ACORDO DE SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ACORDO DE PRÉ-REFORMA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
CIRCUNSTÂNCIAS DO CONTRATO
Sumário


I- Na interpretação de uma cláusula de um acordo de suspensão do contrato de trabalho/pré-reforma há que ter presente não só a letra do acordo firmado pelas partes, mas também as circunstâncias em que o mesmo foi celebrado, e a interpretação da vontade das próprias partes, em face das circunstâncias que levaram àquele acordo.
II- Nos negócios onerosos, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração deve prevalecer o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Texto Integral




Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
                                              
I

1. AA, intentou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, no dia 1/2/2019 e com pedido de citação urgente, nos termos do artigo 561.º do NCPC contra a R. Meo - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., pedindo ao tribunal que, julgando pela sua procedência, decidisse:
«1 - Condenar a Ré a pagar ao Autor a título de atualizações das prestações devidas desde 01.01.2006 até 08.02.2010, e apuradas com base nos valores percentuais em termos médios às alterações salariais para as tabelas salariais dos trabalhadores da Ré, o valor global de € 23.588,08, e ainda naquelas que se vierem a apurar em sede de execução de sentença, e que resultem dos anos de 2011 até 08.02.2018;
2 - Condenar a Ré a pagar ao Autor juros à taxa legal de € 9.962,59, referente à atualização das prestações devidas desde 01.01.2006 até 08.02.2010, e ainda os juros que se vierem a apurar em função dos valores devidos entre o ano de 2011 até 08.02.2018.»
Para o efeito, alegou:
- Na sequência do acordo de suspensão do contrato de trabalho/pré-reforma, ficou a Ré obrigada a atualizar anualmente a pensão acordada;
- Porém, a Ré não o fez entre janeiro de 2006 e fevereiro de 2010, nem nos anos seguintes;
- Violou, assim, o acordo de pré-reforma, pelo que assiste direito do Autor àquelas quantias.

2. Por sentença de 18 de fevereiro de 2020, foi a ação julgada improcedente e a R. absolvida de todos os pedidos.

3. O Autor interpôs recurso de apelação, tendo impugnado a matéria de facto, bem como a decisão de Direito, porquanto considerou que lhe eram devidos os créditos peticionados, em função do acordo de pré-reforma que havia celebrado com a R.

4. Por decisão sumária de 6 de dezembro de 2020 do Tribunal da Relação, foi decidido:

a) Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de Apelação interposto por AA na sua vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, eliminando-se, os Pontos 1) a 5) da factualidade dada como não provada;

b) Em ordenar, oficiosamente e nos termos do número 1 do artigo 662.º do NCPC, a eliminação do Ponto N) da factualidade dada como assente;

c) Apesar de tal modificação da decisão sobre a matéria de facto, em julgar procedente o presente recurso de Apelação interposto por AA na sua vertente jurídica, nessa medida se revogando a sentença recorrida e se decidindo pela total procedência da ação e condenação da Ré nos pedidos deduzidos pelo Autor, nos moldes pelo mesmo formulados.

5. Na sequência de reclamação para a conferência, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação, em 24 de março de 2021, que decidiu:
O coletivo de juízes, reunido em conferência e após analisar os elementos relevantes constantes dos autos, não encontra fundamento, quer de natureza fáctica como jurídica, para alterar a Decisão Sumária acima transcrita e proferida pelo relator em 6/12/2020, no que concerne às questões suscitadas no recurso de Apelação do Autor e já apreciadas e decididas na aludida Decisão Sumária.
A posição sustentada no Aresto deste mesmo Tribunal da Relação ….. que é mencionado pela Ré na sua Reclamação, bem como nas suas alegações recursórias, acha-se contrariada e rebatida pela diversa jurisprudência identificada na Decisão Sumária reclamada.
Sendo assim, confirma-se a Decisão Singular proferida pelo relator, com base nos fundamentos aí explanados com vista a justificar, fáctica e juridicamente, a procedência do recurso de Apelação e inerente revogação da sentença judicialmente impugnada pelo mesmo, com a condenação desta última nos moldes que constam da parte decisória da referida Decisão Sumária.”

6. A Ré interpôs recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. O Douto Acórdão em crise, sempre com o devido respeito, além de não ser totalmente conforme à lei e ao direito, subverte princípios elementares estruturantes do pensamento jurídico.

2. Com efeito, procede à eliminação de Ponto facto provado N e aos Pontos 1 a 5 dos factos não provados, com base na sua suposta, mas inexistente, conclusividade.

3. É certo que tal decisão teve em vista o sentido da Decisão que se pretendia proferir, porém, tal não constitui argumento juridicamente relevante.

4. Na verdade, não se descortina, como e de que forma, o que foi consignado nesse ponto N e nos pontos 1 a 5, encerre opiniões ou juízos de valor.

5. Antes e ao invés, ali se alude a concretas ocorrências da vida real, nomeadamente a circunstância de a Ré, até 2005, ter aplicado a mesma percentagem de aumento salarial a todos os trabalhadores e o valor percentual médio de atualização da tabela salarial, que o Autor alegou se ter verificado, mas não logrou provar.

6. E não é pelo facto de não se ter produzido prova sobre essa matéria, que se poderá sustentar que se trata de matéria conclusiva.

7. Impõe-se, por isso, que sejam repostos, que o Ponto N, dos Factos Provados, quer os Pontos 1 a 5 dos Factos Não Provados.

8. De qualquer modo e sempre com o devido respeito, jamais poderá ser acolhida a interpretação da cláusula 4.ª do APR, sufragada pelo Tribunal.

9. Dado não ser possível que um homem medianamente informado e esclarecido, como certamente é o Autor (com uma remuneração tão elevada como é sublinhado) que até 2005 teve sempre conhecimento de que a percentagem de atualização da remuneração (dos trabalhadores no ativo) e da compensação ou da prestação de pré-reforma (dos trabalhadores em regime de suspensão do contrato de trabalho ou de pré-reforma) foi sempre a mesma para todos eles (facto DD) pudesse ter “pensado” em acordar um regime de atualização que não fosse aquele que era aplicado há décadas.

10. Além de não ser compreensível que a atualização fosse fixada em termos médios, quando até essa data e também durante décadas, a percentagem de aumento salarial foi única e igual para todos os trabalhadores da Ré (facto N).

11. Ou seja, a informação de que o Autor – declaratário concreto – era conhecedor, para perceber o sentido da declaração negocial inserta na cláusula 4.ª, era que nos seus SEIS anos de antiguidade da Empresa, a percentagem de aumento salarial tinha sido sempre igual para todos os trabalhadores.

12. Donde, a referência à atualização em termos médios só pode equivaler à atualização que o Autor teria caso estivesse no ativo e não a qualquer valor “médio”, mas ao valor percentual concretamente fixado para aumento da tabela salarial dos trabalhadores do ativo, nunca a um valor percentual “médio” da percentagem de aumento da tabela salarial.

13. Aliás, o Autor aceita o critério de atualização da prestação nos termos que lhe seriam devidos como se estivesse no ativo, uma vez que não reclama a atualização da sua prestação nos anos de 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2016 e 2017, períodos em que a Ré não atualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador no ativo.

14. É este o único sentido interpretativo que resulta da aplicação das regras da interpretação da declaração negocial, constantes do artigo 236.º, do Cód. Civil, que apela ao sentido obtido do ponto de vista do destinatário concreto.

