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DIVÓRCIO
REGIME DE BENS
REGIME DE COMUNHÃO GERAL DE BENS
PARTILHA
BENS PRÓPRIOS
BENS COMUNS
Sumário
I) - O artº. 1790º do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº. 61/2008 de 31/10, é aplicável a todos os casamentos celebrados segundo o regime da comunhão geral de bens, mesmo aos celebrados em data anterior à sua entrada em vigor (1/12/2008), desde que, neste caso, subsistam nessa data. II) - Aquele preceito legal não altera o regime de bens a que se encontra sujeito o casamento celebrado, pelo que a partilha continua a fazer-se tratando como bens comuns aqueles que o são de acordo com esse regime. III) - A alteração legislativa que veio a ser introduzida no artº. 1790º do Código Civil apenas rege os termos da partilha, sem colidir com o regime de bens existente na permanência do vínculo matrimonial. Esta norma apenas define o que cada cônjuge pode receber na sequência da partilha, estabelecendo que cada um deles não pode haver mais do que receberia se o casamento tivesse sido realizado segundo o regime da comunhão de adquiridos, não alterando, contudo, o regime de bens existente, que se impõe ope legis. IV) - Não obstante o citado artº. 1790º determinar uma diminuição do património comum, no caso de divórcio, isso não significa que a imposição legal vá afectar os bens que entraram nesse património comum. Assim, estando o A. casado com a gerente da Ré no regime da comunhão geral de bens, quando no património comum ingressou o imóvel adquirido por via sucessória, aquela, mesmo após o divórcio, continua a ser titular do direito à meação nesse mesmo património. V) - Para efectuar a partilha aplicando a norma do artº. 1790º do Código Civil, uma vez apurado o valor que corresponde ao quinhão (meação) de cada um dos cônjuges nos bens comuns a partilhar, tem de se comparar esse valor com aquele que resultaria da sua partilha como se o regime de bens fosse a comunhão de adquiridos; para o efeito simula-se a partilha de acordo com este regime de bens, separando os bens que de acordo com esse regime seriam próprios e encontrando a hipotética quota (meação) de cada um dos cônjuges nos bens que mesmo nesse regime seriam comuns; finalmente, comparando os valores apurados na partilha segundo o regime efectivo e na partilha segundo o regime hipotético, caso aquele valor exceda este, deverá ser reduzido a este valor, aumentando correspondentemente a quota do outro cônjuge, procedendo-se então ao preenchimento dos quinhões.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Arq. A. E. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X, Lda.,pedindo que:
a) se declare que o A. A. E. é o proprietário exclusivo e legítimo possuidor da fracção “A” identificada no artº. 2º da petição inicial, por a ter herdado de seus pais e estar divorciado da sua ex-mulher M. C. com quem casara no regime de comunhão de bens;
b) se declare que a detenção da Ré sobre esta fracção “A” é ilegal, sem título e de má fé;
c) se condene a Ré X, Ldª. a:
1. reconhecer que o A. A. E. é o proprietário exclusivo e legítimo possuidor da fracção “A” identificada no artº. 2º da petição inicial e que é objecto desta acção;
2. desocupar e entregar ao A. esta fracção “A” descrita no artº. 2º da petição inicial, livre de pessoas e bens, no mesmo bom estado de conservação em que a Ré a recebeu;
3. receber a quantia que lhe for devida por eventuais benfeitorias necessárias e úteis com base no enriquecimento sem justa causa, dando-se a compensação na parte correspondente com o montante de indemnização devido ao A. pelo atraso na entrega da fracção pela Ré e com o montante que for devido ao A. por virtude das deteriorações praticadas pela Ré na sobredita fracção “A”;
d) reconhecer que não tem direito a receber qualquer valor pelas benfeitorias voluptuárias que tenha feito na fracção “A” cujo levantamento não evite o detrimento predial;
e) indemnizar o A. na quantia diária de € 41,67 por cada dia em que a Ré tem ocupado e ocupe abusiva e ilegalmente a fracção “A”, a contar do dia seguinte ao dia 29 de Fevereiro de 2020, o que perfaz já a quantia de € 1.375,10 de indemnização a ser paga ao A. desde 1 de Março de 2020, data em que a Ré a devia ter entregue ao A., livre e devoluta de pessoas e bens, até ao dia da entrega definitiva da fracção ao A., no mesmo estado de conservação e configuração em que a mesma se encontrava aquando do início da ocupação pela Ré, acrescida de juros moratórios vincendos, à taxa legal, desde a data da citação da Ré até integral e efectivo pagamento;
f) a reparar/reconstruir na íntegra as instalações da fracção “A”, reparando todos os danos e deteriorações que a fracção padeça à data da entrega das respectivas chaves ao A., no prazo máximo de três meses a contar do trânsito em julgado da sentença;
g) ver estabelecido o pagamento a favor do A. de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 350,00 por cada dia de incumprimento, para além do trânsito em julgado da sentença.
