I. Em recurso de apelação, a junção de documentos pode ocorrer, para além dos casos excepcionais a que alude o artº 425º, ainda no caso de a junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. Isto é, caso ocorra novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão (porque só com a sentença qualquer das partes ficou sabedora da necessidade de junção de documento para prova de factos alegados), assim se excluindo a situação em que a decisão se não afastou do que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.
II. Diferentemente, no recurso de revista, mesmo que de documento superveniente se trate, não tendo a Relação deixado de atender à força probatória de documento existente nos autos ou dado força probatória plena a documento nos autos existente e que a não tinha, não pode o Supremo Tribunal de Justiça intervir na decisão da matéria de facto, a não ser que ocorra qualquer das demais situações excepcionais previsto no nº 3 do artº 674º do CPC que possa levar à modificação da matéria de facto.
III. O artº 12º, nº2, al. a), do Dec.-Lei nº 128/2014, de 29 de Agosto (que rege o alojamento local - vigente à data da celebração do contrato dos autos e que sofreu posteriores alterações) – , ao prescrever que “As unidades de alojamento dos estabelecimentos de alojamento local devem …Ter uma janela ou sacada com comunicação direta para o exterior que assegure as adequadas condições de ventilação e arejamento”, está a pensar, essencialmente, no alojamento local…para habitação.
IV. Assim, aquela exigência feita no diploma que rege o alojamento local, no que respeita à qualificação de um compartimento como quarto de uma habitação/unidade de alojamento local (já não assim quando é explorado para comércio ou serviços), não difere do estabelecido no 71.º, n.º 1 do REGEU, com referência ao artº 61º, nº1 do mesmo diploma (Regulamento Geral das Edificações Urbanas), pois, atenta a remissão que no artº 6º/2/b), daquele DL 128/2014 (comunicação prévia a fazer ao Presidente da Câmara), é feita para as “normas legais e regulamentares aplicáveis” (de entre as quais preponderam as decorrentes do REGEU), em ambos os diplomas em confronto essa qualificação depende da existência de uma janela/sacada, nas paredes, com comunicação directa para o exterior que assegure as adequadas condições de iluminação, ventilação e salubridade.
V. Também só assim ambos os diplomas se articulam, como devem articular, por forma a serem respeitados os interesses subjacentes e interpretados tendo em conta, além de outros elementos, a unidade do sistema jurídico (art.º 9.º, n.º 1 do C.Civil).
VI. Uma janela é, por regra, uma abertura mais ampla do que a fresta, dispondo de parapeito, no qual as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e descansar ou desfrutar as vistas que tais aberturas proporcionam, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo.
VII. O erro vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de contratar: se tivesse havido esclarecimento sobre essa circunstância, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não o teria realizado nos termos em que o celebrou.
VIII. Assim, o erro só será relevante quando seja causa do negócio jurídico nos seus precisos termos, ou seja, quando corresponda à inserção de um factor anómalo no processo volitivo e quando a sua intromissão determine um resultado diferente, sendo que para a relevância do erro na declaração, a lei portuguesa apenas exige:
— A essencialidade, para o declarante, do elemento sobre erro;
— O conhecimento dessa essencialidade, pelo declaratário ou o dever de a conhecer.
IX. A parte que errou tem, pois, para obter a anulação do negócio o ónus de demonstrar esse duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro não o teria celebrado ou não o teria celebrado desse modo; e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era.
X. Nada na lei exige que o erro sobre a base do negócio tenha de ser bilateral, isto é, que tem de ser comum a ambas as partes. O erro é-o do declarante, recaindo embora sobre um elemento decisivo do contrato, conhecido pela outra parte.
XI. Muito embora a lei mande, no art. 252.º, n.º 2 do CCivil, aplicar ao erro sobre a base do negócio o disposto (nos arts. 437.º a 439.º) acerca da “resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias”, esta disposição não pode, de modo algum, ser tomada à letra, pois que a base do negócio e a alteração das circunstâncias são figuras distintas, com regimes diferentes: a alteração das circunstâncias supõe um contrato já validamente formado; o erro supõe um contrato em formação, não podendo estender-se a uma situação de invalidade, como a gerada por erro, um regime que supõe a celebração válida de um contrato. Por isso, um negócio afectado de erro, vício intrínseco, está sujeito a anulação; não está sujeito a resolução: o contrato é inválido desde o início, portanto não há que resolvê-lo, há que fazer declarar essa invalidade.
XII. Assim sendo, há que fazer uma interpretação restritiva à remissão que o artº 252º, nº2, do CCiv, faz para a alteração das circunstâncias (arts. 437º a 439º, do CCiv.).
I – RELATÓRIO
AA intentou contra BB e “Partilha Palavra, Lda.” a presente acção declarativa condenatória, com processo comum.
Pede:
- seja reconhecida a anulabilidade do contrato-promessa celebrado em 25 de junho de 2018 e o seu aditamento;
- os Réus sejam condenados a devolver a quantia de €190.000,00 entregue a título de sinal, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Para tanto, alegou, em síntese, que é um cidadão estrangeiro e pretendeu comprar um imóvel para fazer investimento em alojamento local. O agente imobiliário sugeriu a compra de um imóvel onde já funcionava alojamento local e que seria necessário fazer um registo na Câmara Municipal para mudança de designação do espaço como armazém mas seria algo muito simples, sem problema. Com a assinatura do contrato-promessa de compra e venda foi paga a mencionada quantia a título de sinal. Através da avaliação do banco para concessão de empréstimo bancário, o Autor tomou conhecimento de que o alojamento local não estava legalizado e que o imóvel, destinado a armazém e atividades industriais, não pode ser alterado para aquele fim. O preço do prédio justifica-se apenas pela possibilidade do alojamento local e não sendo um mero armazém, avaliado em € 120.000,00. Se tivesse conhecimento destes factos previamente à assinatura do contrato-promessa nunca o teria celebrado.
A 1.ª Ré contestou alegando que, desde a primeira hora, exigiu garantias pela imobiliária de que o possível comprador estava ciente que o imóvel, apesar das obras, estava licenciado para armazém com problemas de humidades, tendo transmitido essa situação pessoalmente ao Autor aquando da visita ao imóvel. Esgotado o prazo para realização da escritura, por motivo imputável ao Autor, resolveu o contrato-promessa em início de novembro.
Contestou também a 2.º Ré declarando, em resumo, que foi expressamente referido ao Autor que o espaço em causa apenas estava licenciado como armazém, pelo que era necessário avançar como pedido de alteração da licença para habitação. Forneceu todas as informações solicitadas e remeteu, em inglês, uma versão do contrato-promessa de compra e venda. O motivo pelo qual o negócio não foi concretizado foi por falta de verbas do Autor.
O Autor respondeu.
Proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformado com a sentença, o Autor interpôs recurso de apelação, vindo a Relação do Porto, em acórdão, a proferir a seguinte
“V—DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso, e em consequência, declaram a anulação do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes e condenam a Ré a devolver ao Autor a quantia de €190.000,00 acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento, mantendo o demais decidido sobre a 2.ª Ré.”
Agora inconformada a Ré/Recorrida BB, vem interior recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes
CONCLUSÕES:
I. O Autor, em 24.05.2019, intentou a presente acção requerendo a anulação do contrato promessa de compra e venda de imóvel, celebrado com a Ré em 25.06.2018, em virtude de, segundo aquele, o armazém (imóvel) adquirido não puder ser licenciado para um destino diferente (de armazém), tal como lhe tinha sido garantido. Efectivamente, na sua PI o Autor declara ter sido advertido que estava a adquirir um armazém, porém, segundo aquele, foi-lhe transmitido por um qualquer mediador imobiliário que “...também seria necessário fazer um registo na Câmara Municipal para mudança de designação do espaço como armazém, mas seria algo muito simples, sem qualquer problema.” (cfr. art. 10º da PI)
II. Mais alega que quer o banco avaliador, quer um arquitecto seu contratado lhe disseram que “...o imóvel destina-se a fins industriais e o seu uso não podia ser alterado…” e que “… a construção está legalizada como armazém e que, no caso concreto, a licença de mudança de uso nunca seria aprovada pela Câmara Municipal ..... Havia desconformidade com o Regulamento Geral das Edificações Urbanas.” e “Quanto muito teria de demolir tudo e fazer uma nova construção.” (Cfr. Arts. 30º, 31º e 32º da PI) Concluindo o Autor, na sua PI, que “O imóvel não tinha as características essenciais que ele tinha exigido, e, como tal, o contrato tinha de ser dado sem efeito.” pois “Se o Autor tivesse conhecimento destes factos previamente à assinatura do contrato promessa, nunca o teria celebrado.” (cfr. Arts. 36º e 37º da PI). Esta é a causa de pedir e a anulação do contrato promessa é o pedido do Autor plasmado na sua PI.
III. Pelo que sem surpresa os temas da prova, na parte que interessa para o presente recurso e para a boa decisão do presente pleito, foram os seguintes:
I. Haver um erro do Autor na emissão da declaração de promessa de compra e venda, conhecendo a Ré a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erra;
II. Estar o Autor esclarecido quanto à afectação do uso do imóvel.
III. Ter o Autor sido induzido em erro quanto à afectação do imóvel.
IV. Ser o uso do imóvel para alojamento local determinante para a vontade do Autor o vir a adquirir.
V . (…). Ou seja, o cerne da presente acção, e o que aqui está em causa, é conhecer se o imóvel objecto do contrato promessa era susceptível de ter uma afectação diferente daque tinha aquando da sua celebração, importando saber se o armazém, licenciadocomo tal, podia ser licenciado como habitação para eventual exploração comoalojamento local. Não se alegando nem tão pouco aflorando, em momento algum,qual a tipologia ou o número de unidades de alojamento pretendidos pelo Autor…Eisto porque o que estava em causa era saber se o Autor tinha sido induzido em erroquanto à afectação do uso do imóvel, nomeadamente se o imóvel podia, ou não, ser licenciado como habitação.
IV No entanto, para grande surpresa da Ré, vem o Tribunal da Relação sustentar o seu Acórdão num suposto erro-vício na vontade negocial do Autor relativamente à tipologia do imóvel. Com efeito, diz-nos o ponto II do sumário do Acórdão que: “II. O comprador que, na visita prévia realizada ao imóvel juntamente com as informações obtidas (essenciais na formação da sua vontade de comprar) recepcionou um espaço onde estava a ser explorado um alojamento temporário para turistas, com seis quartos, quando, na realidade, não possuía licença municipal que autorizava essa actividade e principalmente não é possível obter licença de utilização para habitação de um T6 mas apenas de um T1, formou, com erro vício, a sua vontade negociar, causado por dolo omissivo.”
V Essa essencialidade da tipologia – conceito e matéria sobre a qual nos debruçaremos adiante –, apesar de abordada em sede de audiência de julgamento, não foi articulada pelo Autor como fundamento da sua pretensão e por isso não foi sujeita ao contraditório da Ré. Não tendo sido a Ré confrontada com esse facto de modo a que lhe fosse possível tomar uma posição processual sobre o mesmo, pelo que, com essa decisão, o Acórdão ora recorrido violou grosseiramente o estipulado no Artigo 5o n° 2 do CPC.
VI. Não desconhecendo a Ré os poderes de cognição do tribunal plasmados nesse preceito e a amplitude que lhe foi dada por via das sucessivas reformas do C.P.C., tais poderes não são ilimitados! Efectivamente dispõe a alínea b) do nº2 do Artigo 5º do C.P.C. que: “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juíz: (…) b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles se tenham tido a possibilidade de se pronunciar…” Ora, no nosso entendimento, e na esteira daquilo que vem sendo preconizado pela doutrina e jurisprudência maioritárias, o Acórdão de que se recorre violou o preceito legal supra referido por duas ordens de razão, a saber; a) uma razão de substância, uma vez que os factos de que lançou mão, para estribar a sua decisão (e como tal essenciais), não são meramente complementares dos que foram alegados. A tipologia do imóvel e a sua essencialidade para o negócio, tal como é configurado no Acórdão de que se recorre, terá de ser necessariamente considerado um facto essencial tout court, já que, por si só, implica uma alteração da causa de pedir (ou pelo menos uma ampliação da causa de pedir) que não aquela que suporta o pedido formulado pelo Autor na PI e demais articulados, o que aliás é cabalmente demonstrado se atentarmos nos supra referidos temas da prova fixados e que balizaram as traves mestras do processo.
VII. E b) uma razão de forma, na medida em que, ainda que se entendesse que estávamos perante um facto complementar, o que não se aceita, sempre teria de ser observado o estipulado na parte final do supra referido Artigo 5º, nº2 b) do C.P.C., que nos diz expressamente que, nesses casos tem de ser concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem, o que não sucedeu in casu! A Ré viu-se assim coartada no seu direito de exercer o contraditório, vendo-lhe negado o direito de exercer a sua defesa quanto a determinados factos, que, pasme-se, vieram a ser considerados pelo Tribunal da Relação como decisivos para a decisão da causa. A este respeito se debruçou cristalinamente o Acórdão da Relação do Porto de 30.04.2015 no processo 5800/13.9TBMTS.P1 - 3ªSec: “I - Para puder levar em consideração factos que resultem da instrução da causa e sejam instrumentais, complementares ou concretizares do que as partes alegaram, o tribunal tem de dar previamente às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a atendibilidade desses factos. II - Dar às partes a possibilidade de se pronunciarem pressupõe, cumulativamente, que: i) o tribunal anuncie, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar usar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto; ii) a parte que beneficiará desses factos manifesta a concordância ou vontade de que esses factos sejam considerados pelo tribunal; iii) se permita à parte contrária requerer novos meios de prova para, consoante o caso, prova ou contraprova desses factos.”
VIII. Diz-nos ainda, a este respeito, José Lebre de Freitas que: “Às partes – e só a elas – cabe alegar os factos principais da causa, isto é, os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções (art. 5-1). A alegação de uns e outros é feita nos articulados (art. 141-1), incluindo não só os articulados normais (necessários e eventuais) do processo (petição, contestação, réplica: cf. arts. 555-1-d, 572-c, 583-1, 584, nos 1 e 2), mas também o articulado superveniente (art. 588-1).” (...) “A revisão de observado o estipulado na parte final do supra referido Artigo 5º, nº 2 b) do C.P.C., que nos diz expressamente que, nesses casos tem de ser concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem, o que não sucedeu in casu! A Ré viu-se assim coartada no seu direito de exercer o contraditório, vendo-lhe negado o direito de exercer a sua defesa quanto a determinados factos, que, pasme-se, vieram a ser considerados pelo Tribunal da Relação como decisivos para a decisão da causa. A este respeito se debruçou cristalinamente o Acórdão da Relação do Porto de 30.04.2015 no processo 5800/13.9TBMTS.P1 - 3ªSec: “I - Para puder levar em consideração factos que resultem da instrução da causa e sejam instrumentais, complementares ou concretizares do que as partes alegaram, o tribunal tem de dar previamente às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a atendibilidade desses factos. II - Dar às partes a possibilidade de se pronunciarem pressupõe, cumulativamente, que: i) o tribunal anuncie, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar usar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto; ii) a parte que beneficiará desses factos manifesta a concordância ou vontade de que esses factos sejam considerados pelo tribunal; iii) se permita à parte contrária requerer novos meios de prova para, consoante o caso, prova ou contraprova desses factos.”
VIII. Diz-nos ainda, a este respeito, José Lebre de Freitas que: “Às partes – e só a elas – cabe alegar os factos principais da causa, isto é, os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções (art. 5-1). A alegação de uns e outros é feita nos articulados (art. 141-1), incluindo não só os articulados normais (necessários e eventuais) do processo (petição, contestação, réplica: cf. arts. 555-1-d, 572-c, 583-1, 584, nos 1 e 2), mas também o articulado superveniente (art. 588-1).” (...) “A revisão de 1995-1996 tornou também possível a consideração de factos principais que, completando ou concretizando os alegados nos articulados, se tornem patentes na instrução da causa, mas tão-pouco na introdução destes novos factos pode o juiz substituir-se às partes: a parte neles interessada, isto é, aquela que, a serem os factos verdadeiros, beneficia com o efeito constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo que deles decorra, deverá manifestar a vontade deles se aproveitar, alegando-os (hoje: art. 5-2-b).”(In José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, pág. 168) E ainda na anotação 33B que:
(33B) “No código revogado, a norma, então situada no art. 264-3, dizia que o aproveitamento dos factos resultante da instrução da causa se faria “desde que a parte interessada manifeste vontade deles se interessar” e à parte contrária tenha sido facilitado o exercício do contraditório. No novo código, diz-se abreviadamente, “desde que sobre eles (as partes) tenham tido a oportunidade de se pronunciar”. O sentido é necessariamente o mesmo: a parte que tinha o ónus de alegar o facto, por integrar, juntamente com os já alegados, a causa de pedir ou a base fáctica da excepção, tem uma oportunidade de o introduzir na causa e a sua pronuncia certamente será neste sentido; à contraparte, interessada, ao invés, em que o facto não seja considerado, é dada a oportunidade de se pronunciar, pondo em causa a sua ocorrência ou meio de prova de que ele resultou; se anormalmente a parte interessada não se manifestar no sentido do aproveitamento do facto, o juiz não poderá fazê-lo por ela, visto se tratar de um facto principal que não lhe cabe conhecer oficiosamente;…, Mariana França Gouveia, o Principio do Dispositivo e a Alegação de factos em Processo Civil, ROA, 2013, II/III, ps. 612-615, bem como os autores citados no CPC anotado, nºs 2 e 5 da anotação ao art. 5.”