15. Dado que, como se infere do Acórdão da Relação de Lisboa de 7/11/2018, proferido sobre esta questão e relatado pela (atual) Senhora Conselheira Maria Paula Sá Fernandes, a proceder a interpretação acolhida pela Decisão em apreço, os trabalhadores em pré-reforma, em geral e o Autor em particular, beneficiariam de um regime duplamente mais favorável do que aquele do que beneficiaria caso estivessem no ativo e do que os trabalhadores no ativo.

16. Uma vez que o Autor não só beneficiaria de atualização da sua prestação, quando não teria atualização caso estivesse no ativo, como até de uma percentagem de atualização superior aquela de que beneficiariam os trabalhadores no ativo.

17. Dado que, auferindo o valor mensal de 8.284,48 € (facto G) e não tendo a Ré, após o ano de 2006, voltado a atualizar a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.873 € (factos O a Z) o vencimento do Autor não seria passível de ser atualizado.

18. Com a agravante de, nos anos de 2011, 2012, 2014, 2015, 2016 e 2017, a Ré não ter atualizado a remuneração de nenhum seu trabalhador;

19. De qualquer modo, ainda que assim se não entenda, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, não existe fundamento legal para que a Ré fosse condenada a pagar ao Autor as diferenças pecuniárias que o mesmo peticionou.

20. Na verdade, é absurdo que a Decisão em crise tenha reconhecido o direito reclamado pelo Autor, sem que tenha sido feito prova da percentagem média de atualização da tabela salarial, seja lá o que isso for, em cada um dos anos do período entre 2006 e 2010.

21. De facto, do cotejo dos factos provados não se vislumbra, mesmo de forma implícita ou imperfeitamente expressa, onde constam tais percentagens.

22. A menos que o Tribunal tenha entendido, de forma inaudita e contra os mais elementares princípios da hermenêutica jurídica, que a eliminação de factos não provados, acarreta a prova do seu oposto.

23. Acresce, que sem a menção ou prova da percentagem média de atualização, este Supremo não pode exercitar a sua competência de Tribunal de recurso, no sentido de confirmar ou infirmar se essa percentagem média corresponde ou não à atualização que é contratualmente devida.

24. Com a particularidade, de se tratar de facto constitutivo da pretensão do Autor e que a não ser demonstrado, uma vez que a prova impendia exclusivamente sobre si, fará soçobrar a ação.

25. De resto, também não se compreende que sejam relegadas em liquidação, as (supostas) atualizações da prestação de pré-reforma referentes ao ano de 2013, só porque o Autor assim requereu.

26. Dado que, como é sublinhado na jurisprudência citada, a liquidação em execução de sentença só é legalmente admissível quando não existam elementos que permitam determinar o quantum devido, jamais quando a prova desses elementos não seja demonstrada.

27. É o que se verifica neste caso, dado ser inadmissível que o Autor, em 2019, data da interposição da ação, não conhecesse ou pudesse conhecer, qual a percentagem média de atualização verificada em 2013, isto é, seis anos antes.

28. Todavia, o Autor nem sequer alegou tal facto, pelo que e em consequência, não havia que relegar o apuramento do valor devido para liquidação de sentença, dado o artigo 609.º, do Cód. de Proc. Civil, proibir a renovação de prova.

29. Antes e tão só absolver a Ré dos pedidos, dado o Autor não ter, como constituía ónus exclusivamente seu, provado um dos factos constitutivos do direito que invocou.

30. Resulta assim manifesto que o Douto Acórdão proferido é merecedor de objetiva censura, por ter infringido o disposto nos artigos 236.º e 342.º, do Cód. Civil e os artigos 609.º e 674.º, n.º 1, alínea b), do Cód. de Proc. Civil, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro, que dando provimento ao presente recurso, julgue a ação improcedente e absolva a Ré de todos os pedidos, doutra forma não se fará rigorosa aplicação da lei e haverá fundado motivo para se afirmar não ter sido feita Justiça!


7. O Autor contra-alegou pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

8. O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido da procedência da Revista, com a revogação do acórdão do Tribunal da Relação e a repristinação da sentença da primeira instância.

9. Nas suas conclusões, a recorrente suscita as seguintes questões que cumpre solucionar:
1.º - Saber se o Tribunal da Relação andou bem ao eliminar o ponto N. da factualidade provada e os factos 1. a 5. dos factos não provados.
2.º - Saber se a interpretação efetuada pelo Tribunal da Relação relativamente à Cláusula 4.ª do acordo de suspensão/pré-reforma, é a correta; e, em caso de resposta afirmativa a esta questão,
3.º - Saber se ocorre impossibilidade legal de proceder à liquidação da atualização da prestação devida ao A, relativamente ao ano de 2013.

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

A matéria de facto dada como provada é a seguinte:


A. Entre o Autor e Ré foi celebrado contrato de trabalho sem termo no ano de 1999.
B. Na vigência daquela relação laboral, no dia 30 de junho de 2005, Autor e Ré outorgaram um “Acordo Suspensão de Contrato de Trabalho/Pré-Reforma”, com produção de efeitos a 31 de dezembro de 2005.
C. Nesse acordo foi convencionado entre as partes que o contrato de trabalho seria suspenso, ficando o Autor dispensado da prestação efetiva do trabalho.
D. Durante o período de suspensão anterior à pré-reforma, a Ré comprometeu-se ao pagamento de uma prestação mensal ao Autor da importância de 10.355,60 €.
E. Atualizável anualmente, simultaneamente com a atualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que viesse a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores.
F. A partir do momento em que o Autor passou a preencher as condições de pré-reforma, o que ocorreu no dia 8 de junho de 2007 - data em que este perfez o 55.º aniversário de vida, passou a auferir uma prestação de pré-reforma calculada de acordo com as regras constantes do anexo ao acordo.
G. Passando a receber a importância de 8.284,48 €, correspondente a 80% da prestação mensal acordada nos termos da cláusula 2.a do acordo.
H. Tendo ficado igualmente acordado que aquela prestação de pré-reforma seria atualizada anualmente de acordo com o previsto na cláusula 4.a do referido acordo, isto é, simultaneamente com a atualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que viesse a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores.
I. O acordo previa ainda a obrigação do Autor requerer a pensão de reforma por velhice, logo que completasse a idade mínima legal de reforma.
J. Tendo o requerimento de pensão apresentado pelo Autor, sido deferido com efeitos a dia 8 de fevereiro de 2018.
L. A Cláusula 4.a prevê o seguinte:
“O montante da prestação referida na Cl. ª 2.a será atualizado anualmente, simultaneamente com a atualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que viesse a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos”
M. A cláusula 10.a, n.º 3 prevê o seguinte:
“A prestação de pré-reforma será igualmente atualizada de acordo com o previsto na Cl. ª 4.a
N. [ELIMINADO oficiosamente pelo Tribunal da Relação]
[N. Até 2005, inclusive, os aumentos da tabela salarial previstos no Acordo de Empresa da Ré foram, em cada ano, de percentagem igual para todas as categorias profissionais.]
O. Só, em 2006, pela primeira vez, a Ré introduziu percentagens diferenciadas de aumentos em função dos valores das remunerações da tabela, privilegiando-se, através de percentagens mais elevadas, as remunerações mais baixas.
P. Em 2006, a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.873 €.
Q. E estabeleceu três diferentes percentagens de atualização, uma para os trabalhadores com salários até 756,40 €, outra para os com salários entre esse valor e 1.892,30 € e uma última para os trabalhadores com salário compreendido entre este e o valor indicado no artigo anterior.
R. O mesmo se verificou em 2007, ano em que a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.887,30 €.
S. Tendo também estabelecido duas diferentes percentagens de atualização, uma para os trabalhadores com salários até 804,30 € e outra para os com salários entre esse valor e o valor indicado no artigo anterior.
T. Idêntico acordo se verificou em 2008, ano em que a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.930,71 €.
U. E em que atualizou os salários dos restantes trabalhadores em quatro e diferentes percentagens, uma para os trabalhadores com salários até 1.080,00 €, outra para os com salários entre esse valor e 1.280,00 €, uma outra para os trabalhadores com salários entre esse valor e 2.000,00 € e uma última para os trabalhadores com salário compreendido entre este e o valor indicado no artigo anterior.
V. Em 2009 e 2010, a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.966,10 €.
X. E em 2009 apenas atualizou o salário dos trabalhadores com salários até 1.350,00 €.
Z. Enquanto, em 2010, estabeleceu duas diferentes percentagens de atualização, uma para os trabalhadores com salários até 1.425,00 € e outra para os com salários entre esse valor e o valor indicado em V).
AA. Nos anos de 2011 e 2012, a Ré não atualizou a remuneração de nenhum dos seus trabalhadores.
BB. E em 1 de julho de 2013, apenas atualizou o salário dos trabalhadores com salários até 2.527,49 €.
CC. Entre 2014 e 2017, a Ré não atualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador.
DD. Até ao final de 2005, a percentagem de atualização da remuneração dos trabalhadores no ativo e da compensação ou da prestação de pré-reforma foi sempre igual.
FACTOS NÃO PROVADOS
Realizada a audiência de julgamento não se provaram os seguintes factos:
1. [ELIMINADO pelo Tribunal da Relação]
[1. A primeira atualização deveria ter ocorrido no ano de 2006, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%.]
2. [ELIMINADO pelo Tribunal da Relação]
[2. No ano de 2007, a atualização deveria ter ocorrido no ano de 2006, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%.]
3. [ELIMINADO pelo Tribunal da Relação]
[3. No ano de 2008, atualização deveria ter ocorrido no ano de 2006, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%.]
4. [ELIMINADO pelo Tribunal da Relação]
[4. No ano de 2009, atualização deveria ter ocorrido no ano de 2006, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%.]
5. [ELIMINADO pelo Tribunal da Relação]
[5. No ano de 2010, atualização deveria ter ocorrido no ano de 2006, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%, para os 6 primeiros meses, e 0,87%para os seguintes.]

B.  Fundamentos de Direito


1.ª Questão – Saber se o Tribunal da Relação andou bem ao eliminar a o ponto N. da factualidade provada e os factos 1. a 5. dos factos não provados.
Antes de mais, e como é por demais consabido, o Supremo Tribunal de Justiça não admite recuso de revista, quando esteja em causa decisão do Tribunal da Relação que altere a matéria de facto. É o que resulta da conjugação do disposto nos artigos 662.º, n.ºs 1, 2 e 4, 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.

Contudo, e como a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de se pronunciar por diversas vezes, diferente situação ocorre quando o Tribunal da Relação procede à eliminação de factos, com base num juízo de que os mesmos são conclusivos ou de Direito.

A este propósito, já se afirmou, entre outros, no acórdão de 8 de junho de 2017, no proc. n.º 2057/14.8TTLSB.L2. S1: “O recurso de revista que tem por fundamento o desrespeito pelo Tribunal da Relação dos seus poderes relativos à decisão sobre a matéria de facto, previstos no artigo 662.º, do Código de Processo Civil, ao ordenar, oficiosamente, a eliminação de alguns factos do acervo factual provado na 1ª instância, por os considerar conclusivos, é admissível”.
Pelo que, cumpre-nos apreciar o recurso de Revista, nesta parte. Vejamos então.
Tal como já vimos supra, o Tribunal da Relação eliminou o ponto N. da factualidade provada, bem como os factos 1. a 5. dos factos não provados, considerando que os mesmos tinham cariz conclusivo.
Vejamos se assim é.
O facto provado N. tinha a seguinte redação: «N. Até 2005, inclusive, os aumentos da tabela salarial previstos no Acordo de Empresa da Ré foram, em cada ano, de percentagem igual para todas as categorias profissionais».
Relativamente a este facto - muito distinto dos demais aqui postos em causa - diga‑se, desde já, não obstante encerrar em si um teor conclusivo, não deixa de conter matéria factual, não consubstanciando a mesma o “thema decidendum” dos autos. A conclusão a que se chegou, é em si mesma um facto e um facto relevante. Ficamos a saber que até 2005, inclusive, que a R. sempre aumentou todos os seus trabalhadores em igual percentagem, ainda que não fiquemos a saber qual o valor da mesma em cada ano.
Sobre esta questão de o Tribunal da Relação poder ou não eliminar factos que considere que têm um pendor conclusivo, importa ter presente a Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, e desta mesma 4.ª secção, que já afirmou por diversas vezes o seguinte:

Os n.os (…) da matéria de facto julgada provada pelo tribunal de 1.ª instância, pese embora algum défice de densificação e concretização no plano factual, uma vez que não acolhem conceitos normativos de que dependa a solução do caso, no plano jurídico, e na medida em que contêm um inquestionável substrato factual, que deve ser interpretado em conexão com os restantes segmentos que integram o acervo factual provado, devem subsistir como factos materiais a considerar.” - Acórdão de 12 de dezembro de 2017, proferido no proc. n. º 2211/15.5T8LRA.C2.S1, bem como, por exemplo: “Os pontos da matéria de facto fixada na 1ª instância, que tenham uma base objetiva que permita a sua valoração jurídica, não podem ser considerados como não escritos pelo Tribunal da Relação e deixarem de ser ponderados no contexto da restante factualidade dada como provada em sede de fundamentação jurídica da decisão.”- Acórdão de 8 de junho de 2017, proferido no Proc. n.º 2057/14.8TTLSB.L2.S1.
Ora, como já vimos, o facto provado sob a alínea N., não obstante conter um teor que também é conclusivo, não deixa ser factual. É por sinal, um facto relevante, e como tal, não deveria ter sido objeto de eliminação por parte do Tribunal da Relação.
Pelo exposto, revogamos, nesta parte, a decisão do Tribunal da Relação, passando o facto provado sob a alínea N., a constar da factualidade provada.
Relativamente aos factos não provados, tinham a seguinte redação:
1. A primeira atualização deveria ter ocorrido no ano de 2006, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%.
2. No ano de 2007, a atualização deveria ter ocorrido no ano de 2007, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%.
3. No ano de 2008, a atualização deveria ter ocorrido no ano de 2008, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%.
4. No ano de 2009, atualização deveria ter ocorrido no ano de 2009, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%.
5. No ano de 2010, atualização deveria ter ocorrido no ano de 2010, tendo o valor percentual em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores no ativo, sido de 1,50%, para os 6 primeiros meses, e 0,87% para os seguintes.