Para tanto alega, em síntese, que após a morte da sua mãe em 12/08/2007 ficou a ser o proprietário pleno da fracção autónoma identificada no artº. 2º da petição inicial, atento o disposto no artº. 1476º, nº. 1 e por força, igualmente, do teor dos artºs 1790º e 1722º todos do Código Civil.
Além da aquisição derivada, alega, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), por parte do A., do direito de propriedade sobre a aludida fracção tal como se encontra identificada na petição inicial.
Apesar do A. ter casado no regime de comunhão geral de bens com M. C., porque ambos se divorciaram (conforme sentença proferida em 24/04/2018 e transitada em julgado em 25/05/2018), por força do disposto nos artºs 1790º e 1722º do Código Civil, esta fracção “A” é propriedade única, exclusiva do A., por ser um bem próprio dele, que lhe foi adjudicado na escritura de partilhas por óbito de seu pai.
Em 23/09/2009 foi registada a constituição da sociedade Ré, com o objecto social, além de outros, da produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares.
Durante a vigência do casamento, o A. disponibilizou gratuitamente esta fracção para a Ré nela instalar e explorar um supermercado, com a obrigação de a restituir ao proprietário logo que este solicitasse a devolução, tendo tal empréstimo das instalações sido feito sem convenção de prazo para a restituição das instalações, o que representa ter havido um comodato do A. a favor da Ré.
No decurso da ocupação gratuita da fracção “A” pela Ré, esta executou na mesma as obras e alterações descritas no artº. 20º da petição inicial.
Mais alega que a Ré, não obstante ter sido devidamente notificada em 5/02/2020 (através de notificação judicial avulsa) para proceder à restituição desta fracção “A” ao requerente, livre e devoluta de pessoas e bens, no dia 29 de Fevereiro de 2020, recusa-se a entregar a fracção e as respectivas chaves ao A., detendo-a e ocupando-a abusiva e ilegitimamente, o que está a causar prejuízos ao A., pelo que está a Ré obrigada a indemnizar aquele por cada dia que, desde a data de 1/03/2020, continuar a ocupar as instalações do A., sem o consentimento nem autorização deste, e até à data em que lhe faça a entrega definitiva da fracção, livre de pessoas e bens, no mesmo bom estado de conservação e tal como a recebeu, bem como pelo rendimento que o A. deixou de auferir por não dispor da fracção que é sua.
A Ré contestou, impugnando a subsunção jurídica efectuada pelo A. e que serviu de base às suas pretensões, alegando que, quando a fracção autónoma em causa foi adquirida pelo A. por via sucessória (mais concretamente, por óbito de seu pais) - a respectiva raiz a 26/05/2000 e o usufruto a 12/08/2007 -, aquele encontrava-se casado com M. C. sob o regime da comunhão geral de bens (pois o seu matrimónio vigorou de 22/08/1987 a 25/05/2018), o que significa que tal imóvel ingressou no património comum do casal.
Invocou a existência de causa prejudicial, argumentando que apesar de divorciados, o A. e a referida M. C. ainda não procederam à partilha subsequente ao divórcio, encontrando-se ainda a correr o respectivo processo de inventário, no Juízo de Competência Genérica de Melgaço, com o nº. 50/18.0T8MLG, onde a referida fracção foi relacionada como bem comum do casal, sendo as duas quotas da Ré no valor de € 2.500,00 cada (uma titulada pelo A. e outra pela sua ex-cônjuge M. C.) também bem comum do casal e como tal foram relacionadas no referido inventário, pelo que importa apurar se a dita fracção autónoma e as quotas da Ré são adjudicadas a cônjuges diferentes ou ao A., o que a suceder, torna o presente processo absolutamente inútil.
Neste contexto, requereu a suspensão da presente acção até se decidir a partilha dos bens comuns do extinto casal composto pelo A. e pela referida M. C., mais concretamente da fracção autónoma em discussão e das duas quotas de Ré, no aludido processo de inventário nº. 50/18.0T8MLG.
Invocou, também, a falta de prazo do alegado comodato da fracção, o abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium e a má fé por parte do A., bem como o facto de ser titular do direito de retenção sobre a fracção autónoma identificada nos autos enquanto não lhe for pago o crédito resultante das benfeitorias que nela executou de boa fé e que lhe custaram a quantia de € 81.916,89, impugnando os restantes factos alegados pelo Autor.
