Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
PRAZO DE ARGUIÇÃO DA NULIDADE
RECURSO
Sumário
I- A arguição de nulidades processuais deve ser suscitada no tribunal (1.ª instância) onde foram cometidas, para que este as aprecie, cabendo recurso da decisão que vier a ser proferida. II- Se as nulidades processuais são arguidas, pela primeira vez, nas alegações e conclusões do recurso, verifica-se um erro na forma processual. III- Inexistindo despacho do tribunal a quo que se pronuncie sobre as arguidas nulidades e constatando-se que a arguição das mesmas foi apresentada no 1.º dia útil subsequente ao termo do prazo legal para a arguição das nulidades, a Relação deverá determinar que o processo desça à 1.ª instância para que, aí, seja observado o preceituado no n.º 6 do artigo 139.º do Código de Processo Civil e a tramitação subsequente no que respeita às arguidas nulidades processuais.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
1. Relatório
Na presente ação de impugnação de despedimento coletivo, foi proferido, em 27-05-2021, despacho com o seguinte teor:
«Reqt.º: - REFª: 38858168:
J…, A. nos autos à margem referenciados, que move contra BGP PRODUCTS, UNIPESSOAL, LDA, ao abrigo dos do art.º art. 60º, nº 3 do C.P.T. e arts. 588º e 316º e sgts. do C.P.C., veio requerer a INTERVENÇÃO PRINCIPAL DE TERCEIRO, a saber:
- “Mylan Lda.”, com sede na Av. D. João II, nº 44 C, 7.3 e 7.4, 1990 – 095 Lisboa”.
Para o efeito fundamentou, nomeadamente, que “(…) nos termos daquele projeto de cisão-fusão junto aos autos pela R., neste momento processual, pode-se concluir que, na pendência dos presentes autos, a unidade económica em que o A. estava inserido na R., foi cindida da R. e transmitida, por fusão ou incorporação, na sociedade denominada por “Mylan Lda.”. Desde o inicio de 2019, a R. deixou de ter atividade comercial e, consequentemente, qualquer faturação. Assim, o estabelecimento e unidade económica onde o A. estava inserido, passou a estar incorporada na “Mylan Lda.”, o que resulta do “Projeto de Cisão-Fusão” já registado e, agora, junto aos autos (…)”.
Sendo que as R. “BGP PRODUCTS, UNIPESSOAL, LDA” não se pronunciou sobre esse articulado e pedido de intervenção principal de terceiro.
No despacho judicial com a ref.ª 91400040, basilarmente, foi tomada posição, no sentido: - “(…) é verdade que em caso de transformação ou fusão de uma pessoa coletiva, o Tribunal deve proceder à substituição da sociedade fundida pela sociedade incorporante, acontece que não resulta do expediente junto aos autos, por ora, que a Ré não foi integralmente fundida na sociedade Mylan, Lda., continuando a existir como sociedade comercial autónoma.
*
INTERVENÇÃO PRINCIPAL DE TERCEIRO:
Para os termos da ação, relembra-se que o princípio do dispositivo, constituindo a trave mestra do direito processual civil declaratório, perspetiva-se em dois vetores essenciais: impulso do processo e disponibilidade do seu objeto. Por sua vez, a disponibilidade do objeto do processo manifesta-se sob duas vertentes: na disponibilidade do pedido e na disponibilidade das questões e dos factos necessários à decisão desse pedido.
A disponibilidade do pedido, limitativa da atividade do tribunal (artigo 609.º, n. º1, do CPC), traduz-se na imprescindibilidade da parte o formular em juízo.
Como manifestação volitiva de uma pretensão, impõe que deva ser expressado com clareza e de forma inteligível.
O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado, ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa.
A adesão ao articulado da parte a quem se associa significa, sobretudo, a adesão aos fundamentos fácticos, não o dispensando de deduzir pretensão própria.
Pois se, após a citação do réu, a instância deve manter-se imutável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, ressalvadas as modificações consignadas na lei (artº 268º CPC).
A verdade é que este normativo consagra o princípio da estabilidade da instância, que é suscetível de ser afetado por virtude de uma modificação subjetiva, seja em consequência da substituição de alguma das partes primitivas, seja por via da intervenção de terceiros.
Com o saneamento do processo pretende-se que nada obste a uma justa apreciação desse direito, para que a sentença seja proferida em conformidade com o que as leis determinam e os factos impõem após a prova e perante as partes legítimas.
Assim:
Este é um processo cuja petição inicial deu entrada em 13 de setembro de 2017 e, como enfatiza o IL. Mandatário do A., está em causa que quer por vontade e decisão da R., quer por vontade e decisão da sociedade denominada por “Mylan Lda.”, quer ainda, por força da cisão-fusão por incorporação da unidade de negócio ou departamento onde o A. estava inserido na R. na sociedade “Mylan Lda.” para onde toda a atividade comercial da R. foi incorporada, quer ainda por força do disposto na lei, nomeadamente, no art. 285º do C.T..
A “talhe de foice”, recordar como é consabido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de dezembro de 2017, in www.dgsi.pt,.
- “É sabido que qualquer empresa, enquanto pessoa singular ou coletiva, pode estar sujeita a modificações de diversa índole com repercussão, na sua organização empresarial, que vão desde a mudança de identidade e titularidade do capital até à concessão de exploração, trespasse, fusão e cisão de sociedades comerciais, com o consequente reflexo na transmissão ou titularidade da empresa ou do estabelecimento e nas relações contratuais laborais do pessoal abrangido por tais alterações.
