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INCIDENTE DE DESPEJO IMEDIATO
MEIO DE DEFESA
PAGAMENTO
INEXIGIBILIDADE
RENDAS VENCIDAS
OBRIGAÇÃO DE PAGAR RENDAS
SUSPENSÃO
EXTINÇÃO
Sumário
I - O incidente de despejo imediato admite a dedução pelo arrendatário de qualquer meio de defesa suscetível de demonstrar o pagamento ou a inexigibilidade das rendas vencidas na pendência da ação. II- A obrigação de pagar tais rendas apenas se suspende ou extingue nos casos especificamente previstos no regime do arrendamento.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 1ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
Na pendência da ação declarativa com processo comum intentada por F. M., contra V. J., tendo o primeiro, entretanto, falecido e sido habilitadas as suas herdeiras, F. L. e M. F., em 6.7.2020, estas últimas vieram requerer o despejo imediato do locado, com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas no decurso da ação.
Por despacho de 6.10.2020, foi afirmada a aplicação do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, por ser tratar de contrato subsistente à data da sua entrada em vigor e, ao abrigo do disposto no art. 14º, n.º 4, do NRAU, ordenada a notificação do R. para fazer prova do pagamento de todas as rendas vencidas na pendência da ação, sob pena de ser decretado o despejo imediato.
Efetuada tal notificação, o R., por requerimento de 22.10.2020, veio sustentar que o arrendatário pode opor ao despejo imediato outros meios de defesa além da prova do pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, remetendo para toda a defesa apresentada na contestação/reconvenção. Juntou vinte documentos respeitantes ao pagamento de algumas rendas e alegando ter pago mais, cujos comprovativos não encontrou, requereu a notificação das habilitadas para juntarem o extrato da conta bancária onde eram depositadas as rendas relativo aos anos de 2018 a 2020.
Notificadas para o efeito, em 6.1.2021, as habilitadas juntaram o extrato bancário solicitado e face à resposta do R., em 30.4.2021, prestaram esclarecimentos adicionais sobre um depósito bancários efetuado por aquele em conta diversa.
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Em 23.6.2021, foi proferida decisão que julgando procedente o incidente determinou o despejo imediato do imóvel identificado na petição inicial, condenando-se o R. a entrega-lo às AA./habilitadas, livre e devoluto de pessoas e bens.
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Inconformado com esta decisão, o R. interpôs o presente recurso, apresentando as respetivas alegações que finalizam com as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:
1- Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, decisão de 23/06/2021, proferida nos presentes autos, com o seguinte teor: "Pelo exposto, julga-se procedente o presente incidente e determina-se o despejo imediato do imóvel identificado na petição inicial, condenando-se o R. a entregá-lo às AA./habilitadas, livre e devoluto de pessoas e bens." 2- E vem interposto da globalidade da decisão identificadas já que o recorrente/apelante não se pode conformar com o respetivo conteúdo pois detém a convicção de que a mesma não é, face aos factos e ao direito, a mais adequada. 3- É entendimento pacífico que os meios de defesa oponíveis pelo inquilino ao incidente de despejo imediato são admitidos de forma lata. 4- Assim, por força do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20.°, n.º 1 e 4 da Constituição, o despejo imediato com alegado fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação não é automático. 5- Sendo, obrigatoriamente, apreciados os demais argumentos apresentados pelo inquilino. 6- O despejo imediato por falta de pagamento de rendas na pendência da ação s6 poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda. 7- É lícito ao inquilino não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato. 8- Antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda ou a redução da renda. 9- O R., recorrente/apelante, suscitou em sua defesa dois fundamentos: invocou a exceção do não cumprimento do contrato e invocou o direito a indemnização por benfeitorias realizadas no locado. 10. O despejo imediato por falta de pagamento das rendas na pendência da ação de despejo só poderá ter lugar quando não seja colocada qualquer questão suscetível de pôr em causa o arrendamento nos seus elementos essenciais e, nomeadamente, quanto ao problema da renda. Discutida esta, ou alegados factos suscetíveis de a pôr em causa, é lícito ao arrendatário não se dever limitar ao pagamento das rendas para evitar o despejo imediato, antes podendo defender-se com quaisquer factos que justifiquem o não pagamento da renda ou a redução da renda. Colocado em crise o montante da renda a pagar não há lugar ao respetivo depósito ou pagamento imediato. 2. No caso concreto, o arrendatário contrapõe ao pedido de despejo imediato o facto de o locado apresentar deficiências que o afetam para o fim a que se destina. O contrato de arrendamento é sinalagmático: o uso do local arrendado pelo arrendatário tem como correspetivo o pagamento da respetiva renda ao senhorio, o qual tem que fornecer-lhe o locado em condições de habitabilidade condigna. Quando falha um dos termos do sinalagma bilateral, entra em crise a relação jurídica contratual, justificando-se a invocação, por parte do contraente não faltoso, do exceptio non rite adimpleti contractus consagrada no art.428.º do CC." (Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/10/2006, Proc. n.º 1552/05.4TBCTBrA.C1, disponível em www.dgsLpt) 11- Deve, assim, considerar-se procedente a exceção do não cumprimento do contrato como fundamento para a improcedência do incidente de despejo imediato. 12- Tal como resulta expresso no número 115º da contestação/reconvenção apresentada nos autos, o R. alegou a compensação entre o valor das rendas ainda não pagas por si ao então A. e o devido pelo então A. ao R.. (cfr. número 115.° da contestação/reconvenção) . 13- Deve, assim, considerar-se procedente o direito a indemnização por benfeitorias realizadas no locado como fundamento para a improcedência do incidente de despejo imediato. 14- Deve, a final, julgar-se improcedente o incidente de despejo imediato. 15- A doutra decisão recorrida violou o disposto no art. 14.° da Lei n.º6/2006, de 27 de fevereiro.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso
O âmbito dos recursos é, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso não transitadas em julgado, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, como resulta do disposto nos arts 635º, nº4 e 629º, nº1 e 2 do C.P.Civil.
Ante as conclusões elencadas, a questão a decidir consiste em saber se a exceção de não cumprimento do contrato e a compensação de créditos, invocadas pelo R. na contestação / reconvenção e reiteradas na oposição ao presente incidente obstam ao despejo imediato decretado com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação.
III. Fundamentação
A- Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a decisão são os constantes do relatório e os elencados na decisão recorrida que se transcrevem:
1. O A., entretanto falecido, intentou contra o R. a presente acção declarativa comum pedindo que: a) seja declarada e confirmada a cessação do contrato de arrendamento por resolução, relativamente ao locado; b) seja o Réu condenado a despejar imediatamente o locado e a entregá-lo ao Autor livre e devoluto, nas condições em que o recebeu e nos termos do contrato; c) seja o Réu condenado ao pagamento das rendas em atraso no valor de 18.262.60€; d) caso se entenda que a resolução só opera com esta citação deve o réu depositar as rendas em falta acrescidas dos 50% e as vincendas no decurso do processo e em caso de contestação, sob pena de se requerer o despejo imediato (14.º n.º 5 da lei 6/2006); e) deve ser o réu condenado nas custas e demais encargos.
2. Para tanto, alegou que o R. apenas pagou rendas na totalidade até abril de 2015, não tendo pago quaisquer rendas desde março de 2016.
3. O R. apresentou contestação, alegando, em síntese:
- que pagou rendas depois de Maio de 2015; fez obras no arrendado, no valor de 15.350€ que pagou; o arrendado precisa de obras urgentes por causa de defeitos de impermeabilização, que causam infiltrações de água e inundações; invocou a excepção de não cumprimento e a suspensão do pagamento das rendas; em Junho de 2016 viu-se obrigado a fechar o estabelecimento comercial, porque as anomalias existentes impediam o exercício da actividade comercial; fez obras, gastou cerca de 15.350 €, e reabriu em Fevereiro de 2017, tendo tido prejuízos com o encerramento do seu estabelecimento.
4. Deduziu pedido reconvencional, para ser ressarcido de todos os prejuízos, que computa em 75.450 €, pedindo a condenação do A. no pagamento desse montante, acrescido de juros contados desde a notificação do pedido reconvencional.
5. A presente ação deu entrada em Juízo em 21 de Dezembro de 2017.
6. Em 6 de Julho de 2020 foi iniciado o incidente de despejo imediato com fundamento a falta de pagamento de rendas na pendencia da acção.
7. O R. foi notificado para fazer prova do pagamento de todas as rendas vencidas na pendência da ação.
8. O R. pagou sete meses de renda em 2018 (não pagou de Janeiro a Maio), seis meses de renda em 2019 (não pagou Janeiro e Fevereiro, Maio, Agosto a Outubro) e cinco meses de renda em 2020 (não pagou de Junho em diante).
B- Fundamentação de direito
O despejo imediato está atualmente regulado no art. 14º, nºs 3 a 5 do NRAU, constante da Lei nº6/2006 de 27 de fevereiro, que preceituam o seguinte:
“ 3. Na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas nos termos gerais. 4. Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final. 5. Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no nº7 do art. 15º e nos artigos15º-J, 15ºK e 15ºM a 15ºO.”
Este incidente estava anteriormente regulado nos artigos 979º do CPC/1961 e 58º, nº2 do RAU e sempre visou tutelar o pagamento das rendas vencidas na pendência da ação. Com tal procedimento enxertado na ação de despejo o legislador acautela os interesses do senhorio suscetíveis de serem afetados pela morosidade na apreciação da questão principal, evitando que, não obstante uma eventual procedência da ação, o senhorio possa vir a perder definitivamente aquelas rendas, em virtude de, no momento do despejo efetivo o arrendatário não possuir meios suficientes para as pagar, tendo, entretanto, permanecido no imóvel arrendado durante todo o período de pendência da ação.
A regulamentação do incidente não sofreu alterações significativas nos sucessivos normativos legais, que se mostram enunciados na decisão recorrida e, por isso, nos dispensamos de repetir.
O que tem sido objeto de controvérsia é a amplitude dos meios de defesa do R.
A lei apenas prevê a notificação do arrendatário para, em 10 dias, proceder ao pagamento ou depósito das rendas em dívida e da importância da indemnização devida. É completamente omissa quanto a uma eventual oposição do arrendatário.
Assim, face ao teor literal da lei (n.º4 artigo 14.º da atual Lei 6/2006 e normativos anteriores, cujo teor era similar) à primeira vista, parece que ao requerido no incidente apenas é admissível defender-se do despejo imediato pagando ou depositando as rendas e a indemnização devida.
E tal entendimento foi defendido por alguns autores, nomeadamente, Miguel Teixeira de Sousa, in a Acção de Despejo, Lex 1991, p. 64, bem como, por uma corrente jurisprudencial mais antiga, segundo a qual a prova documental do pagamento ou depósito das rendas era a única forma de defesa relevante - vidé, a este propósito Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 1124 e1125., onde se citam vários arestos que assim decidiram.
Porém, não é esse o sentido da norma quando interpretada em consonância com todo o sistema jurídico, encimado pela Constituição.
Como bem se refere na decisão recorrida, essa limitação dos meios oponíveis ao despejo imediato suscitou problemas de constitucionalidade que chegaram ao conhecimento do Tribunal Constitucional, o qual através do acórdão nº 673/2005, ainda na vigência do RAU, decidiu que na apreciação da questão o parâmetro constitucional mais pertinente se centrava no princípio da proibição da indefesa, que decorre, em primeira linha, do princípio do contraditório, a que se deve subordinar todo o processo, concluindo: “ pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da proibição da indefesa, ínsito no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 58.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, na interpretação segundo a qual, mesmo que na acção de despejo persista controvérsia quer quanto à identidade do arrendatário, quer quanto à existência de acordo, diverso do arrendamento, que legitimaria a ocupação do local pela interveniente processual, se for requerido pelo autor o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, o único meio de defesa do detentor do local é a apresentação de prova, até ao termo do prazo para a sua resposta, de que procedeu ao pagamento ou depósito das rendas em mora e da importância da indemnização devida.”
E já na vigência do NRAU (na redação da Lei 31/2012, de 14 de agosto) o Tribunal Constitucional voltou a pronunciar-se sobre questão similar no acórdão 327/2018, em idêntico sentido, indicando o sentido interpretativo da norma, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC.
Aí se decidiu: “ Interpretar o artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5 do mesmo artigo, em conformidade com princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição, no sentido de que o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação nele previsto não é automático, sendo o seu requerimento livremente apreciado pelo juiz, pelo que, nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, o réu não deve ser impedido de exercer o contraditório mediante a utilização dos correspondentes meios de defesa.”
Tais pronunciamentos do Tribunal Constitucional ainda que sem força obrigatória geral constituem padrão de decisão para todos os tribunais judiciais.
Por conseguinte, o direito do senhorio recorrer ao incidente de despejo imediato mantém-se, mas o arrendatário pode aduzir outros meios de defesa para além do pagamento ou depósito dos montantes das rendas vencidas na pendência da causa, pois, caso contrário, incorrer-se-ia em situação de violação do princípio da proibição de indefesa.
Destarte, na vertente situação, há que ponderar os fundamentos aduzidos pelo R. que na oposição ao incidente veio reiterar a defesa apresentada na contestação/ reconvenção e aquilatar se os mesmos constituem justificação bastante para o não pagamento das rendas na pendência da ação.
E foi este o procedimento seguido na decisão recorrida que apreciando tais fundamentos concluiu que os mesmos não desoneravam o R. do pagamento das rendas vencidas na pendência da ação e, por isso, decretou o despejo.
O R. insurgiu-se contra tal decisão, sustentando que os factos por si alegados na contestação traduzem uma situação de incumprimento do contrato por parte do A., incumprimento esse que lhe confere o direito a recusar a sua prestação, ou seja, o pagamento das rendas e, por outro lado, que no art.º 115º da contestação/reconvenção invocou a compensação entre o valor das rendas não pagas e o valor peticionado na reconvenção a título de benfeitorias realizadas no arrendado, exceção que em seu entender também deve conduzir à improcedência do despejo imediato.
Vejamos:
Os factos alegados pelo R. na contestação/ reconvenção foram sumariamente os seguintes:
- O arrendado apresenta deficiências graves há vários anos, nomeadamente infiltrações de água, e perante a total inação do autor, no princípio de 2015, o R. solicitou uma vistoria à Câmara Municipal de … que teve lugar no dia 23.4.2015, conforme auto inserto a fls 41, sendo que o autor notificado para reparar as anomalias apontadas em tal vistoria nada fez, incumprindo o dever de proporcionar o gozo do locado em perfeitas condições de utilização para o fim a que se destina ( exploração de atividade comercial de restauração) pelo que lhe assiste o direito a suspender o pagamento da renda até à reposição do locado nas condições em que se encontrava aquando do início do arrendamento, conforme comunicação que lhe enviou, invocando a exceção de não cumprimento do contrato, pelo mesmo recebida em 23.5.2016, cuja cópia se mostra junta a fls 42.
- Que o autor não reparou quaisquer anomalias, tendo, em junho de 2016, surgido fugas de água que impediam o uso do locado em condições de higiene e segurança, pelo que se viu obrigado a fechar o estabelecimento e a reparar tais fugas, bem como a arranjar os tectos, as paredes e o mobiliário, danificados pela água, tendo despendido €15.350,00, sendo tais obras da responsabilidade do autor; que o restaurante esteve fechado até fevereiro de 2017, tendo tido um prejuízo mensal de 4.500€, o que em 9 meses de encerramento totaliza 40.500€; que desde outubro de 2008 a fevereiro de 2017, o estabelecimento esteve a funcionar com aspecto degradado e com anomalias, por culpa do autor, o que afastou clientela, causando-lhe um prejuízo mensal de 150€, ascendendo o total dos prejuízos a € 75.450,00.
Finalizou pugnando pela procedência das exceções invocadas ou se, assim não for, subsidiariamente, pediu a improcedência da ação por não provada, com a consequente absolvição do pedido e, cumulativamente, a condenação do A. a pagar-lhe a quantia de €75.450,00, acrescida de juros vencidos.
Na decisão recorrida a Mª Juíza apreciou a oposição do R., nos seguintes termos:
No caso, verificamos que o R. suscitou em sua defesa dois fundamentos distintos:
1- Invocou a excepção do não cumprimento do contrato; 2- Invocou o direito a indemnização por benfeitorias realizadas no locado.
Continuando a seguir de perto o Acórdão citado do Tribunal da Relação de Lisboa, a excepção do não cumprimento do contrato, tal como estabelecida no art. 428.º do C.C. só legitima o incumprimento do devedor relativamente a prestações principais recíprocas, ligadas entre si por um vínculo sinalagmático.
O inquilino não pode deixar de cumprir a obrigação de pagamento das rendas com fundamento no facto do senhorio não cumprir a obrigação de fazer obras no locado, porque a obrigação de pagar a renda é uma obrigação principal do contrato de arrendamento (art.ºs 1022.º e 1038.º al. a) do C.C.) que não é correspetiva daquela outra obrigação, meramente acessória, a cargo do senhorio (art. 1074.º do C.C.). A obrigação de pagamento da renda é, no entanto, correspetiva da obrigação, a cargo do senhorio, de proporcionar o gozo da coisa (art. 1022.º, conjugado com os art.s 1031.º al. b) e 1038.º al. a) do C.C.). Tanto assim é que o art. 1040.º n.º 1 do C.C. prevê que se o locatário sofrer uma privação ou diminuição do gozo da coisa, haverá lugar a uma redução da renda proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta. Invocando o R. que o imóvel esteve sem condições para o exercício da sua actividade comercial, a verdade é que por força das obras que afirmou ter feito, na pendência da acção o estabelecimento nunca esteve encerrado, pelo que nem se coloca a questão da redução da renda, em função do art. 1040º do C.C. Só que, na verdade, nada disso está em causa nos autos, porque o R. decidiu, pura e simplesmente, deixar de pagar a renda, o que é incompatível com a sua continuação do gozo da coisa (não fez a prova de qualquer pagamento desde Maio de 2020). O R. pode efetivamente ter razões válidas para exigir do A. a realização de obras no locado, mas não pode recusar o pagamento integral da renda, continuando a ter o estabelecimento comercial nesse local. É precisamente para este tipo de situações que se justifica o incidente de despejo imediato, por forma a não se permitir que o inquilino permaneça indefinidamente no locado, beneficiando do gozo gratuito da coisa à custa do senhorio, protelando o despejo efetivo de forma injustificada. Relativamente a este tipo de justificação para o não pagamento da renda a jurisprudência é praticamente unânime em não a acolher como facto que possa obstar ao despejo imediato. Pelo que, com este fundamento, a oposição ao incidente em causa sempre improcederia. O segundo fundamento é o direito a indemnização por benfeitorias realizadas no locado, por causa da inacção do senhorio. Mesmo que as benfeitorias sejam lícitas, o R. não pode com fundamento nas mesmas sustentar o direito ao não pagamento da renda. A lei permite a compensação entre o valor das rendas e o das obras realizadas pelo inquilino na pendência do contrato de arrendamento, mas essa possibilidade está subordinado às regras dos n.ºs 3 e 4 do art. 1074.º do C.C., cujos pressupostos claramente não se verificam nos autos, nem foram invocados pelo R. na sua contestação. Portanto, não é o direito a indemnização por benfeitorias que pode justificar o não pagamento das rendas que se venceram na pendência da ação de despejo, improcedendo também este fundamento de defesa contra o pedido de despejo imediato.”
Ante os factos assentes, considerando que a ação de despejo deu entrada em 21.12.2017 e o R. não pagou a renda correspondente aos meses de janeiro a maio de 2018, nem a dos meses de janeiro, fevereiro, maio, agosto, setembro e outubro de 2019 e que no ano de 2020 só a pagou até ao mês de maio, não restam dúvidas de que à data do pedido de despejo imediato estavam em dívida várias rendas há mais de 60 dias.
Assim, inexistindo causa justificativa para tal falta de pagamento das rendas estão verificados os pressupostos para o despejo imediato.
Como vimos, o R. sustenta que não lhe garantindo o A. as condições de gozo do arrendado para o fim contratado, nos termos do art. 428º do C.Civil, tinha a faculdade de recusar a sua prestação, ou seja, suspender o pagamento da renda até aquele realizar as obras necessárias, o que lhe comunicou por carta entregue em 23.5.2016.
A Mª Juíza “ a quo” considerou improcedente tal excepção, defendendo que o inquilino não pode deixar de cumprir a obrigação de pagamento das rendas com fundamento no facto do senhorio não cumprir a obrigação de fazer obras no locado, porque a obrigação de pagar a renda é uma obrigação principal do contrato de arrendamento (art.ºs 1022.º e 1038.º al. a) do C.C.) que não é correspetiva daquela outra obrigação, meramente acessória, a cargo do senhorio (art.º 1074.º do C.C.), mas antes da obrigação de proporcionar o gozo da coisa (art.º 1022.º, conjugado com os art.ºs 1031.º al. b) e 1038.º al. a) do C.C.). Daí que o art.º 1040.º n.º 1 do C.C. preveja a redução proporcional da renda nas situações de privação ou diminuição do gozo da coisa locada sofridas pelo locatário.
Concordamos inteiramente com esta posição. Com efeito, a excepção de não cumprimento do contrato, prevista no art. 428º do C.Civil, apenas permite a um contraente recusar a sua prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias do cumprimento da prestação correspectiva, não pode ser invocada quando não estão em causa prestações sinalagmáticas.
E neste sentido vem decidido a maioria da jurisprudência. Entre outros, veja-se, o acórdão da RL de 10.12.2009 (Abrantes Geraldes) disponível in www.dgsi.pt, onde também no âmbito da oposição a um incidente de despejo imediato se escreveu: “ Por certo que a vida corrente é susceptível de gerar situações em que a falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção pode não ser reflexo de uma pura atitude de rebeldia do arrendatário, antes resposta a determinados comportamentos do senhorio, traduzidos, por exemplo, na omissão da realização de obras de conservação do prédio. Porém, sem questionar o direito do arrendatário de reagir contra tal situação, o mesmo não pode ser feito no âmbito do incidente fundado no incumprimento da sua obrigação principal e que justificou a cedência do uso do imóvel. O contrato de arrendamento é de natureza sinalagmática. Todavia, tal característica não envolve a generalidade dos direitos e das obrigações, sendo necessária estabelecer uma distinção. Atento o art. 1022º do CC, a sinalagmaticidade verifica-se entre a obrigação do senhorio de proporcionar ao arrendatário o gozo do imóvel e a obrigação do arrendatário de pagar a renda acordada. Já não se verifica entre o pagamento de rendas e a mera realização de obras de conservação do locado a cargo do senhorio, obrigação de natureza complementar, submetida a condicionalismo diversificado que varia em função do teor do contrato, da sua natureza ou de outras circunstâncias que emergem de normas dispersas, designadamente do art. 1036º do CC, e das que regulam determinados contratos em razão da sua natureza ou da data da celebração.”
Assim, pelas razões expendidas improcede a excepção de não cumprimento docontrato invocada pelo R./Apelante
No que concerne à compensação, o apelante nas suas conclusões alega que, ao contrário do afirmado na decisão recorrida, no art. 115.º da contestação invocou expressamente a compensação entre o valor das rendas em dívida e o valor que lhe é devido pelo A., sustentando que o seu direito à indemnização pelas benfeitorias realizadas no arrendado deve determinar a improcedência do incidente de despejo.
Ora, na decisão recorrida não se nega que o R. tenha invocado a compensação, a que aludiu de facto no art.º 115.º da contestação, apesar de no final do articulado não lhe fazer qualquer referência. O que resulta da decisão é que a compensação entre o valor das rendas e o valor das obras realizadas pelo inquilino no arrendado estava sujeita às regras previstas nos nº3 e 4 do art.º 1074º do C Civil, sendo admissível e válida apenas se cumpridos os pressupostos nelas fixados, que nem sequer foram invocados pelo R.
Com efeito, na redação que lhe foi dada pela Lei 6/2006 de 27.2, que veio a ser alterada pela Lei 13/2019 de 12.2, os nºs 3 e 4 do art.º 1074º do C Civil estipulavam: “3 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as situações previstas no artigo 1036.º, caso em que o arrendatário pode efectuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização da obra com a obrigação de pagamento da renda. 4 - O arrendatário que pretenda exercer o direito à compensação previsto no número anterior comunica essa intenção aquando do aviso da execução da obra e junta os comprovativos das despesas até à data do vencimento da renda seguinte.”
Destarte, quando o R. realizou obras no arrendado em substituição do A., se tivesse cumprido as formalidades previstas no nº4 podia ter efetuado a compensação do crédito resultante das despesas suportadas no valor das rendas devidas. Fora do circunstancialismo previsto na lei não é admissível a compensação entre o valor das rendas e o custo das obras realizadas pelo inquilino. E o que de modo sucinto se disse na decisão recorrida foi que não tendo o R. sequer invocado o cumprimento dessas formalidades, faleciam os pressupostos para tal compensação, posição que temos como correta.
Sobre este incidente de despejo imediato, veja-se com interesse o acordão da R.L. de 24.11.2020 (Diogo Ravara) disponível in www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve, pois sintetiza bem as questões em apreço: I- Na vigência do contrato de arrendamento, a extinção da obrigação de pagar a renda mediante a compensação do inerente crédito do senhorio com crédito invocado pelo inquilino tem natureza excepcional, e só é admissível nos casos expressamente previstos na lei. II- Em acção de despejo, a invocação pelo réu / inquilino da compensação com fundamento na figura geral prevista no art. 847º do Código Civil e, portanto, fora dos casos expressamente previstos no regime do arrendamento não obsta à procedência de incidente de despejo imediato. III- Uma tal conclusão não contende com a interpretação das normas dos nºs 4 e 5 do NRAU conforme o estipulado no acórdão do Tribunal Constitucional nº 327/2018, porquanto a mesma resulta da apreciação, pelo Tribunal, da excepção de compensação invocada pelo réu, e não da consideração de que o único modo de obstar à procedência daquele incidente é a prova do pagamento ou depósito das rendas, acrescido de eventual indemnização pela mora.”
Na verdade, como se refere no mesmo aresto, admitir que ao locatário demandado em ação de despejo basta deduzir reconvenção, pedindo a condenação do senhorio em indemnização com fundamento num qualquer incumprimento contratual não impeditivo do gozo da coisa locada e invocar a compensação de créditos para ficar inviabilizado o incidente de despejo imediato, é permitir que em tais situações, o locatário possa pacificamente usar o locado até à decisão final da causa, sem pagar renda, ficando reduzida quase a zero a utilidade prática do incidente.
Por conseguinte, falecendo ambos os meios de defesa invocados pelo réu para fundamentar a inexigibilidade do pagamento das rendas em dívida, e verificando-se que, à data do requerimento de despejo apresentado pelas sucessoras / habilitadas do A., estavam em dívida há mais de sessenta dias várias rendas vencidas na pendência da ação, é forçoso concluir pela verificação dos requisitos legais do despejo imediato.
A decisão recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões do apelante.
Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente- art.527º, nº2 do CPC.
Guimarães, 21 de Outubro de 2021
Mª Eugénia Pedro (relatora)
Pedro Maurício (1º adjunto)
José Carlos Duarte (2º adjunto)