A Ré deduziu ainda reconvenção, no caso de procedência da acção, alegando, em síntese, que executou, de boa-fé, na fracção autónoma em causa benfeitorias necessárias, ou pelo menos úteis, no valor de € 81.916,79, ou outro que o Tribunal vier a fixar, que não podem ser removidas da mesma sem detrimento da coisa, e enquanto tal montante ou outro que o Tribunal vier a fixar não for pago à Ré, assiste-lhe o direito de retenção sobre aquela fracção autónoma.
Conclui, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pelo A., ou caso assim não se entenda, peticionando que:
a) seja reconhecido o direito de retenção da Ré sobre a fracção autónoma identificada no artº. 2º da petição inicial, enquanto não lhe for pago o crédito que detém sobre o A. no valor de € 81.916,79 ou outro que o Tribunal vier a fixar, pelas benfeitorias nela realizadas;
Em reconvenção:
b) seja o A. condenado a pagar à Ré reconvinte a quantia de € 81.916,79 ou outra que o Tribunal vier a fixar, a título de indemnização pelas benfeitorias por esta executadas na aludida fracção autónoma;
c) seja reconhecido o direito de retenção da Ré sobre a fracção autónoma, enquanto não lhe for pago o crédito que detém sobre o A. no valor de € 81.916,79 ou outro que o Tribunal vier a fixar, pelas benfeitorias nela realizadas.
O A. veio responder às excepções deduzidas pela Ré, mais concretamente sobre a interpretação do artº. 1790º do Código Civil, a existência de causa prejudicial, a falta de prazo do comodato, o abuso de direito e a má fé e o direito de retenção sobre a fracção.
Realizou-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, no qual foi admitida a reconvenção, se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, e foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido principal deduzido na al. a) do pedido final, absolvendo a Ré do mesmo, e considerando prejudicada por tal improcedência a apreciação dos restantes pedidos. Mais se decidiu declarar extinta a instância reconvencional por inutilidadesuperveniente da lide.
Inconformado com tal decisão, o Autor dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1) O Recorrente está divorciado da gerente da sociedade X, Ldª., ainda não tendo sido realizadas as partilhas dos bens comuns do casal;
2) O Recorrente A. E. herdou por morte de seus pais a fração imobiliária designada pela letra “A” identificada no artigo 2º da petição inicial;
3) O casamento do Recorrente com M. C. dissolveu-se por divórcio, por sentença de 24-04-2018 transitada em julgado na data de 25-05-2018;
4) O artigo 1790º do Código Civil diz que, em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos;
5) O artigo 1722º do Código Civil, aplicável ao regime de comunhão de adquiridos, estabelece, no seu ponto 1 al. b) que são considerados bens próprios dos cônjuges os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação;
6) Esta fração “A” apesar do Recorrente ter casado no regime de comunhão geral de bens com M. C., por virtude dos efeitos do divórcio é um bem próprio do Recorrente, por esta fração lhe ter sido adjudicada na escritura de partilhas por óbito de seu pai e morte da sua mãe;
7) O dispositivo deste artigo 1790º, nada tem a ver com a partilha, pois a partilha de cônjuges divorciados é a partilha de bens comuns do casal e nunca a partilha de bens considerados bens próprios de cada um dos cônjuges;
8) Não é o momento da partilha que decide a não inclusão de bens recebidos por doação ou sucessão de um dos cônjuges nessa mesma partilha, mas sim, o divórcio transitado em julgado;
9) O artigo 1789º do Código Civil, no seu número 1 diz que “os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença… “,
10) O artigo 1734º do código Civil diz que são aplicáveis à comunhão geral de bens, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à comunhão de adquiridos e
11) O artigo 1722º do Código Civil relativo a bens próprios no regime de comunhão de adquiridos diz no seu número 1, alínea b) que “São considerados bens próprios dos cônjuges os bens que lhe advierem depois do casamento por sucessão ou doação”, os quais se interligam com
12) o artigo 1790º do Código Civil que diz que “Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos”;
13) Um casal divorciado não pode incluir na partilha bens obtidos por qualquer um dos cônjuges divorciados por efeito de sucessão ou doação, tal como dispõem os artigos 1734º e 1722º do Código Civil.
14) Não é uma partilha de bens comuns do casal formado pelo Recorrente e sua ex-mulher que decide a qualidade de bem próprio do bem, mas é sim o divórcio do qual resulta que os bens doados ou herdados por um dos cônjuges, não pode ser objeto de qualquer partilha de bens comuns.
15) Tal como deriva do princípio geral contido no artigo 1788º do CC., o divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, acrescentando o artigo 1789º que os efeitos do divórcio se produzem a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença.
