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SOCIEDADE UNIPESSOAL
REPRESENTAÇÃO LEGAL
CONTAS BANCÁRIAS
ACESSO
CABEÇA DE CASAL
ACTO DE ADMINISTRAÇÃO
Sumário
(i) A legitimidade do requerente para representar a sociedade perante terceiros e para gerir a sociedade de quotas unipessoal deriva da sua qualidade de representante comum dos contitulares da quota societária; (ii) A qualidade do requerente de representante comum (dos contitulares da quota) advém, por força de lei, da sua qualidade de cabeça-de-casal da herança; (iii) O acesso às contas bancárias da sociedade para acorrer ao giro comercial da mesma é um ato de administração gestionária da sociedade e não um ato de administração ordinária da herança. (sumário da relatora)
Texto Integral
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1 - Relatório. L…, casado, com o C.C. nº … e o NIF …, por si e em representação de Galférias – Administração de Propriedades, Unipessoal Ld.ª, com o número de identificação de pessoa coletiva 501495886, com sede na Rua de Pascoal de Melo, 3, Sala 1/3, C.P. 1170-294 Lisboa, veio deduzir providência de processo comum contra “BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. Sociedade Aberta, com sede na Praça D. João I, 28 – Porto, peticionando que o requerido seja intimado a permitir o acesso do requerente às indicadas contas de depósito à ordem nºs …, viabilizando a respetiva movimentação e operações sobre elas, munindo o requerente dos instrumentos idóneos (cartões de crédito e débito e cheques, nomeadamente), bem como, a inversão do contencioso e ao abrigo do art.º 369.º do C.P.C. a dispensa do ónus de propositura da ação principal.
O requerido impugnou a versão dos factos, negando que a conta tenha sido bloqueada, apenas o acesso informático, bem como que o requerente é que não diligenciou pela regularização da gerência da sociedade requerente, após morte do único sócio-gerente.
Foi realizada a audiência final. Foi proferida decisão que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência: a) intimar-se o requerido a, no imediato, permitir o acesso do requerente L…, casado, com o C.C. nº … e o NIF …, por si e em representação de Galférias – Administração de Propriedades, Unipessoal Ldª, às indicadas contas de depósito à ordem nºs …, viabilizando a respetiva movimentação e operações sobre elas, munindo o requerente dos instrumentos idóneos (cartões de crédito e débito e cheques, nomeadamente), para actos estritamente relativos à gestão da empresa, do que deverá ser apresentado comprovativos mensais nos autos. b) indeferir a inversão do contencioso - art.º 369.º ex vi do 376º n.º 4 do C.P.C. Inconformado com esta decisão, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A recorreu, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “A. O Recorrente não se conforma com a decisão do tribunal a quo, que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência, ordenou ao Recorrente que concedesse acesso imediato do Recorrido, por si e em representação da Recorrida, às contas de depósito à ordem desta com os n.ºs …, pois entende que não estão verificados os pressupostos de legitimidade para o acesso do Recorrido às mesmas e que o enquadramento jurídico adotado pela decisão violou normas legais vigentes.
B. A tal acresce ainda o facto de a sentença proferida ser parcialmente inexequível, concluindo-se que o tribunal a quo incorreu em erros na aplicação do direito que, uma vez expurgados, determinam a improcedência do procedimento cautelar.
C. A Recorrida é uma sociedade comercial que dispõe dos meios habituais disponibilizados pelos bancos para acesso e movimentação das contas junto do Recorrente, como códigos para acesso online às mesmas ou meios de pagamento físicos, de que são exemplo os cartões de débito, todos emitidos em nome do respetivo representante legal, o pai do Recorrido, que faleceu no dia 26/07/2019.
D. Sendo esses meios pessoais e intransmissíveis, uma vez falecido o respetivo titular, impunha-se ao Recorrido o cancelamento dos mesmos; por sua vez, aos Recorridos, querendo regularizar a situação junto do Recorrente, impunha-se a nomeação de um novo representante legal para a Recorrida, bem como o respetivo registo junto da Conservatória do Registo Comercial (momento após o qual lhe seriam atribuídos todos os acessos pelo Recorrente) o que, até à data, não sucedeu.
E. Sem prejuízo do recurso ora interposto, e em cumprimento da Sentença proferida, o Recorrente já desencadeou todos os procedimentos internos destinos a associar o Recorrido L… como representante da sociedade Recorrida, a fim de lhe permitir o movimento a débito daquelas contas ao balcão, por cheque, por cartão de débito, bem como o acesso à movimentação online, para efeitos informativos e realização de operações de transferência, mas mantém o seu entendimento de que o Recorrido não tem legitimidade para aceder às contas em causa nestes termos.
F. Salvo o devido respeito que nos merece a decisão do tribunal a quo, não estamos, contrariamente ao que foi decidido, perante uma questão de âmbito dos poderes do cabeça de casal da herança, porquanto a quota da Recorrida pertence à herança, mas o mesmo não sucede com as contas bancárias daquela.
G. Ainda que se admita que a figura da sociedade unipessoal levante dúvidas quanto à independência do seu património com o do sócio único, há diferenças a atender e que têm de acarretar as necessárias consequências jurídicas, pois uma coisa é o património da sociedade e outra coisa é o património do seu sócio falecido.