Qualquer dessas situações acaba por ter implicações no seio das estruturas económicas organizadas com projeção nas relações de trabalho até então constituídas.
Daí a necessidade sentida pelo legislador de fixar os efeitos decorrentes da transmissão de empresa ou estabelecimento de molde a proteger os trabalhadores envolvidos, mas sem coartar a iniciativa dos empresários ou limitar a vida económica das empresas integradas num sistema de funcionamento de economia do mercado”.
Assim, no seguimento do entendimento já subjacente no despacho judicial com a ref.ª 91400040, cumpre referir que o articulado do A. funda-se, mesmo que tal não seja referido expressamente nos mesmos, na superveniência subjetiva, i.e., no conhecimento superveniente de factos anteriormente ocorridos (os factos são anteriores ao final fase dos articulados, mas só agora foram conhecidos – Art. 588º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, bem como nos termos do 60º, n.º 2 do último diploma legal citado).
Ora, prescreve o normativo citado que, alegada a superveniência subjetiva, deve, prima facie, produzir-se prova da sua verificação (dada a facilidade com que se poderia invocar o conhecimento ulterior, sem que se verificassem os seus pressupostos, interferindo com a normal tramitação processual).
Assim sendo, incumbe à parte que apresenta o articulado superveniente indicar, com o mesmo, prova do conhecimento posterior desses factos, nos termos do Art. 588º, n.º 5 do Código de Processo Civil, que impõe a indicação das provas – da superveniência e dos factos – no próprio articulado, discutindo-se, depois, se essa prova é produzida imediatamente ou conjuntamente com os factos alegados – cfr. LEBRE DE FREITAS/A. MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado II, Coimbra, 2001, p. 341).
*
O Art. 260º do Código de Processo Civil, na sua redação atual, aplicável face ao disposto no Art. 5º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o Código de Processo Civil, e subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, consagra o princípio da estabilidade da instância, dispondo que, “citado o Réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”, como também prescreve o Art. 564º, al. b) do mesmo diploma legal, ainda que ao nível dos efeitos da citação.
Ora, as modificações da instância legalmente previstas são, unicamente, as relativas aos sujeitos (modificações subjetivas) ou ao objeto (modificações objetivas).
Relativamente às primeiras, são relevantes os Arts. 261º, 262º, 263º e 311º e ss. do Código de Processo Civil, em que, desde logo, avulta a modificação subjetiva da instância por virtude dos incidentes de intervenção de terceiros (Art.º 262º, al. b) do diploma legal citado), agrupados em três modalidades distintas: intervenção principal, intervenção acessória e oposição (Arts. 311º a 350º do Código de Processo Civil).
Já o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, referia-se-lhe nos seguintes termos: trata-se dos “casos em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas...”, e em que ressuma a “...igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa”.
*
A intervenção principal de terceiro, prevista nos Arts. 316º e ss. Do Código de Processo Civil, visa chamar à ação todos os sujeitos com legitimidade para esta, de modo a que possam intervir no processo e a decisão final lhes seja oponível por força do caso julgado.
Assim, em relação à preterição do litisconsórcio necessário, esse chamamento é obrigatório para a prolação de uma decisão de mérito (salvo o disposto no Art. 278º, n.º 3 do Código de Processo Civil), conduzindo, se não for sanado, à absolvição da instância (cfr. Art. 278º, al. d) do Código de Processo Civil).
Nos termos do Art. 311º do Código de Processo Civil, relativo à intervenção principal espontânea, pode intervir como parte principal aquele que, em relação ao objeto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou réu, nos termos dos Arts. 32º, 33º e 34º do mesmo diploma.
Por sua vez, o Art. 316º, n.º 1 do Código de Processo Civil permite que qualquer das partes chame a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, remetendo assim, implicitamente, para o disposto no Art. 311º do mesmo
diploma (neste sentido, mutatis mutandis. LEBRE DE FREITAS/JOÃO REDINHA/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado I, Coimbra, 1999, p. 572).
Como refere SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância, 2.ª Edição, Coimbra, 1999, p. 103, em anotação ao Código de Processo Civil então vigente, “Qualquer das partes pode, pois, chamar a intervir alguém, do lado ativo ou passivo, isto é, as pessoas que, nos termos do artigo 320º, pudessem intervir espontaneamente ao lado do autor ou do lado do réu”.
*
In casu, o pedido de intervenção principal deduzido pelo A. funda-se na dúvida/certeza que “(…) a presente, é uma ação em que a atividade comercial a que o A. estava afeto, foi incorporada na “Mylan Lda.”, os direitos de crédito do A., decorrentes da relação jurídica controvertida com origem no contrato de trabalho do A., passaram para a sociedade de direito privado “Mylan Lda.”. Ou seja Alega que a R. quanto ao A. JOSÉ PAULO MARQUES ROMEIRO tudo para colocar o A. em situação de fragilidade no que se refere à garantia dos seus créditos perante a R., simulando a existência de uma situação jurídica que, de facto e de direito, já não existe ou seja, simulando que, desde a cessação do contrato de trabalho do A. na R., nada se passou de facto e de direito na R. quando, na verdade, toda a atividade comercial da R. passou, por cisão-fusão, de facto e de direito, para a sociedade “Mylan Lda.” que, em consequência, deveria passar a figurar como R. na presente ação, fundando-se na “pluralidade subjetiva subsidiária” prevista no Art. 39º do Novo Código de Processo Civil.