16) Só depois de dissolvido um divórcio é que há partilha dos bens, e aquando dessa partilha, já não existe regime de comunhão de bens, pois o mesmo cessou com o divórcio e a partilha decorre exatamente dessa dissolução do casamento – tal qual só há partilha de bens sucessórios quando há de cujus, ou seja Recorrente da herança, ou seja pré-falecido.
17) O valor da meação de cada cônjuge no património comum será o valor apurado de acordo com o regime da comunhão de adquiridos e, para esse efeito, não podem entrar os bens herdados ou doados a um dos ex-cônjuges divorciados;
18) No caso concreto, tendo a ação sido proposta contra a sociedade X, Lda. de que a ex-mulher é a gerente de facto e de direito, a improcedência da ação é geradora de uma situação de abuso de direito, sabendo-se que este bem não irá ser partilhado entre os cônjuges, porque a entrada no património do Recorrente, foi pelo efeito sucessório decorrente de herança dos seus pais.
19) A senhora Juíza a quo, na decisão que proferiu, violou o disposto nos artigos 1722º, 1734º. 1788º, 1789º e 1790º do Código Civil.
Termina entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente com as consequências legais.
A Ré apresentou contra-alegações, pretendendo que seja negado provimento ao recurso, com as legais consequências.
O recurso foi admitido por despacho de 12/07/2021 (refª. 47241921).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.
Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo A., delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à questão de saber quais são os efeitos do divórcio havido entre o A./recorrente e a sua ex-mulher, que é a gerente da Ré/recorrida, com referência à fracção autónoma herdada pelo recorrente.
Na sentença recorrida foram considerados provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos [transcrição]:
1.1. Na Rua ... nº. …, da União das Freguesias de … e …, concelho de … - … existe um prédio urbano de 3 pisos, composto de rés-do-chão, primeiro, segundo andar e águas furtadas destinado a comércio e habitação, constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo nº. … e com o valor patrimonial de €139.995,18 determinado no ano de 2019 - doc. 1 junto com a p.i.. 1.2. Neste prédio existe a fracção autónoma designada pela letra “A” constituída por uma loja destinada a comércio, inscrito na matriz urbana da União das Freguesias de … e … sob o artigo nº …-A, descrito na Conservatória do Registo Predial de … com a descrição …/20000331-A (doc. 2). 1.3. O acesso à fração autónoma “A” deste prédio constituído em propriedade horizontal é feito pela entrada número … da Rua ..., nº. …. 1.4. Esta fração autónoma designada pela letra “A” corresponde ao rés-do-chão, tem a área de 250m2, destina-se a comércio, tem duas divisões e foi adjudicada ao Autor por escritura de partilhas por óbito de seu pai M. E. lavrada de folhas 37 a 49v do Livro de Notas para Escrituras Diversas número 48-E, na data de 26-05-2000, a raiz e nua propriedade desta fracção (doc. 3). 1.5. Nesta partilha, a, também, interessada na herança mãe do Autor e viúva do autor da herança, de nome M. F., adjudicou o usufruto vitalício desta fração (doc. 3). 1.6. A mãe do Autor, M. F., veio a falecer no estado de viúva, no dia de - de agosto de 2007, (doc. 4), data a partir da qual, se extinguiu o usufruto que ela tinha sobre o prédio. 1.7. O Autor casou com M. C. na data de 22 de Agosto de 1987, com convenção antenupcial no regime de comunhão geral de bens conforme assento de casamento nº. .. do ano de 2013 da Conservatória do Registo Civil de … (doc. 5 e 6). 1.8. O casamento do Autor com M. C. veio, posteriormente, a dissolver-se por divórcio, conforme sentença proferida no dia 24-04-2018 no processo número 50/18 que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo de Competência Genérica de Melgaço, tendo a sentença proferida no processo, transitado em julgado na data de 25-05-2018 (doc. 7). 1.9. Em 23 de novembro de 2009 foi registada pela apresentação 68/20091123 a constituição da sociedade Ré, com o objeto social, além de outros, da produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares, e como sócios o ora A. e a sua então mulher M. C. (doc. 8), pertencendo a esta última a gerência.
*
Apreciando e decidindo.
Insurge-se o A., ora recorrente, contra a sentença que julgou improcedente o pedido principal deduzido na al. a) do petitório, absolvendo a Ré do mesmo e considerando prejudicada por tal improcedência a apreciação dos restantes pedidos, limitando-se basicamente a repetir os argumentos que havia expendido na petição inicial e alegando que:
- por força do regime instituído no artº. 1790º do Código Civil, a fracção autónoma em discussão, nas partilhas de bens do ex-casal, tem sempre que ser considerada propriedade do recorrente e não entrará na partilha dos bens comuns, pois os efeitos patrimoniais entre os cônjuges terminaram com o divórcio e o citado artº. 1790º é expresso em estatuir imperativamente que nenhum cônjuge poderá receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos;
- como tal, os bens herdados não integram nem podem integrar o acervo a partilhar, pois bastaria uma sobreavaliação ou uma subavaliação desses bens herdados ou doados para, através dessa via, fazer distorcer o valor real dos bens comuns, em prejuízo de um dos cônjuges na sua meação;
- por esse motivo, o valor da meação de cada cônjuge no património comum será o valor apurado de acordo com o regime da comunhão de adquiridos e, para esse efeito, não podem entrar os bens herdados ou doados a um dos ex-cônjuges divorciados.
Para além disso, acrescenta que, no caso concreto, tendo a acção sido proposta contra a sociedade X, Ldª. de que a ex-mulher é a gerente de facto e de direito, estar-se-ia perante uma situação de abuso de direito, sabendo-se que este bem não irá ser partilhado entre os cônjuges, porque a entrada no património do recorrente foi pelo efeito sucessório decorrente de herança dos seus pais.
Porém, salvo melhor opinião, entendemos que não lhe assiste razão.
Com efeito, não é pelo facto do recorrente se ter divorciado de M. C., com quem casou no regime da comunhão geral de bens, que a fracção autónoma “A” que herdou por óbito de seus pais, na pendência do matrimónio, passa, automaticamente e sem partilha subsequente a divórcio, de bem comum a bem próprio.
Tal entendimento e pretensão do recorrente não tem correspondência com o preceituado nos artºs 1790º e 1722º do Código Civil por ele invocados, ao contrário daquilo que pretende fazer crer nas suas alegações.
Com efeito, estabelece o citado artº. 1790º do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº. 61/2008 de 31/10, que “Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos”.
Por sua vez, o artº. 1722º, nº. 1, al. b) do Código Civil, aplicável ao regime de comunhão de adquiridos, estabelece que são considerados bens próprios dos cônjuges “os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação”.
Assim, para se aferir quais os bens a relacionar no inventário para partilha do património comum do ex-casal, é determinante o regime de bens em vigor no casamento. Aquilo que os cônjuges podem ou não receber integra uma fase posterior, estruturada em regras próprias, nomeadamente, no citado artº. 1790º do Código Civil.
No caso em apreço, estando assente que o regime de bens do casamento era o da comunhão geral, preceitua o artº. 1732º do Código Civil que o património comum do casal é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, exceptuados os casos previstos na lei.
O caso “sub judice” não se integra em nenhuma situação excepcional, designadamente nas previstas no artº. 1733º do mesmo Código, não podendo confundir-se o regime de bens do casamento, imperativamente imposto, para o que ao caso importa, no citado artº. 1732º, com a parte que cada cônjuge possa haver na sequência da partilha, conforme o preceituado no mencionado artº. 1790º do Código Civil.
A norma do artº. 1790º do Código Civil, tal como sucedia anteriormente à redacção actual, não visa alterar o regime de bens do casamento. Este preceito, tal como sucedia antes da alteração, não modifica o regime de bens pré-existente e que, no caso em apreço, estabelece, na forma apontada, a comunhão de todos os bens dos cônjuges, inclusive os bens que advieram a um deles na constância do casamento por sucessão ou doação.
A alteração legislativa que veio a ser introduzida no citado artº. 1790º do Código Civil apenas rege os termos da partilha, sem colidir com o regime de bens existente na permanência do vínculo matrimonial. Esta norma apenas define o que cada cônjuge pode receber na sequência da partilha, estabelecendo que cada um deles não pode haver mais do que receberia se o casamento tivesse sido realizado segundo o regime da comunhão de adquiridos, não alterando, contudo, o regime de bens existente, que se impõe ope legis.
Neste sentido se pronunciou o acórdão da RP de 6/02/2014, proferido no processo nº. 124/10.6TBOAZ (disponível em www.dgsi.pt), segundo o qual “o artº. 1790º do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº. 61/2008 de 31/10, não altera o regime de bens a que se encontra sujeito o casamento celebrado, pelo que a partilha continua a fazer-se tratando como bens comuns aqueles que de acordo com esse regime o são”.
Referindo-se, ainda, naquele aresto o seguinte: “O que o cônjuge não pode é receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido realizado segundo a comunhão de adquiridos. (…) Definida a comunicabilidade ou a comunhão, em função do regime de bens adoptado pelos cônjuges, a vigorar na pendência do casamento, e definido, por imperativo legal, o regime de bens, este não se altera em virtude de ocorrer o divórcio. Apenas a partilha se efectuará no sentido de os cônjuges não receberem mais do que receberiam se o regime fosse o da comunhão de adquiridos.”
Concluindo mais adiante que “Os bens que até ao momento do divórcio faziam parte da comunhão de bens, mantiveram essa natureza jurídica, não a alteraram ainda que se o regime de bens tivesse sido o da comunhão de adquiridos eles viessem a ser bens próprios de um dos cônjuges e não bens comuns do casal. Como bens comuns estão sujeitos a partilha e a todas as operações próprias do processo de inventário, designadamente as licitações e o modo de compor os quinhões de cada um dos ex-cônjuges.”
Este entendimento expresso no acórdão da Relação do Porto supra citado, que aqui acolhemos, vai na esteira do que se decidiu no acórdão da RC de 25/10/2011 (proc. nº. 349/10.4TBGVA, disponível em www.dgsi.pt), no qual se refere que, não obstante o citado artº. 1790º determinar uma diminuição do património comum, no caso de divórcio, isso não significa que a imposição legal vá afectar os bens que entraram nesse património comum.
Assim, uma vez que o A./recorrente estava casado com a referida M. C. no regime da comunhão geral de bens, quando no património comum ingressou o imóvel adquirido por via sucessória, aquela, mesmo após o divórcio, continua a ser titular do direito à meação nesse mesmo património.
Escreve-se no mencionado aresto da Relação de Coimbra que «Quando a lei (art. 1790º) diz que nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos, não está a querer dizer que, se o regime de bens do casamento foi o da comunhão, há que considerar, para efeitos de partilha, que o regime que vigorou foi o da comunhão de adquiridos. O regime de bens não é de forma alguma alterado. O uso do advérbio “mais” inculca nitidamente que o legislador teve em vista estabelecer o princípio de que os cônjuges não podem receber maior valor do que lhes caberia receber se o casamento tivesse sido contraído sob o regime de comunhão de adquiridos, e não subtrair da comunhão da massa de bens comuns os bens que cada um levou para o casamento ou adquiriu, na constância deste, a título gratuito. (…) o art. 1790º não determina a substituição do regime da comunhão de bens pelo da comunhão de adquiridos: o regime de bens estabelecido continua em vigor até à partilha do património comum. E daí a relacionação de todos os bens, seja qual for a sua proveniência.»
Importa referir que, quanto à interpretação da norma constante do artº. 1790º do Código Civil, a sentença sob escrutínio seguiu de perto a jurisprudência constante do acórdão do STJ de 26/03/2019, proferido no processo nº. 199/10.8TMLSB-C (disponível em www.dgsi.pt), que aqui também sufragamos, e que pela sua relevância passamos a citar:
«O art. 1790º do CC, na redacção da Lei n.º 61/2008, de 31-10, é aplicável a todos os casamentos celebrados segundo o regime da comunhão geral de bens, mesmo aos celebrados em data anterior à sua entrada em vigor (01-12-2008), desde que, neste caso, subsistam nessa data.
(…)
É pacífico que os ex-cônjuges celebraram o seu casamento segundo o regime da comunhão geral de bens.
Nos termos do art.º 1732º do Código Civil “[s]e o regime de bens adoptado pelos cônjuges for o da comunhão geral de bens, o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei.”
Não se mostra tratar-se, no presente caso, de qualquer caso de incomunicabilidade, nomeadamente dos previstos no art.º 1733º do mesmo Código.
Portanto, todos os bens relacionados integram o património comum e, como tal, devem ser partilhados.
Este regime de bens do casamento, escolhido pelos cônjuges na convenção antenupcial e estabelecido no citado art.º 1732º, não é alterado pelo preceituado no aludido art.º 1790º.
Tal como sucedia anteriormente à sua actual redacção, esta norma não visa alterar o regime de bens do casamento.
A mesma norma só veio alterar os termos em que deve proceder-se à partilha, sem colidir com o regime de bens pré-existente no casamento. Ela apenas define o que cada cônjuge pode receber na partilha, em caso de divórcio, estabelecendo que cada um dos ex-cônjuges não pode haver mais do que receberia se o casamento tivesse sido realizado segundo o regime da comunhão de adquiridos. Não altera, como é óbvio, o regime de bens do casamento, o qual se impõe ope legis(neste sentido, entre outros, cfr. acórdãos do STJ de 7/06/2018, proc. n.º 2159/10.0TBOAZ-A, da RP de 6/02/2014, proc. n.º 124/10.6TBOAZ, da RC de 25/10/2011, proc. n.º 349/10.4TBGVA e da RG de 12/01/2017, proc. n.º 91/15.0T8BRG, este último também relatado pela aqui relatora, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Tal como antes, o art.º 1790º, na sua actual redacção, não se preocupa com a determinação do acervo dos bens a partilhar, mas com o resultado a que se chega finda a partilha.