(In José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código, pág. 168 e 169 – anotação).
IX. No mesmo sentido António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, nos dizem que: “18. O principio da oficiosidade no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito tem como limite as questões cuja apreciação dependa da iniciativa do interessado como acontece com a anulabilidade (…) Está ainda condicionado pela necessidade de ser respeitado o contraditório, por forma a evitar decisões-surpresa, isto é, contra a corrente do que as partes alegaram (art. 3º, nº 3; cf.nota 12 ao art. 3º). 19. Segundo STJ 19-1-17, 873/10, incumbe ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada (art. 5º, nº 3) mas dentro da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido sendo-lhe vedado enveredar por uma medida que extravase aquele limite.” (In VOL.I Parte Geral e Processo de Declaração Artigos 1º a 702º 2ª Edição, Almedina, págs. 32 e 33)
X. Em suma, que está em causa na presente acção, tal como foi configurado pelo Autor, é saber se o imóvel objecto do contrato promessa é susceptível de ser licenciado como habitação e eventual e complementarmente ser legalmente admissível a sua exploração como alojamento local. Nem mais nem menos! Motivo pelo qual a Ré diligenciou por demonstrar e cabalmente provar que de facto é possível licenciar como habitação o imóvel objeto do contrato promessa e consequentemente, é legalmente admissível a sua exploração como alojamento local. Seguindo as recomendações dos técnicos do pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal ...…, a Ré licenciou o imóvel objecto do contrato promessa como um T1 com cinco arrumos ou seja, em termos de tipologia, licenciou um T1+5.
XI. Licenciamento este que não implicou “pregar um prego” no imóvel (aliás o prazo de execução das obras dado pela Câmara Municipal .... foi de 0 dias), aproveitando na íntegra o projecto executado no imóvel (e visto pelo Autor), realizado pelo Arquitecto CC! Permitindo a sua exploração como alojamento local constituído por seis unidades de alojamento…!!! Aliás, tal como bem decidiu o
tribunal da primeira instância e como adiante realçaremos.
XII. Diga-se ainda que, para a Ré, também pesou um argumento de natureza patrimonial, pois estando assegurando o objectivo pretendido (alojamento local com seis unidades de alojamento), o IMI aplicável a um T1+5 é manifestamente inferior àquele aplicável a um T6, acrescendo ainda que não havia necessidade de alterar o projecto inicial, com os custos inerentes, nem gastar dinheiro em eventuais obras de adaptação de um T1 + 5 para um T6. O licenciamento como T1+5 (sendo que os 5 têm janelas de dimensões generosas e garantem a ventilação e o arejamento dos quartos) foi emitido pela CM... em 23.11.2020, tal como documento junto com as contra-alegações e que o Tribunal da Relação do Porto que não só erradamente desconsiderou mas também ilegalmente não admitiu a sua junção .
XIII. Com efeito, prescreve o Artigo 425º do C.P.C. que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos no caso de recurso, os documentos, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.” Ora, alegada como foi, em sede de recurso, a supra referida data de emissão desse documento (23 de novembro de 2020), sabida que é a data de encerramento da discussão pelo tribunal e juntando-se o documento nos termos do disposto no Artigo 425º do C.P.C, é por demais evidente que foi devidamente justificada a impossibilidade de apresentação anterior à data de encerramento da discussão.
XIV Ao não admiti-lo o tribunal da Relação violou expressamente o Artigo 425º do C.P.C., motivo, pelo que se requer seja revogada aquela decisão de não admissão, com todos os efeitos legais. Dando-se por integralmente reproduzido o teor de tal documento que foi junto aos autos com as contra alegações de recurso e que por mera cautela novamente se junta com os mesmos fundamentos. Em face do que se acaba de verter e constatando a impossibilidade de provar o que alegou nos seus articulados (a impossibilidade de licenciamento como habitação), o Autor já em sede de audiência de discussão e julgamento aborda um assunto completamente novo… Ou seja, o número de unidades de alojamento local supostamente pretendido.
XV Note-se que conforme vindo de expôr, toda a defesa de Ré assentou – e bem – em matéria distinta! Se ab initio fosse esta a causa de pedir, distintos seriam os meios de defesa da Ré, designadamente os probatórios. Pelo que dúvidas não restam que esta “chicana” processual coartou a possibilidade de defesa da Ré e levou ao ERRADÍSSIMO excesso de pronúncia e ERRADÍSSIMA decisão-surpresa do Tribunal da Relação. Ao assim decidir o Tribunal da Relação violou grosseiramente o preceituado no Artigo 3º nº 1 e nº 3 e Artigo 5º nº 2 b) do C.P.C.. Incorrendo o Acórdão recorrido no vício da nulidade nos termos do Artigo 615º, nº 1 d) e e) do C.P.C. o que expressamente se invoca e requer para todos os efeitos legais.
XVI. Por outro lado, diz-nos o Artigo 342º nº 1 do C.C. que: “1- Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” Ora, o Tribunal da Relação assenta a sua decisão (ora recorrida) erradamente, conforme supra explicado, por entender que a possibilidade de licenciar o imóvel com seis unidades de alojamento era condição essencial para a formação da vontade do Autor em celebrar o negócio e que: a) esse licenciamento não é possível (com seis de unidades de alojamento); b) a Ré conhecia ou pelo menos não devia desconhecer dessa essencialidade (das seis unidades de alojamento). Num caso como noutro, não se vislumbra em momento algum, dos factos dados como provados, matéria que suporte tal decisão. E isto porque, no que concerne ao licenciamento propriamente dito, não foi dado como provado que não é possível licenciar o imóvel objecto do contrato com seis unidades de alojamento e tão pouco não foi dado como provado que a Ré conhecia ou pelo menos não devia desconhecer a essencialidade, para o Autor, de licenciar seis unidades de alojamento no imóvel.
XVII. Pelo que não se percebe, nem se aceita, o Acórdão do Tribunal da Relação (ora recorrido), por violador das regras básicas processuais, nomeadamente assentando a sua decisão em factos considerados como NÃO PROVADOS. Ou seja, apesar de, quer o Tribunal de 1ª Instância quer o próprio Tribunal da Relação, não terem dado como provado (logo considerando-se como não provado) os factos de; a) não ser admissível o licenciamento de seis unidades de alojamento no imóvel e b) conhecer, a Ré, ou pelo menos não dever desconhecer da essencialidade, para o Autor, do licenciamento das seis unidades de alojamento, certo é que o Tribunal da Relação fundamenta o seu Acórdão na premissa de que tais factos resultaram como provados…
XVIII. Com efeito, como pode o Tribunal da Relação concluir, como o faz, que
“...Competia à vendedora, (…) ter informado o Autor que não era possível legalizar o imóvel com uma licença para utilização como habitação com seis quartos …”???? Nesta parte, bem andou o Tribunal da Primeira Instância, ao decidir que “Considerando a correcta distribuição dos ónus processuais, (…) concluir que não demonstrou resultado que o objecto do contrato promessa não pudesse (nem possa) ser licenciado para habitação ou para serviços.” Pelo que “Em conclusão não resulta demonstrado que o Autor se encontrava em erro quando estava convencido de que o imóvel reunia todas as condições para obter a autorização de utilização compatível com a exploração de alojamento local.”
XIX. Diz-nos o Artigo nº 414º do CPC que: “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.” Ora, cabia ao Autor provar que o imóvel não reunia as condições para obter a autorização de utilização compatível com a exploração de alojamento local. O que manifestamente não fez! Em bom rigor, foi a Ré que provou exactamente o contrário, licenciando o imóvel como habitação, dotando-o assim das ditas condições necessárias para obter a autorização de utilização compatível com a exploração de alojamento local.
XX. Já quanto às ditas seis unidades de alojamento, como é que pode o Tribunal da Relação decidir pela impossibilidade do seu licenciamento…??? Por ventura a Câmara Municipal do .... pronunciou-se quanto à impossibilidade do licenciamento no imóvel de seis unidades de alojamento??? Cuidou ou logrou Autor de fazer tal prova??? As respostas são necessariamente negativas! Foram os próprios técnicos da CM..., do pelouro do Urbanismo, que sugeriram ao Arquitecto responsável pelo projecto licenciar o imóvel como um T1+5, permitindo, com as condições existentes – nomeadamente com as janelas zenitais – licenciar seis unidades de alojamento no imóvel!
XXI. A verdade é que, o Tribunal da Relação, na sua fundamentação demonstra um incompreensível desconhecimento na distinção entre compartimentos de habitação, nos termos do Artigo 66º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e unidades de alojamento nos termos do disposto no Artigo 12º nº 2 do Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local (Decreto Lei nº 128/2014 de 29 de agosto – em vigor à data da celebração do contrato). Confundindo uma habitação de tipologia T6, com um imóvel licenciado como habitação/serviços/ comércio registado junto da Câmara Municipal respectiva com seis unidades de alojamento. Aliás, o Tribunal da Relação desconhece que “...não há nem deve haver uma associação inequívoca entre habitação e alojamento local, podendo admitir-se a instalação e funcionamento desta actividade em prédios ou fracções que detém autorização de utilização para outros fins, como o de serviços ou, mesmo, o de comércio sem que contanto – e apenas por esse motivo – se exija uma alteração da autorização de utilização preexistente. // Esclarecendo: do ponto de vista jusurbanístico, para a instalação de um alojamento local, qualquer que seja a sua modalidade, bastará que o interessado seja titular de uma autorização válida e eficaz para habitação, serviços ou comércio (…) e cumpra os requisitos legais aplicáveis a esta actividade económica específica.” (Cfr. Fernanda Paula Oliveira, Dulce Lopes e Sandra Passinhas, Alojamento Local e Uso de Fracção Autónoma, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 36)
XXII. Entendimento este perfilhado no douto Acórdão do TCAS de 09.05.2019, processo nº 92/18.6BELLE-A, e consubstanciado no seu sumário: “I. O alojamento local é uma actividade de prestação de serviços. II. O legislador não impõe que essa actividade tenha de ser exercida em edifícios ou fracções autónomas que tenham autorização de utilização específica para instalação de serviços.” E ainda pelo Tribunal da Primeira Instância que, a dado passo da sua sentença, refere que:
“Considerando a correcta distribuição dos ónus processuais, devemos concluir que não resultou demonstrado que o objecto do contrato promessa não pudesse (nem possa) ser licenciado para habitação ou para serviços. Pelo contrário, resulta dos factos provados que está em curso o processo de licenciamento das obras já existentes - o prazo de conclusão das obras é de 0 dias -, sem engulhos aparentes.”
“… não assume nenhuma relevância na economia desta questão a circunstância de a autorização de utilização se reportar a um imóvel com a tipologia T1, e não T6 – questão decorrente do autor pretender a possibilidade de exploração de um estabelecimento de hospedagem com seis unidades de alojamento (artigo 3º, nº 4 do Decreto-Lei nº 128/2014 de 29 de agosto). O número de unidades de alojamento não está dependente do número de quartos de uma casa de habitação. (bold e sublinhado nosso)
“Em conclusão não resulta demonstrado que o Autor se encontrava em erro quando estava convencido de que o imóvel reunia todas as condições para obter a autorização de utilização compatível com a exploração de um alojamento local – maxime, a autorização de utilização para habitação.”
XXIII. Ao assim decidir o Tribunal da Relação ignorou por completo as regras básicas substantivas e adjectivas no que à repartição do ónus da prova, em sede judicial, diz respeito, assentando a sua decisão em factos que deveriam ter sido provados pelo Autor e este não provou. Violando assim grosseiramente o preceituado no Artigo 342º nº 1 do Código Civil, o Artigo 414º do C.P.C. e consequentemente a lei substantiva, em virtude de erro de interpretação e aplicação da norma aplicável (Artigo 342º nº 11 do C.C.) e a lei de processo (Artigo 414º do C.P.C.) o que expressamente se invoca e requer para todos os efeitos legais. (Artigo 674º nº 1 a) e b) do C.P.C.)
XXIV. Ora, se de tais preceitos, deriva o ónus do Autor provar não ser admissível o licenciamento de seis unidades de alojamento no imóvel e ainda de que, a Ré conhecia, ou pelo menos não devia desconhecer da essencialidade, para o Autor, do licenciamento das seis unidades de alojamento, não o logrando provar, como não provou, a correcta interpretação e aplicação das normas referidas necessariamente teria de levar o Tribunal da Relação a decidir pela improcedência da acção, tal como decidido pelo Tribunal da Primeira Instância.
XXV. Já no que respeita ao conhecimento da Ré ou pelo menos ao não dever desconhecer a essencialidade do licenciamento das seis unidades de alojamento, a posição do Tribunal da Relação é de ir às lágrimas… O Tribunal da Relação considerou o comportamento da Ré doloso, entendendo que: “Competia à vendedora, em conformidade com os ditames da boa fé, e perante o estado em que se encontra o imóvel, após a realização das obras e utilização que era feita do mesmo, ter informado o Autor que não era possível legalizar o imóvel com uma licença para utilização para habitação com seis quartos e que não possuía licença que permitisse exercer a actividade de prestação de serviços de alojamento local.”
Contudo uma vez mais o Tribunal da Relação faz uma confusão enorme com os seis quartos de uma habitação e as seis unidades de alojamento, como acima já se referiu e que por economia processual aqui nos escusamos de voltar a discorrer.
XXVI. No que ao destino do imóvel respeita a única comunicação, que entre as partes existiu, foi aquela junta aos autos pela Ré, na sua Contestação como Doc. 5 e que não foi impugnado pelo Autor em que este refere: “Yes, i understand your points, you are absolutely correct. I take responsibility for failing to comunicaste clearly up until this point and i hope to amend that. I will adress the seller directly then: (…) My wish is to open the warehouse up as gallery and event space for local Portuguese artists and musicians, as well as office space for local … startups. I have some local friends from … and ... and i am inspired to help provide an avenue for local talento to thrive and grow and share. I think this beautifull warehouse is perfect for that spirit.” Traduzindo, para que não restem dúvidas, o Autor em 12 de junho de 2018, por meio desse documento nº5 junto com a Contestação e não impugnado pelo Autor, transmitiu à Ré o seguinte: “Sim, eu entendo o seu ponto de vista, você está absolutamente correcto. Eu assumo a total responsabilidade pela falha em comunicar de forma clara até este momento e espero conseguir corrigi-lo. Vou-me então dirigir directamente ao vendedor: (…) O meu desejo é abrir o armazém como galeria e espaço de eventos para artistas e músicos Portugueses, bem como um espaço para startups …. Eu tenho alguns amigos no …. e em ... e estou inspirado a criar oportunidades para talentos locais partilharem e crescerem. Eu acho que este lindo armazém é perfeito para esse desejo.”
XXVII. Ora, esta declaração, feita de forma directa e esclarecedora à vendedora, consubstanciando uma mea culpa, por não ter sido claro até àquele momento, conjugada com o depoimento prestado em sede de audiência de julgamento - e que nas alegações se transcreveram -, que configurou uma verdadeira confissão de parte para efeitos legais, referindo ter deliberadamente enganado a Ré, pois sabia que se aquela soubesse das suas reais intenções (supostamente a sua vontade de ali fazer uma alojamento local com seis unidades de alojamento) não lhe venderia o imóvel:
XXVIII. Aqui chegados impõe-se uma pergunta… QUEM ENGANOU QUEM??? Como pode o Tribunal da Relação concluir, como fez, que “...ocorreu dissimulação da verdadeira realidade por ser manifesto que a vendedora tinha o dever de elucidar, de forma transparente, o promitente comprador, sobre as características e potencialidades do imóvel, factores que influenciaram directamente o preço ajustado e a vontade de comprar.” De onde extraiu o Tribunal da Relação, seja dos factos dados como provados, seja da prova produzida, que a vendedora tinha conhecimento, ou não devia desconhecer, que a) o Autor pretendia o imóvel para alojamento local com seis unidades de alojamento? e, pasme-se, b) artificiosa e deliberadamente - incorrendo assim em dolo omissivo – sonegou ao Autor informação sobre as reais valências do imóvel em causa? De lado nenhum!!!
XXIX. O Tribunal da Relação estribou o seu Acórdão num raciocínio, vamos admitir, que a si lhe pareceu lógico, mas totalmente fantasioso, já que não encontra qualquer correspondência nos factos apurados e dados como provados no âmbito do processo judicial em causa. Ao qualificar o comportamento da Ré como doloso, sem qualquer suporte fáctico o Tribunal da Relação lançou mão erradamente dos Artigos 253º e 254º do Código Civil. Vale isto por dizer que a Ré não teve qualquer tipo de influência, activa ou passiva, na formação da vontade do Autor soçobrando também por aí um dos requisitos legalmente exigíveis para a anulabilidade do negócio.