H. A posição do Recorrente no caso vertente, que entende que a gerência da sociedade não pode ser confundida com os poderes de gestão do cabeça de casal da herança na qual se integra, o que implica a regularização da situação da gerência da sociedade pelo cabeça de casal e herdeiros previamente ao pedido do Recorrido, teve o seu mérito reconhecido pelo tribunal a quo.
I. Não obstante, o tribunal a quo acabou por subsumir os factos às normas do âmbito dos poderes do cabeça de casal da herança, ancorado em interpretação que se tem por errada do Acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no âmbito dos presentes autos.
J. O Recorrente não coloca em causa que o Recorrido é cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu pai e representante comum dos herdeiros (cfr. artigos 2079.º e 2087.º, n.º 1 do CC, 222.º e 223.º do CSC), nem que a quota da sociedade Recorrida foi devidamente relacionada em sede de processo de inventário, mas, contrariamente ao que entende o tribunal a quo, não aceita que a mera qualidade de cabeça de casal do Recorrido, que lhe confere os poderes inerentes à administração da quota indivisa, como os de gestão corrente da sociedade (cfr. artigos 223.º, n.º 6 e 270.º-E do CSC), lhe confira automaticamente os direitos e poderes de que se arroga no presente procedimento cautelar.
K. Por um lado, é certo que o Recorrido tem poderes de gestão corrente da sociedade, mas, por outro, também é verdade que esses poderes ficam esvaziados e são inúteis se não forem exercidos, pelo que admitir que o Recorrido pode exercer os direitos do legal representante e vincular a Recorrida, apenas porque enquanto representante comum dos herdeiros detém os poderes de gestão corrente da sociedade, sem o ser, equivale a negar a personalidade jurídica da Recorrida.
L. O Recorrente entende que apenas terá legitimidade para aceder e movimentar as contas da sociedade Recorrida aquele que for o seu legal representante (cfr. artigo 252.º, n.º 1 do CSC), cuja nomeação está na disponibilidade do Recorrido, enquanto representante comum dos herdeiros com os consequentes poderes de gestão corrente da sociedade Recorrida, o que não sucedeu até à data, por motivo que se desconhece.
M. O tribunal a quo não concorda com o entendimento plasmado no ponto anterior, objetando com a existência de conflito entre o Recorrido e a sua co-herdeira, mas, tal argumento não pode proceder, pois é ao Recorrido que compete exercer, como representante comum da quota indivisa da Recorrida, todos os poderes inerentes a essa quota (cfr. artigo 222.º, n.º 1 do CSC), incluindo os direitos de voto típicos do sócio (com exceção dos indicados na parte II do n.º 5 e no n.º 6 do artigo 223.º do CSC), não se exigindo o acordo dos demais herdeiros ( Nesse sentido, veja-se os Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/05/2012, proferido no âmbito do processo n.º 720/11.4TYVNG.P1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/0/2017, proferido no âmbito do processo n.º 2983/16.0T8VNF.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
N. Resulta claro da lei que o representante comum da quota indivisa, uma vez investido dos poderes atribuídos ao sócio único, tem poderes suficientes nomear gerentes (cfr. artigo 270.º-F, n.º 1 do CSC), e são os gerentes que têm poderes para representar e vincular uma sociedade perante terceiros, não outros (cfr. artigo 260.º, n.º 4 do CSC).
O. Este tipo de decisão da vida societária, pela sua natureza, deve ser registada em ata assinada pelo dito sócio único (cfr. n.º 2 do artigo 270.º-F do CSC) e posteriormente remetida à competente Conservatória do Registo Comercial, para promoção do respetivo registo e publicidade da nomeação, pois, caso contrário, não se pode considerar que uma sociedade se vincule validamente perante terceiros.
P. O decesso do legal representante da Recorrida não é um facto decorrente do mero decurso do tempo, impondo-se o registo obrigatório da sua cessação de funções no âmbito da sociedade, bem como a designação do seu sucessor (cfr. artigos 3.º, n.º 1, al. m) e 15.º, n.º 1, ambos do CRC), pelo que admitir-se que o representante comum, com poderes de gestão corrente da sociedade, possa obviar os trâmites legais normais e vincular a sociedade sem mais – como fez o tribunal a quo – é atalhar caminho.
Q. Não está na disponibilidade dos Recorridos afastar a lei, pelo que não podem alcançar fins contrários à mesma por via do recurso a um procedimento cautelar sem que lhe assista razão, sob pretexto da aparência de um direito, pelo que a verdade é que sem a promoção do registo, a nomeação de um novo gerente e legal representante da Recorrida, é inoponível a terceiros. (cfr. arts. 168.º, n.ºs 1 e 2 do CSC e 14.º, n.º 1 do CRC).
R. A bem da segurança do comércio jurídico, é obrigação do Recorrente verificar os poderes dessa sociedade para se vincular sob determinadas circunstâncias (Nesse sentido, veja-se o o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/06/2009, proferido no âmbito do processo n.º 8763/2008-1 e o Acórdão de24/01/2012, proferido no âmbito do processo n.º 2785/08.7TBPDL.L1-7, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.)