A fundamentação expendida no acórdão recorrido para a eliminação da factualidade em causa foi a seguinte:
Da leitura de todos os Pontos de Facto que se acham acima transcritos redunda, em nosso entender, a sua natureza conclusiva e mesmo jurídica, dado as percentagens neles referidas serem obtidas através da leitura, interpretação, confronto e cálculo das Tabelas Salariais constantes dos diversos Acordos de Empresa que se foram sucedendo no tempo, entre 2009 e 2018, numa abordagem matemática ou aritmética mas igualmente de direito do texto dos mesmos, que cabe ao julgador fazer a partir de tais instrumentos de regulamentação coletiva, em sede de fundamentação de direito e não de facto.
Não é irrelevante recordar aqui a controvérsia que foi gerada pela Ré na sua contestação relativamente à forma como o Autor havia calculado ou «chegado por a mais b», como se usa dizer, aos valores por ele articulados nos artigos 14.º a 19.º da sua Petição Inicial e que estão na base do texto dos 5 Pontos dados como Não Assentes e acima transcritos, tendo o tribunal da 1.ª instância, sensível a tal questão, convidado o demandante a apresentar um articulado de aperfeiçoamento do ali alegado, que redundou no Requerimento de fls. 38 e seguintes, onde, na parte que para aqui interessa, se afirmou o seguinte:
«A) Das fórmulas aritméticas que permitiram liquidar o valor reclamado:
A tabela salarial fundamento das atualizações da remuneração base do Autor, seja numa fase inicial a correspondente à prestação no período de suspensão do contrato de trabalho (Cláusula 4.a do Acordo), seja, mais tarde, a prestação de pré-reforma (Cláusula 10.ª n.º 3), é a que consta dos Acordos de Empresa subscritos pela Ré e publicados como segue:
- BTE n.º 26, de 15/7/2006, Anexo V, pág. 2873
- BTE n.º 14, de 15/4/2007, Anexo V, págs. 1056 e 1057
- BTE n.º 22, de 15/6/2008, Anexo VI, pág. 1887
- BTE n.º 25, de 8/7/2009, Anexo VI, pág. 2812
- BTE n.º 37, de 8/10/2010, Anexo VI, pág. 4138
Pode ver-se uma síntese no último dos BTE indicados.
No entanto, os valores reclamados pelo Autor foram calculados diretamente a partir da informação prestada pela Ré no Doc. n.º 3, cuja veracidade e conteúdo não foram impugnados por esta.
B) Nos anos posteriores e enquanto se manteve a situação de pré-reforma do Autor ou não se verificaram alterações da tabela salarial, ou as alterações verificadas não correspondiam ao modelo acordado entre o Autor e a Ré, pelo que não foi possível ao Autor determinar o valor da atualização devida, tendo sido requerida a colaboração da Ré para esse efeito.
Veja-se as publicações a seguir indicadas:
- BTE n.º 47, de 22 / 12/2011, Anexo IV, pág. 4248
- BTE n.º 20, de 29/5/2013, Anexo IV, pág. 114
- BTE n.º 32, de 29/8/2013, Anexo IV, pág. 11
C) Na verdade, as atualizações acordadas justificavam-se pelo facto de o Autor ter acordado com a Ré, como consta do art.º 21.º da Contestação, a redução do seu vencimento base de 13 915,95€, que era anualmente complementado por prémios de gestão e outros benefícios não contratualizados.
Com referência às tabelas salariais mencionadas - de valores mínimos a fórmula aritmética que fundou o valor reclamado decorreu da determinação em cada uma das tabelas, do valor percentual do aumento fixado para cada nível salarial nela especificado, para depois se somar o conjunto de valores percentuais assim definidos e dividi-lo pelo número de níveis considerados:
Ou seja, (soma de (b - a) x 100/b) /n, em que:
a - É o valor salarial para cada nível em vigor à data da celebração do AE
b - É o valor atualizado para cada nível no AE em causa
n - É o número de níveis considerados.
A título de exemplo e tendo como referência a tabela salarial publicada em 2007 e os primeiro e último nível da tabela:
(501,50-489,90) x 100/489,90 = 2,36%
(2930-2873) x 100/2873 = 2,008%».
Esta resposta do Autor ao convite do Juízo do Trabalho  ….. é reveladora do que antes e afirmou e defendeu, quanto à natureza conclusiva e jurídica desta matéria, constante dos Pontos 1. a 5. e do Ponto identificado com a alínea N.
(…)
Sendo assim, julga-se parcialmente procedente o recurso de Apelação do Autor, na sua vertente de impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, determinando- se, nessa medida, a simples e singela eliminação dos Pontos 1. a 5. da Factualidade dada como Não Assente e que se acham antes reproduzidos (…).
Ora, lida a fundamentação expendida, bem se compreende, relativamente aos factos não provados sob os n.ºs 1 a 5, a decisão do Tribunal da Relação.
Efetivamente qualquer um dos factos eliminados para além de serem conclusivos, encerravam em si, apreciações de Direito, que a fundamentação transcrita, melhor denuncia e que aqui nos escusamos de repetir.
O facto de ter que se proceder a uma análise do AE e efetuar operações matemáticas, para poder afirmar o que se afirmava na factualidade em causa, é bem revelador dessa natureza, por um lado conclusiva e, por outro, jurídica, sendo que a factualidade provada ou não provada, nunca deve ter presente qualquer uma delas.
Pelo exposto, relativamente aos factos não provados sob os n.ºs 1 a 5, bem andou o Tribunal da Relação ao decidir, como decidiu, não nos merecendo, nesta matéria, qualquer censura.

2.ª Questão: Saber se a interpretação efetuada pelo Tribunal da Relação relativamente à Cláusula 4.ª do acordo de suspensão/pré-reforma, é ou não a correta.
Relativamente a esta questão, a sentença de primeira instância havia entendido que a única interpretação razoável e que respeitava o acordado entre as partes, era a de que o A. só poderia beneficiar de atualizações salariais, caso os trabalhadores que se mantivessem no ativo, com uma retribuição idêntica à sua, tivessem sido também eles aumentados. Ou, melhor dizendo, a sua prestação de pré-reforma só poderia ser atualizada, estabelecendo um paralelo hipotético, se o autor se mantivesse no ativo e tivesse sido aumentado, então na situação de suspensão, também o seria.
Ao invés, o Tribunal da Relação considerou que atenta a letra do clausulado, que se impunha proceder às atualizações da prestação de pré-reforma do A., fazendo uma média das percentagens aplicadas às diferentes categorias de trabalhadores, mesmo quando esses aumentos estavam apenas previstos para os trabalhadores com retribuições mais baixas.
Vejamos então, a quem assiste razão.
Antes de mais, atentemos na factualidade mais relevante:

- Em 30 de junho de 2005, Autor e Ré outorgaram um “Acordo Suspensão de Contrato de Trabalho/Pré-Reforma”, com produção de efeitos a 31 de dezembro de 2005;

- Ficou aí convencionado entre as partes que o contrato de trabalho seria suspenso, ficando o Autor dispensado da prestação efetiva do trabalho;

- Durante o período de suspensão anterior à pré-reforma, a Ré comprometeu-se ao pagamento de uma prestação mensal ao Autor da importância de 10.355,60 €;

- Atualizável anualmente, simultaneamente com a atualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que viesse a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores;