XXX. Ainda no que a esta matéria respeito, e do que se vem de dizer, forçoso é concluir que o documento da autoria do Autor, que por si não foi impugnado, é uma confissão de que a Ré não só desconhecia, como estava artificiosamente mantida, por aquele, em erro, do agora alegado interesse do Autor no alojamento local com seis unidades de alojamento… O que aliás veio a ser ainda mais evidente com o seu supra referido e transcrito depoimento em juízo. Ao desconsiderar totalmente esta confissão do Autor, como fez, o Tribunal da Relação violou de forma grosseira todo o preceituado previsto nos artigos 352º e seguintes do Código Civil. Nomeadamente do Artigo 356º nº 2 do C.C. que nos diz: “2 – A confissão judicial provocada pode ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal.” E ainda do Artigo 358º nº 2 do C.C. referindo que: “2 – A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.”
XXXI. A correcta aplicação destas normas ao caso em concreto (Artigo 356º nº 2 e 358, nº2 co C.C) leva à conclusão da falsidade dos factos subjacentes à causa de pedir - ferindo-a de morte - demonstra inelutavelmente que não existiu qualquer tipo de má fé ou reserva mental da Ré em todo o processo negociar que conduziu à celebração do CPCV, ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação e que conduziu à procedência do recurso apresentado pelo Autor.
XXXII. Por último, Tal como supra referido, o Tribunal da Relação desconhece a diferença entre compartimentos de habitação, nos termos do artigo 66º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e unidades de alojamento nos termos do disposto no artigo 12º nº2 do Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local (Decreto Lei nº 128/2014 de 29 de agosto – em vigor à data da celebração do contrato) ao decidir que: “Estabeleceu-se ainda no Artigo 12º [do decreto lei nº 128/2014 de 28 de agosto] os requisitos a que devem obedecer os estabelecimentos de alojamento local, determinando no nº2, al. a) que as unidades de alojamento dos estabelecimentos de alojamento devem ter uma janela ou sacada com comunicação directa para o exterior que assegure as adequadas condições de ventilação e arejamento. Ora, o termo janela é considerado tecnicamente um vão aberto em paredes e uma sacada define-se por um varandim ou janela sem parapeito, rasgado até ao nível do solo com grade. Por conseguinte, a exigência no que respeita à qualificação de um quarto de uma habitação em nada difere do estabelecido no artigo 71º nº 1 do RGEU.”
XXXIII. Este entendimento é completamente errado!!!
XXXIV Tendo esta matéria sido doutamente dissecada e explicada na sentença proferida em primeira instância, fazemos nossa e in totum, a argumentação aí expendida, transcrevendo o ponto 1.1.2. da respectiva fundamentação, por ser sucinta e esclarecedora: “Para poderem ser utilizados como unidades de alojamento – isto é, para poderem ser objecto de exploração autónoma e objecto de diferentes (e simultâneos) contratos de “serviço de alojamento temporário” -, as divisões devem “ter uma janela ou sacada com comunicação directa para o exterior que assegure as adequadas condições de ventilação e arejamento” – al.a) do nº2 do artigo 12º do Decreto Lei nº 128/2014 de 29 de agosto (estabelece o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local), na sua redacção vigente na data da celebração do contrato promessa (sendo esta anterior à publicação da Lei nº 62/2018, de 22 de agosto). O mesmo é dizer que no caso do imóvel objecto do processo, os seis quartos (suites) que o compõem devem ter cada um deles, “uma janela ou sacada com comunicação directa para o exterior que assegure as adequadas condições de ventilação e arejamento”. Resulta dos factos provados que estas condições se mostram satisfeitas em seis divisões do imóvel objecto do contrato promessa.
Não vale aqui dizer que cinco das divisões em causa não podem ser exploradas como unidades de alojamento, pois não podem ser consideradas quartos de dormir, para efeitos da classificação da tipologia da habitação, por força do disposto nos artigos 66º nº 5, e 71º, nº 1 do RGEU. Recorde-se o teor do último enunciado citado: “os compartimentos das habitações referidos no nº 1 do artigo 66º serão sempre iluminados e ventilados por um ou mais vãos praticados nas paredes, em comunicação directa com exterior e cuja área total não será inferior a um décimo da área do compartimento, com o mínimo de 1,08m2 medidos no tosco”.
Efectivamente resulta dos factos provados que cinco das suites a serem exploradas como unidades de alojamento não são ventiladas por um ou mais vão praticados nas paredes; são ventiladas por janelas (zenitais) no tecto, acompanhando o pendor da cobertura. A colocação das janelas determina a classificação do imóvel com a tipologia T1, mas não impede a exploração dos compartimentos não qualificados como quartos como unidades de alojamento autónomas.
Tal como adiantamos, para o exercício da actividade de exploração de um alojamento local não se exige o licenciamento do imóvel para habitação. Com efeito, “não há nem deve haver uma associação unívoca entre habitação e alojamento local, podendo admitir-se a instalação e funcionamento desta actividade em prédios ou fracções que detêm autorização de utilização para outros fins, como o de serviços ou, mesmo, o de comércio, sem que contanto – e apenas por esse motivo – se exija uma alteração de utilização preexistente. // Esclarecendo: do ponto de vista jusurbanistico, para a instalação de um alojamento local, qualquer que seja a sua modalidade, bastará que o interessado seja titular de uma autorização válida e eficaz para habitação, serviços ou comércio (nos termos atrás analisados) e cumpra os requisitos legais aplicáveis a esta actividade económica específica. - Cfr. Fernanda Paula Oliveira, Dulce Lopes e Sandra Passinhas, Alojamento Local e Uso de Fracção Autónoma, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 36; cfr., ainda o Ac. do TCAS de 09.05.2019 (92/18.6BELLE-A)
Na verdade, há mesmo quem entenda, não sem razão, que a autorização mais ajustada ao exercício desta actividade não é sequer para habitação. Se é certo que “também por forma a facilitar esta actividade, o legislador não exige que ela se instale e funcione em edifícios ou fracções que disponham de autorização de utilização (genérica) que admita a actividade em causa”, não menos certo é que, “tratando-se de uma actividade expressamente qualificada pela lei como prestação de serviços”, “se o legislador nada determinasse a este propósito, apenas podia ser instalada e funcionar em edifícios com fracções com autorização de utilização para serviços” - Cfr. Fernanda Paula Oliveira, Dulce Lopes e Sandra Passinhas, Alojamento Local e Uso de Fracção Autónoma, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 32 a 34 incluindo nota de rodapé nº19. Ora se o alojamento local pode ser explorado num espaço licenciado para serviços, não se podem equiparar os requisitos legais da qualificação e utilização de divisões de fogos habitacionais com quartos de dormir (previstos no RGEU) com os requisitos legais da qualificação e utilização de divisões de um imóvel como unidades de alojamento. Estes requisitos devem, sim, ser procurados na legislação especial que regula a actividade do alojamento local.
Os requisitos a observar pelas unidades de alojamento, na parte que agora nos interessa encontram-se previstos na alínea a) do nº 2 do Artigo 12º do Decreto Lei nº 128/2014 de 29 de agosto nos termos já citados: os quartos devem “ter uma janela ou sacada com comunicação directa para o exterior que assegure as adequadas condições de ventilação e arejamento”. A diferença para o enunciado da norma do RGEU que dispõe sobre a qualificação de uma divisão como quarto de dormir é clara:
não se exige para o alojamento local que a iluminação e ventilação seja obtida através da existência de vãos “praticados nas paredes”. Ora, todas as suites possuem uma janela com comunicação directa para o exterior que assegura o arejamento. Pode, pois, reiterar-se a conclusão já antecipada: não resulta dos factos provados que as condições de exploração autónomas como unidade de alojamento não se mostram satisfeitas nas seis suites do imóvel objecto do contrato promessa. Significa isto que não se encontra evidenciado que o Autor se encontrava em erro quando estava convencido de que o imóvel reunia todas as condições para, depois de obtida a autorização compatível com o alojamento local, nele poder explorar seis unidades de alojamento distintas.”
XXXV. Raciocínio simples, legalmente fundamentado e cristalino! Aliás, bem se percebe o espírito do legislador, ao criar esta norma especial, no que respeita ao alojamento local, uma vez que ao invés do RGEU não visa regular exclusivamente fogos para habitação, mas, tal como acima vertido, visa regular a exploração de um serviço que tanto poderá ser exercida num edifício ou fracção destinado a habitação, a comércio ou a serviços. Se o Artigo 71º nº 1 do RGEU exige que os compartimentos das habitações referidos no Artigo 66º têm de ser iluminados e ventilados por um ou mais vãos praticados nas paredes, já o Artigo 12º nº 2º a) do Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos dos Alojamentos Locais exige que as unidades de alojamento dos estabelecimentos de alojamento local tenham uma janela ou sacada com comunicação directa com o exterior que assegure as adequadas condições de ventilação e arejamento. Pelo que temos de concluir que, no que respeita à unidades de alojamento, tem de estar garantida a ventilação e o arejamento por janela ou sacada, não se exigindo contudo que estas estejam colocadas nas paredes, ao invés do exigido para as habitações.
XXXVI. Ora, no caso vertente está provado que o imóvel prometido comprar pelo Autor possui as características necessárias para a instalação de seis unidades de alojamento, todas elas com janelas abertas para o exterior e cujas dimensões garantem a correcta ventilação e arejamento, sendo que destas, uma está colocada na parede e as restantes cinco janelas são zenitais colocadas no teto acompanhando o pendor da cobertura.
XXXVII. Ao decidir, como decidiu, o Tribunal da Relação interpretou erradamente o estipulado no Artigo 12º, nº 2 a) do Decreto Lei nº 128/2014 de 29 de agosto, que estabelece o Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local ao considerar que as seis unidades de alojamento não preenchiam os requisitos legalmente exigíveis para nelas ser desenvolvida a actividade de alojamento local e assim concluir pela impossibilidade de licenciamento. Ao arrepio daquilo que vimos de demonstrar e que espelha a correcta aplicação do Artigo 12º nº 2 a) do Decreto Lei nº 128/2014 de 29 de agosto, que estabelece o Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local, concluindo-se pela possibilidade de licenciar seis unidades de alojamento no imóvel objecto do contrato promessa.Tivesse o Tribunal da Relação aplicado correctamente a Lei e o Recurso apresentado pelo Autor teria necessariamente de improceder, o que aqui se requer.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V/Exªs doutamente suprirão deverá o presente recurso de Revista ser procedente e em consequência revogado o Acórdão da Relação ora recorrido com a decisão de manter a sentença do Tribunal da Primeira Instância que determinou a improcedência da acção em virtude do Acórdão recorrido padecer dos seguintes vícios:
a) Violação do Artigo 3°? n° l e n° 3? do Artigo 5°? n° 2 b) e Artigo 425°? todos do Código de Processo Civil;
b) Violação do Artigo 342° do Código Civil e do Artigo 414° do Código de Processo Civil;
3) Errada aplicação dos Artigos 253° e 254° do Código Civil;
d) Errada aplicação dos Artigos 352° e seguintes do Código Civil, nomeadamente dos Artigos 356° e 358°;
e) Violação do Artigo 12° n° 2 a) do Decreto lei n° 128/2014 de 29 de agosto e errada aplicação do Artigo 71° do RGEU.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Antes de mais, regista-se que as Conclusões são assaz prolixas, quase sendo uma cópia do corpo das alegações. O que, diga-se, não está propriamente em sintonia com o comando ínsito no artº 639º, nº 1 (como ali se diz, nelas, o recorrente deve “concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”) – destaque nosso.
Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são as que seguem:
1. Da admissibilidade do documento com as alegações de recurso na Apelação.
2. Da admissibilidade de documentos em sede de Revista.
3. Nulidades do acórdão: por excesso de pronúncia e condenação em “quantidade superior ou em objeto diverso do pedido” (respectivamente, als. d), 2ª parte e al. e), do nº 2 do artº 615ºdo CPC – Cfr. Conclusão XV).
4. Da alegada violação do disposto no artº 342º do Código Civil.
5. Da errada aplicação dos artigos 352.° e seguintes do Código Civil, nomeadamente dos artigos 356.° e 358.° (confissão).
6. Da alegada violação do artigo 12.° n.° 2 al. a) do Decreto-Lei n.° 128/2014 de 29 de Agosto e bem assim do artigo 71.° do RGEU.
7. Do erro (vício) e sua relevância no mérito da causa.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III. 1. É a seguinte a matéria de facto provada:
1 – Em abril de 2018, o autor, cidadão norte-americano que não fala português, dirigiu-se a uma agência imobiliária ... (Partilha Palavra, Lda.), com o objetivo de encontrar um imóvel para comprar e explorar como alojamento local.
2 – Foi dito pelo autor ao agente imobiliário da referida agência com quem contactou que pretendia comprar um imóvel para o explorar como alojamento local.
3 – O agente imobiliário apresentou e sugeriu ao autor a compra do prédio urbano sito na rua ..., nºs ……., ….
4 – O autor fez saber ao referido agente imobiliário que mediou as negociações que era essencial para si a possibilidade de exploração do imóvel como alojamento local.
5 – O agente imobiliário que mediou as negociações garantiu ao autor que o imóvel reunia as condições físicas para poder vir a ser explorado como alojamento local, com seis unidades de alojamento, no estado em que se encontrava, sendo, no entanto, necessário promover um procedimento administrativo simples na câmara municipal.
6 - Durante o ano de 2018, designadamente entre a data da primeira visita do autor ao imóvel e a data da outorga do documento referido no ponto 8 - factos provados -, a ré e o seu marido, CC, exploraram o imóvel como alojamento para turistas, cedendo os seus quartos a clientes, contra o pagamento de um preço, anunciando esta hospedagem na Internet, designadamente no portal Airbnb.
7 - O autor tomou conhecimento do facto referido no ponto 6 - factos provados - antes de decidir comprar o imóvel.
2. O contrato firmado
8.- Em 25 de junho de 2018, autor e ré subscreveram o documento intitulado CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA, junto a fls.15, onde consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido:
Entre:
PRIMEIRA OUTORGANTE: BB, (...) designada por PROMITENTE-VENDEDORA;
E
SEGUNDO OUTORGANTE: AA, (...) designado por PROMITENTE-COMPRADOR;
É celebrado o presente contrato-promessa de compra e venda que se regerá nos termos das seguintes cláusulas:
CLÁUSULA PRIMEIRA
(Objecto)
A PRIMEIRA CONTRAENTE é legítima proprietária e possuidora de um prédio urbano composto por casa de pavimento e quintal, destinado a armazém e atividade industrial, sito à Rua..... números ……, descrito na Conservatória do Registo Predial ..… sob o número …68 (...) e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …73 (...).
CLÁUSULA SEGUNDA
(Preço)
Através do presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE promete vender ao SEGUNDO, e este por sua vez promete comprar o imóvel identificado na cláusula anterior, pelo preço de € 425.000,00 (...)
(...)
CLÁUSULA QUARTA
(Escritura Pública)
a) O SEGUNDO OUTORGANTE obriga-se a realizar o referido contrato definitivo de compra e venda até 31 de Agosto de 2018.
b) A designação de dia, hora e local para a outorga do referido contrato prometido compete ao SEGUNDO OUTORGANTE, que a comunicará à PRIMEIRA por carta registada com aviso de receção e com antecedência mínima de 10 (Dez) dias
(...)
Porto, 25 de Junho de 2018
PRIMEIRA OUTORGANTE
(...)
SEGUNDO OUTORGANTE
(...)
9 - Com a assinatura do documento referido no ponto 8 – factos provados - o autor entregou a quantia de € 100.000,00 à ré, a título de sinal e princípio de pagamento.
10 - Em 6 de setembro de 2018, autor e ré subscreveram o documento intitulado ADITAMENTO AO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA OUTORGADO EM 25 DE JUNHO DE 2018 ENTRE OS OUTORGANTES INFRA DESCRIMINADOS, junto a fls. 24, onde consta, além do mais que aqui se dá por reproduzido:
BB (...) na qualidade de promitente vendedora e primeira outorgante.
E
AA (...) na qualidade de promitente comprador e segundo outorgante.
CONSIDERANDOS:
a) Entre os Outorgantes supra identificados, foi prometido comprar e vender por contrato promessa de compra e venda ora outorgado no dia 25/06/2018 um prédio urbano (.. .)•
b) Pelo presente aditamento, as partes acordam em alterar o contrato promessa da seguinte forma:
I - Prorrogar o prazo para a realização da competente escritura pública
de compra e venda até ao dia 30 de Setembro de 2018;
II - O segundo contraente, na presente data entrega a quantia de € 90.000,00 (...), a título de reforço do sinal ora entregue e por conta do preço acordado;
III - Mais acordam que, caso a escritura pública de compra e venda não se realizar no prazo acima referido no ponto I, a primeira outorgante não se opõe a uma prorrogação do prazo por um período que nunca poderá exceder os 30 dias, devendo para o efeito o segundo outorgante comunicar à primeira que pretende a extensão do referido prazo;
O presente aditamento faz parte integrante do contrato prometido mantendo-se na íntegra as restantes cláusulas do mesmo.