Ora, temos que os R. não põem em causa, minimamente, a essencialidade deste chamamento (nem a relevância do mesmo para os termos desta ação), uma vez que veio juntar o projeto de fusão e não ofereceu oposição ao articulado, devendo considerar-se tempestiva a apresentação do articulado em causa, ocorrida antes do “encerramento da discussão” (Art. 588º. n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil).
*
Posto isto e já no âmbito específico do direito adjetivo laboral, o Art. 27º, al. a) do Código de Processo do Trabalho prevê que o próprio julgador possa, ex officio, “mandar intervir na ação qualquer pessoa”, sendo que, in casu, o A. requereu, “ao abrigo dos do art. 60º, nº3 do C.P.T. e arts. 588º e 316º e sgts. do NCPC, veio requerer a INTERVENÇÃO PRINCIPAL DE TERCEIRO, a saber: - “Mylan Lda.”, com sede na Av. D. João II, nº 44 C, 7.3 e 7.4, 1990 – 095 Lisboa”.
Ora, o chamamento da “Mylan Lda.”, deve ser deferido em face da evidente conexão com a causa principal, conforme artigo 316º, do C.P.C., aplicável ex-vi artigo 1º do CPT.,” pelos efeitos jurídicos de uma eventual condenação no pagamento da quantia peticionada pelo A., no montante inicial de 33.062,00 €
Assim, da forma como o A. configurou a causa, tenho que o interveniente “Mylan Lda.” é, agora, parte legítima para intervir do lado passivo nesta ação, em litisconsórcio necessário passivo com a R. original.
Em suma, por se verificarem todos os seus pressupostos legais, deve deferir-se, assim, a requerida intervenção principal de terceiro da ora chamada “Mylan Lda.”, de forma a se poder discutir, já com a sua intervenção nestes autos, a responsabilidade pelo pagamento da quantia peticionada pelo A. J…, com a inerente e não despicienda economia processual decorrente do facto de não ser necessário iniciar uma nova ação contra os intervenientes.
*
Pelos fundamentos expostos, admito, por tempestivos, o articulado superveniente apresentado pelo A. J…, quanto à intervenção principal DE TERCEIRO, do lado passivo, de “Mylan Lda.”, ser chamada a intervir no processo como R.
*
Custas do presente incidente, a final.
*
Cite a “Mylan Lda.” e notifique os demais intervenientes principais, nos termos do Art. 319º do Código de Processo Civil.»
A ré BGP PRODUCTS, UNIPESSOAL, LDA. veio interpor recurso do citado despacho, apresentando as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«I. O despacho recorrido não ordenou a notificação da Recorrente para, querendo, responder à matéria do Articulado Superveniente, tendo, desde logo, e sem respeitar o princípio do contraditório e o estatuído na parte final do n.º 4 do artigo 588.º do C.P.C. (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 60.º do C.P.T., que, por seu turno, se aplica aos presentes autos em virtude do estabelecido no artigo 161.º do mesmo Código), determinado que se procedesse, de imediato, à citação da sociedade Mylan, Lda. como interveniente nos autos.
II. De facto, o Tribunal a quo tendo decidido admitir o referido Articulado (salvo o devido respeito, erradamente, como se demonstrará), deveria ter ordenado expressamente a notificação da Recorrente para se pronunciar sobre o conteúdo do Articulado (i.e., sobre a admissibilidade da intervenção de um terceiro, por ser esta a matéria sobre a qual versa tal Articulado) e só depois de efetuada tal notificação e de decorrido o prazo de pronúncia da Recorrente é que o Tribunal a quo poderia (caso os pressupostos processuais para o efeito estivessem reunidos) ter admitido a requerida intervenção e ordenado a citação da sociedade Mylan, Lda..
III. Pois que qualquer outro procedimento teria (como teve) associada uma violação do princípio do contraditório e da disposição legal que começou por se citar.
IV. Na verdade, a notificação do Articulado Superveniente à parte contrária não pode ser feita, somente, de modo a cumprir o formalismo legal, pois que a mesma visa permitir à parte um efetivo e real direito de pronúncia sobre o teor e conteúdo desse Articulado, o qual só é, de facto, concedido se puder ter alguma eficácia ou efeito nos autos, i.e., se puder influenciar o Tribunal quanto à decisão a tomar sobre o que tiver sido requerido por via do Articulado Superveniente.
V. Visando o Articulado Superveniente apresentado pelo Autor assegurar a intervenção de um terceiro aos autos e considerando o Tribunal a quo que tal Articulado é processualmente admissível (o que, como se verá, não é o caso), não poderia esse mesmo Tribunal pronunciar-se, desde logo, pela admissibilidade da intervenção sem antes dar à Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre essa admissibilidade.
VI. Pois que ao fazê-lo impediu a Recorrente de exercer, cabalmente, o seu direito ao contraditório e violou o disposto no citado n.º 4 do artigo 588.º do C.P.C..
VII. Tanto assim é, aliás, que, qualquer pronúncia que a Recorrente apresente, de momento, sobre esta questão será absolutamente irrelevante, pois que a decisão já foi tomada e foi-o sem que a Recorrente fosse ouvida, sendo que, ainda para mais, tal decisão (atento o disposto nos n.ºs 3 e 1 do artigo 613.º do C.P.C.) já nem mesmo pode ser dada sem efeito pelo Tribunal a quo, caso este viesse a entender que a argumentação da Recorrente quanto à inadmissibilidade do referido Articulado procede e deve ser admitida.
VIII. Ademais, não pode ainda deixar de se dizer, a este respeito, que o Tribunal a quo desconsiderou, em absoluto, o que a Recorrente levou aos autos a propósito da (in)admissibilidade do Articulado Superveniente apresentado pelo Recorrido.
IX. Na verdade, pode ler-se no despacho recorrido que as R. (…) não se pronunciou sobre esse articulado e pedido de intervenção principal de terceiro e ainda que os R. (…) não apresentou oposição ao articulado.
X. Tais afirmação são salvo o devido respeito, patentemente falsas, pois que como decorre dos autos (fls. __), a Recorrente pronunciou-se sobre a inadmissibilidade do Articulado Superveniente por requerimento apresentado em juízo no dia 27 de maio de 2021, tendo tal pronúncia sido inteiramente ignorada pelo Tribunal a quo, como resulta dos excertos do despacho recorrido que acabaram de se transcrever.
XI. Entende a Recorrente que este simples facto – ou seja, a total desconsideração do que, a este respeito, disse em juízo ao abrigo do seu direito de pronúncia – configura, em si mesmo, uma violação do princípio do contraditório, pois que este tem de corresponder a um efetivo e real direito de pronúncia da parte, que tem, obrigatoriamente, de ser considerado pelo tribunal, sob pena de não passar de, com o perdão da expressão, “letra morta”.
XII. Ao não considerar a pronúncia da Recorrente (chegando mesmo a afirmar que a mesma não existe, o que não corresponde à verdade), o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do C.P.C., o que configura uma nulidade processual, suscetível de influenciar a decisão da causa (n.º 1 do artigo 195.º do C.P.C.), que, desde já se argui.
XIII. De igual modo, ao admitir a intervenção provocada de terceiro sem, antes, notificar a Recorrente para se pronunciar sobre a admissibilidade dessa intervenção, ou seja, ao decidir pela procedência do que lhe foi requerido sem, antes, atribuir à Recorrente um efetivo e real direito de pronúncia sobre esse requerimento, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 4 do artigo 588.º do C.P.C., violação esta que configura, também ela, uma nulidade processual, nos termos do já citado n.º 1 do artigo 195.º do C.P.C., a qual, desde já, se argui.
XIV. Estabelece o n.º 3 do artigo 60.º do C.P.T (aplicável aos processos de impugnação de despedimento coletivo ex vie artigo 161.º do mesmo Código), que só são admissíveis articulados supervenientes nos termos do disposto no artigo 588.º do C.P.C. ou para os efeitos do artigo 28.º do C.P.T..
XV. In casu, não é aplicável o disposto no artigo 28.º do C.P.T., já que este trata de situações em que é admissível a cumulação sucessiva de pedidos e causas de pedir contra o réu, e não é essa a pretensão do Recorrido.
XVI. Assim, para que o requerimento apresentado pelo Recorrido em 13 de maio de 2021 fosse processualmente admissível, seria necessário que aquele tivesse respeitado os prazos previsto no n.º 3 do artigo 588.º do C.P.C., o que, como veremos, não é o caso.
XVII. Antes de mais, cumpre esclarecer que os prazos mencionados na norma legal que acabou de se citar se excluem mutuamente ou sucessivamente, querendo isto dizer que, verificando-se ser possível apresentar o articulado superveniente no primeiro dos prazos mencionados e não sendo esse prazo cumprido, já não é possível à parte apresentar esse mesmo articulado nos prazos subsequentes.
XVIII. Dizem-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo da fase dos articulados, bem como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de concluída a fase dos articulados (n.º 2 do artigo 588.º do C.P.C.).
XIX. Os factos que o Recorrido pretendeu trazer aos autos e que, alegadamente, sustentam a sua pretensão, são, obviamente, supervenientes, na medida em que ocorreram depois de concluída a fase dos articulados.
XX. De facto, os presentes autos iniciaram-se em 13 de setembro de 2017, data em que foi apresentada em juízo a petição inicial (cfr. fls. __ dos autos), sendo que a contestação foi apresentada em juízo no dia 30 de outubro de 2017.
XXI. O Articulado Superveniente apresentado em juízo pelo Recorrido baseia-se nas consequências jurídicas que o mesmo pretende retirar da cisão-fusão da Recorrente na sociedade Mylan, Lda., cisão-fusão essa que foi registada em 28.12.2018 – cfr. certidão do registo comercial da Recorrente junta aos autos com o requerimento do Recorrido apresentado em juízo em 17 de outubro de 2020.
XXII. O que, como começou por se dizer, significa que os factos que o Recorrido pretendeu trazer ao processo são supervenientes na primeira aceção em que o termo é utilizado pelo n.º 2 do artigo 588.º do C.P.C..
XXIII. Sucede que, tratando-se de factos supervenientes, os mesmos apenas podiam ser trazidos ao processo dentro dos prazos estabelecidos no n.º 3 do já citado artigo 588.º do C.P.C., os quais não foram respeitados pelo Recorrido.
XXIV. A 1.ª sessão da audiência prévia dos presentes autos teve lugar no dia 17.07.2020 (cfr. fls. __ dos autos), ou seja, quase dois anos depois de ter ocorrido o facto que está na base da pretensão do Recorrido (a cisão-fusão registada em 28.12.2018).
XXV. Sendo que a 2.ª sessão dessa audiência teve lugar no dia 09.10.2020 (cfr. fls. ___ dos autos).
XXVI. Em nenhuma destas sessões, o Recorrido suscitou as questões que, na sua ótica, justificam a apresentação do Articulado Superveniente, sendo certo que, como acabou de se referir, essas questões – e, em particular, o facto que as sustenta – já tinham ocorrido largos meses antes da data em que se realizaram as referidas sessões.
XXVII. O projeto de cisão-fusão e a própria cisão-fusão são, pela sua natureza, públicos, sendo registados na Certidão do Registo Comercial de cada uma das sociedades, a que qualquer pessoa pode ter acesso (tanto assim, aliás, que o Recorrido não teve qualquer dificuldade em juntar aos autos a Certidão de Registo Comercial da Recorrente, da qual consta o referido facto).
XXVIII. Note-se, aliás, que é com base nesse projeto e no respetivo registo que os credores das sociedades se podem opor à cisão-fusão (cfr. artigo 101.º-A do Código das Sociedades Comerciais), o que é bem elucidativo do que acabou de se dizer a respeito do carácter público do registo e das consequências que daí decorrem.
XXIX. Tendo o projeto de cisão-fusão sido publicado em 28.12.2018, e considerando o disposto na alínea a), do n.º 3 do artigo 588.º do C.P.C., o Recorrido deveria ter suscitado as questões que, na sua perspetiva, do mesmo emergem, até ao final da audiência prévia (designada, nesta forma processual, audiência preliminar), o que o mesmo não fez.
XXX. De facto, foi só em 13 de maio de 2021 (praticamente um ano! depois de realizada a audiência preliminar) que o Recorrido apresentou o Articulado Superveniente admitido pelo despacho de que ora se recorre.
XXXI. Tanta basta, para que, sem necessidade de considerações adicionais, se conclua pela extemporaneidade do Articulado Superveniente, por violação do disposto na alínea a), do n.º 3 do artigo 588.º do C.P.C., e pela consequente inadmissibilidade desse Articulado e, ainda, por conseguinte, pela inadmissibilidade da intervenção provocada da sociedade Mylan, Lda..
XXXII. Por assim não ter entendido, o despacho recorrido violou o disposto na alínea a), do n.º 3 do artigo 588.º do C.P.C. e a primeira parte do estatuído no n.º 4 da mesma disposição legal.
XXXIII. E nem se diga que o Recorrido não tinha conhecimento do facto na data em que a audiência preliminar se realizou e que, por essa razão, o Articulado Superveniente já seria admissível.
XXXIV. Desde logo, porquanto se assim fosse (o que não se concebe de forma alguma, atenta a natureza pública do facto em causa), competia ao Recorrido invocar as circunstâncias que o impediram de ter conhecimento do facto atempadamente (parte final do n.º 2 do artigo 588.º do C.P.C.), o que o mesmo não fez.
XXXV. Não obstante o despacho recorrido fazer, expressa, menção a este particular requisito de admissibilidade do Articulado Superveniente, o mesmo acaba por fazer, com o devido respeito e perdão da expressão utilizada, tábua rasa do mesmo, não cuidando de aferir ou sequer analisar se o Recorrido alegou, como lhe competia, ter tido conhecimento superveniente dos factos (caso, de facto, o tivesse tido).
XXXVI. Analisado o Articulado Superveniente constata-se que no mesmo nada é dito, nem sequer de forma meramente implícita ou indireta, sobre um alegado conhecimento posterior do facto ocorrido em dezembro de 2018, requisito essencial para a sua admissibilidade.
XXXVII. O que, mais uma vez, era, em si mesmo, suficiente para que o Tribunal a quo devesse ter indeferido o referido Articulado.
XXXVIII. Ao não o fazer, o despacho recorrido violou o disposto no artigo 588.º do C.P.C..
XXXIX. Ademais, ainda que, por absurdo se considerasse que o Recorrido não tinha que, pelo menos, alegar o conhecimento superveniente dos factos e justificar essa superveniência, o que, obviamente, se não admite e por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre se concluiria que os autos contêm elementos suficientes para determinar qual a data desse conhecimento.
XL. Em 18 de Junho de 2020, a Recorrente juntou aos autos a declaração de oposição fundamentada do seu técnico de parte ao relatório elaborado pelo assessor nomeado pelo Tribunal (fls. __ dos autos), na qual era feita expressa referência à circunstância de a atividade da Recorrente ter sido transmitida para a sociedade Mylan, Lda.
XLI. Note-se, aliás, que o próprio Recorrente alude a esta declaração no seu Articulado Superveniente, utilizando-a para fundamentar a apresentação do mesmo, o que é bem elucidativo de como da mesma decorre o conhecimento dos factos que sustentam a sua pretensão.
