DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DE POSTO DE TRABALHO
REQUISITOS
PODER DISCIPLINAR
ACTO DE ADMINISTRAÇÃO
Sumário


1. O início de um procedimento para despedimento por extinção do posto de trabalho é um acto de mera administração.
2. Os requisitos de despedimento por extinção do posto de trabalho são cumulativos e incumbe ao empregador o ónus da sua prova, determinando a falta de qualquer deles a ilicitude do acto.
3. Nesta forma de despedimento, o critério básico ou nuclear da justa causa reside na impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, exigindo, assim, a formulação de um juízo objectivo de inviabilidade de recolocação em posto de trabalho alternativo, com análise da cadeia de decisões do empregador que conduziu à cessação do contrato de trabalho.
4. Não cumpre esse requisito a decisão que não concretiza a escolha do específico posto de trabalho para extinção e não demonstra a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da trabalhadora, em toda a estrutura organizativa da empresa. (sumário)

Texto Integral


Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Évora, I… intentou procedimento cautelar de suspensão de despedimento contra Centro Social Nossa Senhora Auxiliadora, pessoa jurídica canónica de natureza pública, pedindo a suspensão do seu despedimento por extinção do posto de trabalho e condenação no pagamento dos salários intercalares, incluindo subsídios de férias e de Natal.
Após oposição do Requerido, procedeu-se à inquirição das testemunhas em audiência e, após, foi proferida sentença determinando a suspensão do despedimento.

Daí que o Requerido introduza a presente instância recursiva, formulando as seguintes conclusões:
«Questão Prévia
1. Compulsada a douta decisão, afere-se que a apreciação do invocado “abuso de direito” por banda da Requerente, “ficou no tinteiro”;
2. Estatui o art.668.º n.º 1 al. d), do CPC, aplicável ao caso ex vi do artigo 1.º n.º 2 al. a), do CPT, que é nula a sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar - Cfr. art. 660.º n.º 2, do CPC·
3. Suscita-se a aludida nulidade, por omissão na apreciação da figura do “abuso de direito”, para os devidos e legais efeitos;
Do Recurso
4. O Tribunal veio a reputar como não indiciariamente provada, a infra indicada factualidade da oposição:
a. A suspensão de funcionamento do centro de dia provocou elevados prejuízos ao Requerido;
b. Decorre da suspensão de funcionamento do centro de dia que as funções de Directora Técnica do centro não são exercidas pela Requerente desde o mês de Março de 2020;
c. O Requerido tem de manter tal função a titulo estritamente formal, em resultado das exigências e comparticipações financeiras da Segurança Social.
5. Tal factualidade deverá, ao invés, ser reputada como provada, ainda que indiciariamente;
6. Uma cláusula estatutária que preveja a vinculação da sociedade pela assinatura de dois gerentes, por se tratar de uma limitação do contrato social, que por sua vez se encontra compreendida no artigo 260.º n.º 1 do CSC, não será oponível a terceiros;
7. Mesmo no caso em que vigore o regime da gerência plural, aos interesses da sociedade ou dos titulares do respectivo capital social sobrepõem-se os de terceiros de boa-fé que com a sociedade se relacionam, mantendo-se a validade dos efeitos jurídicos dos actos outorgados em nome da sociedade apenas por um dos gerentes, ainda que sem a intervenção conjunta dos demais;
8. A comunicação realizada ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 369.º do CT, pelo Requerido à Requerente, vincula esta, devendo ser entendido que foi cumprida integralmente tal formalidade, ainda que só assinada pelo Presidente da Direcção do Requerido;
Acresce que,
9. O contrato de trabalho e subsequentes adendas ao mesmo, celebrados entre Requerente e Requerida, foram tão só assinados por um único legal representante da Requerente - Cfr. docs. n.ºs 1 a 3, do douto R.I.
10. Como a Direcção do Requerido sempre foi, como é, constituída por voluntários, sem qualquer remuneração, é prática comum ser aposta somente uma assinatura de um membro da Direcção, atenta a dificuldade em se reunirem de forma assídua.