- A partir do momento em que o Autor passou a preencher as condições de pré-reforma, - 8 de junho de 2007 – (por corresponder ao 55.º aniversário de vida), passou a auferir uma prestação de pré-reforma, de 8.284,48 €, correspondente a 80% da prestação mensal acordada nos termos da cláusula 2.a do acordo;

- Tendo ficado igualmente acordado que aquela prestação de pré-reforma seria atualizada anualmente de acordo com o previsto na cláusula 4.a do referido acordo;

- A Cláusula 4.a prevê o seguinte: “O montante da prestação referida na Cl. ª 2.a será atualizado anualmente, simultaneamente com a atualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que viesse a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos”;

- A cláusula 10.a, n.º 3 prevê o seguinte: “A prestação de pré-reforma será igualmente atualizada de acordo com o previsto na Cl. ª 4.a”;

- Até 2005, inclusive, os aumentos da tabela salarial previstos no Acordo de Empresa da Ré foram, em cada ano, de percentagem igual para todas as categorias profissionais;

- Em 2006, pela primeira vez, a Ré introduziu percentagens diferenciadas de aumentos em função dos valores das remunerações da tabela, privilegiando-se, através de percentagens mais elevadas, as remunerações mais baixas;

- Em 2006, a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.873 €;

- E estabeleceu três diferentes percentagens de atualização, uma para os trabalhadores com salários até 756,40 €, outra para os com salários entre esse valor e 1.892,30 € e uma última para os trabalhadores com salário compreendido entre este e o de € 2.873;

-  Em 2007, a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.887,30 € e estabeleceu diferentes percentagens de atualização, uma para os trabalhadores com salários até 804,30 € e outra para os com salários entre esse valor e 2.887,30 €.

- Em 2008, a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.930,71 €, tendo criado percentagens diferentes, para os trabalhadores com remunerações inferiores a este valor.

- Em 2009 e 2010, a Ré não atualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.966,10 €.

- E em 2009 apenas atualizou o salário dos trabalhadores com salários até 1.350,00 €.

- Em 2010, estabeleceu duas diferentes percentagens de atualização, uma para os trabalhadores com salários até 1.425,00 € e outra para os com salários entre esse valor e o de 1.350,00 €;

- Nos anos de 2011 e 2012, a Ré não atualizou a remuneração de nenhum dos seus trabalhadores;

- Em 1 de julho de 2013, apenas atualizou o salário dos trabalhadores com salários até 2.527,49 €.

- Entre 2014 e 2017, a Ré não atualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador;

- Até ao final de 2005, a percentagem de atualização da remuneração dos trabalhadores no ativo e da compensação ou da prestação de pré-reforma foi sempre igual.

Ora, da análise da referida factualidade, podemos com facilidade concluir que em 2005, A. e R. celebraram um acordo de pré-reforma, por escrito, com efeitos reportados a 31 de dezembro de 2005, em que o objetivo era o autor deixar de trabalhar, ainda antes de reunir as condições para beneficiar do regime da pré-reforma, mas não ficar com isso prejudicado em termos de retribuição, razão pela qual, lhe foi fixada a prestação mensal de 10.355,60 €.

Razão também pela qual, ficou previsto que a prestação que o A. receberia, seria atualizada anualmente em conformidade com as atualizações que os trabalhadores no ativo recebessem.

Compreende-se que assim tenha sido, por forma a garantir que o A., ao aceitar este acordo de suspensão, não visse a sua capacidade financeira ficar deteriorada por comparação com os outros trabalhadores com a mesma categoria profissional que se mantivessem no ativo, o que podia ser motivo dissuasor de o A. aceitar o referido acordo.

Resulta também da factualidade dada como provada, que até 2005, todos os trabalhadores da R. receberam aumentos percentuais idênticos.

Contudo, constata-se que a partir de 2006, a R. deixou de o fazer e que anos houve em que não procedeu mesmo a quaisquer aumentos, enquanto noutros, procedeu a aumento dos trabalhadores abrangidos por níveis salariais mais baixos e mesmo dentro desses, diferenciou os aumentos, através de diferentes níveis percentuais, por forma a que aqueles que menos retribuição recebiam, pudessem, proporcionalmente, ser um pouco mais aumentados, por comparação com os demais trabalhadores da R.

Resulta evidente que por trás de tal política de aumentos terá estado uma preocupação de cariz social, em que em anos em que não era possível aumentar todos os trabalhadores, que, pelo menos, os trabalhadores com menores salários, não fossem privados da possibilidade de aumentar a sua capacidade financeira.

A questão fulcral que se coloca perante esta factualidade, é saber se o A. tem, com base na prestação que lhe havia sido fixada, e com base no acordo firmado, direito ou não a beneficiar da média das atualizações percentuais que foram fixados pela R. para as categorias cujas retribuições eram as mais baixas. 

Revisitemos então o acordo de suspensão em causa, agora na íntegra, para que melhor o possamos analisar:
“ACORDO SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO/PRÉ-REFORMA

Entre a PT COMUNICAÇÕES, S.A., com sede em Lisboa, na Rua Andrade Corvo, n.° 6, pessoa coletiva n.° 504615947, inscrita na 4.a Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.° 09406, com o capital social de 150.000.000 Euros, adiante designada por Primeira Outorgante, neste ato representada por BB, com poderes necessários e bastantes para o efeito,
e
AA, empregado n.°....., contribuinte n.º ......., residente na ...........-... ....., portador do Bilhete de Identidade n.°....... c subscritor da Segurança Social n.°........, adiante designado como Segundo Outorgante ou trabalhador, é celebrado o presente Acordo, que se regerá pelas cláusulas seguintes e pelas disposições do DL 261/91, de 25 de julho, repristinadas pelo DL 87/2004, de 17 de Abril, e pelo regime da pré-reforma previsto nos artigos 356.° e 357.° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.°99/2003, de 27 de Agosto, logo que o trabalhador preencha as condições de pré-reforma estabelecidas no referido artigo 356.°:
1.ª
Por efeito do presente Acordo, celebrado por iniciativa do trabalhador, o contrato de trabalho do 2.° outorgante considera-se suspenso, ficando o trabalhador dispensado da prestação de trabalho, com a inerente suspensão dos direitos e das obrigações decorrentes daquela.
2.ª
Durante o período de suspensão anterior à pré-reforma, a 1.ª outorgante pagará ao 2. ° outorgante uma prestação mensal de € 10.355,60 (dez mil trezentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos) correspondente a 100% da retribuição mensal ilíquida (remuneração base e diuturnidades), auferida à data da celebração do presente acordo.
3.ª
A título substitutivo dos subsídios de Férias e de Natal, será igualmente pago ao segundo outorgante, em cada um dos meses de julho e de novembro, respetivamente, uma prestação de montante igual ao previsto na cláusula anterior, exceto no ano de início de vigência do presente Acordo, se já lhe tiverem sido pagas as importâncias referentes a cada um daqueles subsídios.
4.ª
O montante da prestação referida na cláusula 2.a será atualizado anualmente, simultaneamente com a atualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.
5.ª
As prestações previstas nas cláusulas 2.a e 3.a do presente Acordo ficam sujeitas aos descontos legais aplicáveis, nomeadamente, IRS, Taxa Social Única e contribuições/quotas ou outras despesas previstas no Plano de Saúde da PT COMUNICAÇÕES ou do que o venha a substituir no âmbito da PT COMUNICAÇÕES, S.A.
6.ª
Durante a vigência do presente Acordo, o trabalhador usufruirá das regalias em vigor para os trabalhadores reformados, sem prejuízo dos que especificamente se encontrem definidas para os trabalhadores na situação de suspensão do contrato de trabalho e, a partir de data em que ingresse na situação de pré-reforma, aos trabalhadores pré-reformados.
7.ª
A partir da data de produção de efeitos deste Acordo, o trabalhador não tem direito aos subsídios de doença, maternidade ou paternidade e desemprego, mantendo direito às restantes prestações da Segurança Social.
8.ª
No caso de falta de pagamento da prestação mensal ou da prestação de pré-reforma por parte da Empresa, o trabalhador poderá optar entre:
a) Rescindir o contrato com justa causa, tendo direito a uma indemnização correspondente ao montante das prestações que receberia até perfazer a idade mínima legal de reforma; ou,
b) Retomar o pleno exercício das suas funções, sem prejuízo da antiguidade, se a falta for culposa ou se a mora se prolongar por mais 30 dias.