XLII. Explicando melhor: ainda que, por absurdo, se pudesse pressupor que o facto de a cisão-fusão ser do conhecimento público, por constar da certidão de registo comercial da Recorrente, não seria suficiente para que se pudesse concluir que o Recorrido tinha conhecimento do mesmo (i.e., da cisão-fusão e das suas consequências) desde a data do seu registo, sempre se teria que pressupor que, pelo menos, desde a data em que foi junta a declaração de oposição fundamentada (fls. __ dos autos) que o Recorrido tinha conhecimento do facto que sustenta a sua pretensão.
XLIII. Considerando que a referida declaração foi junta aos autos em 18.06.2020, e que, em 17 de julho de 2020 teve lugar a primeira sessão da audiência prévia (cfr. ata de fls. __ dos autos) e em 9 de outubro do mesmo ano realizou-se a segunda sessão dessa audiência, mesmo que seguisse este raciocínio, concluir-se-ia pela extemporaneidade do Articulado Superveniente.
XLIV. Pois que, como se viu, em qualquer uma destas datas (17.06 e 09.10, ambos de 2020) já o Recorrido tinha obrigação de ter conhecimento dos factos que alicerçam o seu pedido e de ter suscitado o incidente que, apenas em maio de 2021 (quase um ano volvido), veio suscitar.
XLV. Sendo, por conseguinte, também por esta razão, o Articulado Superveniente extemporâneo.
XLVI. Ao não considerar tal Articulado extemporâneo, o Tribunal a quo violou o disposto na alínea a), do n.º 3 do artigo 588.º do C.P.C. e na parte inicial do n.º 4 da mesma disposição legal.
XLVII. Por último, ainda a este respeito, e sem prejuízo de tudo quanto já se disse, e mesmo que, por absurdo, se entendesse, como parece ser o entendimento do Tribunal a quo, que os prazos previstos no n.º 3 do artigo 588.º do C.P.C. não são, quando isoladamente considerados, preclusivos do direito de deduzir um articulado superveniente, sempre se continuaria a concluir pela extemporaneidade do referido Articulado.
XLVIII. De facto, o último dos prazos mencionados na norma legal citada faz impender sobre a parte a obrigação de suscitar as questões que justificam, na sua ótica, a apresentação de um Articulado Superveniente, na audiência final.
XLIX. Nos presentes autos, a audiência final iniciou-se no dia 20 de abril de 2021 (cfr. fls. __ dos autos), pelo que, mesmo que se siga esta interpretação (o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona), sempre se concluiria que o Articulado Superveniente teria de ter sido apresentado nesse dia 20 de abril de 2021, o que não foi.
L. E nem se diga que a circunstância de a audiência final não ter terminado nessa data afasta o que acabou de se dizer, pois que o que releva para este efeito é o seu início e não eventuais vicissitudes a que a mesma esteja sujeita.
LI. Tendo o Articulado Superveniente sido apresentado em juízo no dia 13 de maio de 2021, verifica-se que, mesmo seguindo-se esta interpretação (que, salvo o devido respeito, não tem qualquer fundamento legal), tal Articulado continuaria a ser extemporâneo.
LII. Ao não indeferir o Articulado por extemporâneo, o Tribunal a quo violou o disposto na alínea c), do n.º 3 do artigo 588.º do C.P.C. e a parte inicial do n.º 4 da mesma disposição legal.
LIII. O incidente da intervenção provocada (requerido pelo Recorrido) encontra-se previsto nos artigos 316.º se seguintes do C.P.C., apenas sendo admissível quando realizado num dos momentos processuais previstos no artigo 318.º do C.P.C..
LIV. Desta última norma decorre que, o incidente de intervenção provocada de terceiro só pode ter lugar, por expressa opção legislativa, até ao termo da fase dos articulados ou, no limite, quando se trate de garantir a legitimidade das partes, até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima uma das partes por não estar em juízo determinada pessoa.
LV. Como se disse, a fase dos articulados está, há anos, terminada, sendo que, nos autos, não se discute, nos autos, a ilegitimidade da Recorrente.
LVI. Sendo, portanto, a dedução deste incidente nesta fase processual, óbvia e flagrantemente extemporânea.
LVII. Extemporaneidade essa que, tendo presente a data em que o Recorrido teve conhecimento dos factos em que baseia a sua pretensão (e a que já se aludiu), é ainda particularmente mais evidente.
LVIII. Não sendo, já, admissível o chamamento de qualquer terceiro à lide, em virtude do decurso dos prazos constantes do artigo 318.º do C.P.C., constata-se que, também por este motivo, o Articulado Superveniente é extemporâneo.
LIX. Extemporaneidade esta que deveria ter levado o Tribunal a quo a indeferir, liminarmente, o referido Articulado, sendo que, ao não o fazer, o Tribunal a quo violou a parte inicial do n.º 4 do artigo 588.º do C.P.C., quando conjugada com o estatuído no artigo 318.º do mesmo Código.
LX. O Tribunal a quo admitiu o Articulado Superveniente apresentado em juízo pelo Recorrido, por considerar que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo.
LXI. Pese embora o despacho recorrido não justifique porquanto, na sua opinião, estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário, depreende-se do que foi dito pelo Recorrido no requerimento que apresentou em juízo em 03.01.2021, que a alegada (e infundada, como se verá) situação de litisconsórcio necessário que serve de fundamento à admissibilidade (substantiva) do Articulado Superveniente, tem na sua base o facto de, supostamente, a cisão-fusão ocorrida entre a Ré e a sociedade Mylan, Lda. ter dado origem a uma situação de responsabilidade solidária no pagamento de dívidas.
LXII. São obrigações solidárias aquelas em que cada um dos devedores responde pela prestação integralmente e o cumprimento desta a todos liberta (parte inicial do n.º 1 do artigo 512.º do Código Civil).
LXIII. A existência de uma responsabilidade solidária é o caso paradigmático de uma situação de litisconsórcio voluntário, na medida em que o facto de um dos devedores solidários não ser chamado à lide não impede o credor de ver resolvido, de forma definitiva, a situação concreta que o fez recorrer a juízo.
LXIV. Na verdade, ainda que apenas um devedor seja chamado à lide, o facto de o mesmo ser inteira e integralmente responsável pelo cumprimento da dívida faz com que a sua intervenção isolada seja suscetível de permitir ao credor obter o efeito útil normal da ação que pretende.
LXV. Assim, fundamentando o despacho recorrido a sua posição quanto ao chamamento da Mylan, Lda. num suposto litisconsórcio necessário que, obviamente, e atendendo ao que implicitamente resulta dos autos e do despacho recorrido, não existe nem pode existir, é evidente que a pretensão explanada no requerimento que esteve na génese da prolação do despacho recorrido é manifestamente infundada e, como tal, que deveria ter sido indeferida.
LXVI. E nem se diga que o facto de podermos, eventualmente, estar perante uma situação de litisconsórcio voluntário, poderia fazer com que o Tribunal convolasse o lapso do Recorrido e aceitasse o chamamento da Mylan, Lda. com outro fundamento. É que, como o próprio nome indica, o litisconsórcio voluntário é uma matéria processual que está na disponibilidade das partes e sujeita, como decorre do que já se viu, a prazos processuais que o Recorrido claramente não respeitou.
LXVII. Deste modo, ainda que o Articulado Superveniente fosse processualmente admissível (o que já se viu não ser o caso), sempre o mesmo deveria ser, de imediato, indeferido, atenta a sua óbvia falta de fundamento que resulta, sem mais, do que é dito pelo próprio Recorrido (independentemente do que este afirma seja ou não verdadeiro).
LXVIII. Por assim não ter entendido, o despacho recorrido violou o disposto no n.º 4 do artigo 588.º do C.P.C.».
Contra-alegou o autor J…, propugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
O recurso subiu à Relação e o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Mantido o recurso e dispensados os vistos legais, com a anuência dos Exmos. Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:
1. Verificação de nulidades processuais.
2. Inadmissibilidade do articulado superveniente apresentado.
*
III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, sendo, ainda, tidos em consideração, os elementos processuais que resultam da ação principal, consultável através da plataforma “Citius”.
*
IV. Nulidades processuais
Na motivação do recurso, a recorrente arguiu a verificação de duas nulidades processuais.
Em primeiro lugar, refere que o despacho recorrido não ordenou a notificação da recorrente para, querendo, responder à matéria do articulado superveniente, conforme prevê o estipulado no n.º 4 do artigo 588.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável.
A violação da aludida norma, no seu entender, configura uma nulidade processual, nos termos previstos pelo n.º 1 do artigo 195.º do referido compêndio legal.
Em segundo lugar, alega que no despacho recorrido é mencionado que a ré (recorrente) “não se pronunciou sobre esse articulado (superveniente) e pedido de intervenção principal de terceiro” e que “não ofereceu oposição ao articulado”. Porém, refere, tal afirmação não corresponde à realidade, pois a recorrente pronunciou-se sobre a inadmissibilidade do articulado superveniente, por requerimento apresentado em 27-05-2021, tendo essa pronúncia sido ignorada pelo tribunal a quo.
Deste modo, sustenta, a 1.º instância violou o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, o que configura uma nulidade processual, suscetível de influenciar a decisão da causa, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil.
No despacho que admitiu o recurso interposto, a 1.ª instância escreveu: “Não obstante o respeito devido por entendimento diverso daquele que foi perfilhado no despacho posto em crise pela Recorrente, entende-se que aquele não é merecedor de qualquer censura. Como tal, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.”.
Apreciemos.
As nulidades processuais resultam de atos ou omissões que foram praticados antes de ser proferida a sentença, e que implicaram um desvio da tramitação prevista pela lei, podendo traduzir-se na prática de um ato proibido, na omissão de um ato prescrito na lei ou na realização de um ato que a lei prevê, mas sem o cumprimento do formalismo exigido.
A arguição de nulidade processual deve ser apresentada perante o juiz do processo e, eventualmente, da decisão proferida sobre tal nulidade poderá haver recurso.
Ora, nos presentes autos, a ré/recorrente arguiu as nulidades processuais no recurso interposto.
Será o tribunal de 2.ª instância competente para conhecer das arguidas nulidades?
No Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2, págs. 513 e 514, o Prof. Alberto dos Reis, a propósito do Código de Processo Civil de 1876, escreveu o seguinte: “as nulidades de que o interessado tivesse conhecimento depois da publicação da sentença ou acórdão final, e que fossem anteriores a essa publicação, só poderiam ser apreciadas por ocasião do recurso interposto da mesma sentença ou acórdão. A razão deste desvio era a seguinte; entendia-se que, sendo as nulidades anteriores à sentença, a procedência delas podia ter como efeito a anulação da sentença e não se considerava admissível que o juiz tivesse o poder de anular a sua própria decisão”.
Contudo, a respeito do Código de Processo Civil comentado (com preceitos semelhantes aos do atual Código de Processo Civil, sobre esta matéria), escreveu o Prof. Alberto dos Reis, no seguimento: “O código atual não consignou este terceiro desvio, porque não aderiu à tese de que ao juiz não é lícito anular a sua própria sentença. Pelo contrário, depois de enunciar os princípios de que, proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 666º), acrescenta que o julgador pode suprir nulidades, retificar erros materiais, esclarecer dúvidas e reformar a sentença quanto a custas e multa”.
Também o Código de Processo Civil, atualmente em vigor, admite a possibilidade do juiz, mesmo depois de proferida a sentença (não transitada em julgado), apreciar as questões indicadas pela lei, nomeadamente suprir nulidades - artigo 613.º, n.º 2 do referido código.
Atento o exposto, há que concluir que a recorrente deveria ter reclamado as arguidas nulidades processuais em requerimento dirigido ao tribunal onde as mesmas (supostamente) ocorreram (1.ª instância).
Contudo, não o fez.
Assim, ao vir arguir as identificadas nulidades processuais em sede de recurso, verifica-se a erro na forma processual usada[2].
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-11-2005, Revista 04S4452, entendeu-se que embora a nulidade processual arguida nas alegações de recurso de apelação, não fosse a forma correta e, por isso, se verificasse um erro na forma processual usada, tal não invalidava, em princípio, que o ato processual que se quis praticar fosse aproveitado, se tal fosse possível, de harmonia com o princípio de economia processual, do qual se extrai uma regra de máximo aproveitamento dos atos processuais. Daí que se tivesse decidido, que os autos deveriam descer à 1.ª instância para que aí se conhecesse a nulidade processual invocada.
Afigura-se-nos que esta é a solução correta, pois permite aproveitar uma pretensão processual, isto é, permite que a mesma seja conhecida por quem a deve conhecer e faculta a possibilidade de interposição de futuro recurso sobre o decidido.
Todavia, para que seja possível o aproveitamento do ato, mostra-se necessário que a arguição da nulidade tenha sido feita atempadamente, ou seja, que a mesma não se encontre sanada.
De harmonia com o disposto no artigo 199.º do Código de Processo Civil, as nulidades previstas no artigo 195.º do mesmo código (preceito onde se integrariam as nulidades arguidas no processo), devem ser arguidas:
a) Se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas e enquanto o ato não terminar;
b) Se a parte não estiver presente, por si ou por mandatário, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse tomar conhecimento, agindo com a devida diligência.
No caso que se aprecia, pela consulta do processo principal deduz-se que a recorrente se considera notificada do despacho recorrido, que consubstanciaria a prática das arguidas nulidades processuais, em 31-05-2021, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 247.º e 248.º, ambos do Código de Processo Civil.
O prazo de dez dias para a arguição das nulidades processuais terminaria em 11-06-2021, uma vez que no dia 10 de junho foi feriado – n.º 2 do artigo 138.º do Código de Processo Civil.
A recorrente apresentou o recurso (no qual arguiu as nulidades processuais) em 14-06-2021, ou seja, no 1.º dia útil seguinte.
Porém, não procedeu ao pagamento da multa prevista no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil.
Mas o ato processual, isto é, a arguição das nulidades processuais pode, ainda, ser aproveitado se a recorrente pagar a multa com o acréscimo da penalização prevista pelo n.º 6 da mencionada norma legal.
Por conseguinte, justifica-se que o processo seja devolvido à 1.ª instância para que a secretaria proceda nos termos previstos pelo referido n.º 6 do artigo 139.º, seguindo o incidente processual a sua normal tramitação.
Especificamente, se for paga a referida multa com o acréscimo, a consequência será a tempestividade da arguição das mencionadas nulidades e a obrigatoriedade da sua apreciação pelo tribunal a quo.
Salienta-se que o excerto do despacho de admissão do recurso, que citámos supra, não pode ser considerado um despacho que aprecia as arguidas nulidades processuais, pela fórmula genérica utilizada e porque não se refere, minimamente, às aludidas nulidades.
Em suma, o conhecimento do recurso mostra-se prejudicado, pois o despacho recorrido pode vir a ser alterado, na sequência da apreciação das arguidas nulidades processuais.
Nesta conformidade, entendemos que os autos deverão ser remetidos à 1.ª instância para que, aí, seja observado o preceituado no n.º 6 do artigo 139.º do Código de Processo Civil e a tramitação subsequente no que respeita às arguidas nulidades processuais.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em determinar a descida dos autos à 1.ª instância para os efeitos que se deixaram apontados, mostrando-se prejudicado o conhecimento do recurso.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
Évora, 23 de setembro de 2021
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)
______________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] Neste sentido, v.g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-12-2005, P. 04S4452, Acórdão da Relação do Porto, de 01-03-2010, P. 151/09.6TTGDM.P1 e Acórdão da Relação de Évora, de 18-10-2012, P. 1027/11.2TTSTB.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.