11. A Requerente, como trabalhadora do Requerido, com a categoria profissional de “Consultora Jurídica”, tem pleno conhecimento e total consciência de tal estado de situação, razão pela qual, nunca suscitou, maugrado as suas competências e qualificações, qualquer questão relacionada com o facto de no seu próprio contrato de trabalho e subsequentes adendas, não se ter cumprido o estabelecido no art. 24.º dos Estatutos do Requerido.
12. É manifesto que a Requerente litiga em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium - Cfr. art. 334.º do C.C.
13. A invocação da falta de poderes do Presidente da Direcção do Requerido, é ilegítima e abusiva, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e económico desse direito.
Ademais,
14. A Requerente não preenche o conceito de “terceiro”, para efeitos do estatuído no art. 260.º do CSC, visto deter uma especial relação com a Requerida, decorrente do vínculo laboral existente entre ambas as partes.
15. A decisão de proceder ao despedimento da Requerida, nos termos do disposto no art. 371.º do C.T., encontra-se assinada por dois Directores, sendo que um deles, é o Presidente da Direcção, cumprindo-se integral e efectivamente o disposto no art. 24.º dos Estatutos do Requerido - Cfr. doc. n.º 8 junto ao douto R.I.
16. Ainda que se entendesse que a comunicação realizada nos termos e para os efeitos do estabelecido no n.º 1 do art. 369.º do CT padeceria de irregularidade, por assinada unicamente pelo Presidente da Direcção do Requerido, sempre a mesma se deverá considerar por ratificada pela comunicação posterior e supra aludida, efectuada ao abrigo do disposto no art. 371.º do CT e de acordo com o prescrito no art. 24.º dos Estatutos do Requerido - Cfr. ponto 11 da matéria indiciária reputada por provada.
17. Foi cumprido o disposto no n.º 1 do art. 369.º do CT, pelo que o despedimento da Requerente, por extinção do seu posto de trabalho, foi lícito, por cumpridas todas as formalidades legais.
Sem conceder,
18. O núcleo essencial das funções desempenhadas ou a actividade predominante da Requerente, é, como sempre foi, indubitavelmente, a de “Consultora Jurídica”.
19. A pandemia veio acentuar a necessidade de apoio às pessoas idosas e assim também, a necessidade de serem supridas algumas carências na assistência que lhes deve ser prestada, ressaltando a preocupação já existente com a adequação dos meios e cuidados prestados pelo Requerido, no propósito de assegurar a Dignidade e a Qualidade assistencial aos seus utentes.
20. Tal estado de situação, obrigou a uma reorganização da estrutura existente, no propósito de serem alocados acrescidos meios financeiros aos fins prosseguidos pelo Requerido, na perspectiva da prestação de melhores serviços e facultados mais apoios aos idosos, por mais vulneráveis.
21. O Requerido viu-se na contingência de ter de optar pela redução do seu quadro de pessoal, adequando-o à sua actividade principal, assente na promoção do bem-estar e qualidade de vida dos idosos.
22. A necessidade da existência de uma consultora jurídica, não se enquadra nos recursos humanos essenciais do Requerido, para a prossecução da sua actividade principal.
23. O Requerido não dispunha de outro posto de trabalho alternativo que, porventura, pudesse ser oferecido à Requerente, atenta a sua categoria profissional, experiência, qualificações e competências.
24. Encontra-se cabalmente demonstrada a impossibilidade de subsistência da relação laboral entre Requerente e Requerido.
25. A Meritíssima Juiz violou o correcto entendimento dos preceitos legais invocados na presente peça.»

A resposta sustenta a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Da rejeição da impugnação da matéria de facto
Afirma o Recorrente que ocorreu errada apreciação da matéria de facto, uma vez que deveria ser considerada provada a matéria indicada na 4.ª conclusão das suas alegações, ou seja: a) “A suspensão de funcionamento do centro de dia provocou elevados prejuízos ao Requerido”; b) “Decorre da suspensão de funcionamento do centro de dia que as funções de Directora Técnica do centro não são exercidas pela Requerente desde o mês de Março de 2020”; e, c) “O Requerido tem de manter tal função a titulo estritamente formal, em resultado das exigências e comparticipações financeiras da Segurança Social.”
