I- A letra da convenção é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma;
II- Se uma interpretação proposta não tiver o mínimo de apoio no teor literal da cláusula torna-se desnecessário recorrer a outros elementos, já que o recurso aos mesmos não permite fazer vingar tal interpretação, carecendo a mesma do referido mínimo de apoio na letra da cláusula.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
Relatório
AA intentou ação comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca ….-…-Juízo Trabalho-J…, contra Banco BPI, S.A., alegando, em resumo, que:
Trabalhou para a Ré entre 01.07.1973 e 19.11.2013, data na qual passou à situação de reforma, auferindo, atualmente, a pensão com a mensalidade base de €1.422,99 e diuturnidades no valor de €292,11. Em Setembro de 2018, a Ré comunicou ao autor que iria deduzir à pensão de reforma que lhe pagava, o valor atual de €130,78 correspondente a 44,02% do valor da pensão paga pelo Centro Nacional de Pensões ao A. É desta decisão que o Autor discorda, defendendo que o valor a descontar deveria ser apenas de 14,284% da pensão que lhe foi atribuída pelo CNP.
Realizado o julgamento, o Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a ação intentada, absolvendo a Ré dos pedidos.
Inconformado, o Autor apelou, tendo sido proferido pelo Tribunal da Relação Acórdão que julgou procedente o recurso, revogou a sentença recorrida e condenou a Ré:
“1.– A aplicar a regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão paga ao autor pelo Centro Nacional de Pensões que pode deduzir, respeitante aos descontos efetuados pelo autor
para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
2. A reconhecer ao autor o direito a receber a pensão completa do
Centro Nacional de Pensões, deduzido do valor correspondente à
percentagem de 14,284%, relativo aos 11 meses e 9 dias de descontos para
a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;
3. - A pagar ao autor o valor de € 4.030,42, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, até à data do trânsito em julgado da decisão, a liquidar;
4. A pagar ao autor as diferenças mensais que a ré reteve ou venha a reter e que excedam a percentagem de 14,284% da pensão atribuída pelo CNP, acrescidas dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, a liquidar”, tendo também condenado a Ré nas custas.
Inconformada a Ré veio interpor recurso de revista com as seguintes Conclusões:
1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de Março de 2019.
2. Na interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.
3. No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 94.ª do ACT do setor bancário) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.
4. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com o Recorrido, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.
5. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.
6. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.
7. A cláusula 136.ª alude, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.
8. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 98.ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 94.ª.
9. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.
10. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de previdência: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.
11. A cláusula reenvia para as regras de cálculo do regime geral da segurança social a fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.
12. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.
13. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.
14. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade., como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio.
15. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.
16. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pelo Recorrido ao Recorrente.
17. E são essas as regras aplicadas pelo Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.
18. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a ambos os regimes de forma a impedir que, por força do mesmo período contributivo, o trabalhador possa ver-lhe atribuídos benefícios cumulados.
19. É uma expressão do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).
20. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.
21. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 94.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.
22. O entendimento do Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.
23. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao pensionista, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.
24. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento do Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.
25. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt.
26. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contará, tendo o Tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.
27. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pelo Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.
28. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá o Recorrente.
29. A interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 94.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado alcançado pelo Recorrente.
30. A interpretação preconizada pelo douto Acórdão recorrido olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).
31. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.
32. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.
33. E, mais recentemente e já posteriormente à mencionada douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foi também este o entendimento versado nas doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 2 de 25/04/2020, e Juiz 1 de 20/02/20, já juntas aos autos, e de 01/10/2020, que agora se junta aos autos.
34. E é também a douta opinião dos SENHORES PROFESSORES DOUTORES BERNARDO LOBO XAVIER e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO expressa nos doutos Pareceres de Direito juntos aos autos.
35. O entendimento sufragado pelo Recorrido, viola também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.
36. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que a pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.
37. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.”.
38. A interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e à cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário, é, assim, materialmente inconstitucional por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.
39. O douto Acórdão recorrido deve, pelos fundamentos expostos, ser revogado, concedendo-se provimento à Revista e, consequentemente, absolvendo-se o Recorrente dos pedidos.
40. Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão violou o disposto na cláusula 136.º do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – data de distribuição: 24/01/2011) cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 94.º do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 29 de 08/08/2016), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
O Autor contra-alegou.
O Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
O Réu respondeu ao Parecer.
Fundamentação
De facto
Foram os seguintes os factos apurados nas instâncias:
1. A Ré é uma instituição de crédito e exerce a atividade bancária.
2. A Ré participou nas negociações e outorgou o ACT para o Sector Bancário, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 29, de 08/08/2016, pg. 2339 e ss., instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.
3. O Autor encontra-se filiado no Sindicato dos Bancários … (SB…), onde figura como sócio n.º …..
4. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 1 de julho de 1973.
5. Por carta datada de 9 de dezembro de 2011 a Ré informou o Autor da sua passagem à situação de reforma.
6. O Autor foi, entretanto, informado por carta do Centro Nacional de Pensões datada de 6 de novembro de 2013 de que “o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi deferido”, sendo que “A pensão por VELHICE, tem início em 2013-11-19, sendo o seu valor atual 138,75 Euros”.
7. Entretanto foi efetuado um recálculo da pensão do Autor pelo Centro Nacional de Pensões, tendo este sido notificado pela Segurança Social, por carta datada de 29 de agosto de 2018 que “foi efetuado novo cálculo da pensão”, sendo que “O valor da pensão por VELHICE, em resultado do novo cálculo, é de 273,30 Euros (…) a partir de 2018-10-08”.
8. A pensão atribuída ao Autor, por velhice, em resultado do referido cálculo é de € 273,30, pagável a partir de 8 de outubro de 2018, acrescido de retroativos, no montante total global de €18.319,87.
9. O Autor passou então à situação de reforma no Banco integrado no nível 12 do ACT para o Sector Bancário, passando a auferir uma pensão de reforma, à altura, pagável 14 vezes por ano, com a mensalidade base de €1.391,45 e diuturnidades no valor de €285,60.
10. Na presente data o Autor aufere uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a mensalidade base de € 1.422,99 e diuturnidades no valor de € 292,11.
11. O Autor recebeu uma carta da Ré, datada de 19 de agosto de 2013, que dizia o seguinte:
“Exmo. Senhor,
No seguimento da nossa carta de 09-12-2011, e considerando que irá completar 65 anos de idade em 19-11-2013, informa-se que deverá requerer de imediato a reforma no Centro Nacional de Pensões (CNP) e remeter cópia do respetivo requerimento à Direção de Recursos Humanos do BPI.
Logo que tome conhecimento do deferimento da pensão, deverá ainda informar o BPI por escrito, remetendo fotocópia do documento do CNP com o descritivo dos cálculos da pensão.
A partir da data em que lhe seja atribuída a pensão pelo CNP, ou que devesse ser atribuída, ao montante da pensão a cargo do Banco, conforme previsto na cláusula 136ª do ACT, será deduzido o valor da pensão atribuída, ou que devesse ser atribuída, decorrente dos períodos considerados pelo Banco no cálculo da sua antiguidade. (…)
Com os melhores cumprimentos,”.
12. Posteriormente, e por carta datada de 21 de janeiro de 2016, o Banco informou o Autor do seguinte:
“Exmo. Senhor,
No seguimento da comunicação de 19-08-2013, que se anexa, e tendo o Banco tido conhecimento de que se encontra reformado pelo Centro Nacional de Pensões (CNP), relembra-se que nos deverá remeter o descritivo com os cálculos da pensão do CNP, fixando- se, para o efeito, um prazo até ao dia 5 de fevereiro de 2016.
Informa-se ainda que o Banco iniciará a dedução da pensão paga pelo CNP, correspondente ao tempo de lhe foi reconhecido no cálculo da sua reforma, no processamento do próximo mês de fevereiro, e com efeitos a 19-11- 2013, considerando para este fim os valores das remunerações pagas pelo BPI nos últimos 15 anos anteriores à data da reforma.