S. Assim, forçoso é concluir-se que o Recorrido não tem legitimidade para representar a Recorrida em face da lei comercial e registral, pelo que inexiste fumus boni iuris na pretensão do Recorrido, não se encontrando preenchidos os pressupostos de decretamento do procedimento cautelar.
T. Também como corolário lógico do que se disse, importa concluir que a Recorrida não tem legitimidade ativa para se ocupar do objeto dos presentes autos em juízo, pelo que, ainda que se admita existir interesse direto em demandar no caso dos presentes autos, verifica-se que não se apresenta em juízo munida de documento que seja apto a vinculá-la perante quem a representa nos autos, ocorrendo assim a exceção dilatória de ilegitimidade da Recorrida (cfr. artigo 288.º, n.º 1, al. d) do CPC), que, embora invocada em sede de Oposição, não foi inexplicável e devidamente apreciada pelo tribunal a quo e que determinaria a absolvição da instância.
U. Caso assim não se entenda - o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio -sempre se dirá que a sentença proferida nos autos é parcialmente inexequível para o Recorrente, que não tem forma de comprovar que as movimentações e operações das contas se destinam à gestão da empresa, como parece ser sido determinado pelo tribunal a quo.
V. O Recorrente regista todas as operações efetuadas sobre as contas da Recorrida, nomeadamente as de débito, estando habilitado a juntar extratos mensais das contas bancárias nos autos, mas não lhe é possível nem lhe compete, salvo melhor opinião, comprovar e tecer juízos sobre o destino que é dado aos montantes que venham a ser subtraídos àquelas contas.
W. Deve assim determinar-se – na situação de manutenção do presente procedimento cautelar, no que mais uma vez não se concede e que apenas por mera cautela de patrocínio se admite - que compete aos Recorridos o ónus de fazer prova mensal nos autos de que todos os movimentos das contas da Recorrida se destinam a atos relativos à gestão da empresa, e que os montantes que dali são subtraídos não têm destino diverso daquele que o tribunal a quo determinou.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e proferido Acórdão que indefira o presente procedimento cautelar;
Caso o Venerando Tribunal mantenha a sentença recorrida, sempre deverá a mesma ser alterada no sentido de determinar que é aos Recorridos que incumbe o ónus de fazer prova mensal nos autos de que todos os movimentos das contas da Recorrida se destinam a atos relativos à gestão da empresa, e que os montantes que dali são subtraídos não têm destino diverso daquele que o tribunal a quo determinou, assim se fazendo o que é de JUSTIÇA!» Nas contra-alegações são as seguintes as conclusões (transcrição):
«I. Os termos em que a providência cautelar foi decretada – em observância da recomendação levada ao acórdão de 27/05 da Relação (1º parágrafo da última página) – retiram ao apelante qualquer interesse para o recurso. Flui, com efeito, da sua tese que aceitaria a administração das contas, sem reservas, se levada a cabo por gerente nomeado pelo cabeça de casal. Ora, a decisão recorrida mais não faz que habilitar o cabeça de casal a essa administração das contas. A questão trazida ao recurso pelo apelante é meramente académica, portanto.
II. O interesse recursório é condição de admissibilidade do próprio recurso, pelo que, faltando, deve ser liminarmente rejeitado.
III. A douta decisão recorrida, reconhecendo ao cabeça de casal os poderes de administração especificados nessa mesma decisão, fez adequada aplicação da lei, devendo ser mantida.» Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. São os seguintes os factos dados como indiciados na 1.ª instância:
1. Galférias – Administração de Propriedades, Unipessoal, Ldª, é uma sociedade comercial unipessoal por quotas, matriculada no Registo Comercial pela inscrição 1, AP 1/19880516, inicialmente sob a forma de sociedade comercial por quotas e a denominação de Galférias – Administração de Propriedades, Ldª, atualmente e por força da inscrição nº 6, Ap. 2/20180716, sob a forma e a denominação de Galférias – Administração de Propriedades, Unipessoal Ldª – indiciariamente provado com recurso à análise do doc. nº 1 (certidão do registo comercial com código de acesso on line é 1815-1761-0851).
2. Tem formalmente ainda a sua sede na Rua de Pascoal de Melo, 3, Sala 1/3, C.P. 1170-294 Lisboa, com o número de identificação de pessoa coletiva 501495886 – indiciariamente provado com recurso à análise do doc. nº 1 (certidão do registo comercial com código de acesso on line é 1815-1761-0851).
3. Tem, porém, escritório/estabelecimento na Rua Padre Glória, Bloco A, r/c Esq., em Portimão (CP 8500-578), escritório este que centraliza toda a vida, gestão e administração da sociedade e onde se desenvolvem todas as tarefas administrativas e de suporte, e para a qual é reencaminhado inclusivamente todo o correio e comunicações que lhe são dirigidas, sendo que as instalações que chegou a possuir na Rua de Pascoal de Melo, 3, Sala 1/3, C.P. 1170-294 Lisboa, estão desativadas há muito - só por inércia a sede não foi formalmente alterada para a Rua Padre Glória, Bloco A, r/c Esq., em Portimão (CP 8500-578) - indiciariamente provado por acordo das partes.