Ainda que face à anterior redacção, a este propósito, escreveram Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, Vol. IV, 2.ª edição revista, Coimbra Editora, 1992, pág. 562):
“Seja qual for o regime de bens convencionado ou aplicado por força da lei, esse cônjuge não pode receber na partilha mais do que lhe pertenceria, se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.
A sanção prescrita na lei não significa que o regime aplicável à partilha seja necessariamente o da comunhão de adquiridos.
O que importa, na correcta aplicação da lei e do pensamento legislativo, é confrontar o resultado que advém para o cônjuge declarado único ou principal culpado da aplicação do regime convencionado ou legalmente fixado com o que se obteria mediante a aplicação do regime da comunhão de adquiridos.
Porque só no caso de o primeiro ser mais favorável à sua posição do que o segundo é que a lei manda aplicar este último.”
A mesma ideia está na base do que escreveram Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (in Curso de Direito da Família, vol. I, 2.ª ed., pág. 66):
“(…) cabe referir que o art. 1790º, quando tenha aplicação, não implica a substituição do regime da comunhão geral pelo da comunhão de adquiridos. Não pode pois o cônjuge declarado inocente ou menos culpado na sentença pedir a inscrição a seu favor dos bens que levou para o casamento ou depois lhe advieram por herança ou doação com base em certidão da sentença de divórcio proferida naqueles termos. Tendo sido estipulado o regime da comunhão geral, esses bens entraram na comunhão e nela permanecem até à partilha; só depois desta poderá saber-se a quem ficarão a pertencer.”
Estamos ainda na fase processual do relacionamento dos bens.
Para já, importa definir os bens que devem ser relacionados.
Na fase processual em que nos encontramos, importa determinar quais os bens a relacionar e, para tanto, é determinante o regime de bens em vigor no casamento. O que cada um dos cônjuges pode receber é determinado posteriormente.
Assente que o regime de bens vigente era o da comunhão geral de bens, o citado art.º 1732º diz que o património do casal é constituído por todos os bens dos cônjuges, exceptuados os casos previstos na lei, como já se referiu.
Os bens que faziam parte da comunhão mantiveram essa natureza jurídica, sem poder ser alterada.
Como bens comuns, estão sujeitos a partilha e a todas as operações próprias do processo de inventário, designadamente às licitações e o modo de compor os quinhões de cada um dos ex-cônjuges.
Mas, para isso, terão de ser relacionados como tal.
A partilha surge num momento posterior e é nela, como se depreende da própria epígrafe, que tem aplicação o aludido art.º 1790º.
De qualquer modo e porque constitui objecto do recurso, sempre se dirá:
Esta norma não modifica o regime de bens pré-existente e, no caso em apreço, estabelece a comunhão de todos os bens dos cônjuges, inclusive, os bens doados apenas a um deles na constância do casamento.
A alteração legislativa apenas rege para os termos da partilha, sem colidir com o regime de bens vigente na constância do matrimónio.
Definido o regime de bens, este não se altera em virtude de ocorrer o divórcio.
Apenas a partilha se efectuará no sentido de os cônjuges não receberem mais do que receberiam se o regime fosse o da comunhão de adquiridos.
Sem prejuízo da oportuna aplicação do preceituado no citado art.º 1790º, o regime da comunhão geral de bens mantém-se.
Nesse aspecto não se alterou a solução que vinha da legislação anterior, que, segundo Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (in obra e local citados), retomando a citação, se caracterizava por, nos casos em que o regime era o da comunhão geral, os bens comuns “entraram na comunhão e nela permanecem até à partilha; só depois desta poderá saber-se a quem ficarão a pertencer. A lei não exige que na partilha o cônjuge declarado inocente ou menos culpado seja encabeçado nos bens que levou para o casamento ou depois lhe advieram por doação ou herança, como aconteceria se o regime de bens estipulado fosse o da comunhão de adquiridos; só quer que o outro cônjuge não receba na partilha mais do que receberia se tivesse sido convencionado esse regime. Não lhe importam os bens em espécie, mas só seu valor”.
A alteração verificada foi no sentido da generalização da solução a todos os casos de divórcio, e não apenas aos casos em que um dos cônjuges viesse a ser declarado único ou principal culpado da ruptura da vida conjugal, e a ampliação do âmbito da restrição a ambos os cônjuges e não apenas ao cônjuge sobre o qual recaísse aquele juízo de culpa.
Do que se deixou dito e do disposto no art.º 1790º do Código Civil resulta, assim, o seguinte: “a partilha continua a fazer-se segundo o regime da comunhão de bens aplicável ao casamento dissolvido; os bens comuns mantêm essa natureza e para efeitos de operações da partilha deverão ser tratados como tal; apurado o valor que corresponde ao quinhão (meação) de cada um dos cônjuges nos bens comuns a partilhar tem de se comparar esse valor com aquele que resultaria da sua partilha como se o regime de bens fosse a comunhão de adquiridos; para o efeito tem de se simular a partilha de acordo com este regime de bens, separando os bens que de acordo com esse regime seriam próprios e encontrando a hipotética quota (meação) de cada um dos cônjuges nos bens que mesmo nesse regime seriam comuns; finalmente, comparando os valores apurados na partilha segundo o regime efectivo e na partilha segundo o regime hipotético, caso aquele valor exceda este, deverá ser reduzido a este valor, aumentando correspondentemente a quota do outro cônjuge, procedendo-se então ao preenchimento dos quinhões”(cfr. acórdão da RP de 6/02/2014 acima referido).»
No caso em análise, sem prejuízo da oportuna aplicação do preceituado no artº. 1790º do Código Civil, o regime de comunhão geral de bens mantém-se. Consequentemente, a fracção autónoma em causa nos presentes autos constitui um bem comum do dissolvido casal, não podendo por isso, o recorrente ver satisfeita a sua pretensão no sentido de ser reconhecido que é proprietário exclusivo da fracção autónoma identificada no artº. 2º da petição inicial.
Pretensão essa que não é sustentada na lei, na doutrina e na jurisprudência, mormente no artº. 1790º do Código Civil e na interpretação que dele é feita, pelo que bem andou o Tribunal “a quo” ao julgar a presente acção improcedente, o que, de resto, vai ao encontro do que está previsto na lei e decorre do que é pacificamente defendido pela doutrina e jurisprudência supra citadas.
Assim, não merecendo a sentença recorrida qualquer censura, terá de improceder o recurso interposto pelo Autor.
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SUMÁRIO:
I) - O artº. 1790º do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº. 61/2008 de 31/10, é aplicável a todos os casamentos celebrados segundo o regime da comunhão geral de bens, mesmo aos celebrados em data anterior à sua entrada em vigor (1/12/2008), desde que, neste caso, subsistam nessa data.
II) - Aquele preceito legal não altera o regime de bens a que se encontra sujeito o casamento celebrado, pelo que a partilha continua a fazer-se tratando como bens comuns aqueles que o são de acordo com esse regime.
III) - A alteração legislativa que veio a ser introduzida no artº. 1790º do Código Civil apenas rege os termos da partilha, sem colidir com o regime de bens existente na permanência do vínculo matrimonial. Esta norma apenas define o que cada cônjuge pode receber na sequência da partilha, estabelecendo que cada um deles não pode haver mais do que receberia se o casamento tivesse sido realizado segundo o regime da comunhão de adquiridos, não alterando, contudo, o regime de bens existente, que se impõe ope legis.
IV) - Não obstante o citado artº. 1790º determinar uma diminuição do património comum, no caso de divórcio, isso não significa que a imposição legal vá afectar os bens que entraram nesse património comum. Assim, estando o A. casado com a gerente da Ré no regime da comunhão geral de bens, quando no património comum ingressou o imóvel adquirido por via sucessória, aquela, mesmo após o divórcio, continua a ser titular do direito à meação nesse mesmo património.
V) - Para efectuar a partilha aplicando a norma do artº. 1790º do Código Civil, uma vez apurado o valor que corresponde ao quinhão (meação) de cada um dos cônjuges nos bens comuns a partilhar, tem de se comparar esse valor com aquele que resultaria da sua partilha como se o regime de bens fosse a comunhão de adquiridos; para o efeito simula-se a partilha de acordo com este regime de bens, separando os bens que de acordo com esse regime seriam próprios e encontrando a hipotética quota (meação) de cada um dos cônjuges nos bens que mesmo nesse regime seriam comuns; finalmente, comparando os valores apurados na partilha segundo o regime efectivo e na partilha segundo o regime hipotético, caso aquele valor exceda este, deverá ser reduzido a este valor, aumentando correspondentemente a quota do outro cônjuge, procedendo-se então ao preenchimento dos quinhões.
III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor Arq. A. E. e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Guimarães, 14 de Outubro de 2021
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Margarida Almeida Fernandes (2ª Adjunta)