Nessa medida, e tendo em consideração que no cálculo da pensão atribuída pelo Banco foi reconhecido o ano de 2011, informa-se que nos termos do disposto na Cláusula 136ª do ACT do sector bancário, ao montante da pensão de reforma a cargo do BPI passará a ser deduzido o montante da pensão do CNP, cujo valor calculado pelo Banco ascende a € 53,56 (detalhe em anexo).
Atendendo à data de produção de efeitos da pensão atribuída pelo CNP e o valor dos retroativos que lhe foram pagos por aquela entidade, informa-se ainda que o BPI irá proceder, em 25-02-2016, à dedução do valor ilíquido de 1.516,16 € (detalhe em anexo), devendo assegurar que a sua conta bancária no Banco BPI se encontra devidamente aprovisionada para o efeito.
Mais se informa que, de futuro, a dedução do montante correspondente ao 14º mês ocorrerá em abril de cada ano. (…)
Com os melhores cumprimentos,” (cf. doc. 7).
13. Em 20 de setembro de 2018 a Ré enviou nova carta ao Autor com o seguinte conteúdo:
“Exmo. Senhor,
Acusa-se a receção do documento do Centro Nacional de Pensões (CNP) que remeteu com a comunicação do novo cálculo da sua pensão de reforma por velhice, com início em 19-11-2013, que se agradece.
No seguimento dos anteriores contatos sobre o assunto, informa-se que, nos termos da cláusula 94ª do ACT do sector bancário, ao montante da pensão de reforma paga pelo BPI passará a ser deduzido, a partir do processamento do mês de outubro e com efeitos reportados a 19-11-2013, o valor atual de € 130,78 decorrente das contribuições para a segurança social efetuadas pelo BPI durante o ano de 2011, que lhe foi reconhecido na antiguidade para efeitos de reforma (detalhe em anexo).
Mais se informa que no mesmo processamento o Banco procederá à dedução dos retroativos desde a data da atribuição da pensão do CNP, no valor ilíquido de € 5.579,16, devendo assegurar que a sua conta bancária no Banco BPI se encontra devidamente aprovisionada para o efeito (detalhe em anexo).
A presente carta anula e substitui a nossa carta de 21-01-2016.
Com os melhores cumprimentos,” (cf. doc. 8).
14. Nessa sequência, o Autor remeteu um email à Ré, datado de 1 de outubro de 2018, que dizia o seguinte:
“Bom dia,
Sobre o cálculo em anexo que me enviou, não estou de acordo como já o tinha manifestado por palavras e por um email de 20/09/2018 em forma de raciocínio a BB.
Pelo que analiso, penso que não lhe foi dada atenção.
O primeiro cálculo da CNP sem o ano de 2011, por razões que desconheço, só com os meus 6 anos de descontos anteriores à banca, foi atribuída uma reforma estatutária consagrada no tempo de € 138,75, hoje no valor de € 152,00, o novo cálculo a pedido da DRH já com o ano de 2011 referente ao banco, só foi possível após a 5ª insistência na CNP e com o apoio do SR. provedor da justiça, (1+6=7) foi atribuída reforma de € 266,07.
Como podem verificar, mesmo que eu aceitasse a dedução em assunto, nunca poderia receber menos do que já recebia € 152,00.
Sou obrigado a concluir que os fatores utilizados em janeiro de 2016, 2017 e 2018 não estão corretos, só podem refletir um valor de € 121,30, reforço se eu concordasse.
O valor a deduzir é de 38.01€ (266.07:7).
Cumprimentos,
AA”.
15. O Autor teve uma carreira contributiva com 3 momentos distintos de descontos:
a) De março de 1968 a junho de 1973, o Autor efetuou os descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de atividade dependente remunerada a entidade não bancária;
b) de 1 de julho de 1973 a dezembro de 2010, o Autor, enquanto trabalhador bancário, efetuou os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) e para o Fundo de Pensões do Banco;
c) a partir deste momento - janeiro de 2011 - o Autor passou a descontar para a Segurança Social, até passar à situação de reforma, em 9 de dezembro de 2011.
16. O SBN remeteu, em meados de outubro de 2018, por intermédio da Febase-Federação do Sector Financeiro, uma carta a todos os Bancos outorgantes dos vários IRCT´s da Banca, a instar pelo cumprimento das decisões judiciais que unanimemente deram razão à tese preconizada pelos trabalhadores, ou seja, a pagar pela fórmula de cálculo descrita, solicitando que até ao último dia de 2018 tal fosse feito.
De Direito
A questão colocada no presente recurso tem sido decidida reiterada e recentemente por este Tribunal de modo uniforme – sirva de exemplo o Acórdão proferido no processo n.º 2095/20.1T8BRR.S1 a 15 de setembro de 2021 (LEONOR RODRIGUES), no qual se faz referência a numerosa jurisprudência deste Tribunal sempre no mesmo sentido decisório. Este mesmo Coletivo já se pronunciou, aliás, sobre ela, designadamente no processo n.º 2276/20.8T8VCT.S1.
Nesse processo escreveu-se o seguinte, na fundamentação de direito da decisão:
“A mencionada cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tinha o seguinte teor:
Cláusula 136.ª
“Âmbito
1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.
2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª.
3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.” [1]
É a partir da interpretação desta cláusula e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que “a “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP” (Conclusão 6.ª), defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 94.ª do atual ACT do setor bancário) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas” (Conclusão 25.ª[2]).
Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.
A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).
A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.
Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.
A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições[3]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.
Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.
Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente[4], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.
Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho[5] para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição)”.
O presente recurso de revista não acrescenta qualquer argumento novo pelo que na fundamentação da presente decisão remete-se para o Acórdão precedente proferido no processo n.º 2276/20……, de acordo com o disposto no artigo 663.º, n.º 5 in fine do CPC, aplicável ao recurso de revista por força do artigo 679.º do CPC.
Decisão: Negada a revista. Junte-se aos autos cópia do Acórdão proferido no processo 2276/20…….
Custas pelo Recorrente
Lisboa, 29 de setembro de 2021
Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)
Joaquim António Chambel Mourisco
Maria Paula Sá Fernandes
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[1] A nova cláusula 94.ª, com a epígrafe garantia de benefícios e articulação de regimes tem o seguinte teor: “1- As instituições de crédito garantem os benefícios constantes da presente secção aos trabalhadores referidos no número 3 da cláusula 92.ª, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por instituições ou serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas instituições ou seus familiares, apenas é garantida pelas instituições de crédito a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos nesta secção: 2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas são considerados os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos da cláusula 103.ª; 3. Os trabalhadores ou os seus familiares devem requerer o pagamento dos benefícios a que se refere o número 1 da presente cláusula junto das respetivas instituições ou serviços de Segurança Social a partir do momento em que reúnam condições para o efeito sem qualquer penalização e informar, de imediato, as instituições de crédito logo que lhes seja comunicada a sua atribuição, juntando cópia dessa comunicação (…)
[2] Corresponde, no essencial, à Conclusão 31.ª no presente recurso.
[3] A sentença recorrida observa, a este respeito, certeiramente, que “o cálculo das remunerações a ter em consideração para a contabilização da pensão de reforma tem em consideração inúmeros fatores para além do valor da retribuição o que reforça a ideia de que não existe uma relação direta entre o valor da retribuição e o da pensão final atribuída”.
[4] Acórdão de 22/02/2018, proferido no processo n.º 9637/16.5T8LSB.L1.S1 (CHAMBEL MOURISCO): “As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas”. No mesmo sentido cfr. o Acórdão de 12/07/2018, processo n.º 3312/16.8T8PRT-P1.S1 (RIBEIRO CARDOSO): “nesta cláusula não se estabelece que a percentagem da pensão a devolver ao R. pelo A. deva ser calculada não só com base no tempo de contribuições para a Segurança Social, enquanto trabalhador do setor bancário, mas também levando em conta o valor das retribuições sobre que incidiram essas contribuições”
[5] Em rigor, para GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed. Revista, Coimbra Editora, 2007, vol. I, p. 829, trata-se da contagem de tempos de serviço juridicamente relevantes.