9.ª
O tempo da suspensão do contrato do trabalho, nestes termos acordada, conta exclusivamente como tempo de serviço para efeitos de atribuição de diuturnidades, reforma e prémio de aposentação.
10.ª
1. Logo que o 2. ° outorgante preencha as condições de pré-reforma estabelecidas no artigo 356. ° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.°99/2003, de 27 de agosto, ou noutro diploma que venha a alterar, modificar ou substituir o referido diploma, o trabalhador passará à situação de pré-reforma, regida pelo disposto em tal diploma e neste acordo.
2. A partir da data referida no número anterior, o trabalhador auferirá uma prestação de pré-reforma calculada de acordo com as regras constantes do anexo ao presente acordo e que deste fez parte integrante.
3.A prestação de pré-reforma será igualmente atualizada de acordo com o previsto na cláusula 4.a.
4. A prestação de pré-reforma ficará sujeita aos descontos legais, os quais incidem, no que respeita a contribuições para a Segurança Social, sobre a retribuição mensal ilíquida sujeita às atualizações decorrentes da aplicação do disposto na cláusula 4.a, ficando ainda aquela prestação sujeita aos descontos relativos às contribuições/quotas ou outras despesas previstas no Plano de Saúde da PT COMUNICAÇÕES ou do que o venha a substituir no âmbito da PT COMUNICAÇÕES, S.A.
11.ª

Sob pena de caducidade do presente Acordo, o trabalhador obriga-se a requerer a pensão de reforma por velhice logo que complete a idade mínima legal de reforma, data em que cessará o contrato de trabalho que a vincula à primeira outorgante, garantindo-lhe, então, a Empresa, condições idênticas às que usufruiria se se mantivesse no ativo até essa altura no que respeita ao “prémio de aposentação” e ao complemento de pensão de reforma, que serão atribuídos nos termos regulamentares.
12.ª
O presente Acordo caducará se, eventualmente, o trabalhador for reformado por invalidez, evento que o trabalhador se obriga a comunicar à Empresa no prazo de 30 dias, obrigando-se igualmente a comunicar à Empresa o início do respetivo processo de reforma por invalidez, sendo-lhe então atribuído o "prémio de aposentação" e o complemento de pensão de reforma nos termos regulamentares, em condições idênticas às que usufruiria se se mantivesse no ativo até essa altura.
13.ª
O presente Acordo é irrevogável e qualquer alteração ao mesmo só produzirá efeitos caso revista forma escrita e seja subscrito igualmente por ambas as partes.
14.ª
Em tudo o que se encontrar omisso neste Acordo será aplicável o disposto no Código do Trabalho.
15.ª
O presente Acordo de Pré-Reforma produz efeitos a partir do dia 31 de dezembro de 2005.
Lisboa, 30 de junho de 2005”


Tal como foi afirmado na sentença da primeira instância e como resulta do acórdão do Tribunal da Relação, o que afasta as partes e as decisões das duas instâncias, é a interpretação a dar às cláusulas 4.ª, 10.ª, n.º 3 do referido acordo de suspensão do contrato de trabalho/pré-reforma.
Antes de mais, e tendo presente a data em que o acordo foi assinado – junho de 2005 -, há que ter presente o regime legal aplicável: o Código do Trabalho de 2003, que previa o referido regime nos seus artigos 356.º a 362.º. Tal regime jurídico, encontra-se hoje previsto no Código do Trabalho de 2009, nos artigos 318.º a 322.º, sendo que as alterações introduzidas na redação dos diferentes artigos, são alterações de pormenor, pelo que, podemos concluir, que, no que nos interessa, este regime jurídico encontra-se essencialmente inalterado.

Porque a questão objeto da presente revista é a atualização da prestação da pré-reforma, concentremo-nos então no disposto no art.º 359.º do Código do Trabalho de 2003, que tinha a seguinte redação:
1 - A prestação de pré-reforma inicialmente fixada não pode ser inferior a 25% da última retribuição auferida pelo trabalhador, nem superior ao montante desta retribuição.
2 - Salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma, a prestação referida no número anterior é atualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação.
3 - A prestação de pré-reforma goza de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição.

Atualmente, tal regime encontra-se transposto para o art.º 320.º do Código do Trabalho de 2009, com a seguinte redação:

1 - O montante inicial da prestação de pré-reforma não pode ser superior à retribuição do trabalhador na data do acordo, nem inferior a 25 % desta ou à retribuição do trabalho, caso a pré-reforma consista na redução da prestação de trabalho.


2 - Salvo estipulação em contrário, a prestação de pré-reforma é atualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse em pleno exercício de funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação.


3 - A prestação de pré-reforma goza das garantias dos créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho
.”

Da análise do n.º 2 do art.º 359.º do Código do Trabalho de 2003 – bem como do atual art.º 320.º, n.º 2 -, resulta que no caso de não haver estipulação em contrário, a atualização da prestação, faz-se “(…) anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação”.

Acontece que no caso dos autos, essa estipulação em contrário ocorreu, estando prevista na Cláusula 4.ª, com o seguinte teor:
O montante da prestação referida na cláusula 2.a será atualizado anualmente, simultaneamente com a atualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.
Assim sendo, há que afastar o regime supletivo previsto no Código do Trabalho.

Impõe-se assim, saber qual o sentido que deve ser dado à referida cláusula, relativamente aos anos em que os trabalhadores no ativo, que tinham a mesma categoria do A., não tiveram qualquer aumento, enquanto os trabalhadores com as menores retribuições o foram. Isto é, sabendo que se o A. se tivesse mantido no ativo não teria qualquer atualização salarial, deverá este, na qualidade de trabalhador suspenso de funções, beneficiar de atualizações que a R. só destinou aos trabalhadores com retribuições mais baixas? – é a questão que urge responder.

Para isso há que ter presente não só a letra do acordo firmado pelas partes, mas também as circunstâncias em que o mesmo foi celebrado, e a interpretação da vontade das próprias partes, em face das circunstâncias que levaram àquele acordo.

Para esse efeito, tenhamos presente o disposto no art.º 236.º do Código Civil, segundo o qual:

1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida

Este artigo consagrou a teoria da impressão do destinatário, segundo a qual, “o sentido decisivo da declaração negocial, é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Excetuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou, de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2).” (cfr.  Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1987, página 223.)