4. Tinha por gerente único R…, que era residente em … Portimão, aliás o único titular do capital social – indiciariamente provado com recurso à análise do doc. nº 1 (certidão do registo comercial com código de acesso on line é 1815-1761-0851).
5. A Sociedade tinha e tem por objeto a compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim, administração e arrendamento de imóveis, exploração de empreendimentos turísticos, discotecas, restaurantes, bares e piscinas, administração de condomínios, projetos de engenharia civil e obras públicas, construção civil e fiscalização de obras – indiciariamente provado com recurso à análise do doc. nº 1 (certidão do registo comercial com código de acesso on line é 1815-1761-0851) e acordo das partes– atividade que efetivamente exerce.
6. A Galférias, Lda, desenvolvia, como continua a desenvolver, acentuada atividade no seu âmbito estatutário, nomeadamente no campo locatício – é proprietária de vários imóveis, que dá de arrendamento, designadamente, atividade essa que desenvolve fundamentalmente no Algarve e sobretudo na área de Portimão -indiciariamente provado com recurso à análise do doc. nº 1 (certidão do registo comercial com código de acesso on line é 1815-1761-0851).
7. A sociedade abriu no Banco requerido – BCP Millenium-Banco Comercial Português, SA – as contas de depósito à ordem nºs … - indiciariamente provado com recurso à análise dos doc.s 2 a 6.
8. Essas contas foram abertas na sucursal/balcão de Portimão tendo nela ficado domiciliadas, sucursal/balcão esse à Praça Manuel Teixeira Gomes nº 7, 1º andar, 8500/542 Portimão e foram abertas e domiciliadas nessa sucursal/balcão por força dos factos supra aludidos e necessidades daí decorrentes, sendo tituladas em nome da Galférias, Lda, movimentadas pelo sócio e gerente R…, indiciariamente provado com recurso à análise do doc. nº 1 (certidão do registo comercial com código de acesso on line é 1815-1761-0851) e análise dos doc.s 2 a 6, pois apenas este teria tal poder.
9. Era através dessas contas que se processavam as operações e movimentos financeiros – a crédito, a débito e outras – e pelo recurso aos meios habituais, de entre os quais cheques e cartões de débito e crédito (estes designadamente os com os nºs … – indiciariamente provado com recurso à análise doc.s nºs 7 e 8 e ainda documentos juntos em ref.ª 39404543.
10. Era por via delas que se faziam face aos encargos e obrigações de natureza ou com implicações financeiras, inclusive de natureza fiscal – designadamente IVA (imposto sobre Valor Acrescentado, retenções a título de IRS ou IRC, IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis), AIMI (Adicional ao Imposto Municipal de Imóveis) - contribuições da Segurança Social, encargos de condomínios, com fornecimentos de energia, água, telecomunicações, remunerações a colaboradores, e outros.
11. Essas contas eram utilizadas para lançamentos a crédito – por parte dos devedores da Galférias, Ldª – como para lançamentos a débito – dos pagamentos da Galférias, Ldª, aos seus credores – indiciariamente provada com recurso à análise dos doc.s 2 a 6, anexos.
12. A 26/07/2019 faleceu, sem testamento, o dito único sócio e único gerente R…, no estado de casado com M…, mas de quem se havia separado judicialmente de pessoas e bens1 - indiciariamente provado com recurso a certidão de óbito donde tal se atesta (doc. nº 9).
13. Deixou como únicos e universais herdeiros os filhos A… e L…- indiciariamente provado com recurso ao doc. nº 10 e 10-A.
14. É o aqui requerente L… quem exerce as funções de cabeça-de-casal nos pendentes autos de inventário e partilha do património hereditário de R…, autos que correm termos com o nº 81/20.0T8PTM pelo Juízo Local Cível de Portimão, J1, da Comarca de Faro, onde prestou o legal compromisso e as legais declarações - indiciariamente provado com recurso a doc. 10 e 10-A, certidões donde se retira tal, bem como, da consulta informática de tais autos, sob nossa direcção funcional.
15. A participação social do de cujus foi relacionada – indiciariamente provado com recurso a doc. 10 e 10-A, certidões donde se retira tal, bem como, da consulta informática de tais autos, sob nossa direcção funcional.
16. Em Dezembro do corrente ano, contudo, o Banco requerido não permitiu as operações bancárias ordenadas pelo Requerente.
17. E tanto quanto o requerente logrou entender a partir das explicações que, no Balcão de Portimão, verbalmente o Banco requerido lhe transmitiu, e a instâncias dele,
1 O estado civil foi retirado do proc. 81/20.0T8PTM deste J.L.Cível (que consultamos informaticamente) donde se encontra junta certidão de casamento anexa a petição inicial, donde tal se atesta, bem como, as certidões do registo civil juntas em ref.ª37938693 destes autos.
requerente, o bloqueio fundamentava-o o requerido no facto do óbito do gerente da Galférias Lda, Rui Guerreiro.
18. Foram infrutíferas as diligências do requerente junto do requerido.
19. O bloqueio das contas acima aludido impede a gestão corrente da Galférias, Ldª, fá-la, por isso, incorrer na mora ou mesmo impossibilidade de cumprimento das suas obrigações, nomeadamente as de natureza fiscal, com riscos de cessação de fornecimentos imprescindíveis à vida societária, de ações executivas com inerentes penhoras, se não mesmo riscos de requerimentos de insolvência e da própria responsabilização contraordenacional, ou até mesmo penal, inclusive do próprio requerente.
20. Existindo obrigações – sobretudo as fiscais – com prazos certos ou prazos limite, cuja não satisfação atempada acarreta gravosas consequências.
21. A situação vê-se drástica e progressivamente agravada à medida que o tempo passa.
22. O Requerido é uma instituição de crédito que tem por objeto a prática de todas as operações permitidas aos bancos - indiciariamente provado com recurso a certidão permanente do registo comercial com o código de acesso 7336-4051-1628, disponível em https://eportugal.gov.pt).
23. A Requerente Galférias – Administração de Propriedades, Unipessoal, Lda. (doravante “Galférias”) é uma sociedade comercial, cliente do Requerido, titular de duas contas de depósito à ordem junto deste, com os n.ºs …- indiciariamente provado com recurso à análise dos doc.s 2 a 6.
24. Da Certidão Permanente do Registo Comercial da Requerente Galférias consta, como sócio único e gerente da sociedade, o Senhor Eng.º R… - indiciariamente provado com recurso a Certidão Permanente do Registo Comercial com o código de acesso 1815-1761-0851, disponível em https://eportugal.gov.pt).
25. A Requerente Galférias, tal como a generalidade dos clientes do Requerido, dispõe dos meios habituais disponibilizados pelos bancos para acesso e movimentação das contas junto do Requerido, como códigos para acesso online às mesmas ou meios de pagamento físicos, de que são exemplo os cartões de débito.
26. Embora as contas pertençam à Requerente Galférias, os códigos para o acesso online às mesmas e os meios físicos de pagamento foram entregues ao respetivo representante legal, no caso, o Senhor Eng.º R….
27. Em virtude de tal acontecimento (óbito de Rui Alberto Gomes Guerreiro), e tendo o Requerente L… comunicado o sucedido ao Requerido, remeteu ao mesmo carta datada de 30.03.2020 – indiciariamente provada com recurso à análise do doc.1 junto em oposição - manifestando a intenção de lhe serem facultados acessos e meios de pagamento idênticos, para que, na qualidade de cabeça-de-casal da herança, pudesse aceder e a movimentar as contas da Requerente Galférias.
28. Em resposta ao solicitado pelo Requerente L…, o Requerido informou o mesmo, verbalmente, acerca de qual o procedimento a adotar para que tal fosse possível, nomeadamente transmitindo que, face à situação em questão, teria a Sociedade Galférias (através do seu representante comum, o referido Requerente) de diligenciar pelos registos de óbito e nomeação/designação de novo representante legal (gerente) junto de Conservatória do Registo Comercial, momento após o qual, munido da Certidão Permanente que refletisse os registos em questão, o Requerido concederia acessos e poderes de movimentação das contas nos termos solicitados pelo Requerente.
29. Assim, tendo presente o solicitado e a informação prestada pelo Requerido ao Requerente L…, ficou o Requerido a aguardar que o referido herdeiro e cabeça de casal levasse a cabo as diligências necessárias e pretendidas para o efeito.
30. O requerido apenas cancelou os poderes de movimentação inerentes às mesmas, em virtude da não regularização da situação do legal representante junto da Conservatória do Registo Comercial.
31. As referidas contas continuam a registar operações de débito (e também a crédito), nomeadamente pagamento de várias contas - indiciariamente provado com recurso ao doc.6 da petição inicial, donde tal movimentação se extrai.
32. O próprio Requerente L… - indiciariamente provado com recurso à análise do doc.1 junto em oposição - solicitou – antes do respetivo cancelamento dos poderes de movimentação – códigos de acesso às contas e restantes documentos idóneos que o legitimassem a movimentar as contas em questão. São os seguintes os factos dados como não iniciados na 1.ª instância:
A. Falecido R…, o aqui requerente L… continuou, pois, enquanto cabeça de casal e consequentemente administrador da herança em que se integrava a participação social do de cujus, a gerir tais contas, sobre elas dando ordens, o que fazia fundamentalmente através dos cartões que a sociedade dispunha, tudo em vista do suprimento das necessidades e obrigações societárias.
B. Sucede que, volvidos alguns meses, o Requerido foi confrontado com pedidos de esclarecimento e reclamações provenientes da co-herdeira e irmã do ora Requerente L…, solicitando informações acerca das contas da sociedade Galférias, invocando a sua qualidade de herdeira.
C. Informações que, diga-se, não lhe foram prestadas, atendendo ao facto de ser “apenas” co-herdeira do falecido legal representante e não cabeça de casal da herança indivisa ou legal representante da titular das contas.
D. À referida co-herdeira o Requerido esclareceu aquilo que já havia transmitido ao Requerente L… acerca da necessidade de a sociedade diligenciar pela designação de novo gerente (legal representante) e respetivo registo na Conservatória do Registo Comercial, tendo apontado também a alternativa, que poderia consubstanciar-se na possibilidade de os dois co-herdeiros exercerem a gerência em conjunto e, assim, obterem todas as informações, acessos e possibilidade de movimentação das contas.
E. Essa faculdade dependeria, contudo, de os referidos herdeiros apresentarem ao Requerido uma habilitação suficiente para o efeito e ainda que cumprissem os demais deveres impostos pelo Banco de Portugal relativamente representantes dos titulares das contas, em particular os deveres de informação.
F. Seriam ainda necessárias para instruir o Requerido, naturalmente, as assinaturas de todos os herdeiros, ou seja, do Requerente Luís Filipe Guerreiro e da sua irmã e co-herdeira para que a movimentação pudesse ser efetuada de forma conjunta.
G. Ora, em face desta interpelação da co-herdeira do falecido legal representante, o Requerido revisitou a situação associada às contas em questão e verificou que, na sequência do óbito do legal representante (gerente) ainda registado na Conservatória, a designação de um novo legal representante da Requerente Galférias não havia sido regularizada junto de Conservatória do Registo Comercial, motivo pelo qual outra alternativa não lhe restou senão cancelar os acessos e poderes de movimentação das contas da Requerente Galférias e entregues ao então representante legal, já falecido, isto mesmo foi transmitido ao Requerente Luís Filipe Guerreiro.
2 – Objecto do recurso.
Questão a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC: Saber se o cabeça-de casal deve ter acesso às contas bancárias de uma sociedade Unipessoal Ld.ª cujo representante legal era o falecido.
3 - Análise do recurso.
O recorrido alega que o recorrente não tem interesse no recurso e, sendo o interesse recursório condição de admissibilidade do próprio recurso, deve este ser liminarmente rejeitado.
Mas não cremos que assim seja, desde logo porque o recorrente pode querer acautelar qualquer eventual responsabilidade que lhe possa ser imputada pelos herdeiros.
A divergência dos autos é relativa à situação correspondente ao falecimento do representante legal de uma sociedade Unipessoal Ldª e em que o Banco cancela os meios de acesso às contas da sociedade, nomeadamente pelo cabeça-de-casal, com o argumento de que deve ser nomeado novo representante legal da sociedade e respectivo registo comercial, que não ocorreu e só esse poderá ter o acesso pretendido, sendo insuficiente a qualidade de cabeça-de-casal.
O recorrente alega que, embora tenha invocado em sede de oposição a ilegitimidade activa, esta não foi inexplicável e devidamente apreciada pelo tribunal a quo.
Efectivamente foi invocada expressamente essa excepção (no requerimento de oposição (art.º 54.º) e não há decisão substancial sobre a mesma.
Entre as questões de que a Relação pode e deve conhecer oficiosamente figura a da legitimidade ou ilegitimidade das partes por se tratar duma excepção dilatória, salvo se, no despacho saneador oportunamente proferido, o tribunal de primeira instância se tiver ocupado, em concreto, da questão da legitimidade das partes, não se quedando pela afirmação genérica, em termos tabelares, de que as partes seriam legítimas – caso em que a reapreciação, pela Relação, da questão da legitimidade envolveria violação do caso julgado formal constituído no saneador.
Como, no caso dos autos, porém, tal não aconteceu, tendo o despacho saneador oportunamente proferido afirmado a legitimidade das partes em termos genéricos e tabelares, não se ocupando concretamente desta excepção dilatória, esta Relação não incorre em violação do caso julgado formal ao reapreciar, nesta sede, a questão da legitimidade das partes.
Vejamos:
Na oposição e novamente nas alegações de recurso, o recorrente invoca a excepção dilatória da ilegitimidade activa e defende a absolvição da instância.
Porém, da sua exposição (pouco clara) transparece como razão para fundamentar tal conclusão o argumento de que o requerente não pode aceder às contas bancárias da sociedade por não ter a qualidade de representante legal e apenas ser cabeça-de-casal, qualidade que o Banco considera insuficiente.
Ou seja, no fundo o que o recorrente faz é pôr em causa o direito substantivo do requerente e não a sua legitimidade processual, pelo que é do mérito que se trata e não de legitimidade processual.
Assim improcede, nesta parte, o recurso, pese embora a questão substancial seja seguidamente apreciada:
A empresa criada com o estatuto jurídico de Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (E.I.R.L.) é titulada por um único indivíduo ou pessoa singular.
Uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada é constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social e, em caso de falecimento do empresário titular, é permitida a sucessão, respeitando os procedimentos de inventário e partilha mas os sucessores podem decidir sobre a liquidação da EIRL ou pela continuidade do negócio.
Por força da sua qualidade de sucessor do falecido proprietário da sociedade, o autor é contitular da quota de que era titular o de cujus.
Note-se que, até à partilha, estamos perante uma contitularidade de mão comum (comunhão de mão comum por não assistir aos contitulares o direito a uma quota ideal sobre cada bem integrado na comunhão, mas sim o direito a uma fracção ideal sobre o conjunto do património comum – vide Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 1987, páginas 347 e 348) por não derivar de uma titularidade directa - e só após efectivação da partilha e da liquidação da herança se determinará se e a quem é transmitida a sociedade (já que com a morte do sócio, o titular da quota passou a ser a respectiva herança indivisa e os herdeiros passaram a ser, apenas, herdeiros da universalidade dos bens que integravam o acervo da herança, neste se incluindo a sociedade).
No caso dos autos, uma vez que não há várias quotas, não está em causa a continuidade da gestão da sociedade juntamente com os outros sócios, trata-se apenas da administração realacionada com o inventário.
Considerando que os herdeiros são os titulares da única “quota” da sociedade e que, o cabeça-de-casal é o representante comum dos contitulares nos termos da lei, para efeitos de gestão da sociedade unipessoal –cfr. art. 2079º do CC.
Sabemos que a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, compete ao cabeça-de-casal (artigo 2079.º do Código Civil), sendo a regra geral a de que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros (artigo 2091.º, n.º 1 do Código Civil).
Os poderes do cabeça de casal, no que tange à administração dos bens comuns do casal ou da herança, ressalvada a possibilidade de propor ações possessórias com vista à entrega dos bens cuja administração lhe compete (art.º 2088.º do CC), restringem-se a atos de administração ordinária.
A lei civil atribui ao cabeça-de-casal o dever de administração da herança, sem especificar os poderes que aí se integram, deixando, assim, à doutrina a tarefa de definição dos limites de intervenção e dos deveres inerentes àquele cargo.
A movimentação de contas bancárias tituladas pelo falecido constitui um ato de mera administração, não envolvendo em si mesmo qualquer ato de disposição, no sentido comummente atribuído a estes relativo à afetação/alteração da sua substância. (Vide, a este propósito, Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª edição atualizada, páginas 404 a 409)
A doutrina e alguma jurisprudência concluem, com relativa unanimidade, que actos de mera administração são os que visam a conservação e frutificação normal dos bens, sem alteração da integridade do património (Acórdão da Relação do Porto de 22.02.80, CJ, V, 1, página 56) e que “a administração cometida ao cabeça-de-casal não tem a extensão da conferida ao administrador dos bens do casal” (Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, I, Coimbra, 1990, página 322).
Como refere Mota Pinto (in Ob. cit. página 408), quanto à distinção entre actos de mera administração e de disposição: “A consideração, quer num quer noutro tipo de situações, onde a lei opera com a dicotomia administração-disposição, da ‘ratio legis’ conduz à conclusão de os actos de mera administração ou de ordinária administração serem os correspondentes a uma gestão comedida e limitada, donde estão afastados os actos arriscados, susceptíveis de proporcionar grandes lucros, mas também de causar prejuízos elevados. São os actos correspondentes a uma actuação prudente, dirigida a manter o património e a aproveitar as suas virtualidades normais de desenvolvimento, mas alheia à tentação dos grandes voos, que comportam risco de grandes quedas.
Ao invés actos de disposição são os que, dizendo respeito à gestão do património administrado, afectam a sua substância, alteram a forma ou a composição do capital administrado, atingem o fundo, a raiz, o casco dos bens.”
Como refere R. Capelo de Sousa (“Direito das Sucessões”, 1.ª edição, 2.º página 78): “A administração ordinária é a prática de actos e negócios jurídicos de conservação e justificação normal dos bens administrados.”
Ou seja, actos como por exemplo o de vender frutos ou bens perecíveis e aplicar tais receitas para pagar despesas com o funeral e no cumprimento dos encargos da herança.
E quanto ao acto de movimentação de depósitos bancários?
Sendo cabeça-de-casal, forçosa é a conclusão de que o requerente tem o direito a movimentar por si só as contas da sociedade de que é contitular.
Um contitular da sociedade, que é cabeça-de-casal, pode por si só exercer o direito ao acesso às contas da sociedade, por ser sujeito activo de tal direito, mas apenas na medida correspondente aos actos de administração ordinária.
Como refere Lopes Cardoso (Partilhas Judiciais, vol. I, página 323 e ss), “o cabeça-de-casal deverá praticar os actos que sejam indispensáveis à conservação do património em partilha”.
No caso de uma empresa, se for necessário o giro comercial para evitar prejuízos, isso implica a movimentação da conta bancária da mesma.
Ao Banco é indiferente que o cabeça-de-casal faça boa ou má aplicação do capital que levantar e também não se vislumbra como possa ter forma de comprovar que as movimentações e operações das contas se destinam à gestão ordinária da empresa.
Só os restantes herdeiros podem controlar essa movimentação através da prestação de contas.
Dito de outra forma:
A movimentação de uma conta bancária da sociedade (considerada isoladamente) não envolve a disposição dos bens, pelo que não há razão para o cabeça-de-casal não ter acesso à mesma.
Por isso, o Banco não pode recusar ao cabeça-de-casal a movimentação dos depósitos bancários da sociedade do falecido (só lhe cabe exigir o comprovativo da qualidade de herdeiro, através da junção da certidão de óbito e da habilitação de herdeiros e que verifique o cumprimento das obrigações de natureza fiscal).
Quanto à forma de acautelar os limites da mera administração ordinária há que referir o seguinte:
Não cabe ao Banco a fiscalização dos movimentos, desde logo porque, como bem salienta Lopes Cardoso (in Obra citada, página 328), ao Banco é indiferente o que venha a processar-se entre os que à herança concorrem – boa ou má aplicação que o cabeça-de-casal porventura faça dos capitais que levantou.
Excede claramente o âmbito da relação de depósito a verificação, pelo Banco, do fim último da movimentação de uma conta.
Por isso, não podemos concordar com a limitação determinada na sentença recorrida correspondente “ao acesso às contas para actos estritamente relativos à gestão da empresa, do que deverá ser apresentado comprovativos mensais nos autos”. Não é ao Banco que cabe tal controle.
Note-se que a lei prevê a questão do controlo da administração da herança por parte do cabeça-de-casal, ao consagrar o dever de prestação anual de contas perante os herdeiros (art.º 2093.º do CC), ao prever sanções para a sonegação de bens (art.º 2096.º do CC) e sendo certo que aquele pode ser removido se não administrar o património hereditário com prudência e zelo (art.º 2086.º, n.º 1, alínea b) do CC).
E, por outro lado, para proteção dos demais herdeiros, qualquer movimentação de contas de um titular falecido, após encerramento das mesmas por comunicação desse falecimento, fica sempre acautelada pelos registos do Banco.
Em suma:
A sentença não pode subsistir na parte (aliás pouco clara) em que parece obrigar o Banco a um controle, ao dizer: “…para actos estritamente relativos à gestão da empresa, do que deverá ser apresentado comprovativos mensais nos autos”. Só nesta parte procede o recurso.
Sumário:
I - A movimentação de uma conta bancária da sociedade (considerada isoladamente) não envolve a disposição dos bens, pelo que não há razão para o cabeça-de –casal não ter acesso à mesma.
II - Por isso, o Banco não pode recusar ao cabeça-de-casal a movimentação dos depósitos bancários da sociedade do falecido (só lhe cabe exigir o comprovativo da qualidade de herdeiro, através da junção da certidão de óbito e da habilitação de herdeiros e que verifique o cumprimento das obrigações de natureza fiscal).
III - Excede claramente o âmbito da relação de depósito a verificação, pelo Banco, do fim último da movimentação de uma conta.
IV - A lei prevê a questão do controlo da administração da herança por parte do cabeça-de-casal, ao consagrar o dever de prestação anual de contas perante os herdeiros, ao prever sanções para a sonegação de bens, ao prever a possibilidade de ser removido se não administrar o património hereditário com prudência e zelo e por outro lado, para proteção dos demais herdeiros, qualquer movimentação de contas de um titular falecido, após encerramento das mesmas por comunicação desse falecimento, fica sempre acautelada pelos registos do Banco.
4- Dispositivo:
Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que refere: “…para actos estritamente relativos à gestão da empresa, do que deverá ser apresentado comprovativos mensais nos autos”, no mais se mantendo a sentença.
Custas pelo recorrente na proporção de 2/3.
Évora, 14.10.21
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Declaração de Voto
Concorda-se com o sentido do julgamento – manutenção da decisão do tribunal da primeira instância (apenas) na parte em que intimou o requerido/apelante a permitir o acesso do requerente Luís Filipe de Assunção Oliveira Guerreiro, em representação da sociedade Galférias-Administração de Propriedades, Unipessoal, Lda., às contas de depósito à ordem melhor identificadas nos autos, viabilizando a respetiva movimentação e operações sobre tais contas – mas a partir de uma fundamentação distinta da constante na motivação de direito do acórdão e que se passa a expor:
1. A sociedade Galférias-Administração de Propriedades, Unipessoal, Lda. é uma sociedade unipessoal por quotas, ou seja, é constituída por um único sócio que é titular da totalidade do capital social (art. 270.º-A, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais); a este tipo de sociedade são aplicáveis as normas que regulam as sociedades por quotas, em conformidade com o disposto no art. 270.º-G CSC.
2. As contas bancárias em causa nos autos não são contas da herança, mas contas da sociedade Galférias-Administração de Propriedades, Unipessoal, Lda., entidade jurídica distinta da pessoa do sócio único (de cujus), e o seu património não se confunde com o património do sócio.
3. O sócio único faleceu e deixou herdeiros, os quais se tornaram contitulares da quota única.
4. Nos termos do art. 222.º, n.º 1, do CSC os contitulares da quota devem exercer os direitos inerentes à quota através de um representante comum.
5. Em face do disposto no art. 223.º, n.º 1, do mesmo diploma normativo, quando o representante comum não for designado pela lei ou disposição testamentária, será nomeado pelos contitulares. Mas, quando a quota faça parte da comunhão hereditária, o representante comum é, por força de lei, o cabeça de casal da herança (arts. 2079.º e 2087.º, ambos do Código Civil).
6. O de cujus era também o único gerente da sociedade; com a sua morte a sociedade ficou sem gerência pois esta é intransmissível (art. 252.º, n.º 4, do CSC).
7. O art. 253.º, n.º 1, do CSC determina que em caso de falta definitiva de todos os gerentes, são os sócios que assumem os poderes de gerência até que sejam designados os gerentes.
8. Porém, quando a quota única é transmitida, por morte, aos herdeiros e aquela integra a comunhão hereditária, os poderes de gerência não deverão ser exercidos por todos os contitulares, sendo, ao invés, o representante comum daqueles que exercerá os poderes de gerência e que representará, sozinho, a sociedade enquanto a quota fizer parte da comunhão hereditária.
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita