NULIDADE DA SENTENÇA
NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário


I - O mandato é um contrato de prestação de serviços em que o mandatário, o prestador, se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outro, o mandante, de acordo com as instruções recebidas, sendo elemento essencial deste contrato que o mandatário se obrigue à prática de um ou mais atos jurídicos, em regra, negócios jurídicos, mas nada obstando a que estejam em causa simples atos jurídicos.
II - Ao lado do mandato representativo (aquele em que coexistem o mandato e a procuração, nascendo para o mandatário o dever de celebrar o ato, por conta e em nome do mandante) existe o mandato sem representação (mandato nomine proprio), onde o mandatário é parte no contrato que celebra, cabendo-lhe depois, na execução do contrato de mandato, transferir para a esfera jurídica do mandante os direitos adquiridos.
III - No contrato de mandato sem representação, porque o mandatário atua em seu nome, ainda que por conta do mandante, o ato praticado produz os seus efeitos na esfera jurídica do mandatário, devendo os correspondentes direitos e obrigações ser depois transferidos para o mandante, no interesse de quem o ato foi realizado.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

E. C., residente na Avenida …, freguesia da ..., concelho de Viana do Castelo, veio instaurar a presente declarativa sob a forma de processo comum contra L. C. e mulher M. F., residentes na Avenida …, freguesia da ..., concelho de Viana do Castelo pedindo, a título principal, que seja reconhecido que os Réus agiram como mandatários, em nome próprio, mas por conta e no interesse do Autor e em consequência condenados a reconhecer que o Autor é o verdadeiro proprietário da quota-parte de metade do prédio urbano descrito na Conservatória Predial ... sob o n.º ..., e absterem-se de, relativamente a esse prédio, praticar quaisquer atos que contraditem o direito do autor, e consequentemente, serem os Réus condenados na obrigação de transmitir para o Autor, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 1181º do Código Civil, a quota-parte de metade do referido prédio urbano; e ainda a imposição aos Réus de uma sanção pecuniária compulsória de €75,00, por cada dia de atraso na execução do ordenado.
A título subsidiário, invocou o enriquecimento sem causa e pediu a restituição do valor de €754.693,03, correspondente ao valor gasto pelo Autor na aquisição e nas obras levadas a efeito no prédio em causa.
Alegou para o efeito e em síntese que com o propósito de virem a construir um edifício para o estabelecimento comercial e bem assim para a habitação própria de cada um dos mesmos, e de comum acordo com os réus, estes negociaram a compra e venda de vários prédios rústicos em seu nome, mais se comprometendo a proceder posteriormente à transmissão dos imóveis para o nome do autor; que o preço e demais encargos inerentes a aquisições foram suportados em partes iguais pelo autor e pelos réus; que no cumprimento do acordado o autor e os réus procederam nos prédios assim adquiridos à realização de várias construções, as quais atualmente correspondem a um único prédio, inscrito na matriz sob o art.º .../... e descrito na CRP de … sob o nº ..., com o valor patrimonial de €1.509.386,14; e ainda que todas as despesas relativas à construção, à manutenção e conservação e bem como as fiscais e as despesas correntes são igualmente pagas em partes iguais por autor e Réus; contudo, os Réus recusam-se a proceder à transmissão do dito prédio.
Regularmente citados, os Réus vieram impugnar de forma motivada a factualidade invocada pelo Autor e terminaram pedindo que a ação seja julgada improcedente.
Notificado da contestação, o Autor veio pedir a condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
Findos os articulados, foi realizada audiência prévia, onde para além do mais se tentou a conciliação das partes, sem que tenha surtido qualquer efeito.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Por todo o exposto, julga-se a ação procedente e, em consequência:
- condena-se os réus L. C. e mulher M. F. a transmitir para o autor E. C. a quota-parte de metade do prédio urbano inscrito na matriz no artigo .../... e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ..., correspondente a um prédio de cave, rés-do-chão 1, 2 e 3 andares e logradouro com área total de 6667.9 m2, registado a favor dos réus pelo registo de aquisição Ap. 23;
- condena-se os réus no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de €75,00 (setenta e cinco euros), por cada dia de atraso na execução do ordenado, a partir de 30 dias após o trânsito em julgado da presente sentença.
- condena-se os réus, como litigantes de má-fé, fixando-se a multa em 4 (quatro) Uc’s.
Custas a cargo dos réus, nos termos do disposto no art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC.
Registe e notifique”.

Inconformados, apelaram os Réus da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“IV) CONCLUSÕES

A. A imposição da fundamentação das decisões está consagrada no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 154.º do Código de Processo Civil, constituindo o princípio da motivação das decisões judiciais uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito.
B. Conforme estatui o artigo 607.º, n.º 4 do CPC, a sentença terá que deve conter a motivação da decisão de facto, com exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e fundamentar tal decisão, indicando as provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
C. No caso vertente, o tribunal a quo apontou como razões para alicerçar a sua convicção, a resposta positiva aos factos n. 8 a 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 27, 29 a 35, resposta que teve como motivação, essencialmente, o depoimento das testemunhas F. O., T. R. e M. G..
D. Valorizou ainda a Juiz “a quo” o contrato promessa junto a fls. 265 e 265v,
E. Desvalorizou a Juiz “a quo” todas as declarações dos Réus e ainda a prova documental e testemunhal por estes junta, o que estes não aceitam e ora sindicam.
F. MERITÍSSIMOS DESEMBARGADORES, não resulta de qualquer depoimento testemunhal, em especial aqueles que a Julgadora entendeu como essencial para a motivação da sentença recorrida ou sequer de qualquer prova documental, que a Ré esposa, M. F. tenha sido mandatada, com ou sem representação pelo Autor para outorgar escrituras de compra e venda, com a obrigação de, posteriormente, outorgar escritura a favor do Autor.
G. Ora, inexistindo qualquer prova a tal respeito, por mínima que fosse, não poderia esta ser condenada nos termos em que o foi, até porque nenhuma prova existe que possa sustentar tal condenação, sendo assim evidente a nulidade da persente sentença, “in casu”, ao abrigo do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea b) do CPC, que ora se invoca,
H. De igual modo, face aos depoimentos das referidas testemunhas que o Julgador “a quo” definiu como essenciais à motivação da sentença recorrida (F. O., T. R. e M. G., cuja passagens se encontram devidamente assinadas nas alegações suprarreferidas e que ora se dão como reproduzidas, sempre ao factos identificados e dados como provados nos n.ºs 8 a 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 27, 29 a 35 e deveriam ter tido resposta negativa.
I. Primeiramente se percebe que, de todos os seus depoimentos se percebe que nenhuma das testemunhas presenciou ou teve parte ativa na compra dos terrenos iniciais, ocorrida nos finais da década de oitenta, levada a cabo somente pelo Réu marido, facto devidamente corroborado pela Ré esposa, pelo que não se compreende a decisão do Julgador “a quo” que somente porque “se ouviu” dizer, define que todo o património adquirido pelo Réu marido, foi-o no sentido de, posteriormente, o dividir com o Autor.
J. Acresce que, MERITÍSSIMOS DESEMBARGADORES, se se encontra provado nos autos (diversos documentos já elencados nestas alegações – documentos da petição inicial e da contestação) que Autor e 1º Réu realizaram negócios em conjunto, em que ambos participaram nas referidas escrituras públicas, qual a razão para se colocar em crise a existência de negócios individuais, realizados por ambos, em circunstâncias diferentes?
K. Ou seja, qual a razão para não serem verdadeiros como sempre pugnou o Réu marido, a existência de negócios realizados individualmente por qualquer das partes (compra e vendas e promessas de compras e vendas)? Não se compreende a decisão do Julgador.
L. E devemos ainda atentar na prova testemunhal que corrobora tais negócios, até porque se afirma em tais depoimentos que a vontade do autor sempre foi investido na sua zona residencial (Póvoa de Varzim local), enquanto que a do 1º Réu era investir na zona de Viana do Castelo, local da sua residência.
M.E tais factos encontram-se devidamente escalpelizados e provados pelo depoimento da testemunha C. C. e das declarações dos Recorrentes que, pasme-se, foram completamente desvalorizados pelo Julgador “a quo”, e que estes não podem aceitar.
N. E se atentarmos na insuficiente motivação da sentença, o Julgadora até um contrato promessa, junto a fls, 265 e 265v, que nem sequer se encontra assinado por qualquer das partes (Autor e Réus), foi valorizado…dir-se-á à míngua de prova capaz…Pelo que, claramente que a sua valorização não devia ter sido em conta, até porque não corresponde a qualquer indicação de negócio, pelo menos subscrito por Autor e Réu marido.
O. Acresce ainda que, se melhor atentarmos na fundamentação da sentença ainda que muito precária, a mesma encontra-se inquinada, já que o Juiz “a quo” não consegue sanar na sentença recorrida o dilema que lhe surge na decisão quando toda a prova que lhe serve de sustentação (essencialmente as suas testemunhas base) referenciam que, pelo menos, parte das construções foi levada a cabo por uma imobiliária, pertencente em partes iguais ao Autor e Réu marido, e que tais construções encontram-se contabilizadas na contabilidade, cujo problema urge resolver, ou seja, P. Tais testemunhas, em especial F. O., contabilista da sociedade imobiliária, que é clara no seu depoimento quando afirma que esta Sociedade Imobiliária é proprietária das construções (ou pelo menos, parte deles), que foram erigidas sobre os prédios adquiridos e identificados nos n.ºs 9, 11, 17, 18 e 19, conforme se pode sindicar nas passagens do seu depoimento gravado ao minuto 08:20 até ao minuto 09:30, ao minuto 13:15 até ao minuto 15:50 e ainda do minuto 29:30 ao minuto 31:30. E mais afirma, que tornava-se imperioso regularizar as construções que esta (SOCIEDADE IMOBILIÁRIA) realizou e que não se encontram em nome desta, não tendo dúvidas em afirmar que as mesmas (parte) pertencem á Sociedade Imobiliária.
Q. E o depoimento da testemunha M. G. também sufraga claramente esta tese, ou seja, que as construções (parte delas) foram levadas a cabo a expensas da Sociedade Imobiliária, conforme resulta também das passagens ocorridas aos minutos 05:30 ao minuto 06:00, minuto11:50 ao minuto12:40, minuto 18:00 ao minuto 19:00.
R. Ora, aqui chegados, e perante tal prova perentória, é totalmente incompreensível que a sentença de que ora se recorre, possa sequer condenar os Réus a transmitir algo que nem sequer lhes pertenceria, pois pelo menos, parte das construções pertence á Sociedade Imobiliária.
S. E conforme supra alegado, o Julgador não conseguiu suprir este dilema, ou seja, sempre o Julgador “a quo”, teria na sentença de que ora se recorre, de individualizar, e pelo menos dissecar quais as construções pertencentes à Sociedade Imobiliária e as pertencentes ao 1º Réu, ou aos dois (Autor e 1º Réu), isto se a Julgadora entendesse que as mesmas haviam sido suportadas por ambos, o que não se concede, e aí sim, após tal individualização, deduzir sentença que fosse passível de cumprimento, pois não se podem suscitar dúvidas que as construções não são propriedade, todas elas, do 1º Réu ou dos Autor e 1º Réu, conforme abundante prova testemunhal, e acima de tudo, prova que o Julgador entendeu como fundamental na motivação da sua decisão.
T. Ora, não poderia a sentença recorrida condenar o 1º Réu a transmitir aquilo que não lhe pertencia, padecendo a decisão “a quo”, nesta parte de clara nulidade, já que, obrigatoriamente, sempre a presente sentença, pelo menos neste item, obrigar-se-ia a individualizar as construções realizadas, por força a coadunar a decisão com os factos e a prova testemunhal, o que não ocorreu “in casu”.
U. Sendo que da restante motivação da sentença inexiste quaisquer outras provas (documental ou testemunhal) que pudesse e conseguisse suprir tal falta de fundamentação, que acarreta nulidade insanável, que ora se invoca.
V. Ou seja, “prima facie”, sempre o Julgador, caso entendesse que os terrenos haviam sido adquiridos, quanto a metade, pelo Réu marido por mandato sem representação, que os Réus não aceitam, primeiramente teria que resolver a questão da propriedade das construções, o que não o fez, e não o fez porque não tinha pedido levado aos autos pelo Autor/recorrido, para o efeito, acabando a Julgadora, face a toda a prova testemunhal e documental por se encontrar “num beco sem saída”.
W. E qual a resposta para tais factos? Condene-se igualmente os Réus a outorgar escritura do que lhes não pertence. Também aqui a sentença é claramente nula, ao abrigo da mesma alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, que ora se requer.

Acresce ainda, sem prescindir, MERITÍSSIMOS DESEMBARGADORES,

X. Mais, de igual modo, não alega na sua petição inicial o Autor qual o seu interesse para que o Réu MARIDO, ora Recorrente, fosse o comprador único de tais terremos, pelo que, face á falta de tal alegação, nunca seria possível configurar a atuação do Réu marido como seu mandatário, sem representação.
Y. E com falta de alegação, o Julgador não poderia, em caso algum ter condenado o Réu marido, e muito menos, ambos os Réus, a outorgar escritura de compra e venda de tais prédios a favor do Autor, pelo que tendo-o feito, errou claramente a Julgadora na referida decisão, que ora se sindica e cuja revogação se pretende.
Z. A sentença “a quo” violou o previsto no artigo 607º, n.º 4 do CPC, por clara falta de uma análise crítica cuidada e das ilações decorrentes a retirar dessa mesma análise, já que, tendo em atenção a prova produzida, quer documental, quer testemunhal, deveria ter dado como não provados os factos identificados com os n.ºs 8 a 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 27, 29 a 35.
AA. De igual modo, não se encontram motivos para uma condenação dos Réus como litigantes de má-fé, conforme supra se alegou.
BB. Os Réus recorrentes nos presentes autos, em momento algum, tiveram conduta suscetível de defraudar e obstaculizar a justiça.
CC. Em momento algum os Reis recorrentes agiram com dolo ou negligência grave, tendo alterado a verdade dos factos ou sequer tenha omitido factos relevantes para a boa decisão da causa, pois em momento algum se depreende que os Recorrentes deduziram contestação conscientemente infundada.
DD. E como bem referencia o Ac. STJ de 17/3/99 : AD 455-1478, " Para se poder falar em litigância de má-fé não basta a culpa, sendo de exigir uma atuação dolosa ou maliciosa ", pelo que,
EE. Nos presentes autos não se encontram demonstrados e muito menos provados quaisquer factos essenciais à prova de que os Recorrentes tenham pessoalmente tido uma conduta dolosa ou maliciosa no sentido de querer defraudar a justiça, devendo ser absolvidos de tal condenação, o que ora se requer.
FF. Concluindo, da concatenação dos considerandos/conclusões supra expostos, entendemos que o Tribunal a quo efetuou uma incorreta apreciação e valoração da prova produzida e supra relatada, em especial a que resulta das declarações dos Réus L. C. e esposa M. F. e ainda depoimento da testemunha C. C., depoimentos que deveriam ter levado à absolvição dos pedidos impetrados pelo Autor, quer porque os documentos autênticos que titulam as prédios em nome do Réu marido deveriam ter sido valorados como documentos autênticos, que não poderiam ter sido colocados em crise por simples declaração testemunhal, quer porque resulta dos próprios autos que quando Autor e 1º Réu adquiriam em conjunto, ambos se faziam representar nas escrituras, e quando atuavam em nome individual, faziam-se separadamente.
GG. E a verdade é que o Autor, em momento algum investiu na zona de Viana do Castelo, fazendo-o na zona da Póvoa de Varzim, ao contrário do Réu marido.
HH. Ainda da concatenação dos considerandos/conclusões supra expostos, entendemos que o Tribunal a quo efetuou uma incorreta apreciação e valoração da prova produzida e supra relatada, em especial a que resulta das declarações das testemunhas F. O., T. R. e M. G., que não colocando em crise a propriedade dos imóveis (iniciais terrenos) a favor do Réu marido, pois não conheciam os contornas da sua realização inicial, não tendo acompanhado os mesmos ou neles intervindo, sempre afirmaram categoricamente que, pelo menos parte das construções, eram pertença da sociedade imobiliária, e não pertença do Réu marido, pelo que, reitera-se, da necessidade de primeiro elencar a propriedade de cada uma das construções e só posteriormente, decidir sobre eventual obrigação de transmissão.
II. Concludentemente, face à alteração da matéria de facto ora pretendida, impõe-se revogar a decisão recorrida, absolvendo-se os Réus/Recorrentes da outorga da escritura de compra e venda de metade dos prédios e das construções a favor do Autor, nos termos constante da sentença.
JJ. Se assim se não entender, devem baixar os autos para que seja decidido, primeiramente, quais as construções pertencentes à Sociedade Imobiliária e ainda quais as construções pertencentes ao Autor, levadas a cabo pelo Réu marido, a título de mandado sem representação, tudo a fim de evitar uma nulidade da decisão, tal qual ocorre “in casu”, encontrando-se violados os artigos 615º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil e ainda o artigo 607º, n.º 4, também do mesmo Código”.
Pugnam os Recorrentes pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.
O Autor contra-alegou invocando que os Recorrente não deram cumprimento aos ónus previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil e pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:
1 - Saber se a sentença é nula nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;
2 - Saber se deve ser rejeitado o recurso quanto à impugnação da matéria de facto;
3 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto (concretamente quanto aos pontos 8 a 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 27, 29 a 35 dos factos provados);
2 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos;
3 – Saber se os Réus litigaram de má-fé.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

1. O autor é irmão do primeiro réu.
2. Entre finais de 1978 e inícios de 1979, o autor e o primeiro réu começaram a trabalhar juntos, tendo combinado entre si que o aqui autor se coletaria em nome individual para se dedicarem ao comércio a retalho de móveis, colchoaria e antiguidades, quinhoando nas despesas e nos lucros que adviessem da atividade que desenvolviam.
3. O autor era o comercial da empresa, enquanto o primeiro réu ficava responsável pela loja, armazém e escritório.
4. Como o negócio do comércio de móveis prosperava decidiram instalar-se na zona de Viana do Castelo, tendo adquirido para o efeito um terreno onde pretendiam edificar um armazém de suporte à atividade comercial desenvolvida.
5. Assim, por escritura pública outorgada em 05.04.1979, no 2º Cartório Notarial de …, exarada a fls. 77 verso a 78 verso do livro C 95, M. P. declarou vender e o autor e o réu marido declararam comprar um terreno de lavradio, sito no lugar de …, na freguesia de …, do concelho de Viana do Castelo, conforme documento de fls. 9v a 10v e 81v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Como ainda não haviam procedido à edificação de referido armazém no terreno suprarreferido no item anterior, decidiram arrendar um espaço comercial (loja) em ..., Viana do Castelo, que passaram a explorar em nome do aqui autor.
7. E adquiriram cada qual, ao lado desse estabelecimento arrendado, no mesmo dia, uma fração autónoma destinada à habitação, conforme documentos de fls. 11 a 14v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Como o negócio de móveis prosperava e porque laboravam em estabelecimento comercial arrendado, o autor e o primeiro réu decidiram adquirir uma parcela de terreno com o propósito de virem a construir um edifício para o estabelecimento comercial (de fábrica e exposição de móveis), e bem assim para habitação própria de cada um dos mesmos.
9. Dessa feita, por escritura pública outorgada em 11.03.1986, na Secretária Notarial do 2º Cartório Notarial de …, F. B. declarou vender ao primeiro réu que declarou comprar pelo preço de PTE 350.000$00, uma leira de lavradio, com área de 857 m2, sita em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz rústica sob o artigo ...º e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º … de ..., conforme documento de fls. 15 a 17v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. O autor e o réu marido decidiram ainda adquirir os terrenos que circundavam prédio aludido em 9.
11. Tendo, por escritura pública de compra e venda, outorgada em 14.03.1986 no mesmo 2º Cartório de …, J. M. e mulher declarado vender ao primeiro réu, que declarou comprar, pelo preço de 350.000$00, um prédio rústico composto por leira de lavradio, com área de 816 m2, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz rústica sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .. de ...; e, pelo preço de 1.750.000$00, um prédio rústico composto por leira de lavradio, com área de 3376 m2, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz rústica sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .. de ..., conforme documento de fls. 18 a 20v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. O pagamento do preço referente aos negócios referidos em 9. e 11., e bem assim dos impostos e emolumentos notariais e registrais inerentes aos referidos negócios, foram efetuados pelo autor e primeiro réu, em idêntica proporção.
13. Tendo o autor e o réu acordado previamente, dada a urgência na realização das escrituras públicas aludidas em 9. e 11., que o réu outorgaria as referidas escrituras públicas, por si e em representação do autor e que os referidos bens seriam propriedade de ambos em compropriedade, assumindo o primeiro réu a obrigação de, com a segunda ré, transferir posteriormente para o autor o direito à quota parte de metade daqueles imóveis, através dos competentes e necessários atos e instrumentos notariais.
14. Adquiridos os referidos prédios rústicos, o autor e os réus acordaram na construção nos mesmos de um imóvel, com a finalidade referida em 8., tendo os custos de tal construção sido suportados em partes idênticas, por autor e pelo primeiro réu com o produto da sua atividade.
15. De seguida, e com vista ao prosseguimento da referida atividade de comércio de móveis, em 29.11.1988, o autor e o primeiro réu constituíram uma sociedade comercial por quotas denominada de Móveis Irmãos C. – Comércio de Móveis, Lda, tendo como escopo o comércio a retalho de móveis, colchoaria e antiguidades, tudo documento junto a fls. 43 a 45 e cujo teor se dá por integralmente reproduzida.
16. Entretanto, decidiram adquirir mais terrenos confinantes com os prédios que haviam adquirido.
17. Tendo, por escritura outorgada em 24.04.1989, no segundo Cartório da Secretaria Notarial de …, J. M. e mulher declarado vender ao réu marido, pelo preço de 750.000$00, um prédio rústico composto de leira de lavradio sito em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz rústica sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº …, conforme documento de fls. 23 a 25 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
18. E, por escritura publica outorgada em 09.11.1989, no segundo Cartório da Secretaria Notarial de …, M. J., por si e na qualidade de V. J. e mulher, A. P. e N. F. declararam vender ao réu marido, que declarou comprar, pelo preço de 1.300.000$00, um prédio rústico composto por leira de lavradio, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz rústica sob o artigo ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …, conforme documento de fls. 25v a 28 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
19. E ainda por escritura pública outorgada em 18.01.1990, no segundo Cartório da Secretaria Notarial de …, J. C., na qualidade de procurador de L. P. e marido, de M. B. e marido e de M. F., e L. O., por si e na qualidade de seu marido, declararam vender ao réu marido que declarou comprar, pelo preço de 125.000$00, um prédio rústico composto por leira de lavradio, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz rústica sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .. de ..., conforme documento de fls. 28v a 31v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. O pagamento do preço referente aos negócios aludidos em 17. a 19., bem assim dos impostos e emolumentos notariais e registrais inerentes aos referidos negócios, foi efetuado pelo autor e primeiro réu em idêntica proporção, com o produto da sua atividade.
21. Tendo também sido acordado entre o autor e primeiro réu, à semelhança do que tinham feito anteriormente, que este outorgaria as ditas escrituras por si e como representante do autor e que os referidos bens seriam bens pertencentes a ambos em compropriedade, vinculando-se também na obrigação de transferir para o autor, a par com a segunda ré, o direito à quota parte de metade daqueles imóveis.
22. Por escritura pública outorgada em 09.03.1992 do primeiro Cartório Notarial de …, M. P.., B. P. e F. P. e marido declararam vender ao autor e ao réu marido que declararam comprar um prédio urbano no lugar do …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Cerveira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/freguesia de …, pelo preço de 16.500.000$00, conforme documento de fls. 32 a 34 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
23. Atento o considerável património imobiliário constituído pelos prédios suprarreferidos, o autor e o primeiro réu decidiram constituir uma sociedade imobiliária, com vista a ter benefícios fiscais e a uma futura transferência para a mesma sociedade de todos os imóveis que tinham decidido adquirir e bem assim, proceder à construção de mais um edifício e promover a compra e venda de terrenos.
24. A referida sociedade imobiliária foi constituída em 24.02.1993, por escritura outorgada no 1.º Cartório Notarial da …, conforme documento de fls. 45v a 47v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
25. Na prossecução do objetivo delineado, a sociedade imobiliária adquiriu dois prédios, nomeadamente, a fração autónoma designada pela letra A, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º/A e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº …/... e o prédio rústico, composto por leira de lavradio, sito em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz rústica sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº … de ..., conforme documentos de fls. 34v a 36 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
26. Seguindo o plano traçado, o autor e o primeiro réu, promoveram a construção de um segundo edifício e bem assim, um pavilhão, construção que foi implantado nos terrenos inscritos na matriz nos artigos ...º, ...º, ...º, ...º e ...º e mais anexaram fisicamente ao novo prédio o artigo ...º pertencente à sociedade imobiliária.
27. As construções edificadas nos terrenos inscritos nos artigos suprarreferidos, correspondem atualmente ao prédio inscrito na matriz no artigo .../... e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ..., correspondente a um prédio de cave, rés-do-chão, 1, 2 e 3 andares e logradouro com área total de 6667.9 m2, com valor patrimonial de €1.509.386,14, conforme documentos de fls. 37v a 39v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
28. O valor comercial do prédio ascende a um valor global não inferior a €1.870.000,00.
29. O autor e os réus suportaram em proporção idêntica o custo dos projetos, licenças, materiais de construção e mão-de obra com as diversas artes que a construção envolveu ao longo dos anos, bem como, custearam em proporção idêntica as despesas com as contribuições prediais e IMI, as despesas com a manutenção e conservação dos imóveis e as despesas correntes como água, luz, gás, etc.
30. Por acordo entre o autor e primeiro réu, quando a parte do edifício destinado à exposição do mobiliário ficou concluída, a sociedade comercial Moveis Irmãos C., Lda, passou a laborar no mesmo, sem pagar quaisquer rendas ou contribuição pela ocupação daquele espaço.
31. E os réus passaram a ocupar uma das duas frações autónomas destinadas a habitação própria permanente edificadas no referido edifício, tendo, posteriormente, o autor passado a ocupar a outra, sem pagamento de qualquer contrapartida.
32. A dada altura, o autor começou a insistir junto dos réus para que formalizassem o acordado e procedessem à transmissão a seu favor da quota parte de metade nos referidos prédios.
33. Os réus inicialmente não se negaram a tal, reconhecendo o autor como proprietário de metade dos referidos imóveis, tendo o autor e o réu marido encetado várias diligências no sentido de regularizar a situação.
34. O que não sucedeu, ora porque o autor e o réu não dispunham de liquidez para proceder ao pagamento dos impostos com a referida transmissão, ora porque ponderavam a transmissão dos referidos imóveis para a sociedade imobiliária que ambos haviam constituído.
35. Em 2015, os réus recusaram-se a outorgar quaisquer escrituras, ao contrário do que vinham transmitindo ao autor, argumentando que os negócios da sociedade comercial “Moveis Irmãos C., Lda” não corriam de feição e que tal acarretaria elevados custos que não poderiam comportar.
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3.2. 3.2. Da nulidade da sentença

Os Recorrentes vêm arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil invocando que inexiste qualquer prova de que a Ré tenha sido mandatada com ou sem representação pelo Autor para outorgar escrituras de compra e venda e que, por isso, permita sustentar a condenação da Ré; mais invocam que a sentença é nula por condenar os Réus a outorgar escritura do que lhes não pertence.
O artigo 615º do Código de Processo Civil prevê de forma taxativa as causas de nulidade da sentença.

Assim, dispõe o n.º 1 deste preceito que:
“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

As causas de nulidade taxativamente enumeradas neste preceito não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
Não deve por isso confundir-se o erro de julgamento, e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão, com os vícios que determinam as nulidades em causa.
Vejamos então se assiste razão aos Recorrentes.
O dever de fundamentar a decisão decorre expressamente do disposto no artigo 154º do Código de Processo Civil que prevê que as decisões são sempre fundamentadas, sendo que a justificação não pode, em princípio, consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição.
A nulidade em causa tem ainda correspondência com o n.º 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (...)”; e com o seu nº 4 que dispõe que “na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…)”.
Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2017, disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º citado.
A insuficiência ou mediocridade da motivação, como ensinava já o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, página 140) afeta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.
No mesmo sentido se pronuncia Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, página 687) ao consignar que “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

No caso em apreço, parece-nos de linear clareza que os Recorrentes não têm nesta parte a mínima razão, pois que a decisão recorrida especifica não só os factos como as razões de direito determinantes da decisão, não ocorrendo manifestamente falta absoluta de fundamentação, e nem sequer fundamentação deficiente; pelo contrário a sentença recorrida especifica os fundamentos de facto e de direito, constando da mesma uma análise critica e fundamentada.
A questão de não ter sido produzida prova que fundamentasse qualquer acordo que abrangesse a Ré e que sustentasse a sua condenação, ao contrário do que foi julgado provado pelo tribunal a quo, ou a questão de ter condenado a outorgar escritura do que lhes não pertence, não se prendem com a nulidade da sentença, mas com o designado erro de julgamento, seja quanto à apreciação da matéria de facto seja relativamente à não conformidade da sentença com o direito aplicável.
As decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, e a respetiva consequência é diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respetiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
As nulidades da sentença não se confundem, por isso, com o chamado erro de julgamento e, sobretudo, não deve confundir-se o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa.
Analisada a sentença proferida em 1ª Instância não se verifica qualquer nulidade, improcedendo desde já, e nesta parte, o recurso.
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3.3. Da modificabilidade da decisão de facto

A) Do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil
Decorre do preceituado n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Dispõe este preceito (sob a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”) que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Resulta deste preceito que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O legislador impõe ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, sob pena de rejeição do recurso.
O Autor/Recorrido nas contra-alegações que apresentou suscita a questão de não ter sido dado cumprimento pelos Recorrentes aos ónus impostos pelo referido preceito, designadamente ao disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640º, uma vez que nas alegações de recurso se limitam a discorrer genericamente sobre a prova produzida sem indicar os concretos meios probatórios que sobre cada um dos pontos impugnados impunham decisão diversa da recorrida, não especificando também as decisões concretas a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.
Vejamos se assiste razão ao Recorrido quando sustenta que o recurso deve ser rejeitado.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe obrigatoriamente a especificação dos pontos de facto incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que deve ser proferida sobre essas questões de facto.
O incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, página 133) que “[O] Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)” mas também que importa que “não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” e que, por outro lado, “quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afetados (…)”.
Uma das questões que a este propósito se vem suscitando é relativamente ao que deve constar obrigatoriamente das conclusões de recurso; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar.
Conforme se lê no Acórdão desta Relação de 28/06/2018 (Relator Desembargador Jorge Teixeira, disponível em www.dgsi.pt) “deverá ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo Recorrente quando, para além de não se delimitar com precisão os concretos pontos que se pretendem questionar, não se deixa expressa a decisão que, no entender do mesmo, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. A este propósito pode ainda ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/06/2017 (Relator Conselheiro Tomé Gomes, também disponível em www.dgsi.pt) que são condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza e estrutura da decisão de facto que “postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC”.
No mesmo sentido pode ler-se no sumário do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019 (Relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt) que “I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas também, e sobretudo, definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente nelas indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. III – Quando o recorrente se limite nas conclusões a consignar, em obediência ao disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil um juízo de natureza jurídica que pressupõe uma globalidade de factos, sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpre o estabelecido naquele dispositivo, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte”.

Podemos então sintetizar dizendo que o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado quando se verificar alguma das seguintes situações:

- ausência de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635º n.º 4, e 641º n.º 2, alínea b);
- Falta de indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640º n.º 1, alínea a);
- Falta de especificação, nas conclusões ou na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
- Falta de indicação, nas conclusões ou na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
- Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.

Por outro lado, haverá ainda de distinguir, para efeitos do disposto no referido artigo 640º, a previsão constante das alíneas a), b) e c) do n.º 1 (exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir) que constituem um ónus primário “na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019, Relatora Conselheira Rosa Tching) da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere a alínea a) do nº 2 e que constitui um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde se salienta ainda que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”.
Temos também entendido que a Relação, chamada a reapreciar a prova, deve usar de alguma flexibilidade na interpretação da lei e atender ao princípio da proporcionalidade (neste sentido v. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, página 770, referindo que “na jurisprudência do Supremo é notória a prevalência do entendimento no sentido de evitar a exponenciação dos ónus que a lei prevê nesta sede ou fazer deles uma interpretação excessivamente rigorista a ponto de ser violado o principio da proporcionalidade e de ser denegada a pretendida reapreciação da matéria de facto”).
Ora, analisado o corpo das alegações e as conclusões do recurso conclui-se que os Recorrentes indicam (com exceção dos pontos 23 e 26) os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados e o resultado que pretendem com a impugnação, bem como indicam os concretos meios probatórios que em seu entender impõe tal decisão.

E, ainda que a indicação dos concretos meios probatórios seja feita por referência a vários pontos impugnados não vemos que, in casu, tal signifique o não cumprimento do ónus que recai sobre os Recorrentes pois que tal não se confunde um “recurso genérico da decisão da matéria de facto” uma vez que se mostram perfeitamente delimitados os concretos pontos que pretendem impugnar e expressamente indicada a decisão que entendem dever deve ser proferida.
De todo o exposto decorre que as conclusões se apresentam delimitadoras do objeto do recurso quanto à impugnação da matéria de facto referente aos pontos 8 a 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 27 e 29 a 35, pelo que iremos considerar cumpridos pelos Recorrentes os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 do Código de Processo Civil, não sendo de rejeitar, nessa parte, o recurso quanto à reapreciação da matéria de facto.
Já relativamente aos pontos 23 e 26 dos factos provados nada consta das conclusões dos Recorrentes, ainda que no corpo das alegações mencionem que os mesmos devem ser considerados não provados, pelo que, nesta parte, deve o recurso ser rejeitado.
De facto, como já referimos, entendemos essencial que das conclusões formuladas pelo recorrente constem os pontos da matéria de facto que impugna; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º impõe que nas mesmas sejam indicados todos os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar.
Nada constando das conclusões quanto aos pontos 23 e 26 dos factos provados não se mostra cumprido o ónus quanto aos mesmos, impondo-se rejeitar o recurso nessa parte, o que não prejudica, o conhecimento da parte restante a que iremos proceder.
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B) Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 8 a 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 27, 29 a 35 dos factos provados

Relativamente à prova e à sua valoração, impõe-se referir que quer na 1.ª Instância, quer na Relação, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios, em particular o da livre apreciação da prova consagrado no artigo 607º n.º 5 do Código de Processo Civil.
Prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respetivamente para a prova pericial, para a prova por inspeção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, página 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, páginas 435 a 436).
Está, por isso, em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, página 655).
“É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, página 325).
“Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591).
De facto, dispõe o n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No entanto, não nos podemos aqui esquecer da aplicação dos princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Como salienta Ana Luísa Geraldes (ob. cit. página 609) em caso de dúvida “face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª instância.
O que, adiantamos desde já, não é manifestamente o caso; aliás, ouvida a prova produzida a mesma aponta avassaladoramente, não em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, mas em sentido oposto ao da tese trazida aos autos pelos Réus de que nas escrituras públicas a que se refere o Autor, e nas quais este não teve intervenção, nunca esteve na sua génese a intenção de posteriormente transmitir metade dos prédios ao Autor.
Sustentam os Recorrentes que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 8 a 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 27 e 29 a 35 dos factos provados.
Para o efeito fazem apelo ao seu próprio depoimento e ao depoimento de seu filho, a testemunha C. C., e ainda aos depoimentos das testemunhas F. O., M. G. e T. R., em particular no que respeita às construções que figuram na contabilidade da Sociedade Imobiliária como tendo sido custeadas pela mesma.

Relembramos aqui, antes de mais, a motivação do tribunal a quo (que transcrevemos na parte que aqui releva):
“O Tribunal formou a sua convicção com base na livre apreciação de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e junta aos autos, analisada de forma crítica e conjugada à luz das regras da experiência e critérios de normalidade e razoabilidade nos termos que a seguir se expõem.
Assim, e para além dos factos que estão assentes por documento e acordo das partes [pontos 1, 4, 5, 7, 9 (a partir “por escritura ..”), 11, 15 (a partir de “em 29.11.1988…”), 17 a 19, 22, 24, 25 (a partir de “a sociedade …”), 27 e 31 do elenco dos factos provados], nos termos do art.º 574º, nº 2, do NCPC, teve ainda o tribunal em consideração a demais prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, os depoimentos de parte dos réus, as declarações de parte do autor e os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento, devidamente concatenados com a prova pericial e documental oferecida nos presentes autos.
Assim, a factualidade incluída nos pontos 1, 4 e 31 do elenco dos factos provados resulta, desde logo, do acordo das partes.
Relativamente aos factos insertos nos pontos 5, 7, 99 (a partir “por escritura ..”), 11, 15 (a partir de “em 29.11.1988…”), 17 a 19, 22, 24, 25 (a partir de “a sociedade …”) e 27 do elenco dos factos provados o tribunal tomou em consideração o acordo das partes, bem como o teor dos documentos/certidões aí referenciados que não foi colocado em causa por qualquer das partes e se revelam suficientemente demonstrativos da realidade que visavam demonstrar.
(…) Quanto à decisão de aquisição dos imóveis identificados nos artigos 8º, 9º e 15º da petição inicial com vista à construção/ampliação de um edifício para instalar o estabelecimento comercial explorado a cabo pelo autor e réu marido e posteriormente pela sociedade constituída por estes e à construção de habitação própria de cada um dos mesmos (pontos 8., 10., 14., 16. e 26. do elenco dos factos provados), tivemos em atenção a globalidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas do autor, dos quais resultou abundantemente demonstrado o apurado propósito das aludidas aquisições.
Com efeito, a testemunha A. F., construtor civil, atestou que, por volta dos anos 98/99, procedeu a reparações quer na loja, quer no apartamento ocupado pelo autor, e fê-lo sempre a solicitação deste, tendo o réu acompanhado algumas das obras por si efetuadas.
Por sua vez, a testemunha F. C., que desempenhou as funções de motorista na sociedade “Móveis C. – Comércio de Móveis, Lda” referiu com relevância que o réu marido se referia a uma das frações autónomas construídas nos terrenos em causa como sendo “o apartamento do meu irmão”, mais esclarecendo que a mesma enquanto não foi ocupada pelo autor serviu de andar modelo para a atividade comercial levada a cabo pela sociedade.
A testemunha M. J., que viveu em união de facto com o autor durante cerca de 20 anos, prestou um depoimento que se nos afigurou sério e isento, tendo dito que, não obstante desconhecer como foram realizados os pagamentos das aludidas construções, sempre ouviu o autor e o réu debaterem e ajustarem entre si a realização das obras e que sempre trataram de tudo como sendo dos dois.
Esta testemunha explicou ainda, de forma que se nos afigurou plausível, que muito embora tivessem construído uma fração autónoma para o réu e outra para o autor, este só não ocupou imediatamente a fração autónoma que lhe era destinada porque a mesma não estava totalmente acabada e porque, quando começaram a viver juntos, o autor ainda era casado com a primeira mulher.
A testemunha Q. P., que procedeu a obras de eletricidade no edifício do estabelecimento comercial e nas frações autónomas disse igualmente que tudo era tratado com o autor e com o réu, tendo entendido que os imóveis pertenciam a ambos, e que o réu marido também sempre aludiu a uma das frações autónomas como “o apartamento do meu irmão”.
C. J., arquiteto responsável pela elaboração do projeto dos edifícios e que tratou do respetivo licenciamento, prestou um depoimento circunstanciado, tendo esclarecido que o projeto foi tratado em nome do réu, mas sempre lhe foi comunicado que os imóveis e as construções projetadas eram do autor e do réu e que o autor foi sempre ouvido no decurso de todo o processo.
No mesmo sentido foi ainda o depoimento da testemunha A. C., amigo do autor e do réu há mais de 30 anos. Esta testemunha disse que o autor e o réu frequentavam o seu café e lhe confidenciaram que compraram os dois os terrenos com o objetivo de ali construírem ambos.
As testemunhas A. M. e M. M., familiares das partes, prestaram depoimentos em tudo coincidentes, tendo asseverado que no seio da família sempre ouviram dizer, inclusive dos próprios, que o autor e o réu compraram em conjunto os terrenos com o objetivo de construir um pavilhão e depois os apartamentos.
A testemunha S. S., mulher do autor, atestou igualmente que lhe foi dito diretamente pelo réu que os imóveis eram dele e do irmão.
A testemunha A. D., construtor civil que assegurou a construção das obras, afirmou que foi contactado pelo autor e pelo réu que lhe disseram que tinham comprado os terrenos ao “J. M.” e que queriam que ele fizesse a obra, tendo ainda confirmado que o autor participou em toda a negociação.
Relevantes foram ainda o depoimento das testemunhas F. O. e T. R., já acima aludidos, os quais se mostraram particularmente circunstanciados, assertivos e, portanto, credíveis, tendo descrito de forma coincidente que lhes foi transmitido pelo autor e pelo réu que, quer a aquisição dos prédios, quer a construção dos edifícios foi efetuada em conjunto pelos dois, apesar de terem ficado em nome do réu.
Tal convencimento saiu ainda reforçado face ao teor do documento – contrato promessa de compra e venda – cujo original se encontra junto a fls. 265 e 265v e cuja veracidade resultou comprovada da perícia efetuada nos autos (cfr. relatório pericial junto a fls. 330 a 338), o qual tem como objeto parte dos terrenos em causa e no qual consta como promitente comprador de parte não só o réu, mas também o autor.
Note-se ainda que consta do aludido documento a finalidade para a qual os ditos terrenos foram adquiridos – construção de um prédio para exposição de mobiliário e de um armazém.
Quanto ao pagamento do preço pela aquisição dos terrenos e demais encargos, bem como à contribuição do autor e dos réus para as construções (pontos 12., 20. e 29. Do elenco dos factos provados) tivemos não só em consideração os depoimentos acima aludidos - tendo as testemunhas A. F., C. J., e A. D. referido expressamente terem recebido pagamentos do autor para a realização dos projetos e das obras nos imóveis em causa - mas também e sobretudo o depoimento da testemunha V. J., o qual referiu que, para além de ter sido funcionário da sociedade durante 24 anos, foi incumbido pelo autor e pelo réu de tratar dos pagamentos, efetuados por estes a título particular e relativos, quer às obras, quer a impostos e quer a outras despesas correntes, tendo dito que todos os custos eram pagos pelos dois, tendo acrescentado ainda que nem sempre entregavam as mesmas quantias, fazendo acerto de contas posteriormente; bem como da testemunha S. S., a qual enumerou as despesas que o marido tem suportado e das quais teve conhecimento direto, tudo em consonância com o depoimento da testemunha V. J., anteriormente mencionada e com o teor do documento oferecido em sede de audiência final e cuja cópia de encontra junta a fls. 201 dos presentes autos.
A este propósito, importa referir que a prova documental e testemunhal oferecida pelos réus não teve a virtualidade de abalar a prova acima elencada.
Na verdade, o facto dos documentos relativos aos emolumentos das escrituras e outros encargos estarem apenas em nome dos réus não é demonstra, por si só, que as despesas a eles atinentes tenham sido suportadas exclusivamente pelos réus, não tendo sido junto qualquer documento de suporte referente a tais pagamentos em concreto. Ademais, tendo as escrituras públicas sido subscritas apenas pelo réu, os processos de licenciamento das construções efetuadas nos ditos terrenos e toda a documentação a eles atinente tinham necessariamente que ser emitidos igualmente em nome dos réus, como aliás, confessadamente o foram.
Por outro lado, as testemunhas I. R., filha de J. M. e A. F. e T. M., que elaboraram projetos de especialidades para os edifícios em causa nada puderam dizer ou acrescentar relativamente à factualidade em discussão.
E a testemunha C. C., filho dos réus, apesar de ter procurado fazer crer que os imóveis foram adquiridos e construídos em exclusivo pelos pais, acabou por dizer que as despesas dos imóveis eram pagas através de uma conta titulada pelo autor e pelo réu alimentada com dinheiros da sociedade.
Quanto ao acordo prévio entre o autor e o réu de que este outorgaria as escrituras públicas com a obrigação de transferir posteriormente para o autor a metade dos imóveis e as diligências efetuadas por ambos com vista à concretização desse acordo (pontos 13., 21. e 32. a 35. do elenco dos factos provados), e para além do que deixamos acima dito, foram absolutamente essenciais os depoimentos das testemunhas V. J., F. O., M. G., contabilista que trabalha com o anterior e T. R., as quais descreveram exaustivamente as diligências que levaram a cabo a solicitação do autor e do réu com vista à concretização do acordo celebrado entre ambos com vista a colocar os imóveis (adquiridos e construídos) também em nome do autor e as dificuldades burocráticas, fiscais e financeiras colocadas a tal desiderato, bem como os motivos pelos quais tal objetivo não chegou a ser concretizado.
A testemunha F. O. explicou ainda que a sociedade imobiliária foi constituída com o objetivo de ultrapassar os custos fiscais que tal operação implicava, tendo explicado ainda que foram ainda o autor e o réu quem financiou a realização da construção que ficou em nome desta sociedade através de suprimentos.
(…) Por fim e quanto à matéria de facto constante do ponto 30. do elenco dos factos provados e para além da prova acima elencada, não podemos deixar de salientar mais uma vez o depoimento da testemunha F. O., o qual referiu expressamente que todas as construções, à exceção das frações autónomas, foram ocupadas pela sociedade “Móveis C. – Comércio de Móveis, Lda” sem qualquer contrapartida.
Deste modo, não podemos deixar de concluir pela demonstração, no essencial, da versão dos factos trazida aos autos pelo autor”.
Como ressalta do que vem de se transcrever, o tribunal a quo equacionou toda a prova produzida, e fê-lo de forma crítica, fundamentada e exaustiva, esclarecendo através de raciocínio lógico a forma como formou a sua convicção, especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma e justificando os motivos da sua decisão, explicitando de forma clara porque deu credibilidade à versão dos factos apresentada nos autos pelo Autor, em detrimento da versão trazida aos autos pelos Réus e que estes pretenderam sustentar nas declarações por si prestadas.
Os Recorrentes, perante a motivação exposta pelo tribunal a quo, limitam-se a fazer apelo a parte da prova produzida nos autos, e que é no essencial o depoimento por si prestado, bem como pelo seu filho, e à prova documental junta aos autos, indicando de forma cirúrgica partes dos depoimentos por si prestados e pelas testemunhas que indicam, esquecendo uma análise critica da prova produzida, no seu conjunto.
Ora, para se poder concluir pela verificação de um facto não basta proceder à indicação, ou transcrição, de parte das declarações prestadas por algumas testemunhas sobre o mesmo, ou de outros meios de prova; a prova tem de ser analisada na sua globalidade e de forma crítica, não bastando indicar de forma cirúrgica, partes isoladas que aparentam sustentar a pretensão dos recorrentes. É necessário que as declarações prestadas pelas testemunhas ou pelas partes sejam efetivamente contextualizadas, circunstanciadas e analisadas no confronto entre si e dos demais meios de prova, desde logo para aferir a sua credibilidade.
Cumpre ainda referir que estando em causa declarações das próprias partes, in casu, dos próprios Réus, e dado o óbvio interesse no desfecho da ação, as mesmas devem ser apreciadas em conjugação com os demais elementos probatórios e nestes encontrarem sustentação.
Ora, as declarações prestadas pelos Réus e pelo seu filho apresentam-se contrárias à generalidade da prova testemunhal indicada pelo Autor, a qual, apresentando-se coerente entre si confirmou, no essencial, a versão dos factos trazida aos autos pelo Autor.
E, sem reproduzirmos aqui o essencial das suas declarações, por se nos afigurar manifestamente desnecessário por corresponderem ao que consta da motivação da sentença recorrida, a cuja transcrição procedemos, e nada mais de relevante haver a acrescentar, não podemos deixar de chamar a atenção para a diversidade, em termos de razão de ciência, apresentada pela prova testemunhal indicada pelo Autor que respeita não só ao meio familiar, como ao meio profissional, a amigos e a terceiros que prestaram serviços, bem como ao lapso temporal a que a mesma se reporta.

Assim:
A. F., construtor civil, por volta de 98/99, procedeu a reparações quer na loja, quer no apartamento do autor;
F. C., funcionário da sociedade “Móveis C. – Comércio de Móveis, Lda” desde 1989, inicialmente no armazém e depois como motorista;
M. J., que viveu em união de facto com o Autor durante cerca de 26 anos, até há cerca de 6 anos;
S. S., mulher do Autor;
A. M. e M. M., respetivamente cunhada (foi casada com o falecido irmão, Albino) e irmã do Autor e do Réu;
T. R., sobrinha das partes, mas também com ligação profissional aos mesmos enquanto advogada;
Q. P., que procedeu a obras de eletricidade no edifício do estabelecimento comercial e nas frações autónomas;
C. J., arquiteto responsável pela elaboração do projeto dos edifícios e que tratou do respetivo licenciamento;
A. C., amigo do Autor e do Réu há mais de 30 anos;
A. D., construtor civil que assegurou a construção das obras;
F. O., que presta serviços de contabilidade ao Autor e ao Réu e respetivas sociedades há cerca de 30 anos;
M. G., contabilista que trabalha com a testemunha anterior.

E das declarações prestadas por todas estas testemunhas o que ressalta efetivamente é a aquisição conjunta dos prédios e da realização das obras, designadamente da construção dos edifícios, ainda que das escrituras ou do processo de licenciamento conste apenas o nome do Réu, da qual ao longo de muitos anos não foi feito qualquer segredo, pelo contrário, sempre pelo Réu foi afirmado que pertenciam também ao Autor e sempre ambos se comportaram como se os prédios em causa pertencessem aos dois.
A decisão do tribunal a quo não se baseou em declarações de testemunhas de “ouvir dizer”, mas em testemunhos diretos que atestam o que sempre foi transmitido pelo Réu e a postura deste ao longo dos anos, designadamente incumbindo pessoas de diligenciar por regularizar a situação, passando metade para o nome do Autor.
Particularmente relevantes são as declarações prestadas pelas testemunhas F. O. e T. R., que de forma clara, circunstanciada e coincidente, descreveram que sempre lhes foi transmitido não só pelo Autor, mas pelo próprio Réu, que a aquisição dos prédios foi efetuada em conjunto pelos dois, sendo também as obras levadas a cabo pelos dois; estas testemunhas descreveram ainda que durante anos foram sendo realizadas reuniões e diligências para tentar regularizar a situação, adiantando-se como solução passar 50% para o nome do Autor ou passar os prédios para a sociedade imobiliária (a qual fora criada para colocar lá os imóveis das partes, v. também as declarações da testemunha M. G.). Aliás, a testemunha T. R. afirmou de forma perentória que foi incumbida pelos dois de resolver a situação e a testemunha F. O. relatou ainda uma última reunião com o Autor e o Réu em abril de 2015 onde este referiu que não cedia ao Autor os 50% mas apenas 40%, ficando ele com 60%, terminando por afirmar que afinal só cedia 30%.
Não se mostram, por isso erradamente julgados pelo tribunal a quo, os pontos da matéria de facto que refletem a existência do acordo prévio para aquisição dos prédios e outorga das escrituras apenas pelo Réu, a obrigação de transferência posteriormente para o Autor e para levar a cabo as construções.
A tal não obsta a prova documental carreada para os autos, designadamente o facto de em algumas escrituras existir intervenção conjunta do Autor e do Réu; conforme resulta das declarações da testemunha T. R. o facto de apenas um figurar na escritura, concretamente o Réu, teve como justificação a presença cá para a poder ir outorgar. Tal justificação mostra-se consentânea com o que foi relatado pelas demais testemunhas relativamente ao papel do Autor e do Réu na atividade conjunta: o Réu estava mais na loja enquanto o Autor andava por fora, muitas vezes no estrangeiro (vejam-se a este propósito as declarações da testemunha F. C. esclarecendo que o Autor chegava a ir ¾ vezes por semana a Espanha, às vezes regressando no mesmo dia, outras vezes ali pernoitando).
E quanto aos documentos relativos a emolumentos das escrituras e outros, ou encargos ou impostos, o facto de estarem apenas em nome do Réu atestam tão só isso, e já não que as despesas a eles atinentes tenham sido suportadas exclusivamente pelos Réus, já que concretamente não foram juntos documentos suportando os concretos pagamentos; mas, constando apenas o Réu nas escrituras públicas, e não o Autor, também se apresenta absolutamente normal que nos documentos relativos a emolumentos das escrituras e outros, ou encargos ou imposto apenas conste o seu nome; da mesma forma que estando os prédios apenas em nome do Réu, e não do Autor, os processos de licenciamento e respetiva documentação tinham necessariamente que ser emitidos igualmente em nome daquele, como foram (vejam-se as declarações prestadas pelo arquiteto responsável pelo projeto, a testemunha C. J.).
Assim, não só tais documentos não abalam a credibilidade das testemunhas indicadas pelo Autor e nem afastam a sua versão dos factos, como nem sequer são suscetíveis de demonstrar que efetivamente foram os Réus que suportaram integralmente as despesas, tal como afirmado na sentença recorrida, não se concluindo por qualquer erro de julgamento quanto aos pontos 12 e 20.
Quanto ao documento junto a fls. 265, denominado “Contrato de Promessa de Compra e Venda” tem como objeto parte dos terrenos em causa e nele constam como promitentes compradores não só os Réus, mas também o Autor e a então sua mulher; tal como se afirma na sentença recorrida o mesmo reforça a convicção da aquisição conjunta. Tal documento deve efetivamente ser valorizado na conjugação com os demais meios de prova; a sua veracidade resulta comprovada não só pelas declarações da testemunha indicada pelos Réus, a Solicitadora I. R., filha de J. M., o promitente vendedor, que afirmou não ter quaisquer dúvidas de que a assinatura é do pai, mas pela perícia efetuada nos autos (cfr. relatório pericial junto a fls. 330 a 338), que concluiu como muito provável que a assinatura seja de M. O.. Não obstante não se encontrar assinado pelos aí promitentes compradores, não se vislumbra a que titulo seria forjado um tal documento datado de 1985, tanto mais que o promitente vendedor faleceu já em 1993 (v. as declarações prestadas pela sua filha), e que efetivamente foram vendidos os prédios.
Este documento indicia ainda a participação não só do Autor e do Réu, mas das respetivas mulheres, designadamente da Ré na aquisição dos prédios; aliás a Ré, no seu depoimento, ainda que pretendendo convencer o tribunal que tudo fora adquirido e construído com dinheiro dos Réus, ajudados pelo seu pai, afirmou de forma perentória o seu conhecimento sobre o que o marido comprava, sendo que este lhe explicava e dava conhecimento do que fazia.
Entendemos, por isso, como corretamente julgados os pontos 13 e 21 dos factos provados que considerou que o Réu assumiu a obrigação de posterior transferência juntamente com a Ré.
No que se refere concretamente aos pontos 27 e 29, e que respeitam às construções edificadas, basta atentar na prova documental expressamente indicada no ponto 27 e nas declarações prestadas testemunhas F. O., T. R. e M. G., para se concluir pela inexistência de qualquer erro de julgamento; se é certo que na contabilidade da sociedade imobiliária as construções constam como tendo sido levadas a cabo pela sociedade, ainda que em terreno de outrem, a verdade é que foram o Autor e o Réu que financiaram tais construções através de empréstimos que constam na conta de suprimentos (v. as declarações do contabilista, a testemunha F. O.). Quanto ao ponto 27 de referir ainda que no mesmo se reproduz no essencial o teor da descrição predial n.º ... e do artigo matricial n.º ....
Relativamente aos pontos 30 a 35 refletem também o que resultou da prova produzida, em particular das declarações das referidas testemunhas F. O. e T. R..
Assim, analisados os depoimentos dos Réus, as declarações do Autor e das testemunhas referidas pelos Recorrentes, e das demais ouvidas em audiência, bem como a prova documental junta aos autos, inexiste qualquer fundamento para que seja alterada a matéria de facto no sentido pretendido pelos Recorrentes.
Pelo exposto, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida pela 1ª Instância, conforme com a prova constante dos autos, mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada.
***
3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, importa agora analisar se deve também manter-se a decisão jurídica da causa.
Os Recorrentes defendem que inexiste sustentação para concluir que a Ré foi mandatada com ou sem representação e, por isso, para condenar a Ré a transmitir para o Autor a quota-parte de metade do prédio, impondo-se a sua absolvição.
Sustentam ainda que sendo a sociedade imobiliária proprietária das construções, ou pelo menos de parte delas) não pode o tribunal condenar os Réus a transmitir algo que pelo menos em parte nem lhes pertenceria, impondo-se individualizar quais as construções pertencentes à sociedade e as pertencentes ao Réu ou aos dois (Autor e Réu) e resolver primeiramente a questão da propriedade das construções.
Entendem, por último, que não tendo o Autor alegado qual o interesse para que o Réu fosse o comprador único dos terrenos não é possível configurar a atuação do Réu como seu mandatário sem representação.
Analisemos então cada uma destas questões.
E para tanto importa começar por qualificar juridicamente a relação que se estabeleceu entre as partes.
A decisão recorrida considerou, e bem em nosso entender, que tal relação traduz um mandato sem representação.
Importa começar por referir que procuração e mandato são duas figuras distintas, como decorre de forma linear do preceituado nos artigos 262º e 1157º do Código Civil; diz-se procuração o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (artigo 262º n.º 1), sendo o mandato o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (artigo 1157º).
O mandato e a representação podem coexistir, mas tal coincidência não tem necessariamente que acontecer, podendo ocorrer mandato com representação ou sem representação e, não carecendo a procuração da coexistência do mandato, podendo existir procuração com mandato ou sem mandato.
O mandato é um contrato de prestação de serviços em que o mandatário, o prestador, se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outro, o mandante, de acordo com as instruções recebidas (cfr. artigos 1154º, 1155º e 1157º e seguintes do Código Civil), sendo elemento essencial deste contrato que o mandatário se obrigue à prática de um ou mais atos jurídicos, em regra, negócios jurídicos, mas nada obstando a que estejam em causa simples atos jurídicos (a que se refere o artigo 295º do Código Civil).
Como se afirma na sentença recorrida, citando Pessoa Jorge (O Mandato sem Representação, Lisboa, 1961, página 19), “[N)o mandato há uma pessoa, o mandante, que encarrega outra, o mandatário, de realizar determinado ato no interesse e por conta do primeiro; procura-se, assim, fazer realizar, por intermédio de outrem os atos que ao próprio interessado não convém efetuar pessoalmente", em correspondência com "a ideia de alguém confiar a outrem a realização de um ato”.
Pessoa Jorge define ainda o mandato sem representação como o contrato “pelo qual uma pessoa (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta mas no interesse e por conta daquela, de um ato jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse ato; ou, dada a noção de interposição de pessoas, como o contrato pelo qual alguém se obriga para com outrem a intervir, como interposta pessoa, na realização de um ato jurídico que ao segundo respeita”.
Assim, configura-se um mandato sem representação, nos termos e para os efeitos do artigo 1180º e seguintes do Código Civil quando, concertadamente, e sem outorga de procuração específica, o mandatário celebra um dado negócio jurídico em seu próprio nome (nomine proprio) mas por conta do mandante, no interesse e por conta deste.
Como é consabido, o mandato sem representação opõe-se ao mandato com representação, e deste se distingue, pois que neste o mandante confere poderes de representação ao mandatário, e este tem o dever de agir, não só por conta, mas também em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada (cfr. artigo 1178º n.º 2 do Código Civil).
Assim, ao lado do mandato representativo (aquele em que coexistem o mandato e a procuração, nascendo para o mandatário o dever de celebrar o ato, por conta e em nome do mandante) existe o mandato sem representação (mandato nomine proprio), onde o mandatário é parte no contrato que celebra, cabendo-lhe depois, na execução do contrato de mandato, transferir para a esfera jurídica do mandante os direitos adquiridos.
No contrato de mandato sem representação, porque o mandatário atua em seu nome, ainda que por conta do mandante, o ato praticado produz os seus efeitos na esfera jurídica do mandatário, devendo os correspondentes direitos e obrigações ser depois transferidos para o mandante, no interesse de quem o ato foi realizado.
É o que resulta do preceituado nos artigos 1180º e 1181º; decorre do primeiro que “[O) mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários destes”, e estabelece o artigo 1181º n.º 1 que “[O] mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato”.
A celebração do contrato de mandato não está, em regra, sujeita a forma escrita (o que se não confunde com a outorga de procuração a conferir poderes de representação ao mandatário, no caso de mandato representativo), pelo que também para o contrato de mandato sem representação vigora o princípio da liberdade de forma consagrado).
Conforme decorre da matéria de facto provada (em particular pontos 13 e 21), entre o Autor e o Réu foram celebrados contratos de mandato, na modalidade não representativa.
E como já vimos, o mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato.
Tal transferência ocorre necessariamente num segundo momento pois o mandatário, que aqui age em nome próprio, fica num primeiro momento a ser o titular dos direitos adquiridos em execução do mandato, devendo depois e em cumprimento do que se obrigou perante o mandante, transferir para este a titularidade desses direitos.
Como se afirma na sentença recorrida o legislador acolheu a “tese da dupla transferência”: do terceiro para o mandatário e deste para o mandante, e consequentemente, a tese do carácter obrigacional dos direitos deste até à segunda transferência, em relação à gestão que tenha por objeto a aquisição de um direito.
Resultando dos autos que o Réu não cumpriu a obrigação, não merece censura a sentença recorrida que o condenou no cumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de mandato sem representação celebrados e na sanção pecuniária compulsória.
A tal não obsta o facto de, como referem os Recorrentes, na contabilidade da sociedade pelo menos parte das construções se encontrarem como pertencendo à mesma; na verdade sempre estariam em causa obras realizadas em prédio de terceiro, sujeitas a regras próprias, eventualmente ao instituto da acessão industrial imobiliária (cfr. artigo 1340º do Código Civil).
Diga-se, aliás, que tal não constituiu qualquer entrave ou preocupação para os Recorrentes quando em 2006 o Réu registou tudo em seu nome, conforme decorre da descrição n.º ... da Conservatória do Registo Predial ..., correspondendo a um prédio urbano sito em ..., Avenida ..., n.º .., com a área total de 6667,9 m2, sendo 2228 m2 de área coberta, abrangendo os diversos prédios rústicos referidos nos pontos 9, 11, 17, 18 e 19 e construções edificadas.
Assim, estando atualmente em causa um prédio urbano registado em nome dos Réus (cfr. a referida descrição predial) nada obsta à transmissão da quota-parte de metade do mesmo, não se mostrando necessário, para tal, individualizar as construções e nem resolver primeiramente a questão de na contabilidade da sociedade imobiliária parte das construções figurar como tendo sido edificadas por esta.
E do que acabamos de referir decorre ainda que em nosso entender não merece censura a sentença recorrida que condenou também a Ré a transmitir este prédio.
Na verdade, ainda que em face da factualidade provada seja efetivamente de concluir que os mandatos sem representação foram celebrados entre o Autor e o Réu, pois aquele, enquanto mandante, encarregou o Réu, mandatário, de realizar os negócios de compra e venda dos prédios e intervir na escritura também no seu interesse e por sua conta, no que respeita à aquisição da quota parte de metade, não podemos esquecer que o Réu era já, à data, casado com a Ré no regime da comunhão de adquiridos, tendo aliás assumido a obrigação de transferir posteriormente para o Autor juntamente com a segunda Ré.
Mas, e acima de tudo, Autor e Réu, ao longo dos anos (é de realçar que os negócios datam de 1986, 1989 e 1990) e sem que se mostrasse cumprida a referida obrigação de transmissão, fruto certamente da relação de confiança existente até porque para além de sócios nos negócios são irmãos, foram alterando a realidade física dos prédios objeto dos negócios jurídicos em causa, designadamente promovendo construções sobre os mesmos e anexando-os para esse efeito conforme decorre de forma linear da matéria de facto provada, de tal forma que atualmente a realidade existente é a de um prédio; realidade física e jurídica completamente distinta da que esteve subjacente aos mandatos sem representação e que foi sendo fisicamente alterada por acordo entre as partes, que foram suportando em proporção idêntica os custos inerentes.
Atualmente, os prédios rústicos objeto dos negócios jurídicos mostram-se integrados num único prédio, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito sob o n.º ... da Conservatória do Registo Predial ..., sito em ..., Avenida ..., n.º 704, com a área total de 6667,9 m2, sendo 2228 m2 de área coberta, e que abrange os diversos prédios rústicos referidos nos pontos 9, 11, 17, 18 e 19 dos factos provados e as construções edificadas; e que desde 2006 se encontra registado a favor dos Réus, casados no regime da comunhão de adquiridos, conforme decorre dos documentos de fls. 36 a 39.
Por isso, não só a presença da Ré na presente ação seria sempre necessária como também deve a mesma ser condenada a proceder à transmissão.
E quanto ao interesse para que o Réu fosse o único a outorgar as escrituras em causa, resulta o mesmo efetivamente alegado pelo Autor, ao contrário do que referem os Recorrentes: o Autor andava quase sempre a viajar, quer em Portugal quer no estrangeiro, a dificuldade de agendamento das escrituras e a urgência da sua realização (v. artigos 11 e 17 da petição inicial).
*
Da condenação dos Réus como litigantes de má-fé

Por fim sustentam os Recorrentes que não litigaram de má-fé pois não atuaram com dolo ou negligencia grave, e em momento algum alteraram a verdade dos factos ou sequer omitido factos relevantes para a boa decisão da causa, ou tiveram conduta suscetível de defraudar e obstaculizar a justiça.

Na sentença recorrida foram os Réus condenados como litigante de má-fé, consignando-se, a este propósito, o seguinte:
“(…) No caso, conforme decorre do regime legal acima explanado, a ninguém é permitido, quer por via de defesa (impugnação, exceção) quer como causa de pedir, na ação ou em reconvenção, alegar factos que não devia ignorar corresponderem à verdade.
Assim, não pode a parte, mesmo a pretexto de exercício de direito de defesa, articular contra a verdade dos factos por si sabida, verdade essa que, a ser demonstrada, a fará incorrer na sanção pecuniária imposta pela lei, cujo risco terá de assumir ao enveredar por aquela via.
No caso, perante a alegação do autor, os réus vieram veio sustentar o contrário, não só impugnando a correspondente factualidade, mas alegando que foram eles quem suportou todos os custos das aquisições e construções em discussão.
Trata-se de factos cujo conhecimento os réus não ignoravam nem ignoram.
É quanto basta para que se conclua, que estes litigaram com má fé por, dolosamente ou com negligência grave, deduzirem impugnação cuja falta de fundamento conheciam.
Tal comportamento é grave e subsume-se à previsão da norma citada, devendo ser punido em conformidade; ponderando a intensidade do dolo e a dimensão das suas consequências, impõe-se a sua condenação em multa, que se fixa em 4 Uc’s”.
Vejamos.
O artigo 8º do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei nº 41/2013 de 26 de junho e que reproduz o anterior artigo 266º-A) estabelece que as partes devem agir de boa-fé.
Com efeito, não obstante a lei atribuir aos sujeitos processuais o direito de solicitar ao tribunal uma determinada pretensão esta deve ser apoiada em factos e razões de direito de cuja razão esteja razoavelmente convencido, sob pena de haver lugar à sua responsabilização (princípio da autorresponsabilidade das partes).
É nestes princípios que assenta o instituto da litigância de má-fé, consagrado atualmente nos artigos 542º e seguintes do Código Processo Civil o qual visa sancionar uma conduta processual das partes censurável, por desconforme ao princípio da boa-fé pelo qual as mesmas devem reger a sua conduta.
Corresponde o instituto da litigância de má-fé a uma responsabilidade agravada, que assenta na negligência grave ou dolo do litigante.
Se a parte atuou de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, não obstante poder não provar a sua pretensão, a sua conduta é lícita e é condenada no pagamento das custas do processo, como risco inerente à sua atuação. Se a parte procedeu de má-fé, na medida desde logo em que sabia que não tinha razão, ou não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume-se como ilícita, configurando um ilícito processual a que corresponde uma sanção, cujo pagamento acresce ao pagamento das custas processuais.
Nos termos do disposto no artigo 542º nº 1 do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei nº 41/2013 de 26 de junho e que reproduz o anterior artigo 456º), tendo uma ou ambas as partes litigado de má-fé, será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária.

E nos termos do nº 2 da referida disposição legal, “diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

Resulta da redação desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis.
Analisemos então a conduta dos Réus.
Tal como consta da sentença recorrida perante a alegação do Autor, irmão e cunhado, com quem o Réu começou a trabalhar conjuntamente desde pelo menos início de 1979, dedicando-se designadamente ao comércio de móveis, os Réus vieram efetivamente sustentar o contrário, alegando que foram eles quem suportou todos os custos das aquisições dos prédios em causa e construções em discussão, referindo-se expressamente ao artigo matricial ... (cfr. artigos 14 e 15 da contestação).
Estão em causa factos pessoais, cujo conhecimento os Réus não ignoravam, nem podiam ignorar, e cuja verdade alteraram.
Conforme decorre dos autos e da prova produzida os Réus invocaram factos que bem sabiam que não eram verídicos e que não podiam deixar de ser do seu conhecimento pessoal. Aliás, tendo alegado na contestação que suportaram todos os custos da construção do prédio identificado no referido artigo matricial, invocam agora reiteradamente em sede de recurso que a sociedade imobiliária é a proprietária das construções, ou de parte delas, constando da respetiva contabilidade como tendo sido edificadas pela sociedade.
Concluímos assim que, os Réus, de forma que não pode deixar de ser considerada pelo menos com negligência grave, alegaram factos que sabiam não ser verdadeiros, pois que o não podiam desconhecer, tentando, dessa forma, levar o tribunal a proferir uma decisão que os pudesse favorecer e litigando, por isso, com má-fé, não merecendo também aqui censura a decisão do tribunal a quo.
Em face de todo o exposto, improcede, pois, integralmente a apelação.
As custas são da responsabilidade dos Recorrentes atento o seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil):

I - O mandato é um contrato de prestação de serviços em que o mandatário, o prestador, se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outro, o mandante, de acordo com as instruções recebidas, sendo elemento essencial deste contrato que o mandatário se obrigue à prática de um ou mais atos jurídicos, em regra, negócios jurídicos, mas nada obstando a que estejam em causa simples atos jurídicos.
II - Ao lado do mandato representativo (aquele em que coexistem o mandato e a procuração, nascendo para o mandatário o dever de celebrar o ato, por conta e em nome do mandante) existe o mandato sem representação (mandato nomine proprio), onde o mandatário é parte no contrato que celebra, cabendo-lhe depois, na execução do contrato de mandato, transferir para a esfera jurídica do mandante os direitos adquiridos.
III - No contrato de mandato sem representação, porque o mandatário atua em seu nome, ainda que por conta do mandante, o ato praticado produz os seus efeitos na esfera jurídica do mandatário, devendo os correspondentes direitos e obrigações ser depois transferidos para o mandante, no interesse de quem o ato foi realizado.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:

a) Rejeitar o recurso da matéria de facto quanto aos pontos 23 e 26 dos factos provados;
b) Julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 14 de outubro de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)