Feito em duplicado aos 06 dias de Setembro de 2018 (...)
11 - Com a assinatura do documento referido no ponto 10 - factos provados -, o autor entregou a quantia de € 90.000,00 à ré, a título de reforço de sinal.
3. Caracterização do imóvel
12 - A caderneta predial urbana do prédio objeto do documento referido no ponto 8 - factos provados - tem o teor do documento junto a fls. 12 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
DESCRIÇÃO DO PRÉDIO
Tipo de Prédio: Prédio em Prop. Total sem Andares nem Div. Susc. de Utiliz. Independente
Descrição: Casa de r/c e fachada de alvenaria, tendo 1 divisão e quintal.
Afetação: Armazéns e atividade industrial Nº de pisos: 1 Tipologia/Divisões: 1
ÁREAS (em m2)
Área total do terreno: 212,0000 m2 Área de implantação do edifício: 182,0000 m2 Área bruta de construção: 182,0000 m2 Área bruta dependente: 0,0000 m2 Área bruta privativa: 182,0000 m2
DADOS DE AVALIAÇÃO
Ano de inscrição na matriz: 1937 Valor patrimonial atual (CIMI): €37.030,00 Determinado no ano: 2018
Tipo de coeficiente de localização: Indústria (...)
13 - A descrição na Conservatória do Registo Predial do imóvel objeto do documento referido no ponto 8 - factos provados - tem o teor do documento junto a fls. 13 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
ÁREA TOTAL: 212 M2
ÁREA COBERTA: 182 M2
ÁREA DESCOBERTA: 30 M2
(...)
COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES:
Casa de pavimento e quintal. (...)
14 - O imóvel objeto do documento referido no ponto 8 - factos provados - tem um valor de mercado, com a afetação de “armazéns e atividade industrial”, não superior a € 134.000,00.
15 - Na data da subscrição do documento referido no ponto 8 - factos provados -, não havia sido atribuída uma autorização de utilização para habitação nem uma autorização de utilização para serviços ao imóvel nele identificado.
16 - O imóvel objeto do documento referido no ponto 8 - factos provados - compreende dois pisos - rés-do-chão e primeiro andar -, tendo o terreno a área total de 212m2, sendo 182m2 de implantação do edifício.
17 - No primeiro andar, existem seis quartos de dormir, cada um com casa de banho privativa (suites).
18 - Os quartos partilham três patamares, dois a dois, sendo cada um destes patamares servido por uma escada em caracol (somando estas, assim, três) de acesso a partir do rés-do-chão.
19 - Cinco dos quartos de dormir não possuem nenhuma janela ou porta nas paredes dando para o exterior do edifício, possuindo todos janelas (zenitais) no teto, acompanhando o pendor da cobertura.
20 - Um dos quartos de dormir possui uma janela retangular numa parede exterior, com lados de 90/100 cm (largura) e 50/60 cm (altura).
21 - O imóvel, com uma área total retangular, não possui janelas nas suas paredes exteriores laterais (opostas) nem na sua fachada fronteira à rua, a qual dispões de três vãos de portas em madeira.
22 - Nenhuma das casas de banho do imóvel possui banheira, apenas possuindo chuveiro.
23 - No rés-do-chão não existe nenhuma casa de banho com bidé e banheira ou base de chuveiro.
4. Estados subjetivos
24 -Na data da subscrição do documento referido no ponto 8 - factos provados -, o autor tinha conhecimento do facto descrito no ponto 15 -factos provados.
25 - O autor apenas subscreveu o documento referido no ponto 8 - factos provados - por estar convencido de que o imóvel objeto do contrato promessa podia ser explorado como alojamento local, com seis unidades de alojamento, após proceder à alteração da sua autorização de utilização para habitação.
26 - Ao subscrever o documento referido no ponto 8 - factos provados -, o autor entendia que, para explorar o imóvel seu objeto como alojamento local, devia proceder à alteração da licença de utilização.
27 - Ao subscrever o documento referido no ponto 8 - factos provados -, o autor estava convencido de que o processo de alteração da licença de utilização para habitação seria simples, por reunir o imóvel todas as condições para a concessão desta autorização.
28 - Quando subscreveu o documento referido no ponto 8 - factos provados -, a ré entendia que o imóvel, no estado em que se encontra, apenas podia ser registado e explorado como alojamento local após a alteração da sua autorização de utilização.
29 - Quando subscreveu o documento referido no ponto 8 - factos provados-, a ré não desconhecia que o autor estava convencido de que o imóvel objeto do contrato-promessa podia ser explorado como alojamento local, após se proceder à alteração da sua autorização de utilização, sendo tal possibilidade condição necessária para o autor aceitar o preço fixado e outorgar o contrato prometido.
5. Desenvolvimento negocial após a outorga do contrato
30 - O autor não obteve cópia da caderneta predial urbana e da certidão da descrição predial do imóvel antes de subscrever o documento referido no ponto 8 - factos provados.
31 - Tendo em vista o financiamento da aquisição do imóvel, o autor solicitou ao Novo Banco, S.A., a concessão de um empréstimo bancário.
32 - No fim do mês de setembro de 2018, o autor tomou conhecimento do relatório de avaliação elaborado, em 26 de setembro de 2018, no âmbito do processo de concessão de mútuo bancário, junto a fls. 27, onde consta, para além do mais que aqui se dá por transcrito:
Valores da Garantia Atual:
V. Construído: 134.000 € (...)
O projeto final apresenta uma imagem cuidada e arquitetonicamente aprazível (...). No entanto a mesma não está legalizada, já que a afetação do imóvel é de armazém e atividades industriais, e, de acordo com a atualização do Modelo 1 do IMI e informação verbal do atual proprietário, não existe intenção atual de a alterar. Verifica-se também que o alojamento local não está legalizado, dado não possuir placa identificativa.
33 - Em 18 de outubro de 2018, o autor foi informado de que, no entender de um arquiteto a quem pediu opinião, as características do imóvel não permitiam o seu licenciamento para utilização como habitação, sendo necessário proceder à demolição das obras interiores existentes realizadas pela ré.
- Em 6 de novembro de 2018, a ré remeteu ao autor o email cuja cópia se encontra junta ao processo eletrónico com a referência n.º …030 (…860), onde consta, além do mais que qui se dá por transcrito:
Na sequência do teor da sua comunicação de 22 de outubro p.p. e decorridos e vencidos que estão os prazos legalmente acordados para celebração da escritura definitiva de compra e venda sem que a mesma se tenha realizado por motivos exclusivamente a V. Exa. imputáveis, serve a presente para notificá-lo da resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado em 25.06.2108 e com aditamento assinado em 03.09.2018 por incumprimento definitivo de V. Exa. na qualidade de promitente comprador.
Isto posto, nos termos da legislação aplicável e do contrato celebrado, venho transmitir que me considero totalmente desobrigada das obrigações assumidas nesse contrato e que irei fazer minhas, sem mais, as quantias entregues por V. Exa. até à presente data a título de sinal e por conta do preço acordado.
35 - Em 6 de novembro de 2018, imediatamente após o envio do email referido no ponto 34 - factos provados -, a ré remeteu ao autor o email cuja cópia se encontra junta a fls. 81 (topo), onde consta, além do mais que qui se dá por transcrito: Hope all is well with you. I apologize but my first contact was just a formality regarding the conclusion of the process that we have in hands. Hope you can understand this need to have all clear in legal terms for both of us. This information will also be sent to your home address. Now you have my direct email contact to communicate.
Espero que esteja tudo bem consigo. Peço desculpa, mas meu primeiro contacto foi apenas uma formalidade respeitante à conclusão do processo que temos em mãos. Espero que possa perceber a necessidade, para ambos, da sua clarificação em termos legais. Esta informação será também remetida para a sua morada. Agora tem meu contato de email direto para comunicar.
36 - Em 6 de novembro de 2018, o autor remeteu à ré o email cuja cópia se encontra junta a fls. 81 (base), onde consta, além do mais que qui se dá por transcrito: I am well aware that you are in your legal rights to do as you wish, now that the contract has expired, but I also believe that your email is a gesture of extending an olive branch so that we can set things right. (...)
Estou bem ciente de que está no seu direito de agir como entender, agora que o contrato expirou, mas também acredito que o seu email é uma oferta de um ramo de oliveira, para que possamos resolver as coisas. (...)
Can we please meet so that we can align our thoughts (...). Since I have already handed over such a significant portion of my and my mother's life savings, I humbly ask you for your good will, courtesy, and help on working together to agree on an excellent solution.
Podemos nos encontrar para que possamos alinhar ideias? (...) Como já entreguei uma parte tão significativa das minhas economias e da minha mãe, peço humildemente sua boa vontade, cortesia e ajuda para trabalharmos em conjunto na obtenção de um entendimento sobre uma excelente solução.
37 - Em 11 de novembro de 2018, a ré remeteu ao autor o email cuja cópia se encontra junta a fls. 39, onde consta, além do mais que qui se dá por transcrito: It is true that all this process has been quite particular. We never expected for you to drop the deal. (…) Despite believing that probably you were badly advice by the people that should have protected your position I have to see this as a business because that is the situation we have in hands.
É verdade que todo o processo foi bastante peculiar. Nunca esperámos que desistisse do negócio. (…) Apesar de acreditar que provavelmente foi mal aconselhado pelas pessoas que deveriam ter protegido a sua posição, tenho que ver isto como um negócio, porque é esta a situação que temos em mãos.
(…) So what I can say now is that I'm willing to refund you because unfortunately or not I wouldn't feel good with myself (despite having the right to it) to keep all the money that you offered during the deal (…). Nevertheless, we are always talking about monetary and time losses.
(…) O que posso dizer neste momento é que estou disposta a reembolsá-lo, porque, infelizmente ou não, não me sentiria bem comigo mesma (apesar de ter direito a isso) em ficar com todo o dinheiro que desembolsou durante o negócio (…). No entanto, estamos sempre a falar de perdas monetárias e de tempo.
Regarding your second proposal for refund, I must be honest with you and tell you that it is far from our idea. At this point, the money we have on our side is 163.862,50 € (l must exclude from this refund the amount already delivered to the agency). At this moment and to close this situation I' m willing to give you back the total amount transferred on the last signature (90.000,00 €). The amount that I would keep is less than the 20% of signal that we were asking for to all the proposals and the only amount you would lose if you dropped the deal.
Em relação à sua segunda proposta de reembolso, tenho de ser honesta consigo e dizer-lhe que está longe do que pensamos. Neste momento, o dinheiro que temos do nosso lado é de 163.862,50 € (devo excluir deste reembolso o valor já entregue à agência). Neste momento, e para encerrar esta situação, estou disposta a devolver-lhe o valor total transferido na última assinatura (90.000,00 €). O valor que eu manteria é inferior aos 20% do sinal que estávamos a pedir para todas as propostas e o único valor que você perderia se desistisse do negócio.
38 - Em 15 de novembro de 2018, o autor remeteu à ré o email cuja cópia se encontra junta a fls. 38 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: After long consideration with my mother, your proposal is too difficult for us to accept as is. You may not be aware of everything that we went through these past few months in trying to complete the contract or even why we are now asking to cancel the agreement on friendly terms.
Após ponderar longamente com minha mãe, é-nos muito difícil aceitar a sua proposta, tal como está. Pode não estar ciente de tudo o que passámos nos últimos meses na tentativa de concluir o contrato ou por que agora solicitamos o cancelamento amigável do acordo. (…).
We were in for a great shock when almost every bank said they could not finance a property still designated as warehouse. We did not know that something as seemingly minor as this would be such a problem. (…) This is why I asked about beginning the process for relicensing the warehouse into a residence a few months ago.
Tivemos um grande choque quando quase todos os bancos disseram que não poderiam financiar um imóvel ainda designado como armazém. Não sabíamos que algo aparentemente tão pequeno seria um problema tão grande. (…) É por esta razão que, há alguns meses, perguntei sobre o processo de licenciamento do armazém como habitação.
(….) I went to the city hall and even consulted with two other architects about the property and was even more shocked to be told by all that it would be impossible to license the property under any of the designations we needed and that the only possibility would be to reconstruct the property. (…)
(….) Fui à Câmara Municipal e consultei dois outros arquitetos sobre o imóvel e fiquei ainda mais chocado ao ouvir de todos que seria impossível licenciar o imóvel sob qualquer uma das denominações que precisávamos, e que a única possibilidade seria reconstruir o edifício. (…)
I was trying to get in contact with you about this, but after getting so much pushback from the real estate agency, we decided it might just be easier to cancel the whole thing even after all of this effort and so many stressful months. (…) So please, reconsider my original offer.
Tentei entrar em contato consigo, mas depois de enfrentarmos tantos obstáculos por parte da imobiliária, decidimos que seria mais fácil cancelar tudo, mesmo depois de todo o referido esforço e de tantos meses estressantes. (…) Por favor, reconsidere minha oferta original.
39 - Em 15 de janeiro de 2019, o autor, por meio de mandatária, remeteu à ré a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 51 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: “Acontece que, ao contrário do que foi garantido por V.Exa, o prédio em causa é insuscetível de ser destinado a alojamento local, sendo que só após a celebração do aludido contrato e pagamento do sinal, o nosso constituinte teve conhecimento de tal facto.
Posto isto, como sabe, o contrato foi celebrado com o objetivo único de compra do imóvel para investimento, ou seja, para o destinar a alojamento local. Contudo, sendo o prédio é insuscetível de ser destinado a alojamento local, tal coloca em causa, de modo definitivo, o contrato celebrado, tendo o nosso constituinte perdido todo o interesse no mesmo.
Nestes termos, vimos pelo presente, solicitar que, no prazo máximo de 05 (cinco) dias úteis a contar da receção da presente carta, V. Exa restitua o sinal em dobro, nos termos do art. 442.º, n.º 2 do Código Civil”
40 - Em 8 de abril de 2019, foi o autor informado de que, no entender de um arquiteto a quem pediu parecer, as características do imóvel não permitiam o seu licenciamento para utilização como habitação com a tipologia T6 nem o seu registo como alojamento local com seis unidades de alojamento.
6. Ulterior licenciamento das obras
41 - Em 28 de Maio de 2019, a ré, representada por CC, apresentou à Câmara Municipal do .... “um pedido de legalização de obras de construção para o prédio sito à Rua de ..., n.º … a …, na freguesia de ..., que (…) está sujeito ao controlo prévio de licença (…), dado tratar-se de uma legalização”, pretendendo “alterar a compartimentação e redimensionamento interior” e “alterar a edificação existente em mais um piso (2 pisos)”, sendo que “o uso proposto é de habitação unifamiliar”, ao qual foi dado o número de processo …27/19/CM…, conforme documento junto a fls. 118, que aqui se dá por transcrito.
42 - Em 24 de outubro de 2019, este pedido (…27/19/CM…), na “apreciação arquitetónica e urbanística -informação técnica”, mereceu parecer favorável da arquiteta da Direção Municipal do Urbanismo e despacho concordante em 2 de novembro de 2019, conforme documento junto de fls. 99 a 104, que aqui se dá por transcrito.
43 - No parecer favorável referido no ponto 42 - factos provados -, é declarado:
6. Conformidade com o RGEU
(...)
Interior das edificações
6.2. O termo de responsabilidade do técnico autor do projeto de arquitetura constitui garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis ao interior das edificações (...).
(...)
8. Conformidade com as normas técnicas de acessibilidade ao abrigo do Decreto-lei 163/2006, de 08 de agosto.
(...)
8.2. Uma vez que o Plano de Acessibilidades está acompanhado por termo de responsabilidade, subscrito por técnico legalmente habilitado, (...) o mesmo fica dispensado de apreciação prévia (...).
44 - Em 23 de junho de 2020, pela Direção Municipal do Urbanismo da Câmara Municipal .... foi emitido o documento intitulado ALVARÁ DE LICENCIAMENTO DE OBRAS DE ALTERAÇÃO …/…99/2020/CM…/PROCESSO N.º …/…27/19/CM…, junto processo eletrónico com a referência n.º …030 (…272), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
As obras, licenciadas por despacho do Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo, Espaço Público e Património, de 2020/06/08, respeitam o disposto no PDM, e apresentam as seguintes características:
(...)
Destinos do edifício:
Os pisos rés-do-chão e 1º andar destinam-se a habitação, com área correspondente de 292 m2, sendo constituídos por 1 fogo.
(...)
Prazo para a conclusão das obras: 0 dias
44-A) - O processo de legalização tem por objecto as referidas obras de reabilitação de um imóvel com um quarto e cinco arrumos, com base em peças escritas, da autoria do mencionado arquitecto, datadas 09 de Outubro de 2018, cujo teor se dão por reproduzidas.
44-B) - Atendendo às características internas do imóvel, não é possível legalizar, para utilização como habitação, com seis quartos.
45 - O técnico autor do projeto de arquitetura apresentado no processo …27/19/CM…, CC, vive em união de facto com a ré.
46 - Apenas em 26 de setembro de 2018, teve o autor conhecimento de que o alojamento local que funcionava no imóvel não se encontrava registado nem participado ao município, não possuindo placa identificativa de alojamento local.
FACTOS NÃO PROVADOS
Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados-discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) -, resultaram não provados.
47 – O autor apenas subscreveu o documento referido no ponto 8 - factos provados - por estar convencido de que a área do imóvel inscrita na matriz era igual à área constante da descrição do prédio na Conservatória do Registo Predial.
III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO
O recurso é admissível, pois que: a situação tributária mostra-se regularizada e o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC), estando devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).
1. Da admissibilidade do documento com as alegações de recurso na apelação
Foi requerida, aquando da apresentação das alegações de recurso de apelação, a junção de um documento que constitui o alvará de utilização, emitido no processo de legalização das obras que a 1ª Ré efectuou no edifício.
Nesse alvará de utilização consigna-se que foi licenciado à Ré o imóvel objecto do contrato promessa como um “T1 com cinco arrumos”, ou seja, em termos de tipologia, o licenciamento de um T1+5.
A Relação não admitiu o documento, com fundamento em que “a 1ª Ré não justificou a apresentação do mencionado documento”.
Quanto à tempestividade da sua junção, dado que o mesmo documento (o licenciamento como T1+5) apenas foi emitido em 23.11.2020, nada a observar, atento o que reza aquele artº 425º CPC, pois provada está a impossibilidade da sua junção antes do encerramento da discussão.
Já quanto à necessidade da sua junção, cremos que foi suficientemente justificada pela Ré no processo, atenta a construção jurídica que sustenta, designadamente quanto aos factos que, na sua perspectiva, eram relevantes, maxime defendendo que bastaria, para ver de vencida a sua posição, que se provasse que o imóvel podia ser utilizado para habitação e alojamento local, mesmo que se tratasse de apenas um T1+5 e não...um T6 (seis quartos, correspondentes a seis unidades de alojamento local) – questão de mérito controvertida e que será apreciada.
Numa apreciação superficial, dir-se-á que respeitando o documento a um licenciamento de um T1 (que não de um T6), parece que a sua junção se tornará irrelevante ou pouco relevante, como adiante se verá – aliás, a sua junção só abonará ou reforçará a posição sustentada pelo Autor de que o licenciamento possível do prédio não permitia que fosse usado nos termos que terão estado na base da contratação.
Não vemos, porém, razões para, naquela fase, não admitir tal documento, até porque, como dito, respeita a um elemento essencial da factualidade alegada e questão suscitada: da tipologia e finalidade do imóvel. E as normas legais atinentes à admissibilidade dos documentos em sede de recurso de apelação, dada a sua superveniência, não inviabilizam a sua junção – já diferentemente é na revista, como se verá, pois aqui os requisitos ou exigências são bem mais apertados.
Como tal, admite-se a junção do documento.
2. Da admissibilidade de documentos em sede de revista
Vem a Ré requerer a junção, agora em sede de revista, de dois documentos, visando fazer a prova de que o imóvel (só agora - quando os autos já neste Supremo Tribunal) foi licenciado como habitação e para alojamento local “com 6 quartos”.
Ou seja, vem agora juntar-se um documento que contraria o que ressaltava do alvará de utilização anteriormente emitido pela Câmara Municipal (!) e que a mesma Ré juntara em sede de alegação na apelação.
Bom, não se pode olvidar que as regras atinentes à junção de documentos em sede de recurso não são as mesmas na apelação e na revista, visto que se está em face de questão que tem a ver com alteração da matéria de facto. E o âmbito de actuação do Supremo Tribunal de Justiça, neste segmento, está muito balizado, ou mesmo comprimido.
Vejamos.
No recurso de revista, o artº 680º CPC refere que apenas podem ser juntos os documentos supervenientes. E não há dúvida de que estamos perante um documento superveniente.
Porém, aquele preceito ressalva, de forma expressa e clara, que tal admissibilidade de junção do documento ocorre, sim, mas “sem prejuízo do disposto no nº 3 do artº 674º e no nº 2 do artº 682º”, do mesmo Código.
Ou seja, a decisão do tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, não pode, em sede de revista, ser alterada, salvo ocorrendo qualquer das situações excepcionais previsto no nº 3 do artº 674º.
Ora, como resulta deste último normativo, este Supremo Tribunal apenas pode intervir na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. É o caso de na Relação ter sido atendida uma confissão ineficaz; ter-se dado como provado um facto que apenas podia ser provado por documento quando este inexistia nos autos; não se ter atendido ao valor probatório de um documento então junto aos autos; ter-se desconsiderado uma declaração confessória ou acordo das partes; ter ocorrido um recurso indevido a presunções judiciais.
Mas nada disto ocorreu na Relação!
Como dito, é certo que o documento que a ré ora pretende juntar é superveniente, pois apenas foi produzido depois da decisão da Relação e respeita a um facto ocorrido também só depois do acórdão produzido – a autorização para o alojamento local, agora...com 6 quartos.
Porém, relativamente ao facto que com o mesmo documento se quer provar – aquela autorização para o alojamento local...com 6 quartos –, aquando da prolação do Acórdão da Relação, o que havia era o documento camarário referido supra e que se junta aos autos (do qual, porém, não resultava - nem de qualquer outro existente nos autos - aquela autorização).
Ou seja, face aos elementos que os autos ostentavam à data da prolação do acórdão, é evidente que a Relação não incorreu em qualquer das situações visadas naquele artº 674º, nº 3 CPC, que desse azo a que este Supremo Tribunal pudesse alterar a decisão da matéria de facto. Concretamente, e em particular, não se pode dizer que a Relação deixou de atender à força probatória de documento existente nos autos ou que deu força probatória plena a documento nos autos existente e que a não tinha.
Assim, parece-nos claro que a junção do documento ora pretendido juntar (independentemente do seu conteúdo) não pode ser admitido nesta fase (em plena apreciação da Revista), sob pena de (aí, sim) estarmos a desconsiderar ou postergar o estatuído naqueles arts. 680º e 674º/3 do CPC.
É certo que em sede de recurso de apelação a junção de documentos pode ocorrer, para além dos casos excepcionais a que alude o artº 425º, ainda no caso de a junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
O que significa que – repete-se, em sede de apelação (que não de revista) –, para além dos casos a que alude esse artº 425º, a título excepcional, ainda podem as partes juntar outros documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão (cfr nº 1 do artigo 651º e 425º, do CPCivil – v.g. , documentos que estejam em poder de terceiro que só os disponibilize posteriormente, como será o caso de certidão requerida atempadamente mas só subsequentemente emitida)[1].
Assim, quanto à junção em sede de apelação, podia perfeitamente questionar-se se a necessidade de junção do documento pretendido juntar naquela instância apenas ocorreu em virtude do julgamento produzido em primeiro grau.
Ou seja, a situação prevista naquele 651º, nº 1 do CPC sempre pressupunha, portanto, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão.
Daqui que se exclua a situação em que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.
Ora, como é bom de ver, perante a alegação do Autor e respectivo pedido (anulação do contrato por erro sobre o objecto do negócio), o thema decidendum manteve-se, no essencial, sempre mesmo. Como, aliás, ressalta claro da factualidade provada e não provada. E por isso mesmo é que são carreados aos autos elementos probatórios relativos à questão do licenciamento (possibilidade ou não) do imóvel para utilização como habitação com a tipologia T6 e/ou da sua utilização e registo como alojamento local com seis unidades de alojamento, sendo que – precisamente por ser esse o cerne da discussão dos autos – a própria Ré apresentou à Câmara Municipal “um pedido de legalização de obras de construção para o prédio...”, pretendendo, precisamente, “alterar a compartimentação e redimensionamento interior”, etc, processo a que foi dado o nº …27/19CM…, tendo a Câmara Municipal emitido, em 23.6.3020, o ALVARÁ DE LICENCIAMENTO DE OBRAS DE ALTERAÇÃO”, em que, porém, apenas licenciou um T1+5 (arrumos) e não os pretendidos seis quartos, documento esse junto aos autos.
Ou seja, em boa verdade não pode concluir-se que só com a sentença qualquer das partes tivesse ficado sabedora da necessidade de junção de documento para prova de factos alegados, pois a apontada factualidade esteve sempre “em cima da mesa” desde o início do processo.
A jurisprudência e a doutrina, no que especificamente respeita à admissibilidade legal da junção de documentos em sede de recurso, também têm vindo a entender que essa junção pode ocorrer se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção do documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes em 1ª instância, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam[2].
Razão por que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a afirmar que são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso da apelação: (i) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados; (ii) quando a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.
Ora, como dissemos, se é verdade que a admissibilidade de documentos em sede de recurso de apelação tem essa razoável “abertura”, porém, mesmo aí não podemos dizer, de forma inequívoca, que na situação reportada nos autos só com a sentença qualquer das partes tivesse ficado sabedora da necessidade de junção de documento para prova de factos alegados.
Escreveu-se ali: «Os casos fundados no argumento da necessidade admissíveis estão relacionados com a novidade ou a imprevisibilidade da decisão, com a eventualidade de a decisão ser “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”[3].
Sobre esta hipótese alertam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, comentando a norma do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, que “a jurisprudência tem entendido que a junção de documentos às alegações de recurso, de um documento potencialmente útil á causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”[4]. E continuam: “no que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”.
Resulta daqui que não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas.»[5]. Situação que, como vimos, se verifica no caso sub judice.
Ora, se assim é na Apelação, por maioria de razão não é admissível o documento em causa em sede de revista: quer porque, como dito, o apontado thema decidendum não se modificou, seja com a sentença, seja com a apelação; quer, principalmente, porque (sendo embora objectivamente superveniente o documento pretendido juntar), se não pode, em boa verdade, dizer que houve qualquer erro de apreciação de provas por banda da Relação.
Assim, parece apodítico que a junção nesta altura do documento não levará à modificação da matéria de facto, ao abrigo ou em face da possibilidade ínsita no artº 674º, nº 3 do CPC, em sede de revista.
Como tal, não se admite a junção do documento.
3. Nulidades do acórdão: por excesso de pronúncia e condenação em “quantidade superior ou em objeto diverso do pedido” (respectivamente, als. d), 2ª parte e al. e), do nº 2 do artº 615ºdo CPC – Cfr. Conclusão XV).
Não se vislumbra qualquer destas invocadas nulidades.
Não se desconhecem os temas da prova, designadamente incidindo em aferir sobre a existência de erro do Autor na emissão da declaração de promessa de compra e venda.
Ora, foi preciamente dentro da questão da relevância do erro vício que os factos foram levados à fase instrutória e, a final, plasmados na relação dos provados e não provados.
E não se vê onde tal factualidade e subsequente decisão de mérito tenha saído do objecto do pedido ou tenha havido condenação em quantidade superior a esse mesmo pedido.
Tem razão a recorrente quando refere que o que aqui está em causa, é, no essencial, saber se o imóvel objecto do contrato promessa era susceptível de ter uma afectação diferente da que tinha aquando da sua celebração (funcionamento com seis quartos/seis unidades de alojamento local). Melhor, uma afectação diferente daquela que foi garantida ao Autor, conforme alegado e levado, designadamente, aos pontos 5º, 25º e 29º dos factos provados[6].
“Agarra-se” a recorrente aos temas da prova.
Ora, como é sabido, com a introdução dos temas da prova visou-se afastar a pretérita quesitação atomística e sincopada de pontos de facto e, ao invés, permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorresse sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Isto de forma que a decisão da matéria de facto expressasse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos e não se limitasse a “responder” a questões que não é suposto serem sequer formuladas.
Foi precisamente nessa senda que actuou o tribunal, em sede produção de prova, não extravasando, na sua pronúncia, do que vinha vertido nos autos nem condenou em “quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
E enfatize-se que sobre a tipologia do imóvel (mais precisamente a existência das tais seis unidades de alojamento (os seis quartos - suites) que ali existiam aquando da primeira visita do Autor, facto este de que o Autor tomou conhecimento antes de decidir comprar o imóvel, e que a Ré usava como alojamento para turistas - cfr. factos provados nºs 6 e 7) teve sempre a Ré, naturalmente, possibilidade de dizer o que se lhe oferecesse, assim exercendo o devido contraditório.
Como bem observam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA[7], ““18. O princípio da oficiosidade no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito tem como limite as questões cuja apreciação dependa da iniciativa do interessado como acontece com a anulabilidade (…) Está ainda condicionado pela necessidade de ser respeitado o contraditório…).
19. Segundo STJ 19-1-17, 873/10, incumbe ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada (art. 5º, nº3) mas dentro da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido ….”.
E foi isso mesmo que fez o tribunal: indagou, interpretou e aplicou, como melhor entendeu, as regras de direito, precisamente no âmbito das questões que o Autor suscitou e que giram à volta da anulabilidade do negócio jurídico por erro-vício (sobre o objecto do negócio - ou sobre a base ou as características do imóvel prometido comprar). E, como vimos, a matéria da tipologia do imóvel torna-se essencial na economia da demanda, na perspectiva jurídica sustentada na decisão recorrida, tipologia essa que, como dito, foi carreada aos autos e foi levada à fase instrutória e à posterior decisão da matéria de facto, sobre a mesma tendo tido as partes completa liberdade de dizer o que se lhes oferecesse pertinente (portanto, …sem surpresas).
Reitera-se, assim, que surpresa não houve, pois o que a Ré/Recorrente não diz é que o Autor viu o imóvel a funcionar como alojamento local, com seis unidades de alojamento que posteriormente licenciou como um T1 com 5 arrumos (como resulta dos factos provados e consta, aliás, do vídeo junto aos autos).
Assim, o Autor alegou (e provou), nomeadamente, que:
- Pretendia fazer um investimento no Porto e, para esse efeito, se dirigiu à imobiliária com o objectivo de encontrar um imóvel para alojamento local, tendo sido sugerido o imóvel em causa, onde já funcionava um alojamento local com seis quartos, tendo sido informado que apenas era necessário fazer um registo, algo muito simples na Câmara Municipal, para mudar a designação do espaço, afecto a armazém;
- Após a assinatura do contrato-promessa de compra e venda teve conhecimento, através de um arquitecto que contratou, que as desconformidades do imóvel com a lei não permitiam a licença de mudança de uso a não ser que demolisse e construísse de novo, conforme o documento 12 da petição inicial;
- No vídeo junto aos autos (mostrando o interior e exterior do imóvel em conjugação com os vários comentários na plataforma airbnb) é revelada uma realidade, visitada pelo Autor, que espelha uma moradia com seis quartos, no piso superior, especialmente vocacionada para alojamento local.
Assim sendo (como é), repete-se que se não vislumbra ter havido qualquer excesso de pronúncia do tribunal ou condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Com efeito, como dito, o objecto do litígio resume-se, afinal, a saber se o Autor/Recorrido, ao comprometer-se na futura compra do imóvel prometido comprar, incorreu em erro referente ao objecto do negócio, na medida em que visitou um T6, onde funcionavam seis unidades de alojamento local, afecto legalmente a armazém, e, posteriormente, veio a verificar (como ficou documentado nos autos) que, ao contrário do que lhe tinham assegurado, não era permitido legalizar o imóvel como o encontrou com seis quartos mas apenas com um quarto (no sentido e com o significado que consta do REGEU). Impossibilidade essa que foi retratada no processo camarário para licenciamento das obras aí executadas, como os autos documentalmente registam, e que consubstancia factualidade complementar, absolutamente essencial à decisão da causa, descrita na causa de pedir.
Não há, portanto, qualquer violação do princípio do contraditório, nem se mostrando preenchida qualquer das nulidades ao acórdão da Relação.
4. Da alegada violação do disposto no artº 342º do Código Civil - por, no dizer da Recorrente, o Acórdão “assentar a sua decisão em factos considerados NÃO PROVADOS” (quais sejam: a) que não era admissível o licenciamento de seis unidades de alojamento no imóvel; b) que a Ré conhecia ou pelo menos não devia desconhecer da essencialidade, para o Autor, do licenciamento das seis unidades de alojamento).
Diga-se, desde já, que este facto referente ao conhecimento da Ré foi levado ao ponto 29 dos factos provados!
Não se vislumbra qualquer violação das regras do ónus da prova.
O que na sentença se disse foi, não que não ficasse provado que não era admissível o licenciamento de seis unidades de alojamento no imóvel – pois isto, na verdade, não se provou - , mas, sim, e apenas, que se não provou “que o objecto do contrato promessa não pudesse (nem possa) ser licenciado para habitação ou para serviços” (sic).
E o que aqui releva e foi salientado no Acórdão da Relação é a questão do eventual erro em que terá incorrido o Autor relativamente ao objecto do imóvel, mais concretamente, quanto à possibilidade de o mesmo ser, ou poder ser, utilizado para alojamento local, com seis unidades (quartos, nos termos do diploma que rege o alojamento local e o REJEU).
Portanto, na economia da alegação, cabia ao autor, não tanto fazer a prova de que o imóvel não reunia as condições para obter a autorização de utilização compatível com a exploração de alojamento local stricto sensu, mas, sim, que não era possível tal actividade no local com seis unidades, nos termos explicitados/explicados no acórdão, dado (como se provou) ter sido esse o pressuposto ou condição da outorga e assinatura do contrato-promessa.
E isso - em sintonia com as regras do ónus da prova - foi alegado e provado, como ressalta, desde logo, do Alvará de licenciamento, do qual resulta que não é possível legalizar o imóvel para utilização como habitação, com seis quartos (ou, se quisermos, com seis unidades de alojamento local – unidade de alojamento cujo sentido vem, e bem, explicada no acórdão), mas apenas como um T1+5 arrumos.
Portanto, na economia da questão sob apreciação, é claro que é particularmente relevante a circunstância de a autorização de utilização se reportar apenas a uma tipologia T1, e não a uma tipologia T6, quando se alega ter sido esta a base da decisão do autor em investir, prometendo comprar o imóvel, já que viu, previamente à outorga do contrato, que o mesmo era usado como alojamento local, com 6 quartos e lhe foi garantido à data que essa utilização era possível à face da lei, apenas bastando requerê-lo à Câmara Municipal, o que lhe foi também assegurado ser um processo simples.
Assim, repete-se que o que, no essencial, está em causa nesta demanda, tal como configurado pelo Autor, é saber se o autor incorreu em erro.
E porquê? Por, segundo alegação e prova efectuada, ter sido convencido – lhe ter sido garantido e ter constatado isso mesmo na visita prévia ao imóvel – que o imóvel podia ser explorado como alojamento, com seis unidades de alojamento, e não apenas licenciado como habitação e explorado como alojamento local independentemente do número de quartos ou de unidades de alojamento local.
Essa matéria factual foi alegada e dada como provado (cfr., designadamente, os factos provados nºs 5, 6, 7, 25 27 e 29).
Na conclusão XXIV diz a Recorrente que dos preceitos legais que refere “ deriva o ónus do Autor provar não ser admissível o licenciamento de seis unidades de alojamento no imóvel e ainda de que a Ré conhecia, ou pelo menos não devia desconhecer, da essencialidade, para o Autor, do licenciamento das seis unidades de alojamento, não o logrando provar, como não provou, a correcta interpretação e aplicação das normas referidas necessariamente teria de levar o Tribunal da Relação a decidir pela improcedência da acção, tal como decidido pelo Tribunal da Primeira Instância.”.
Mas tal factualidade ficou provada, como se vê, designadamente, dos factos provados sob os nºs 4, 5, 25, 29 (obviamente que o facto aqui referido, atinente à essencialidade do erro, tem de ser conjugado com os demais factos provados, em especial sob os nºs 5 e 25 – que os tais 6 quartos, que existiam afetos ao alojamento local e como tal foram previamente visionados, assim podiam continuar a ser utilizados, após o tal simples procedimento administrativo junto da câmara municipal).
Não vemos, assim, que tenha ocorrido qualquer violação das regras do ónus da prova, nos termos retratados pela Recorrente.
5. Da errada aplicação dos artigos 352.° e seguintes do Código Civil, nomeadamente dos artigos 356.° e 358.° (confissão).
Diz a recorrente que (conclusão XXX) “o documento da autoria do Autor, que por si não foi impugnado, é uma confissão de que a Ré não só desconhecia, como estava artificiosamente mantida, por aquele, em erro, do agora alegado interesse do Autor no alojamento local com seis unidades de alojamento”. E que, “Ao desconsiderar totalmente esta confissão do Autor, como fez, o Tribunal da Relação violou de forma grosseira todo o preceituado previsto nos artigos 352º e seguintes do Código Civil.”.
Em causa, portanto, as normas atinentes à confissão.
Ora, não se vê onde em tal comunicação (e-mail) endereçada pelo Autor à Ré se possa ler ou extrair a conclusão que (só) a Ré tirou: que não é verdade que o Autor tenha outorgado o contrato-promessa na convicção de que era possível a utilização do imóvel como alojamento local com seis unidades e que a ré foi, quanto a isso, induzida em erro pelo Autor (melhor…enganada pelo autor).
Primeiro, e desde logo, note-se que na dita comunicação (de 12.06.2018 - doc. 5 da contestação) não se explicita ou esclarece, minimamente, a que “ponto de vista”, ou a que “falha” se reporta o Autor. Tal documento é vago e impreciso.
Segundo, o facto de ali se referir que o Autor desejava “abrir um armazém como galeria e espaço de eventos…” em nada, mesmo nada, afasta o seu objectivo central de exploração do edifício (também) como alojamento local, com seis unidades. É que a eventualidade de abertura da galeria e espaço de eventos referia-se ao rés-do chão e apenas a ele! Pois que, como se refere no acórdão, na apreciação dessa impugnação da matéria de facto feita pela Ré nas contra-alegações por via da “ampliação do âmbito do recurso”, “Sobre a matéria constante do ponto 25, “o Autor teve ocasião de explicar que, sendo o espaço do rés-do-chão bastante amplo (open place) podia conseguir um rendimento adicional usando-o para outros fins.” - destaque nosso.
Assim, portanto, como refere a Relação, “… a interpretação do teor do e-mail do Autor, datado de 12 de Junho de 2018, é no sentido de que aquela finalidade de alojamento local, apesar de ser a principal, não era a única pois ponderou a possibilidade de, adicionalmente, abrir, no rés-do-chão, uma galeria, um espaço para eventos artísticos e local de trabalho (startups).”. Como tal, esse e-mail não belisca ou contende, minimamente que seja, com a (principal) pretensão do Autor, de exploração do alojamento local. É que, como também nota o acórdão, “A predominância da exploração do espaço como alojamento local mostrou-se deveras atractiva para o Autor uma vez que lhe foi transmitido que estavam a fazer 5 mil euros por mês na estação alta e na estação baixa podia ser arrendado a estudantes.”[8].
E acrescente-se que de forma alguma se extrai dessa missiva do Autor à Ré a conclusão pela Ré pretendida ali ver plasmada, qual seja de que se a Ré soubesse das reais intenções do Autor (de ali fazer um alojamento com seis unidades de alojamento) não lhe venderia o imóvel.
Nada disso vem ali dito!
Como se o exposto não bastasse, sempre se observa que - ao contrário do que pretende fazer crer a Ré - este e-mail e seu eventual valor probatório já foi levado em consideração pela Relação e ponderado no acórdão. E foi-o, precisamente, a propósito da requerida pela Ré alteração da decisão da matéria de facto, em que a Ré entendia que devia ser dada nova redacção aos pontos 25 e 29 dos factos provados!
A tal pretensão respondeu a Relação, mas não nos termos pretendidos pela Ré.
E já agora - e curiosamente: veja-se que a Ré na aludida impugnação da decisão da matéria de facto não fez qualquer referência ao e-mail que agora traz à colação (a pretensa confissão de 12.6.2018). Naturalmente, porque então lhe não conviria! Apenas agora vem invocá-lo. Porém, como vimos, sem qualquer pertinência ou utilidade para o mérito da demanda.
Atento o exposto, também improcede a questão ora suscitada.
6. Da alegada violação do artigo 12. ° n.° 2 al. a) do Decreto-Lei n.° 128/2014 de 29 de Agosto e bem assim do artigo 71.° do RGEU.
Diz-se no Acórdão recorrido que a exigência feita no diploma que rege o alojamento local (Dec.-Lei nº 128/2014, de 29 de Agosto - vigente à data da celebração do contrato e que sofreu as alterações decorrentes do DL n.º 63/2015, de 23/04, da Lei n.º 62/2018, de 22/08, da Lei n.º 71/2018, de 31/12 e do DL n.º 9/2021, de 29/01), “no que respeita à qualificação de um quarto de uma habitação em nada difere do estabelecido no art.º 71.º, n.º 1 do REGEU” (Regulamento Geral das Edificações Urbanas). Pois que nos dois regimes jurídicos em confronto conclui-se que “a qualificação de um compartimento como quarto de uma habitação depende da existência de uma janela/sacada, nas paredes, com comunicação directa para o exterior que assegure as adequadas condições de ventilação e arejamento” - destaque nosso.
E sendo assim, cinco das divisões em causa não podem ser exploradas como unidades de alojamento local, na medida em que não podem considerar-se quartos de dormir, para efeitos da tipologia da habitação, atento o estatuído nos arts. 66º, nº 5 e 71º, nº 1 do REGEU.
Assim não entende a Ré/Recorrente, remetendo para o vertido na sentença.
Vejamos.
No caso dos estabelecimentos de hospedagem, cujo regime é atualizado, preveem-se ainda requisitos particulares para os «hostels», para os quais se exigem especiais características. Sem entrar em pormenores que impeçam o desenvolvimento e inovação do produto, procurou-se sobretudo enquadrar juridicamente e preservar uma figura que se impôs turisticamente.
No artº 3º enunciam-se as modalidades em que os estabelecimentos de alojamento local se devem integrar.
Ora, como é bom de ver, atenta a factualidada provada, parece que não pode deixar de se concluir que o alojamento local pretendido pelo Autor, com a promessa de compra do prédio urbano, visava, no essencial, o exercício da actividade de hospedagem, nos termos e figurino previstos no citado diploma, pois o que se pretendeu foi ter disponíveis seis “unidades de alojamento”…”constituídas por quartos, integrados…num prédio urbano ou numa parte do prédio susceptível de utilização independente”[9].
Foi isso mesmo que levou ou motivou o Autor a adquirir o edifício, pois foi essa a possibilidade de exploração do imóvel objecto do contrato que lhe foi assegurado antes de assinar o contrato, sendo isso que pretendia fazer dele (no 1º andar), por estar convencido que reunia as condições legais para tal, embora lhe dissessem que seria necessário requerer umas ligeiras alterações junto da câmara municipal, o que foi assegurado ser simples (não suscitando, portanto, qualquer dificuldade na sua viabilização), sendo essa possibilidade de utilização a “condição necessária para o autor aceitar o preço fixado e outorgar o contrato” (cfr., v.g., pontos 25 e 29º dos factos provados).
Ou seja, aceita-se que não seja imperioso que haja uma associação inequívoca entre habitação e alojamento local, “podendo admitir-se a instalação e funcionamento desta actividade em prédios ou fracções que detém autorização de utilização para outros fins, como o de serviços ou, mesmo, o de comércio”[10].
Porém, igualmente temos por seguro que, como é intuitivo, as exigências, designadamente em termos de salubridade, luminosidade e arejamento, não serão exactamente as mesmas quando as finalidades são, v.g., o comércio ou a habitação. É que, como facilmente se compreenderá e é intuitivo até, na habitação (e, naturalmente, com o sentido que lhe é dado no alojamento local, portanto, de habitação não permanente…), pela sua própria natureza, o grau de exigência naqueles segmentos (salubridade, luminosidade e arejamento) é particularmente ponderoso. Exigência que, portanto, não pode deixar de se aplicar às (6) unidades de alojamento pretendidas pelo Autor aquando da outorga do contrato, correspondentes ou constituídas por quartos, integrados…num prédio urbano ou numa parte do prédio susceptível de utilização independente” (normativo citado).
E só assim se compreende que a legislação do alojamento local, no que respeita às características/exigências de tais unidades constituídas por “quartos” (nos sobreditos termos), remeta para as “normas legais e regulamentares aplicáveis” (artº 6º/2/b) do citado Decreto-Lei n.º 128/2014, de entre as quais estão, naturalmente, as decorrentes do REGEU), obrigando ao respeito das mesmas normas.
a) Ter uma janela ou sacada com comunicação direta para o exterior que assegure as adequadas condições de ventilação e arejamento”.
Por sua vez, dispõe o artº 71º, nº 1 do REGEU:
“1. Os compartimentos das habitações referidos no n.º 1 do artigo 66°” - ou seja, “Os compartimentos de habitação” - serão sempre iluminados e ventilados por um ou mais vãos praticados nas paredes, em comunicação directa com o exterior e cuja área total não será inferior a um décimo da área do compartimento com o mínimo de 1,08 m2 medidos no tosco."
Pergunta-se, então, se a exigência da “janela ou sacada com comunicação direta para o exterior” prevista no referido Dec.-Lei nº 128/2014 tem o mesmo sentido ou significado contido no REGEU (cit. artº 71º/1).
O alojamento local foi criado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, sofrendo subsequentes alterações (v.g., dos Decretos-Leis nºs 228/2009, de 14 de Setembro e 15/2014, de 23 de Janeiro), para permitir a prestação de serviços de alojamento temporário em estabelecimentos que não reunissem os requisitos legalmente exigidos para os empreendimentos turísticos.
Como se diz no preâmbulo do diploma, “Tal realidade viria a ser regulamentada através da Portaria n.º 517/2008, de 25 de junho, entretanto alterada pela Portaria n.º 138/2012, de 14 de maio, que, no seguimento da transposição da Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, veio consagrar a possibilidade de inscrição dos estabelecimentos de alojamento local através do Balcão Único Eletrónico.
Assim, a Portaria n.º 517/2008, de 25 de junho, veio prever três tipos de estabelecimentos de alojamento local, a saber, o apartamento, a moradia e os estabelecimentos de hospedagem, estabelecendo alguns requisitos mínimos de segurança e higiene.”.
Como bem observam FERNANDA PAULA OLIVEIRA, DULCE LOPES e SANDRA PASSINHAS[11], “do ponto de vista jusurbanistico, para a instalação de um alojamento local, qualquer que seja a sua modalidade, bastará que o interessado seja titular de uma autorização válida e eficaz para habitação, serviços ou comércio (nos termos atrás analisados) e cumpra os requisitos legais aplicáveis a esta actividade económica específica.” - o destaque é nosso.
Ora, como já supra dissemos, parece evidente que as exigências havidas em termos de iluminação e, essencialmente, ventilação não serão exactamente as mesmas em caso de uso para habitação por comparação com os serviços ou comércio. Na habitação, precisamente porque se trata de dormir, comer, fazer a vida normal nesses espaços durante o tempo em que o alojamento local durar, as exigências de iluminação e principalmente de arejamento e salubridade são particularmente sensíveis e prementes. Como é intuitivo e bem se compreende, dado contender com razões de saúde.
Daí que, o artº 12º, nº 2, al. a), do Dec.-Lei nº 128/2014, de 29 de Agosto, ao prescrever que “As unidades de alojamento dos estabelecimentos de alojamento local devem …Ter uma janela ou sacada com comunicação direta para o exterior que assegure as adequadas condições de ventilação e arejamento”, está a pensar, essencialmente (ou principalmente), no alojamento local…para habitação.
E, como dito, quanto a este, não vemos que as exigências, em termos de ventilação e arejamento difiram das que vêm plasmadas no REGEU, para os “compartimentos das habitações referidos no n.º 1 do artigo 66°, isto é, que os mesmos sejam “iluminados e ventilados por um ou mais vãos praticados nas paredes, em comunicação directa com o exterior...".
É certo que no diploma do alojamento local se fala em “janela ou sacada com comunicação direta para o exterior”, ao passo que no REGEU se usa a expressão “vãos praticados nas paredes, em comunicação directa com o exterior”.
Cremos, porém, que, tratando-se de espaços a usar para habitação, o sentido dos dois diplomas, neste segmento, é o mesmo: a existência, em cada quarto (no REGEU) ou unidade de alojamento (no diploma do alojamento local) de uma abertura directa para o exterior que assegure a necessária iluminação e ventilação. E falando-se em ambos os diplomas numa abertura que faça “comunicação directa com o exterior”, cremos que essa comunicação se tem de situar nas paredes de que fala o REGEU. É que, para além do objectivo pretendido com essas aberturas, o conceito de janela ou sacada de que fala o artº 12º, nº 2, al. a), do Dec.-Lei nº 128/2014, parece não deixar outra interpretação que não seja de que se trata de uma abertura feita nas paredes laterais do espaço ou unidade de alojamento.
O que já ressaltaria da apontada remissão expressa que o artº 6º, nº 2, al. b) do referido Dec.-Lei nº 128/2014, faz para as “normas legais e regulamentares aplicáveis”, a exigir, assim, a sua observância.
Com efeito, dispõe esse artº 6º:
“Da comunicação prévia com prazo dirigida ao Presidente da Câmara Municipal devem obrigatoriamente constar as seguintes informações:
(…)
2 - A comunicação prévia com prazo deve obrigatoriamente ser instruída com os seguintes documentos:
….
b) Termo de responsabilidade, subscrito pelo titular da exploração do estabelecimento, assegurando a idoneidade do edifício ou sua fração autónoma para a prestação de serviços de alojamento e que o mesmo respeita as normas legais e regulamentares aplicáveis”.
Ora, tratando-se de uma edificação urbana, é claro que de entre essas normas legais…aplicáveis estão, obviamente, e em primeira linha, as decorrentes do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (REGEU). Estas que não podem ignoradas, designadamente, pelas normas atinentes ao alojamento local. E no que aqui mais importa, as normas respeitantes às condições de iluminação e ventilação das unidades de alojamento local. E, como visto, o REGEU é claro em prescrever que tal arejamento e iluminação deve fazer-se através de aberturas nas paredes, em comunicação directa com o exterior, o que, como dito, afinal, não difere do que a tal respeito se plasma no próprio diploma do alojamento local: janela ou sacada com comunicação direta para o exterior.
A sacada é definida como “um balcão de uma janela que ressai da parede”[12], um varandim ou janela sem parapeito, rasgada até ao nível do solo com grade[13] - destaque nosso.
E quanto à janela, se é certo que o Código Civil vigente (cfr. artº 1360º), tal como o Código de Seabra, não diz o que deve entender-se por janela, usando este vocábulo com o sentido que tem na linguagem corrente[14], a verdade é que ressalta daquele artigo 1.360º do Código Civil que as janelas (tal como as frestas) são aberturas feitas nas paredes dos edifícios, mas que se distinguem não só pelas respectivas dimensões, como pelo fim a que se destinam.
Assim, diferentemente, as frestas são aberturas estreitas, que têm apenas por função permitir a entrada de luz e ar - e não parece ser por acaso que no diploma do alojamento local se fala em “janela ou sacada com comunicação direta para o exterior” e não em frestas (não se tendo o legislador contentado, portanto, com a existência destas para assegurar as condições de ventilação e arejamento).
Ou seja, ao passo que as frestas têm apenas por função permitir a entrada de luz e ar, já as janelas têm uma função mais ampla, qual seja, assegurar as “adequadas condições de ventilação e arejamento” a que se refere o citado artº 12º, nº 2, al. a), do Dec.-Lei nº 128/2014, de 29 de Agosto - tal como exigido pelo REGEU no 71º, nº 1 por via das mesmas aberturas.
Note-se que já a linguagem corrente conceptualiza a janela numa abertura que fica situada acima do pavimento, que permite a entrada de ar e luz, que tem um caixilho móvel, envidraçado, que serve para tapar a abertura[15].
É, por regra, uma abertura mais ampla do que a fresta, dispondo de parapeito, no qual as pessoas podem apoiar-se ou debruçar-se e descansar ou desfrutar as vistas que tais aberturas proporcionam, olhando em frente, para os lados, para cima e para baixo.
Assim, portanto, a exigência de que as unidades de alojamento local - pelo menos quando esse alojamento se destina a habitação (naturalmente, como dito, não permanente), como era objectivo do Autor - sejam servidas de uma janela ou sacada com comunicação direta para o exterior é a mesma que está ínsita no REGEU, ou seja, que se trate de “vãos praticados nas paredes, em comunicação directa com o exterior”.
Só assim respeitam “as normas legais e regulamentares aplicáveis”, exigência expressamente prevista no referido artº 6º, nº 2, al. b) do referido Dec.-Lei nº 128/2014, aqui, portanto, remetendo para o REGEU.
O que se não verificava no edifício prometido comprar pelo Autor, na medida em que apenas um dos seis compartimentos do piso superior satisfazia tal exigência, pois todos os restantes compartimentos apenas possuíam iluminação zenital, no tecto - iluminação zenital que mais não é do que a iluminação de um espaço interior através de aberturas ou claraboias localizadas na cobertura de um edifício.
Assim, obviamente que a comunicação prévia a fazer ao Presidente da Câmara para funcionamento do alojamento local não pode satisfazer as exigências previstas no artº 6º, nº 2, al. b) do Dec.-lei nº 128/2014, ou seja, que tal alojamento pretendido cumpre com as “normas legais e regulamentares aplicáveis”, e no que ora importa, com as exigências do REGEU. Exigências que, repete-se, bem se compreendem, na medida em que estamos a falar de acomodação de pessoas, de lhes assegurar o necessário e adequado arejamento, salubridade, iluminação e exposição solar do espaço que venham a ocupar/habitar nesse alojamento.
E também só assim (como igualmente se sustenta no acórdão), os diplomas legais aplicáveis (Dec.-lei nº 128/2014 e REGEU) se articulam, como devem articular, por forma a serem respeitados esses interesses e interpretados tendo em conta, além de outros elementos, a unidade do sistema jurídico (art.º 9.º, n.º 1 do C.Civil).
Assim improcede esta questão - não se vislumbrando violação do estatuído nos artigos 12.° n.° 2 al. a) do Decreto-Lei n.° 128/2014 de 29 de Agosto e 71.° do RGEU.
Efectivamente, o que aqui importa é saber se estão verificados os requisitos do erro na declaração sobre o objecto ou base do negócio: se o Autor comprou o edifício para o exercício da actividade de alojamento de local convencido que seria viabilizado (face à respectiva licença camarária de utilização, havida ou obtida e junta com a apelação) o funcionamento de seis unidades de alojamento, ou seja, de seis quartos (obviamente, reunindo as condições legais, maxime em termos de iluminação e arejamento) e se, afinal - só depois de assinar o contrato-promessa - veio a confrontar-se com a inviabilização de tal finalidade, que antes da assinatura do contrato promessa lhe foi garantida ser possível, dessa forma incorrendo em erro negocial.
Esta é, de facto, a questão angular desta demanda, atenta a causa petendi. Questão essa – em que, para além do mais, os requisitos da cognoscibilidade e da essencialidade do erro terão de estar preenchidos – analisaremos de imediato.
7. DO ERRO VÍCIO E DA SUA RELEVÂNCIA NO MÉRITO DA CAUSA
Atentemos, agora, se o Autor incorreu em erro.
Peticionou o Autor a anulabilidade do contrato-promessa celebrado com a Ré em 25 de junho de 2018 (com o respectivo aditamento), com a consequente devolução da quantia de €190.000,00 (cento e noventa mil euros) que àquela entregou a título de sinal, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Invoca que houve erro relativamente ao objecto do contrato, na medida em que o que pensava estar a comprar – melhor, prometer comprar – , como lhe foi garantido e lhe foi mostrado antes de firmar a decisão de comprar, não correspondia, afinal, ao que efectivamente prometera comprar, atenta a, ulteriormente constatada, impossibilidade legal de utilização do imóvel naqueles termos que lhe foram assegurados (ou seja, como alojamento local com seis unidades de alojamento, nos termos supra explicitados).
Assim, portanto, a vontade do autor estaria viciada, na medida em que foi formada com base em erro sobre o objecto do negócio.
Efectivamente, atenta a factualidade provada, temos por seguro estar-se perante uma situação de erro vício, quanto ao objecto do negócio, ou, se quisermos, quanto à base do negócio.
Deixemos um pequeno bosquejo acerca das linhas mestras traçadas pela doutrina e jurisprudência sobre esta(s) figura(s) jurídica(s).
O erro corresponde a uma falsa representação da realidade, isto é, a falsa concepção acerca de um facto ou de uma coisa [16]-[17].
As diversas normas que o legislador associou a esta terminologia correspondem a conceitos distintos de erro com consequências diferentes, conceitos esses estudados e desenvolvidos por Doutrina e Jurisprudência.
A declaração negocial é uma decisão volitiva, precedida, no plano psicológico, de uma deliberação, rápida ou demorada, em que o possível autor representa o possível negócio e o seu circunstancialismo[18]-[19].
Na representação do negócio podem faltar elementos, ou pode haver elementos que não correspondam à realidade.
De particular relevo é o “erro sobre os motivos” (art. 252.º do CC), e, aqui, em especial, o chamado erro‑vício ou erro sobre os motivos determinantes da vontade, previsto no n.º 2 desse normativo legal.
O erro vício[20] traduz‑se numa representação inexacta ou na ignorância[21] de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de contratar [22]: se tivesse havido esclarecimento sobre essa circunstância, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não o teria realizado nos termos em que o celebrou [23]-[24]-[25]-[26].
O Acórdão do STJ de 16 de Abril de 2002 [27] chama a atenção que:
— O erro, enquanto vício na formação da vontade, só existe quando falta um elemento, ou quando a representação mental está em desacordo com um elemento, da realidade existente no momento da formação do negócio jurídico;
— O erro só será relevante quando seja causa do negócio jurídico nos seus precisos termos, ou seja, quando corresponda à inserção de um factor anómalo no processo volitivo e quando a sua intromissão determine um resultado diferente.
«A cada passo cada um de nós, ao realizar um negócio jurídico, procede na plena convicção de que se verificou no passado, se verifica no presente ou virá ou continuará a verificar-se no futuro, certo acontecimento ou estado de coisas, de tal maneira que, se soubesse que esta sua convicção não correspondia à realidade pretérita ou actual ou se frustraria quanto à evolução posterior, não teria concluído o negócio ou tê-lo-ia concluído de modo diferente»[28]. «Contratou, e contratou nos termos em que o fez, porque estava possuído dessa firme convicção, não lhe passando sequer pela cabeça que não correspondesse à realidade a sua ideia sobre certa circunstância ou circunstâncias, passadas ou presentes, ou que não se confirmasse a sua previsão sobre o curso ulterior das coisas»[29]. «Este seu convencimento, fosse consciente ou subconsciente, era tão seguro que não hesitou em celebrar o contrato, e em celebrá-lo com o conteúdo que lhe atribuiu»[30]. «Não teve sequer o cuidado de introduzir nele uma cláusula limitativa, que o condicionasse dalgum modo à correspondência entre a sua ideia ou previsão e a realidade»[31]. «Chama-se justamente pressuposição este estado de espírito do estipulante, consistente em achar-se absolutamente seguro de que as coisas se passaram, estão a passar-se ou virão a passar-se de certo modo, e não hesitar por isso em contratar como contratou»[32].
Pode-se hipotizar um eventual erro sobre o objecto, isto é, “o que recai, ou sobre a identidade deste, ou sobre a sua substância, ou sobre as suas qualidades essenciais”[33]; aquele que abrange as qualidades e identidade daquele, bastando que por qualquer forma seja conhecido ou cognoscível para a outra parte que o errante só contratou por ter atribuído aquelas qualidades ou identidade ao objecto — cfr. artigo 251.º, do Código Civil[34].
E sobre ele, escreve, por sua vez, Menezes Cordeiro[35]:
«O erro relativo ao objecto tem sido prudente e correctamente alargado pela doutrina e pela jurisprudência. Não está em causa, apenas, a identidade do objecto, as suas qualidades e, particularmente, o seu valor. Relevam, também, as qualidades jurídicas do objecto. Além disso, e numa interpretação correcta e da maior importância, o “objecto” abrange, também, o conteúdo do negócio»[36].
Comentando o art. 247.º do C.Civ., ensina Menezes Cordeiro [37]:
«Para a relevância do erro na declaração, a lei portuguesa apenas exige:
— A essencialidade, para o declarante, do elemento sobre erro;
— O conhecimento dessa essencialidade, pelo declaratário ou o dever de a conhecer.
E sobre a designada base do negócio:
Segundo Inocêncio Galvão Telles [38], «constituem base do negócio as circunstâncias determinantes da decisão do declarante que, pela sua importância, justificam, segundo os princípios da boa-fé, a invalidade do negócio em caso de erro do declarante, independentemente de o declaratário conhecer ou dever conhecer a essencialidade, para o declarante, dessas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade de os dois se mostrarem de acordo sobre a existência daquela essencialidade».
Para Oliveira Ascensão[39], «base do negócio e circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar são exactamente a mesma coisa: são a tradução de Geschäftsgrundlage, portanto a base ou o fundamento do negócio». Segundo este Autor [40], «as circunstâncias que são a base do negócio são aquelas que explicam que o negócio seja aquilo que é». «Tratando‑se de um contrato são comuns, no sentido que para as partes são determinantes da conformação concreta do negócio»[41].
Diversamente, segundo Menezes Cordeiro[42], «ao referir “base do negócio”, este preceito [o cit. art. 252.º-2 do Código Civil] não tem em vista o instituto desse mesmo nome (Geschãftsgrundlage) tal como hoje é correntemente usado na literatura alemã». «O preceito em análise refere concretamente um erro na base do negócio: haverá, pois, na mens legis, uma realidade fáctica jurídica com essa designação»[43]. «A base do negócio será, então, uma representação duma das partes, conhecida pela outra e relativa a certa circunstância basilar atinente ao próprio contrato e que foi essencial para a decisão de contratar»[44].
Já para Carvalho Fernandes[45], «a base do negócio é constituída por aquelas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do conteúdo do negócio». «Ao celebrar certo negócio jurídico existem, como bem se compreende, várias circunstâncias, de facto ou de direito, que mais ou menos profundamente determinam as partes a praticar ou não praticar aquele acto e a fazê-lo com certo conteúdo»[46]. Trata-se de «circunstâncias que, ou determinaram ambas as partes ou que, sendo relativas a uma delas, a outra não poderia deixar de aceitar como condicionamento do negócio, sem violação dos princípios da boa fé»[47].
O S.T.J., em acórdão de 20.01.2000, escreveu que “a base do negócio serão as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, verificando-se erro sobre a base do negócio sempre que ocorra uma falsa representação dessas circunstâncias” [48].
Tudo ponderado, parece que tanto há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias passadas ou presentes, como quando ela recai sobre circunstâncias futuras, desde que, num caso e noutro, a decisão de contratar se tenha fundado em tais circunstâncias.
Note-se que Autores há — como Castro Mendes e Carvalho Fernandes — para quem o erro sobre a base do negócio tem de ser bilateral, isto é, tem de ser comum a ambas as partes. «Todavia, nada na lei exige a bilateralidade»[49]. «O erro é-o do declarante, recaindo embora sobre um elemento decisivo do contrato, conhecido pela outra parte (a qual, sobre ele, podia não ter qualquer opinião)[50]. «O declaratário (…) tem naturalmente de conhecer as circunstâncias que constituem a base do negócio; mas isso não quer dizer que deva conhecer a essencialidade dessas circunstâncias para o errante e, menos ainda, que deva pôr‑se de acordo com este sobre a existência de tal essencialidade»[51].
«Tão-pouco é necessário que as partes tenham explicitado quais as circunstâncias em que fundaram a decisão de contratar, e muito menos que lhes tenham concordantemente atribuído tal significado»[52]. «Basta que essas circunstâncias sejam objectivamente o pressuposto do negócio»[53].
«Pode efectivamente, embora não seja fenómeno de fácil ocorrência, uma só das partes estar em erro sobre um elemento comummente determinante da conformação do negócio». «Se isto puder acontecer, o erro não deixa de recair sobre a base do negócio e de ser unilateral». «Aplica-se então o art. 252.º/2»[54].
Atentemos nos factos.
Provado está que:
Foi nesse pressuposto e nessa convicção que aceitou outorgar o contrato promessa, adiantando à Ré, a título de sinal, a avultada quantia de 190.000,00€ (cento e noventa mil euros).
A factualidade apurada consubstancia uma situação do designado erro vício ou erro motivo, que, como visto, se traduz num erro na formação da vontade e do processo de decisão e que, como dito, existe quando ocorre uma falsa representação da realidade ou a ignorância de circunstâncias de facto ou de direito que intervieram nos motivos da declaração negocial, de modo que, se o declarante tivesse perfeito conhecimento das circunstâncias falsas ou inexactamente representadas, não teria realizado o negócio ou tê-lo-ia realizado em termos diferentes.
Impõe-se que, como referido supra, estejam preenchidos os seguintes dois requisitos: a essencialidade e a cognoscibilidade. Ou seja, é absolutamente relevante saber se o erro foi factor determinante da declaração negocial emitida – essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – e se o destinatário da declaração conhecia ou devia conhecer essa essencialidade.
Ou seja, a parte que errou tem, pois, para obter a anulação do negócio o ónus de demonstrar este duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro não o teria celebrado ou não o teria celebrado desse modo; e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era. De outro modo, se o negócio jurídico pudesse ser anulado por erro sobre uma qualquer qualidade do objecto, que fosse essencial para a parte que errou, mas cuja essencialidade fosse surpreendente ou imprevisível, a contraparte no negócio ficaria injusta e excessivamente desprotegida e daí que o art.º 247º do Cód. Civil imponha à parte que invoca o erro o ónus de alegar e demonstrar que, nas circunstâncias do negócio, a outra parte conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu era para ela essencial.
Assim, é patente que a demonstração dos factos integradores da essencialidade e respectiva cognoscibilidade - este duplo requisito necessário à obtenção da anulação do negócio - , por constituírem requisitos de relevância do erro e fundamento da anulabilidade do negócio (arts. 251.º e 247.º, ambos do CC), constitui ónus de quem invoca o erro (ut art. 342.º, n.º 1, do CC).
Foi assegurado ao Autor que as características do edifício lhe permitiriam explorá-lo nos termos acordados, vindo, porém, ulteriormente, a constatar que assim não era, pois, o alvará de utilização emitido pela Câmara Municipal lho não permitia. É que, como visto, a actividade de alojamento local não está dissociada da intervenção da entidade camarária, em termos de licenciamento prévio do edifício nos sobreditos termos, com respeito das normas legais e regulamentares vigentes, maxime do REGEU.
E provou-se que era essencial para Autor que as características do prédio, em termos da legalmente permitida exploração, se verificassem - pois o Autor “apenas subscreveu o contrato-promessa de compra e venda por estar convencido que o imóvel podia ser explorado como alojamento local, com seis unidades de alojamento, após proceder à alteração da sua autorização de utilização para habitação, alteração esse que lhe foi assegurado que seria um simples, dado que o imóvel reunia todas as condições para que tal autorização fosse concedida/deferida” (facto 25); e, outrossim, se provou que, à data da outorga do contrato promessa, “a ré não desconhecia que tal possibilidade” de utilização era “condição necessária para o autor aceitar o preço fixado e outorgar o contrato prometido” (facto 29).
Foi nessa convicção que o Autor, tendo em vista o financiamento da aquisição do imóvel, solicitou ao banco a concessão de um empréstimo.
Assim sendo (como nos parece ser), razão tem o Acórdão quando refere que “competia à vendedora, em conformidade com os ditames da boa fé, e perante o estado em que se encontra o imóvel após a realização da obras e utilização que era feita do mesmo, ter informado o Autor que não era possível legalizar o imóvel com uma licença para utilização como habitação com seis quartos e que não possuía licença que permitisse exercer a actividade de prestação de serviços de alojamento local.”. Ou seja, incumbia-lhe o “dever de elucidar, de forma transparente, o promitente comprador sobre as características e potencialidades do imóvel, factores que influenciaram directamente o preço ajustado e a vontade de comprar”.
A natureza do negócio, o processo negocial e o que foi apresentado ao Autor para comprar, impunha um esclarecimento sobre a impossibilidade de o imóvel ser então licenciado como habitação com seis quartos e não apenas com um quarto.
Como bem refere o Acórdão, “Na verdade, o imóvel com a afetação de “armazéns e atividade industrial”, tem um valor de mercado não superior a € 134.000,00, ou seja, um valor significativamente inferior ao valor estabelecido pelas partes de €420.000,00 com base na realidade que o Autor conheceu: um imóvel com seis suites, explorado com a prestação de serviços de alojamento temporário para turistas.
Esta realidade, insusceptível de ser legalizada, impediu a formação correcta da vontade de comprar do declarante e frustrou os seus desígnios de aquisição de um T6 para o rentabilizar como investimento (...).
Considerando o estado em que se encontrava o imóvel com seis quartos e a forma como estava a ser utilizado na actividade de prestação de serviços de alojamento temporário a turistas, a omissão de advertência do declarante sobre a inexistência de registo da moradia como alojamento local e da impossibilidade de ser obtida licença de utilização para uma tipologia T6 merece relevância para obter a anulabilidade do negócio”.
Note-se que era esta a realidade existente à data da outorga do contrato promessa de compra e venda. E para efeitos de anulação do negócio, é sobre essa realidade que temos de incidir, e não sobre qualquer outra realidade, hipotética ou até posteriormente possível, extravasante da convicção então firmada pelo Autor.
A declaração de anulação do negócio destrói os efeitos do negócio retroactivamente, determinando a restituição de tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente[56].
É, assim, anulável o contrato promessa nos termos peticionados e com as legais consequências: condenação da Ré a devolver ao Autor a quantia que recebeu a título de sinal, com juros desde a citação.
IV. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa
Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)
Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º Adjunto)
Abrantes Geraldes (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)
________
[1] LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, in Código De processo Civil Anotado, Volume 2º, 425/427.
[2] ANTUNES VARELA, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, pág. 95, e ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA in Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 533/534; e na jurisprudência, entre outros, o Ac. do STA de 12/03/2014, no proc. nº 0113/14.
[3] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 242.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I - Parte Geral e Processo de declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra, Almedina, 2018, p. 786.
[5] Destaque nosso.
[6] Que rezam assim:
5 – O agente imobiliário que mediou as negociações garantiu ao autor que o imóvel reunia as condições físicas para poder vir a ser explorado como alojamento local, com seis unidades de alojamento, no estado em que se encontrava, sendo, no entanto, necessário promover um procedimento administrativo simples na câmara municipal.
25- O autor apenas subscreveu o documento referido no ponto 8 - factos provados - por estar convencido de que o imóvel objeto do contrato promessa podia ser explorado como alojamento local, com seis unidades de alojamento, após proceder à alteração da sua autorização de utilização para habitação.
29- Quando subscreveu o documento referido no ponto 8 - factos provados-, a ré não desconhecia que o autor estava convencido de que o imóvel objeto do contrato-promessa podia ser explorado como alojamento local, após se proceder à alteração da sua autorização de utilização, sendo tal possibilidade condição necessária para o autor aceitar o preço fixado e outorgar o contrato prometido.
[7] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração - Artigos 1º a 702º, 2ª Edição, Almedina, págs. 32 e 33.
[8] Destaques nossos.
[9] Nº 5 deste artº 3º - os destaques são nossos.
[10] FERNANDA PAULA OLIVEIRA, DULCE LOPES e SANDRA PASSINHAS, Alojamento Local e Uso de Fracção Autónoma, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 36.
[11] Ob e loc. Cits.
[12] In Grande Enciclopédia do Conhecimento, vol 14, pp 2364.
[13] Cfr. engenhariacivil.com/dicionário. Ainda no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/sacada.
[14] Ver HENRIQUE MESQUITA, Anotação na Revista de Legislação e jurisprudência, n.º 128, páginas 151 e 152.
[15]Ac. STJ de 26-02-2004, in www.dgsi.pt, ref. 03B3498.
[16]- Cfr. Ac. STJ de 19.10.2004 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 04B3293.
[17]- No Acórdão do STJ de 16 de Abril de 2002 (in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 02A713) dá-se uma outra definição de erro: ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou que interveio entre os motivos da declaração negocial. O Acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2003 (in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03P3316), por sua vez, refere que o erro e a ignorância são figuras próximas, consubstanciando- se o primeiro na falsa concepção que uma pessoa tem sobre uma coisa e a segunda na pura falta de conhecimento.
[18]- A vontade negocial consiste na vontade de celebrar um negócio jurídico de conteúdo coincidente com o significado exterior da declaração.
[19]- Cfr. Ac. STJ de 16.04.2002 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 02A713.
[20]- No ensinamento de Mota Pinto (in Teoria Geral do Direito Civil, pp 500 e 506), os vícios da vontade traduzem‑se em perturbações do processo formativo desta, de tal modo que, embora seja coincidente com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados pelo Direito como ilegítimos.
[21]- Seguindo a terminologia de Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, 6.ª reimpressão, 1983, p. 233.
[22]- Algo decisivo na formação da vontade do declarante.
[23]- Cfr. Mota Pinto in op. cit., pp. 505 e 506.
[24]- Assim, no caso do erro vício há correspondência entre a vontade real e a declarada, mas aquela apenas se formou em consequência de erro: não fora este, o declarante não teria realizado o negócio, pelo menos nos termos em que o fez — nesse sentido vide Ac. STJ de 8.04.2003 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03A928; Ac. STJ de 21.06.2007 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 07B1815.
[25]- Nos Acórdãos do STJ de 3 de Outubro de 2006 e de 8 de Maio de 2007 (respectivamente in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 06A2497 e http://www.dgsi.pt/ processo n.º 07A1066) seguindo a lição do Prof. Castro Mendes, distinguem‑se cinco situações: erro essencial absoluto, erro essencial relativo, erro incidental, erro essencial parcial e erro acidental ou indiferente.
No primeiro caso, a vontade negocial (aquela que foi expressa pelo declarante no momento da celebração do negócio jurídico) quer o negócio, mas a vontade conjectural (aquela que teria sido expressa pelo declarante no momento da celebração do negócio jurídico, caso não estivesse em erro) nada quer; no segundo, a vontade negocial quer o negócio, mas a vontade conjectural queria outro, que não o celebrado; no terceiro, a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural também, mas com alterações de partes acessórias; no quarto, a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural também, mas com alteração de aspectos essenciais; no quinto, a vontade negocial e conjectural coincidem.
Nos dois primeiros casos, o negócio jurídico é plenamente anulável, enquanto no terceiro e no quarto a anulabilidade restringe-se à parte viciada, quando não seja possível operar a redução do negócio jurídico ao abrigo do artigo 292.º, por se concluir que o negócio não seria celebrado sem a parte viciada. Na quinta situação, o erro é irrelevante.
[26]- Cfr. Ac. STJ de 8.04.2003 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03A928; Ac. STJ de 3.10.2006 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 06A2497.
[27]- In http://www.dgsi.pt/ processo n.º 02A713.
[28]- Inocêncio Galvão Telles in "Manual dos Contratos em Geral", 4.ª ed., 2002, p. 95.
[29]- Inocêncio Galvão Telles ibidem.
[30]- I. Galvão Telles in "Manual…", cit., pp. 95‑96.
[31]- I. Galvão Telles in "Manual…", cit., p. 96.
[32]- I. Galvão Telles in "Manual…", cit., p. 96.
[33]- Rodrigues Bastos, in “Das Relações Jurídicas”, III, p. 100.
[34]- Cfr. Revista de Direito e Estudos Sociais, ano 13, T. 1, p. 5; cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., pp. 509/510.
[35]- “Tratado de Direito Civil Português”, T. I, pp. 538/539.
[36] Destaque nosso.
[37]- Ob. cit., p. 532.
[38]- Manual dos Contratos, p. 98.
[39]- "Direito Civil Teoria Geral", vol. III, "Relações e Situações Jurídicas", 2002, p. 186.
[40]- Ob. e vol. cits., p. 195.
[41]- Oliveira Ascensão, Ibidem.
[42]- "Tratado de Direito Civil Português", 1, Parte Geral, T. I, 2.ª ed., 2000, p. 622.
[43]- Ob. e loc. cits.
[44]- Menezes Cordeiro, ibidem.
[45]- "Teoria Geral do Direito Civil", vol. II, 2.ª ed., 1996, p. 137.
[46]- Carvalho Fernandes, ibidem.
[47]- Ibidem.
[48]- Col. Jur., ano VIII, T. I, p. 48.
[49]- Menezes Cordeiro, in ob., vol. e tomo cit., p. 622.
[50]- Menezes Cordeiro, ibidem.
[51]- Inocêncio Galvão Telles in "Manual…", cit., p. 99, nota 108.
Cfr., também no sentido de que, «diferentemente do que se passa no vulgar erro sobre os motivos (de cuja disciplina se ocupa o n.º 1 do cit. art. 252.º)], não é necessário que as partes tenham reconhecido, por acordo, a essencialidade das circunstâncias sobre que fundaram a decisão de contratar», sendo que «isto resulta da contraposição que no n.º 2 se faz ao n.º 1:"Se, porém…", Oliveira Ascensão (in "Direito CiviL." cit, vol. II, "Acções e Factos Jurídicos", 1999, p. 131).
No sentido de que, «para ser relevante o erro sobre as circunstâncias que constituem. a base do negócio, nos termos do n.º 2 do art. 252.º, não é necessário que as partes tenham reconhecido, por acordo, a essencialidade dessas circunstâncias como motivo determinante da declaração negocial da vontade», ver o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2/11/1977 (in BMJ n.º 271, p. 190).
[52]- Oliveira Ascensão in "Direito Civil…", cit., vol. II, cit., p. 131.
[53]- Oliveira Ascensão, ibidem.
[54]- Oliveira Ascensão in "Direito Civil…", cit., vol. III, p. 196.
Também no sentido de que «a raiz do problema está em erro que começa por ser e é determinante de uma das partes, embora o seu contexto venha a estender‑se à outra», pelo que «seria irrealista exigir a mesma carga de erro a ambas as partes e nada, legalmente, impõe uma essencialidade igual a ambas», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 22/2/1994 (in BMJ n.º 434, p. 603).
[55]- Inocêncio Galvão Telles, Manual, pp. 100 e 343.
No sentido de que «impõe-se (…) uma interpretação restritiva quanto à remissão, feita pelo artigo 252.º/2, para a alteração das circunstâncias», ver Menezes Cordeiro ("Tratado…" cit., Vol. e t. cits., p. 623). É que «esta, sendo superveniente, faculta a resolução do contrato ou a sua modificação segundo juízos de equidade — artigo 437.º/1» (ibidem). «Compreendesse-se: estando um contrato em curso de execução, não há que atingi-lo no passado (salvo quando a resolução a isso conduza) assim como não se exige atingi-lo in totum: as partes poderão ter investido já muito no seu cumprimento» (ibidem). Já «no erro sobre a base do negócio, porém, há que aplicar o regime comum do erro: a anulabilidade» (Menezes Cordeiro in ob., vol. e tomo citt., p. 624). «A situação ocorre já no momento da celebração do negócio; ela tem de comportar um prazo curto, para se sedimentar; há que admitir a confirmação; em suma: não se verificaram valores que requeiram consequências diferentes das normais para o erro» (ibidem).
Também no sentido de que, não obstante «o regime do erro sobre a base do negócio ser, por remissão do artigo 252.º, n.º 2, o dos artigos 437.º a 439.º» [sendo que «o art. 438.º não tem, contudo, aplicação, dado que a "alteração" (desconformidade) das circunstâncias se verifica no momento da celebração do contrato, em que necessariamente não pode haver mora»] — o que consequencia que «o negócio será anulável ou modificável nos seus termos "segundo juízos de equidade" (artigo 437.º), «a não ser de modificação, o caso é de anulação (visto que tem na sua base um vício inerente ao negócio, erro) e não de resolução como se lê no artigo 437.º — a aplicação do art. 437.º, n.º 1, à situação de erro, e não de error in futurum, leva a substituir a "resolução" de que fala o artigo 437.º, n.º 1, por "anulação"», ver Castro Mendes (in "Direito Civil (Teoria Geral) vol. III, 1973, pp. 170-171).
De igual modo, no sentido de que o sentido da remissão contida no n.º 2 do art. 252.º para os preceitos que regem sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento da sua conclusão (os arts. 437.º a 439.º do Cód. Civil) «carece de ser devidamente ponderado», por isso que «ela não pode significar, pura e simplesmente, a aplicação directa do regime fixado nestes preceitos, pois não faria sentido falar, no campo do erro, em resolução do contrato, como estabelece o art. 437.º, n.º 1», ver Carvalho Fernandes (in 'Teoria Geral…", cit., vol. II, p. 138). Segundo este Autor (in ob. e vol. cit., pp. 138-139), «o n.º 2 do art. 252.º pretende dizer que o erro sobre a base do negócio é relevante nos termos em que o seja a alteração de circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, salvo as diferenças específicas de cada uma destas figuras». «Assim, (…) da remissão contida no n.º 2 do art. 252.º resulta que o erro sobre a base do negócio é relevante, desde que: a) incida sobre circunstâncias "patentemente fundamentais" em que as partes fundaram a decisão de contratar; b) essas circunstâncias sejam comuns a ambas as partes; c) a manutenção do negócio, tal como foi celebrado, seja contrária à boa fé» (ibidem, p. 139). Quanto ao valor do negócio, nos casos em que o erro sobre a base do negócio seja relevante, também Carvalho Fernandes entende que «não pode (…) sustentar-se, nesta matéria, a aplicação directa do regime dos arts. 437.º a 439.º, ao erro sobre a base do negócio, por ela implicar a resolubilidade do negócio» (ibidem). Segundo este Autor (ibidem), «duas ordens de razões o impedem». «Por um lado, a hipótese contemplada no n.º 2 do art. 252.º (…) é de verdadeiro erro, ou seja, de vício contemporâneo da formação do acto». «Ora, a resolução é um instituto adequado à regulamentação de problemas resultantes de vicissitudes verificadas na vida do acto, logo supervenientes em relação ao momento da sua celebração» (ibidem). Diversamente, «no erro sobre a base do negócio está em causa o valor do acto no momento da sua celebração, ou seja, um vício genético do negócio, que, como é próprio de tais vícios, deve gerar uma invalidade» (ibidem). «Por outro lado, sem prejuízo das suas especialidades, o erro sobre a base do negócio é um vício na formação da vontade» (ibidem). «Assim, na falta de razões justificativas de desvios de regime, que, quanto a este ponto, não se descortinam, é razoável admitir uma solução ajustada ao tratamento comum deste tipo de vícios; ora, como já sabemos, isso impõe a anulabilidade do negócio» (ibidem).
Ainda no sentido de que, como o erro sobre a base do negócio «vicia o consentimento, o efeito não é a resolução mas a anulação», ver Oliveira Ascensão (in "Direito Civil Teoria Geral", cit., vol. III, p. 198). «O contrato é inválido desde o início, portanto não há que resolvê‑lo, há que fazer declarar essa invalidade» (ibidem, pp. 198‑199). Assim, portanto, segundo este Autor (ibidem., p. 199), «o contrato viciado por erro sobre a base do negócio é anulável e não nulo». «Isso resulta da analogia com todas as outras hipóteses de erro na formação da vontade» (ibidem).
[56]- Cfr. artigo 289.º do Código Civil.