Salientando o constante do n.º 2 do mesmo artigo, Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 449) afirmava:

Em conformidade com o ditame da velha máxima «Falsa demonstrativo non nocet», o n.º 2 do art.º 236.º estabelece que, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela, que vale a declaração emitida. Neste caso, a vontade real, podendo não coincidir com o sentido objetivo normal, correspondeu à impressão real do destinatário concreto, seja qual for a causa da descoberta da real intenção do declarante. O sentido querido realmente pelo declarante releva, mesmo quando a formulação seja ambígua, ou inexata, se o declaratório conhecer este sentido (com as limitações decorrentes, para os negócios formais do artigo 238.º, n.º 2). Quer dizer: a ambiguidade objetiva ou até a inexatidão da expressão externa não impedem relevância da vontade real se o destinatário a conheceu. Houve coincidência de sentidos (o querido e o compreendido), logo, este é o sentido decisivo”.

Porque o acordo de suspensão do contrato de trabalho /pré-reforma é um negócio formal, importa também ter presente o disposto no art.º 238.º do Código Civil:

1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio, se não opuserem a essa validade.

Por último, parece-nos também relevante ter presente o teor do art.º 239.º do Código Civil, que sob a epígrafe “Integração”, dispõe: “Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou, de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta.”

Ora, no caso dos autos, A. e R. celebraram o referido acordo, em 2005, ano até ao qual, a R. sempre tinha procedido a atualizações salariais de todos os trabalhadores e por aplicação da mesma percentagem e foi, com base também nesse circunstancialismo que A. e R. acordaram da forma que o fizeram.

Como resulta dos autos e, mais concretamente, da factualidade provada, o que A. e R. pretenderam, como já vimos supra, foi fazer com que o Trabalhador não ficasse prejudicado, pelo facto de aceitar o acordo de suspensão e, ficar em igualdade de circunstâncias, com os seus colegas, que continuassem no ativo.

Mas, como nos parece elementar, quer o A., quer a R., não pretenderam no momento da celebração do acordo, estabelecer um paralelo entre a situação deste A. e a de qualquer outro trabalhador da R., mas sim, entre o A. e os demais trabalhadores da R., no ativo, que correspondessem à categoria do trabalhador.

Só essa interpretação nos parece válida, porque há que atender às circunstâncias e ao momento específico em que ocorreu a celebração do referido acordo.

Aliás, este acordo, representava uma garantia para o A., que ao aceitar o mesmo, não se via privado dos aumentos a que teria direito, caso optasse antes por continuar ao serviço. Isto é, de que, do ponto de vista financeiro, a sua situação se mantinha inalterada: com aumentos iguais aos que receberia se se mantivesse ao serviço e de que recebê-los-ia nos mesmos momentos em que era suposto recebê-los, caso o contrato de trabalho não se encontrasse suspenso.

Quer-nos parecer que foi essa a teleologia que presidiu à celebração do acordo em causa, e que foi por causa dessa preocupação, que A. e R. acordaram nos termos em que o fizeram.

O que se passou em seguida, foi que a R. deixou de poder aumentar anualmente todos os seus trabalhadores e que anos houve em que teve mesmo que optar por não aumentar ninguém. Noutros anos, a opção passou por aumentar apenas aqueles que tinham retribuições mais baixas.

Ora, este foi um cenário não previsto, nem salvaguardado no referido acordo. O que o acordo salvaguarda é apenas a garantia de o A. ser aumentado nas mesmas circunstâncias, na mesma percentagem e no mesmo momento do que os seus pares.

Por isso, merece a nossa inteira concordância a sentença da primeira instância, que seguiu o entendimento do acórdão do TRL de 7 de novembro de 2018, proferido no Proc. 4426/17.2T8LSB.L1-4.

Revisitamos aqui o acórdão em causa, porquanto a factualidade provada naquele, é, em tudo, semelhante à dos presentes autos, sendo a R. a mesma e a questão objeto do recurso, também a mesma.

Aí se afirmou:

“Assim, ao ficar estatuído na cláusula 4ª do Acordo em causa que «O montante da prestação referida na cláusula 2ª será atualizado anualmente, simultaneamente com a atualização salarial dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos» qualquer declaratário razoável isto é, normalmente esclarecido, teria como sentido de tal declaração negocial que as partes quiseram que o regime de atualização da prestação da pré-reforma fosse igual ao regime de atualização da retribuição dos trabalhadores do ativo, pois é o que resulta da consignação de que os trabalhadores em situação de pré-reforma teriam as prestações atualizadas em simultâneo com a atualização anual dos trabalhadores do ativo, aplicando-se o valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado para a tabela salarial desses trabalhadores do ativo.

A divergência existe, contudo, quanto ao sentido da aplicação da expressão “em termos médios.”

O primeiro e principal sentido da declaração negocial inserta na cláusula 4ª é o de que as partes quiseram que o regime de atualização da prestação da pré-reforma fosse igual ao regime de atualização da retribuição dos trabalhadores do ativo, pelo que a expressão “em termos médios”, nesse contexto, apenas pode ter o sentido de que o valor percentual idêntico a aplicar será aquele que estiver concretamente fixado na tabela salarial dos trabalhadores do ativo. O sentido desta interpretação é reforçado pelos factos apurados nos factos 18 e 19 da matéria de facto, de que até 2005, inclusive, os aumentos da tabela salarial previstos no Acordo de Empresa da Ré foram, em cada ano, de percentagem igual para todas as categorias profissionais, e a Ré, por ato de gestão, aplicava anualmente o valor da percentagem negociado para a tabela a todas as remunerações que excedessem os valores da tabela. Só, em 2006, pela primeira vez, a Ré introduziu percentagens diferenciadas de aumentos em função dos valores das remunerações da tabela, privilegiando-se, através de percentagens mais elevadas, as remunerações mais baixas.

Assim, se o Acordo de pré-reforma em causa foi celebrado em março de 2005 e se até esse ano inclusive, os aumentos da tabela salarial dos trabalhadores no ativo foram sempre fixados numa percentagem igual para todas as categorias profissionais, torna-se claro que, naquela data, e com os elementos que, quer o Autor quer a Ré, podiam considerar para interpretar a expressão “em termos médios”, esta corresponderia ao valor concretamente fixado nessa tabela, não existindo qualquer valor percentual médio a aplicar, nem qualquer operação a realizar para encontrar um percentual médio para a atualização em causa. Com efeito, só a partir de 2006 existiram aumentos com valor percentuais distintos, não se vislumbrando por isso como é que, de forma razoável, poderia o declaratário em concreto ponderar um outro sentido.

Na verdade, resultou provado que nos anos de 2006 a 2011, as percentagens aplicadas na tabela salarial dos trabalhadores do ativo obedeceram a percentagens diferenciadas de aumentos em função de diversos escalões de remunerações da tabela salarial, sendo que a partir de certo valor de remuneração a percentagem era de 0%, e que a Ré, após 2010, não procedeu a novas atualizações dos salários dos seus trabalhadores - factos nºs. 7 a 9.

Assim, a atualização salarial dos trabalhadores no ativo, nos anos de 2006 a 2010, não contém quaisquer valores médios, mas sim percentagens de aumento distintas consoante os escalões de remuneração consagrados na respetiva tabela salarial, facto n.º 8, sendo que o escalão da remuneração mais alta em cada um desses anos não contém percentagem de aumento (o valor é de 0%), não existem assim percentagens médias, mas sim percentagens para cada escalão de remuneração tabela salarial.