No entanto, é manifesto que o Recorrente incumpre exigências processuais relativas à impugnação da matéria de facto. Com efeito, o art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil, impõe à parte que pretenda impugnar a matéria de facto a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, quando os meios probatórios tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Note-se que o recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento de toda a prova, pois os recursos são remédios jurídicos destinados a corrigir erros in judicando ou in procedendo expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente.
A ponderar, ainda, que caso o recorrente não mencione os requisitos exigidos pelo art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a decisão a tomar é de imediata rejeição da impugnação da matéria de facto. Como afirma Abrantes Geraldes[1], “pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas”, pelo que se pode concluir que o convite ao aperfeiçoamento apenas está reservado para os recursos da matéria de direito.
Sucede que o Recorrente não cumpriu o ónus a que se refere a al. b) do n.º 1 do referido art. 640.º, pois a obrigação de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um desses pontos e com indicação dos respectivos meios de prova.[2]
A este respeito, haverá a recordar que “não cumpre esse ónus o recorrente que, para lá de indicar os concretos pontos daquela decisão que considera incorrectamente julgados e apontar que resposta deveria ter sido dada se limita a alegar que a sua discordância decorre, para lá dos documentos que enumera, também dos depoimentos e testemunhos que indica apenas nos seus nomes remetendo para a totalidade dos mesmos sem qualquer indicação das partes ou das expressões que nesses depoimentos considera decisivas para se proceder á alteração da decisão da matéria de facto.”[3]
De todo o modo, sempre se dirá que a matéria em causa não consta da decisão de despedimento, nada se referindo ali quanto à suspensão do funcionamento do centro de dia. Ora, o art. 387.º n.º 3 do Código do Trabalho determina expressamente que o empregador apenas pode invocar, na acção judicial, os factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador, pelo que jamais poderia ser aportada aos autos a referida matéria de facto.
Por incumprimento dos respectivos requisitos legais, rejeita-se a pretendida impugnação da matéria de facto, a qual se mantém tal como foi fixada na primeira instância.

Fica assim estabelecida a matéria de facto provada:
1. A Requerente exerce as funções de consultora jurídica sob a autoridade, ordens e direcção do Requerido desde 29 de Fevereiro de 2016, sendo que em 12 de Janeiro de 2017 foi celebrada uma adenda ao contrato de trabalho de harmonia com a qual a Requerente passaria a deter a categoria profissional de Consultora Jurídica e de Técnica da Qualidade, e em 4 de Maio de 2017 foi celebrada uma nova adenda de harmonia com a qual passaria a acumular as funções de Directora Técnica a tempo parcial.
2. Com a celebração da adenda ao contrato de trabalho em 12 de Janeiro de 2017, passou a ser responsável pela gestão da certificação (processos-chave e registos), e da qualificação dos serviços e procedimentos, o que não determinou o pagamento de qualquer quantia.
3. A celebração da adenda ao contrato de trabalho em 4 de Maio de 2017 decorreu da circunstância de o Requerido, por imperativos do Instituto da Segurança Social, I.P., ser obrigado a ter duas directoras técnicas, porquanto a Dra. C… não podia ficar com três respostas sociais, apenas podendo acumular ERPI e SAD, tendo sido criado especificamente o posto de trabalho de Directora Técnica do Centro de Dia para a Requerente, na sequência do que lhe foi atribuído um complemento de 20% sobre a retribuição ilíquida.
4. No dia 28 de Maio de 2021, o Requerido comunicou à Requerente o início do procedimento de despedimento por extinção do posto de trabalho, por comunicação apenas assinada pelo Presidente da Direcção, cujo teor se dá por reproduzido.
5. No dia 2 de Junho de 2021, a Requerente solicitou ao Requerido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 370.º, 1, do Código do Trabalho, que lhe fossem facultados os seguintes documentos: Informação Empresarial Simplificada dos últimos cinco anos; Balancete dos últimos cinco anos; Balanço dos dois últimos anos de exercício; Orçamento aprovado para o ano de 2021 e respectiva acta; Contas aprovadas para os anos de 2018, 2019 e de 2020 e respectivas actas; Relatórios e pareceres do conselho fiscal respeitantes ao relatório e contas dos exercícios de 2018, 2019 e 2020; Relatórios e pareceres do conselho fiscal respeitantes ao relatório e contas dos orçamentos de 2018, 2019, 2020 e 2021; Quadro de pessoal a que se refere o artigo 32.º, n.º 1, da Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro.
6. No dia 14 de Junho de 2021, a Requerente remeteu ao Requerido o parecer a que alude o artigo 370.º, 1, do Código do Trabalho, concluindo pela nulidade insanável do procedimento com vista ao despedimento por extinção do posto de trabalho, cujo teor se dá por reproduzido.
7. No dia 15 de Junho de 2021, o Requerido informou a Requerente que a documentação seria enviada, mas não o fez, alegando falta de respaldo legal.
8. No dia 28 de Junho de 2021, o Requerido tomou a decisão de extinguir o posto de trabalho da Requerente, decisão cujo teor se dá por reproduzido.
9. A Requerente foi notificada da decisão do despedimento no dia 30 de Junho de 2021.
10. O Requerido contratou a Dra. C… para exercer as funções de directora executiva e aumentou a Dra. M… em 25% da respectiva retribuição para exercer as funções de directora técnica do centro de dia.
11. A decisão do requerido de proceder ao despedimento da Requerente, encontra-se assinada por dois directores.
12. O requerido forneceu ao Centro Local do Alentejo Central da Autoridade para as Condições do Trabalho as informações por este solicitadas.
13. O requerido não possui sistema de gestão de qualidade.
14. O funcionamento do centro de dia foi suspenso por determinação legal, situação essa que ainda hoje permanece.
15. Ambas as directoras técnicas do Requerido encontram-se na situação de baixa médica e foram substituídas por M… e C….
16. M… já era funcionária do Requerido como técnica de reabilitação psicomotora, passando a acumular funções.
17. C… colaborava como voluntária.

APLICANDO O DIREITO
Da nulidade do procedimento disciplinar
De acordo com o art. 369.º n.º 1 do Código do Trabalho, a iniciativa do despedimento por extinção do posto de trabalho cabe ao empregador. Tal como sucede no despedimento por justa causa disciplinar, o procedimento também poderá ser iniciado por pessoa com poderes de representação para o efeito, nos termos gerais dos arts. 258.º e segs. do Código Civil.[4][5]
No caso, a comunicação inicial da intenção de proceder ao despedimento da trabalhadora foi assinada apenas pelo Presidente da Direcção do Requerido, tendo a decisão recorrida concluído que, estabelecendo os respectivos Estatutos que a pessoa colectiva se vinculava com a assinatura de dois membros da direcção, a aludida “comunicação tem eficácia meramente interna, não podendo oponível à Requerente e, consequentemente, conduz à ilicitude do despedimento nos termos do disposto no artigo 384.º, c), do Código do Trabalho.”
Importa transcrever o que se prevê nos Estatutos do Requerido, quanto à sua vinculação:

“Artigo 24.º
(Forma de a instituição se obrigar)
1. Para obrigar o CSNSA são necessárias e bastantes as assinaturas conjuntas do Presidente e de qualquer outro membro da Direcção.
2. Nas operações financeiras são obrigatórias as assinaturas conjuntas do Presidente e do Tesoureiro.
3. Nos actos de mero expediente basta a assinatura de qualquer membro da Direcção.”
A propósito desta questão, diremos que a lei não exige que os poderes de representação estejam documentados, ab initio, no procedimento de despedimento, sendo para todos os efeitos aplicável a regra constante do art. 260.º do Código Civil, podendo o trabalhador exigir ao autor do procedimento a prova dos seus poderes, em prazo razoável, sob pena de a declaração não produzir efeitos[6], e ainda obter cópia do documento concedendo os poderes de representação.
De igual modo, diremos também que o início de um procedimento para despedimento de trabalhador é um acto de mera administração[7], e a emissão de uma declaração negocial – como é a comunicação de despedimento – gera uma obrigação vinculante para a pessoa colectiva sempre que produzida por um seu representante ou por ela ratificada.
Assim, a circunstância da iniciativa do despedimento ter assistido apenas ao Presidente da Direcção do Requerido não torna o despedimento inválido, quer porque se está perante acto de mera administração – para o qual o art. 24.º n.º 3 dos Estatutos permitia a vinculação mediante a assinatura de um membro da Direcção – quer porque, tendo a decisão final sido assinada por dois membros da Direcção (o Presidente e outro director), sempre se haveria de entender que esse acto representava a ratificação de todos os actos praticados pelo Requerido ao longo do procedimento.
Assim, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, não ocorre a aludida causa de invalidade do procedimento, pelo que nesta parte procedem as conclusões 6.ª a 17.ª das alegações de recurso.
Esta conclusão dispensa-nos a apreciação da invocada nulidade da decisão recorrida por falta de apreciação da questão de abuso de direito, prejudicada que está pela solução dada à questão da regularidade formal do procedimento – art. 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil.

Dos requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho
O art. 368.º n.º 1 do Código do Trabalho estabelece quatro requisitos, cumulativos, para o despedimento por extinção do posto de trabalho, cujo ónus de prova incumbe ao empregador, determinando a falta de qualquer deles a ilicitude do acto.[8]
Dedicaremos a nossa atenção, em especial, ao primeiro e ao segundo, pois os constantes das als. c) e d) do n.º 1 do art. 368.º – inexistência de contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto e inaplicabilidade do despedimento colectivo – não suscitam qualquer discussão face ao manancial fáctico recolhido nos autos.
Quanto ao primeiro requisito – ausência de imputação culposa dos motivos invocados à conduta culposa do empregador ou do trabalhador – nada está apontado nos autos quanto ao incumprimento de deveres laborais por parte da trabalhadora. No que diz respeito à empregadora, “exige-se uma imputação a título de culpa, envolvendo um juízo valorativo de censura ou reprovação da actuação da entidade empregadora. Não basta a simples constatação de que as razões justificativas da eliminação do posto de trabalho se ligam à vontade do empresário. Aliás, a própria natureza dos motivos invocados envolve, as mais das vezes, a sua directa imputação à vontade do empregador.”[9]
Ora, no caso dos autos a decisão de extinguir um posto de trabalho, face à invocada necessidade de “racionalização dos meios financeiros existentes”, não pode ser considerada imprudente, arbitrária ou irrazoável[10], ou sequer totalmente inapta para, em conjunto com outras soluções, corrigir a situação vivida pela instituição.
O segundo requisito – seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – é complementado pelo n.º 4 do art. 368.º, esclarecendo que, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.
A Lei 27/2014, de 8 de Maio, repôs a redacção original do art. 368.º n.º 4 do Código do Trabalho, depois da alteração que lhe havia sido introduzida pela Lei 23/2012, de 25 de Junho, ter sido declarada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, por violação da proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no art. 53.º da Constituição.
Para melhor compreensão do carácter nuclear deste requisito no cumprimento daquela proibição constitucional, cita-se o seguinte excerto do supra referido aresto:
«O conceito constitucional de “justa causa” abrange a possibilidade de rescisão unilateral do contrato de trabalho, pela entidade patronal, com base em certos motivos objectivos, mas apenas quando estes “não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador” e “tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral” (cfr. o Acórdão n.º 64/91). Como já foi referido, decorre desta exigência que o despedimento por causa objectiva seja configurado como uma ultima ratio, o que não é compatível com a dispensa do dever de integrar o trabalhador em posto de trabalho alternativo, quando este exista. Nem é compatível, acrescente-se, com uma cláusula aberta que deixe nas mãos do aplicador-intérprete a possibilidade de casuisticamente concretizar, ou não, um tal dever.
Dito de outro modo, a cláusula geral da “impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral” – que, no plano infraconstitucional concretiza a ideia de ultima ratio – só é constitucionalmente conforme quando se apresente negativamente delimitada, no sentido de excluir a possibilidade de dar como verificada tal impossibilidade em casos em que exista posto de trabalho alternativo e adequado ao trabalhador em causa.»
Conclui, ainda, o referido aresto que os “motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos” invocados pelo empregador para fundamentar a decisão de extinção de um posto de trabalho, «mostram-se incapazes, só por si, de fundamentar a impossibilidade da subsistência de uma concreta relação de trabalho que, em consequência daquela decisão de extinção do posto de trabalho, se mostre afectada.»
Embora se possa afirmar que não existe um dever de a entidade empregadora criar novos postos de trabalho ou proceder à reconversão profissional do trabalhador, o despedimento por causa objectiva é, por exigência constitucional, uma ultima ratio, impondo um dever de integrar o trabalhador em posto de trabalho alternativo, aproveitando ao máximo os trabalhadores excedentários. “No fundo, trata-se de afirmar algo que já resulta de princípios e regras gerais, impondo que o empregador procure, na medida das possibilidades consentidas por uma gestão racional da organização, reafectar os trabalhadores excedentários a outros postos de trabalho de que eventualmente disponha.”[11]
No caso, apurou-se que a trabalhadora despedida foi inicialmente contratada para exercer as funções de consultora jurídica, passando, com a adenda de 12.01.2017, a exercer também as de técnica de qualidade, e com a adenda de 04.05.2017 também as de directora técnica do Centro de Dia, uma das três respostas sociais exploradas pelo Recorrente.
Na decisão de despedimento, o Recorrente afirma que se viu na contingência de reduzir o seu quadro de pessoal e que a existência de uma consultora jurídica não se enquadra nos recursos humanos essenciais à prossecução da sua actividade. Mais acrescenta que não dispõe de outro posto de trabalho alternativo que pudesse oferecer à trabalhadora, “atenta a sua categoria profissional, experiência, qualificações e competências.”
Porém, a decisão de despedimento nada diz acerca das demais funções exercidas pela trabalhadora na instituição, nem quais os critérios que levaram especificamente à escolha do seu posto de trabalho para extinção, nem efectua qualquer exercício justificativo da inexistência de outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional.
Compete à empregadora o ónus de prova de todos os requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho, sendo que o relativo à impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho é nuclear no cumprimento da proibição constitucional de despedimentos sem justa causa, impondo a exclusão de considerar como verificada tal impossibilidade em casos em que exista, na estrutura organizativa da empregadora, posto de trabalho alternativo e adequado ao trabalhador em causa.
Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que «o cumprimento dos critérios legais exigidos para a extinção do posto de trabalho não é suficiente para garantir a licitude do despedimento, sendo, também, necessário que o empregador prove a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral, através do dever que impende sobre ele, por ser seu ónus, de demonstrar a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador», em toda a sua estrutura organizativa.[12]
O despedimento por extinção do posto de trabalho é o culminar de “uma cadeia de decisões do empregador situadas em diferentes níveis mas causalmente interligadas: esquematicamente, uma decisão gestionária inicial, uma decisão organizativa intermédia (a extinção do posto de trabalho) e uma decisão contratual terminal (a do despedimento). (…) Mas a apreciação da justa causa reveste-se aqui de importantes particularidades. Ela incidirá (…) no nexo sequencial estabelecido entre a extinção do posto de trabalho e a decisão de extinguir o contrato, tendo de permeio o insucesso de diligências tendentes à recolocação do trabalhador. É em relação a esse nexo e a cada um dos seus elementos que deve fazer-se a verificação dos requisitos fundamentais (…), em especial a da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho (…).”[13]
No despedimento por extinção do posto de trabalho, o critério básico ou nuclear da justa causa reside na impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, exigindo, assim, a formulação de um juízo objectivo de inviabilidade de recolocação em posto de trabalho alternativo, com análise da cadeia de decisões do empregador que conduziu à cessação do contrato de trabalho.
No caso em apreço, a cadeia de decisões do empregador iniciou-se pela afirmação da necessidade de redução de um posto de trabalho, para racionalização dos meios financeiros existentes. Porém, a decisão de despedimento nada concretiza acerca da situação económico-financeira do Recorrente que determinou essa decisão, ficando-se por meras generalidades, como o aumento de despesas em “contexto de pandemia” e a “necessidade de maior intervenção social.”
De igual modo, não identifica os diversos postos de trabalho existentes nem concretiza o motivo pelo qual se optou pela extinção do posto de trabalho de consultora jurídica. Apenas afirma que “a necessidade da existência de uma consultora jurídica não se enquadra nos recursos humanos essenciais do CSNSA para a prossecução da sua actividade principal”, mas não efectua qualquer esforço comparativo com os demais postos de trabalho existentes na empresa nem racionaliza a escolha daquele específico posto de trabalho para extinção.
Finalmente, a decisão de despedimento não apenas ignora em absoluto que a trabalhadora desempenhava outras funções na empresa, como não descreve qualquer diligência adoptada com vista à sua recolocação, nem concretiza a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional, em toda a estrutura organizativa da empresa.
Ponderando que o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador – art. 387.º n.º 3 do Código do Trabalho – é desde logo patente que a decisão comunicada à trabalhadora não demonstra o cumprimento do requisito constante do art. 368.º n.º 1 al. b) e n.º 4 daquele diploma, o que torna o despedimento ilícito – respectivo art. 384.º al. a).
No despedimento por extinção do posto de trabalho, a provável verificação de qualquer dos fundamentos de ilicitude previstos no art. 384.º do Código do Trabalho, importa na “probabilidade séria de ilicitude do despedimento”, e como tal determina o decretamento da providência, como permitido pelo art. 39.º n.º 1 al. c) do Código de Processo do Trabalho.
Como tal, embora por razões não inteiramente coincidentes, a decisão recorrida deverá ser mantida.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Évora, 14 de Outubro de 2021

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
_______________________________________________
[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., 2016, pág. 141.
[2] Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.09.2018 (Proc. 15787/15.8T8PRT.P1.S2), publicado em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020 (Proc. 3782/18.0T8VCT.G1), publicado em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2009 (Proc. 08S3617), publicado em www.dgsi.pt.
[5] Exprimindo opinião concordante, vide Pedro Romano Martinez e outros autores, Código do Trabalho Anotado, 8.ª ed., pág. 881.
[6] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2012 (Proc. 161/09.3TTVLG.P1.S1), na mesma base de dados.
[7] Neste sentido se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto de 22.11.2010 (Proc. 548/09.1TTGDM.P1), bem como o Acórdão da Relação de Guimarães de 20.04.2017 (Proc. 2535/14.9T8GMR-B.G1), disponíveis na mesma base de dados.
[8] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 909.
[9] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., 2017, pág. 296.
[10] Idem, ibidem, pág. 298.
[11] Pedro Furtado Martins, loc. cit., pág. 305.
[12] Acórdão de 06.04.2017 (Proc. 1950/14.2TTLSB.L1), publicado em www.dgsi.pt.
[13] António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª ed., 2006, págs. 591/592, em análise a norma idêntica do art. 403.º n.º 3 do Código do Trabalho de 2003.