse sido feita”.
E, assim, entendemos, também nós, suceder.
Com efeito, a Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, (NRAU), para além de estabelecer um novo regime para os novos arrendamentos, consagrou um regime transitório para os arrendamentos já existentes à data da sua entrada em vigor, destinado a uma “adaptação gradual no que respeita a certo tipo de normas, designadamente as relativas à cessação do contrato e aumento de rendas, tendo sempre a perspetiva que, mais tarde ou mais cedo, os contratos perderão o vinculismo, deixando de estar subordinados à duração indeterminada. Pretendeu-se uma adaptação gradual, com “amortecedores”. (…) A grande maioria dos contratos de arrendamento já se encontra submetida ao NRAU e o vinculismo em Portugal pertence, definitivamente, ao passado, subsistindo, apenas, uma aplicação residual”[4], e isto quer em matéria habitacional quer em matéria de arrendamentos para fins não habitacionais3].
E, aos contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do NRAU (27/6/2006) aplicam-se:
a) as normas do Código Civil sobre arrendamento, tal como sucede com os contratos celebrados após a entrada em vigor do NRAU, exceto se forem contrárias às disposições transitórias do NRAU;
b) o regime transitório estabelecido no NRAU para estes contratos, que prevalece sobre as normas do Código Civil [4].
A aplicação no tempo do NRAU está prevista no nº1, do art. 59º, que estatui que o mesmo se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”, constantes dos arts 26º a 58º, do referido diploma.
Prevê a lei o abandono da plenitude do vinculismo arrendatício, “prevendo-se uma transição para o NRAU e atualização de rendas por via negociada entre as partes, em termos que continuam altamente penalizadores para o senhorio, embora menos do que na versão inicial do NRAU (arts. 30º e ss. NRAU)”[5], sendo que tal transição “é, porém, ainda excepcionada em inúmeros casos (cfr. arts. 35º, 36º e 54º NRAU), que irão manter durante um período ainda bastante dilatado o regime de condicionamento das rendas, que em Portugal tem vigorado nos últimos 100 anos”[6].
Assim, o NRAU, não veio permitir ao senhorio operar livremente a transição do contrato de arrendamento para o NRAU. Antes, os artigos 27º e segs do NRAU contêm disposições de direito transitório material relativamente à transição para o NRAU e atualização das rendas. E, para “corrigir a grande desatualização que se tem mantido em relação ao valor da renda nos arrendamentos … não habitacionais celebrados antes da vigência do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro, a lei vem admitir a possibilidade de o senhorio efetuar a transição para o NRAU e uma atualização da renda nesses arrendamentos, que actualmente se processa mediante uma negociação entre as partes ou, em certos casos, através de critérios legalmente fixados”[7].
Estabeleceu, assim, a Lei nº 6/2006 de 27/2, o regime da transição para o NRAU e atualização das rendas, distinguindo o NRAU entre “Arrendamento para habitação”, Secção II, arts. 30º e ss. e “Arrendamentos para fim não habitacional”, Secção III, arts. 50º e ss, Secções estas do “Capítulo II – Contratos habitacionais celebrados antes da vigência do NRAU e contratos não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de setembro”.
O regime para a transição para o NRAU dos arrendamentos para fins não habitacionais, celebrados antes do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de setembro, por iniciativa do senhorio encontra-se consagrado no artigo 50º - com um regime semelhante ao do arrendamento para habitação (cfr. art. 30º), com as modificações constantes dos arts 52º e segs - indicando a Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, a “necessidade de o senhorio incluir os seguintes elementos na carta de passagem ao NRAU, enviada ao arrendatário para fim não habitacional:
a) Valor da renda proposta assim como tipo de contrato e sua duração;
b) Valor patrimonial do locado, constante da caderneta predial urbana, de acordocom os artigos38º e segs do Código Municipal sobre imóveis (CIMI);
c) Cópia da caderneta predial urbana, que permitia ao arrendatário comprovar a identificação do prédio, o seu valor patrimonial, bem como a legitimidade do senhorio.
Posteriormente, a Lei nº79/2014, de 19 de dezembro, aditou novas exigências (…) advertindo o arrendatário das consequências da falta de resposta, bem como da falta de invocação de qualquer das circunstâncias referidas no nº4, do art. 51º” e a, posterior, Lei nº 42/2017, de 14 de junho, também introduziu alterações a, tal como a lei anteriormente referida, proteger o arrendatário[8].
O contrato de arrendamento cuja subsistência é controvertida nestes autos foi celebrado em 1972, pelo prazo de um ano, renovável, tratando-se de um contrato de arrendamento para fim não habitacional.
Os Senhorios/Autores/Apelantes deram início ao procedimento extrajudicial a que alude o art. 50º em 8 de Fevereiro de 2017 (cfr. f.p. constante da al. E)).
Deste modo, para se aferir da eficácia jurídica da aludida comunicação tem de se recorrer ao Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto e pela Lei nº 79/2014, de 19 de Dezembro, vigentes à data daquela.
Assim, a “transição para o NRAU e a actualização da renda” - que não pode deixar de conter dois direitos potestativos do senhorio, o que decorre da conjunção copulativa, conforme à intenção do legislador, nada impedindo que, embora se não pretenda atualização da renda, se exerça o direito de transição do arrendamento para o NRAU - dependem de iniciativa do senhorio, o qual deve comunicar ao arrendatário a sua intenção, indicando: (i) o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; (ii) o valor do locado, avaliado nos termos dos arts. 38.º e ss. do CIMI constante da caderneta predial urbana; e (iii) cópia da caderneta predial urbana (art. 50.º da Lei n.º 31/2012). Na verdade, “cabe ao senhorio desencadear o procedimento de actualização da renda e transição para o NRAU, mediante comunicação ao arrendatário da sua intenção; em tal comunicação o senhorio deve indicar o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos, o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana e cópia dessa mesma caderneta predial – alíneas a), b) e c) do artigo 50º da Lei nº 6/2006, na redacção introduzida pela Lei nº 31/2012”[9] [10].
Nesta conformidade, “a transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, por carta registada com aviso de recepção, nos termos do art. 9º e segs do NRAU, indicando o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos e o valor do locado avaliado nos termos dos arts. 38º e ss. CIMI, juntando ainda cópia da caderneta predial urbana (art. 50º NRAU)”[11].
Sendo essa a comunicação exigida para o procedimento estabelecido, consagra a lei que o arrendatário pode responder à comunicação do senhorio em 30 dias (nº1, do art. 51º, do NRAU), observando os requisitos constantes do art. 9º e segs do referido diploma.
Ao receber a referida carta de passagem ao NRAU, o arrendatário pode, querendo, responder, e, na sua resposta:
i) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio ou opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um valor alternativo nos termos e para os efeitos previtos no art. 52º;
ii) Em qualquer desses casos, pronunciar-se quanto ao tipo ou à duração do contrato proposto pelo senhorio;
iii) Denunciar o contrato de arrendamento” nos termos e para os efeitos do art. 53º (v. ainda art. 34º),
e, pode, ainda, se for caso disso, invocar uma das circunstâncias previstas no nº4, do art. 51º [12] [13].
Assim, caso o arrendatário aceite, passamos a ter um novo contrato, negociado entre as partes e acordado, e o mesmo fica submetido ao NRAU a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao do termo da recepção da resposta do arrendatário.
O silêncio/ausência de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem com do tipo ou duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU com esses termos a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao termo do prazo (art. 31º nº6 e art. 51º, nº7, NRAU)[14].
Para que tal suceda, é, contudo, necessário, que a comunicação do senhorio, prevista na lei, seja válida e eficaz, evidente sendo que a não ter validade ou eficácia nunca poderá produzir os efeitos de transição de contrato, de regime vinculístico, para o NRAU.
E evidente é que se a carta a que alude o art. 50º, de “transição para o NRAU” e “atualização da renda”, ou tão só de “transição para o NRAU”, por “iniciativa do senhorio”, não preencher os requisitos consagrados no art. 50º, isto é, não contiver os supra mencionados elementos por ele exigidos, necessários, e mesmo essenciais, a despoletar a negociação do novo contrato, que a lei pretende seja aberta com o recebimento de tal carta (cfr. referidas als i) e ii)), a esta nenhuma eficácia pode ser atribuída e ao silêncio do arrendatário nenhum valor pode ser assacado.
Com efeito, tendo a lei em vista que a carta densifique os elementos que enumera, para que, ante todos eles, o arrendatário, a proteger, dada a possibilidade de passar a um regime não vinculistico, a ele menos favorável, bem possa ponderar, e de modo esclarecido e seguro tomar a posição que, conscienciosamente, mais lhe convenha, sem margem para incertezas, a falta deles e da observância do legalmente consagrado no referido preceito, gera a ineficácia da comunicação da intenção do senhorio e, por isso, a nenhuma consequência pode levar o silêncio (falta de resposta) do arrendatário.
Com a imposição estatuída no art. 50º, de que depende a “transição para o NRAU e a atualização da renda” por iniciativa do senhorio para o arrendamento para fim não habitacional celebrado antes do DL nº 257/95, de 30/9, pretende, assim, o legislador proteger o arrendatário, visando as exigências de formalização, densificação e demonstração, exigidas, a certeza e a segurança da nova relação arrendatícia a formar, o que tem de ser observado, sob pena de à mera comunicação nenhuma eficácia poder ser atribuída e ao silêncio da parte contrária nenhum valor poder ser assacado[15].
Não se desconhece a jurisprudência no sentido de que “O art. 50 do NRAU permite ao senhorio, ainda que prescindindo das especiais condições legalmente previstas para a actualização da renda, obter a simples transição para o NRAU do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado antes do DL nº 257/95, de 30.9, caso não possa obter o valor patrimonial do locado (nos termos do art. 38 e ss. do CIMI) em virtude do prédio não se encontrar constituído em propriedade horizontal ou do espaço locado não corresponder, ou vier a corresponder, a fração autónoma” e de em tal “caso, e constituindo iniciativa do senhorio a simples transição do contrato de arrendamento para o NRAU, sem qualquer atualização de renda, estará o mesmo desobrigado de indicar, na comunicação ao inquilino realizada nos termos do art. 50 do NRAU, o valor do locado, determinado nos termos dos arts. 38 e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana e de enviar cópia da caderneta predial urbana (als. b) e c) do referido art. 50)”[16].
Contudo, e não obstante isso, não podemos deixar de entender que pretendeu o legislador que a carta formalize e condense todos os elementos que permitam, de modo claro e seguro, ao arrendatário tomar posição sobre a globalidade do contrato proposto pelo senhorio, isto é, a pronúncia quanto ao valor da renda, quanto ao tipo de contrato e quanto à sua duração ou optar pela denúncia do contrato de arrendamento (não sendo o caso de pretender invocar uma das circunstâncias previstas no nº4, do art. 51º), tornando certos e seguros os termos do novo contrato e das modificações introduzidas ao anterior.
Foram, pois, também, os contratos de arrendamento para fim não habitacional sujeitos, na transição para o NRAU, a mecanismos de proteção, face à maior fragilidade do arrendatário, que não podem deixar de ser observados.
Assim, a carta para simples passagem do arrendamento para o NRAU pode:
- despoletar a negociação de “novo” contrato de arrendamento;
- desencadear a denúncia do contrato pelo arrendamento;
- ser ineficaz, se não revestida das exigências legais, ónus do senhorio.
No caso, bem decidiu o Tribunal a quo, no seguimento da Doutrina e da Jurisprudência maioritária, incluindo da do Supremo Tribunal de Justiça, e do que consideramos ser o pensamento do legislador, ser a comunicação do senhorio ineficaz, por não revestir das exigências legais, faltando-lhe requisitos materiais impostos pelo artigo 50º para a proposta do “novo” contrato, a ser obrigatoriamente objeto de negociação (desde logo, o valor da renda), mantendo-se, por isso, o arrendamento e não podendo a pretensão dos Autores proceder dada a existência de título legitimador da ocupação do imóvel.
E, na verdade, sendo de reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre o imóvel, que pacífico é, e estatuindo o n.º 2 do art.º 1311.º, do Código Civil, diploma a que doravante pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, que “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”, tratando-se do caso, dada a existência de título a legitimar a ocupação que a Ré faz da fração autónoma propriedade dos Autores – o contrato de arrendamento, que se mantém – e considerando o objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, tem o recurso interposto de improceder.
Nenhuma interpretação do artigo 50º, do NRAU, no sentido de obrigar ao aumento de renda para o contrato transitar para o NRAU se está a efetuar, (aumento de que nunca se poderia impedir o senhorio de prescindir, ainda que a ele tivesse direito), antes se entende que, para que possa operar «a transição para o NRAU”, “de iniciativa do senhorio”, a comunicação deste tem de revestir determinadas formalidades e requisitos materiais, tendo, necessariamente, o senhorio, ao comunicar a sua intenção ao arrendatário, de indicar o valor da renda, o valor do locado, o tipo e a duração do contrato propostos e juntar-se cópia da caderneta predial urbana, em conformidade com o referido preceito. Não tendo a comunicação efetuada respeitado os referidos requisitos, designadamente por falta dos referidos valores e cópia, bem o podendo o senhorio fazer, pelo menos quanto à indicação do valor da renda, nenhuma eficácia lhe pode ser atribuída.
E “A razão de ser da exigência da comunicação do valor do locado, avaliado nos termos dos arts. 38.º e ss. do CIMI, prende-se com a possibilidade desse valor vir a ser determinante no cálculo da renda, nas situações previstas nos arts. 33.º, n.º 5, al. b), 35.º, n.º 2, als. a) e b), e 54.º, n.º 2, do NRAU, na versão dada pela Lei n.º 31/2012, especialmente, quando se verifique oposição do arrendatário”[17], sendo, ainda, relevante para a ponderação que este tem a efetuar.
Assim, atenta a circunstância de a comunicação em causa dar início a um verdadeiro processo negocial obrigatório que enceta com vista à formação de um novo contrato, atentando na finalidade dessa comunicação, torna-se claro que a incerteza gerada pela falta de elementos não é compaginável com a tomada conscienciosa de decisões respeitantes ao futuro da relação arrendatícia, gerando dúvidas e insegurança, desde logo por falta de indicação e comprovação do valor do locado. E constatando-se o cumprimento apenas parcial das exigências legais a comunicação padece de ineficácia, já que sofre, ab initio, de um vício estrutural, atinente aos seus requisitos constitutivos, que impede a produção dos efeitos por ela visados, pois que carece de requisitos essenciais de que a lei faz depender a respetiva eficácia[18].
Destarte, enquadrando-se a comunicação no contexto de um processo negocial obrigatório e devendo conter a indicação precisa dos elementos fundamentais para uma tomada de decisão consciente sobre o futuro da relação contratual, a incompletude das indicações, imputável ao Autor da comunicação (Senhorio/recorrente), que, de acordo com as diversas alíneas que compõem o artigo 50.º do NRAU, dela devem constar, conduz à sua ineficácia e o arrendamento vinculistico mantem-se, nunca operando aquela a transição do contrato para o NRAU.
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2º - Da inconstitucionalidade de ónus impostos ao senhorio no procedimento para mera transição do contrato de arrendamento para o NRAU

Estatuindo o artigo 204º, da Constituição da República Portuguesa, que “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”, cumpre analisar se a norma do art. 50º, do NRAU infringe, em alguma medida, a lei fundamental e, em caso afirmativo, quais os limites a estabelecer aos ónus impostos.
No que se reporta a violação do princípio da proporcionalidade, invocada, cumpre referir que “quando esteja em causa a imposição de ónus às partes, importa a consideração de três linhas de força:
a) a justificação da exigência processual em causa;
b) a maior ou menor onerosidade na satisfação do ónus por parte do interessado;
c) a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento do ónus”.
Ora, os elementos e o documento a que se refere o art.º 50.º do NRAU, destinam a, como vimos, provar a declaração negocial do senhorio, modificativa do contrato de arrendamento existente, e a permitir a, necessária, ponderação do inquilino, com vista à definição do novo contrato de arrendamento.
Estamos perante um procedimento extrajudicial, despoletado pelo senhorio, em que o incumprimento, por este, dos requisitos e ónus, que legalmente lhe são impostos para a sua comunicação, não pode deixar de ter como consequência a ineficácia da sua declaração negocial.
E não se verifica que a norma constante do art. 50º, do NRAU, sequer a interpretação que lhe foi dada, se apresente como desproporcional, arbitrária, discriminatória, injusta, lesiva dos direitos e interesses de uns cidadãos em relação a outros ou de quem quer que seja, em nada resultando os princípios da proporcionalidade e da igualdade, sequer a justiça, a boa fé e a confiança jurídica violados. Antes se impõe o referido regime para que a proposta do novo contrato (a modificar o que anteriormente havia sido celebrado e que, formalizado, se manteve por longo tempo) que vai dar início a, obrigatória, negociação, seja, também ela, devidamente formalizada, para prova e para a, necessária e consciente, ponderação pela parte contrária.
São razões de certeza e segurança jurídicas, a demandar formalismos e ónus.
E são, ainda, especiais razões de proteção da parte que do procedimento extrajudicial em causa sai fragilizada a impor acrescidos rigores formais e a demandar o cumprimento dos elementos, essenciais à caracterização do novo contrato, previstos no art. 50º, do NRAU, sob pena de ineficácia da comunicação, com vista a que melhor consciência possa formar, antes de tomar posição.
Nem a norma em causa nem a interpretação que, nos autos, lhe é conferida, viola os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da não discriminação, da confiança jurídica, sequer quaisquer legítimas expectativas.
Nenhuma desigualdade e discriminação está a ser feita entre Senhorios, no âmbito da transição de contratos para o NRAU, antes a todos se dirige, de modo igual, a norma, geral e abstrata, a todos impondo, para o referido efeito, a satisfação dos requisitos em causa. E mais se não impõe do que a concreta e especificada definição dos elementos essenciais do novo contrato de arrendamento (obrigação de proporcionar o gozo de certo locado, para determinado fim e mediante pagamento de especificada renda).
Também nenhuma desigualdade e discriminação é feita entre Senhorio e Inquilina porquanto as exigências da lei e o diverso tratamento se impõem pela necessidade de munir este do conhecimento dos elementos em causa para que possa assumir posição consciente e esclarecida no novo contrato.
E se a inquilina “continua de pedra e cal com um contrato de arrendamento com cerca de 50 anos, apesar de o legislador de 2012 ter pretendido que pudesse transitar para o NRAU”, como afirmam os Apelantes/Senhorios, se os mesmos não diligenciaram pelo preenchimento dos requisitos da norma e sua afirmação na comunicação que efetuaram, sib imputet.
A interpretação do artigo 50º, do NRAU, efetuada pelo Tribunal a quo não viola qualquer preceito constitucional, designadamente os artigos 2º, 13º, 18º nº 2 e 26º nº 1 parte final da Constituição da República Portuguesa, pois que a desejada e legalmente permitida transição para o NRAU, não pode ser efetuada “sem mais”, como afirmam os apelantes, antes tem de o seu a iniciativa dos interessados, que obedeça às formalidades e requisitos impostos pela lei geral e abstrata, queridos pelo legislador ordinário sem que princípio ou norma constitucional se mostre violado, antes se está a proteger arrendatário que celebrou um contrato sujeito a um regime legal e que, modificado tal regime em sentido menos favorável a si, tem de ser preservado de posições precipitadas e menos conscientes e ponderadas que possa assumir.
Nenhum “privilégio e benefício de alguns Senhorios e desta Inquilina, relativamente aos ora Recorrentes” se vislumbra e nenhuns direitos estão a ser restringidos aos Recorrentes, pois que exercício de direitos tem de ser efetuado na observância, no respeito e em conformidade com a lei que os atribui, e com o âmbito e os limites que ela mesma impõe.
Nenhuma discriminação existiu, pois, a interpretação que se faz da norma em nada viola a constituição já que apenas e tão só se constata que o legislador faz depender «a transição para o NRAU” e “a atualização da renda” “de iniciativa do senhorio” de determinados requisitos materiais que o mesmo tem de observar, sendo eles a comunicação da sua intenção ao arrendatário, com indicação do valor da renda, do tipo e da duração do contrato propostos e do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI constante da caderneta predial urbana e com cópia da caderneta predial urbana e não tendo a comunicação efetuada respeitado os referidos requisitos nenhuma eficácia lhe pode ser atribuída, não estando, sequer, verificada absoluta impossibilidade da observância do que é imposto por lei.
Assim, existindo contrato de arrendamento, que se mantém sujeito ao regime vinculístico, dado se não ter operado transição para o NRAU, por falta de verificação dos requisitos materiais impostos no art. 50º do NRAU, improcedendo as conclusões da apelação, por não ocorrer a violação de qualquer dos normativos invocados pelos apelantes, deve a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelos apelantes, pois que ficaram vencidos – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 20 de setembro de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] Ac. RP de 27-09-2016, proc. 5538/15.2T8PRT.P1, in dgsi.pt.
[2] Edgar Valles, Arrendamento Urbano Constituição e extinção, 2019 Almedina, pág. 195 e seg.
[3] Ibidem, pág. 210, onde se refere “De arrendamentos eternos, passaram a uma situação deferente, em que o senhorio consegue ver um final ou, no mínimo, um fim à vista”.
[4] Ibidem, pág. 196.
[5] Luís Meneses Leitão, Arrendamento Urbano, 9ª Edição, 2019, Almedina, pág 181.
[6].Ibidem, pág. 182.
[7] Ibidem, pág. 189.
[8] Edgar Valles, Idem, pág. 211.
[9] Ac. do STJ de 10/9/2020, proc. 3363/17.5T8MTS.P1.S1, in dgsi.pt.
[10] Ac. do STJ de 24/5/2018, proc. 1848/16.0YLPRT.L1.S2, in dgsi.pt.
[11] Luís Meneses Leitão, Idem, pág 197.
[12] Ibidem, pág197.
[13] Edgar Valles, Idem, pág. 212.
[14] Luís Meneses Leitão, Idem, pág 197.
[15] Cfr. Ac. RE de 17/1/2019, proc. 2790/17.2T8FAR.E1, in dgsi.pt, no sentido de “A comunicação do senhorio prevista no art. 50.º, do NRAU dá início a um processo negocial obrigatório do qual resultará um novo contrato. Ao prescrever os elementos que aquela comunicação deve conter, a lei pretende que o arrendatário possa tomar uma decisão quanto ao futuro contrato de forma conscienciosa, isto é, que esteja na posse de todos os elementos necessários a uma tomada de decisão conscienciosa. Daí que uma deficiente comunicação inquine ab initio o processo negocial, não podendo, por isso, produzir os efeitos que tendia a produzir, ainda que à mesma tenha havido resposta do arrendatário com proposta de outra renda e de outro prazo de arrendamento”.
[16] Ac. da RL de 19/5/2020, proc. 10390/18.3T8LSB.L1-7, in dgsi.pt.
[17] Ac. do STJ de 24/5/2018, proc. 1848/16.0YLPRT.L1.S2, in dgsi.pt.
[18] Ac. do STJ de 18/9/2018, proc. 8346/15.7T8LSB.L1.S1, in dgsi.pt.