O Autor defende, porém, que perante esse aumento diferenciado, a expressão “em termos médios” tem o sentido do valor médio das diversas percentagens fixadas para cada um dos escalões, embora não concretize se nessa média são ou não contabilizadas as percentagens de 0% fixadas para o escalão de remuneração mais alto.

Afigura-se-nos carecer de razão pois, como muito bem se observa na sentença recorrida, tal interpretação conduz a um resultado distinto e até contraditório com aquilo que foram os aumentos salariais concretos dos trabalhadores no ativo, uma vez que aplicando os valores médios, indicados no email da Ré a que se refere no facto n.º10, tal significaria que no ano de 2006, os trabalhadores no ativo com remunerações superiores a € 2.858,70 que não tiveram qualquer aumento, e os trabalhadores no ativo com remunerações entre € 1.892,30 e € 2.858,70 – escalão 3 – teriam tido aumentos de 1%, e o Autor, com uma prestação de pré-reforma no valor € 12.088,96, segundo a sua interpretação, não só teria um aumento, como esse aumento teria ainda uma percentagem superior àquele que teria o aumento dos trabalhadores no ativo no escalão 3, já que a invocada percentagem “média” seria sempre superior a 1%, qual fosse a forma de encontrar essa “média”; tal situação ocorreria exatamente nos mesmos termos nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010.

Salientando-se ainda que esta interpretação provoca uma distorção com os outros trabalhadores em situação de pré-reforma cujas prestações tenham um valor dentro dos escalões para os quais foram definidos os aumentos (por exemplo, um trabalhador em pré-reforma cuja prestação fosse de valor que se integra no aludido escalão 3 do ano de 2006, teria um aumento de 1%, enquanto, na interpretação do Autor, este teria um aumento, em função da alegada “média”, de 1,46%, ou 1,81%, ou 1,36%).

Afigura-se-nos, pois, perante o teor da cláusula 4ª, o Autor nunca poderia ter entendido que a expressão “em termos médios” poderia ter o significado de que, em face do novo regime de atualização dos salários dos trabalhadores no ativo a partir de 2006, a Ré, beneficiaria os trabalhadores na pré-reforma concedendo-lhes aumentos em situações em que os não teriam se estivessem no ativo e/ou concedendo-lhes aumentos em percentagem superior àquela que teriam se estivessem no ativo.

Mas resultou, ainda, provado no facto n.º 21, que a Ré sempre pretendeu aplicar aos trabalhadores em pré-reforma uma atualização do valor da prestação de pré-reforma em igualdade aos dos trabalhadores no ativo.

            (…)
Face ao exposto
, impõe concluir-se que a única interpretação objetiva e concretamente expectável da cláusula 4ª para um declaratário colocado na posição de um homem normal e médio e consonante com a vontade real do declarante, atentas as circunstâncias conhecidas à data, é no sentido de que as partes quiseram estabelecer um regime de atualização da prestação de pré-reforma em termos exatamente iguais à da atualização salarial dos trabalhadores do ativo.

Deste modo, resultando da matéria de facto que, os trabalhadores no ativo com escalões de remuneração superior a € 2.858,70 no ano de 2006, superior a € 2.887,30 no ano de 2007, superior a € 2.930,00 no ano de 2008, superior a € 2.966,10 no ano de 2009, e superior a € 2.966,00 no ano de 2010, não tiveram qualquer percentagem de aumento em cada um desses anos (factos provados nºs. 7 e 8), uma vez que a prestação de pré-reforma do Autor nesses anos tinha o valor de € 12.088,96, o que significa que se o mesmo fosse trabalhador no ativo, não teria direito a qualquer aumento e, por via disso, nos termos da única interpretação admissível da cláusula 4ª, conclui-se não assistir ao Autor qualquer direito de atualização da sua prestação de pré-reforma nos anos de 2006 a 2010.

Resultou ainda provado que, os trabalhadores no ativo não tiveram qualquer aumento salarial a partir do ano de 2011 (cf. facto provado nº9), o que significa que, se o mesmo fosse trabalhador no ativo, não teria direito a qualquer aumento e, por via disso, nos termos da única interpretação admissível da cláusula 4ª, conclui-se que não assiste ao Autor qualquer direito de atualização da sua prestação de pré-reforma nos anos de 2011 a 2016.”

A fundamentação transcrita merece a nossa total concordância.

Na verdade, o entendimento perfilhado pelo A., levaria a uma situação não contemplada por nenhuma das partes, aquando da celebração do acordo e é a esse momento que temos de atender, recordando aqui a teoria da interpretação e integração do negócio jurídico.

Situações posteriores, que não foram equacionadas aquando da celebração do acordo, não podem agora ser introduzidas no acordado, sob pena de nos conduzir a uma situação de perversão do acordado, mas também a uma desproporcionada injustiça para a R., que não acordou, pensando nesta possibilidade, como também para todos os outros trabalhadores da R., que se encontrando no ativo, a prestar serviço, viam a sua retribuição manter-se inalterada, enquanto o A., dispensado de prestar trabalho, via a sua prestação aumentada, sem fundamento legal ou social que o justificasse, beneficiando assim de uma percentagem de aumento, que foi fixada apenas e tão-só para as retribuições mais baixas.

A interpretação do A. e que foi acolhida pelo Tribunal da Relação, não é nem conforme à vontade das partes aquando da celebração do acordo, nem às circunstâncias em que o mesmo foi celebrado. 

Recordando mais uma vez, Mota Pinto (Obra citada, pág. 451): “Quando a interpretação leve a um resultado duvidoso, o problema deve ser resolvido nos termos do art.º 237.º, (…): nos negócios gratuitos prevalece o sentido menos gravoso para o disponente e, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. Este é o único critério consagrado no Código, para a hipótese de, no termo da atividade interpretativa, se nos deparar um resultado equívoco ou ambíguo.

Na verdade, impõe ter-se presente que quando as empresas decidem aumentar as retribuições dos seus trabalhadores, que o fazem de acordo com a sua capacidade financeira, tendo presentes os diferentes níveis salariais, o número de trabalhadores e o custo financeiro que vão representar esses aumentos. Ao aplicar-se percentagens mais elevadas a retribuições mais baixas, e ao não se aumentar os trabalhadores com retribuições mais elevadas, ou, ao aumentar-se menos estes últimos, há toda uma operação de cálculo que é efetuada, obedecendo a uma lógica não só de racionalidade, mas também de justiça e responsabilidade social e que tem que ter o necessário cabimento orçamental.

Se trabalhadores que ficaram de fora dos critérios que permitem beneficiar desses aumentos, fossem agora beneficiados, quando nada o fazia prever, estaríamos perante uma situação injusta que desrespeitaria o acordado.

                                                           III

Pelo exposto, concede-se a Revista e, consequentemente, revoga-se o acórdão do Tribunal da Relação, repristinando-se a sentença da primeira instância, absolvendo a Ré de todo o peticionado.

Custas na segunda instância e no STJ a cargo do recorrido.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 13 de outubro de 2021.

Chambel Mourisco (Relator)

Maria Paula Moreira Sá Fernandes

Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues