APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
FALTA DE DILIGÊNCIA
ERRO DE EXPEDIÇÃO DO CORREIO ELETRÓNICO
Sumário


Sumário (da relatora):

I- Para efeitos de interrupção de prazo em curso, nos termos do art.º 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29/7, o requerente da nomeação de patrono deve juntar ao processo judicial, naquele prazo, documento comprovativo da apresentação do requerimento de apoio, nessa modalidade, na segurança social ou, no mínimo, tal informação deverá chegar ao processo antes de decorrido o prazo.
II- A inclusão errada do “til” no endereço eletrónico do tribunal para o qual os RR/recorrentes pretendiam enviar o requerimento ( comprovativo do pedido de apoio judiciário) revela falta de cuidado e de diligência na tarefa de expedição do correio eletrónico por parte dos RR, pelo que se os RR não se acautelaram contra tal evento (nomeadamente não estiveram atentos à previsível e normal notificação da devolução da mensagem por endereço incorreto ou não foram confirmar junto dos serviços administrativos do tribunal até telefonicamente se o requerimento já estava junto aos autos), sendo imprevidentes, sibi imputet.
III- Não releva para efeitos de interrupção do prazo que está em curso, a junção aos autos de documento comprovativo de haver sido solicitado o benefício de apoio judiciário, quando resulta de informação prestada pela Segurança Social – junta aos autos após o decurso daquele prazo – que o pedido de nomeação de patrono, embora formulado dentro do prazo em curso não foi comprovado no processo judicial respetivo naquele aludido prazo por ter ocorrido erro ou engano no endereço eletrónico para onde foi enviada tal informação.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório:

1. A. O., divorciado, residente na Rua …, n.º …, … e … (… e …), Braga, intentou contra P. C. e P. O., ambos divorciados e ambos residentes na Rua …, n.º ..., …, Guimarães, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum de processo, peticionando, pela sua procedência, fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento que alega ter celebrado com a 1.ª R., com consequente condenação dos demandados quer na desocupação do locado, entregando-o livre de pessoas e bens, com exceção dos móveis dados em aluguer, quer no pagamento, a seu favor, da quantia de €2.100, a título de rendas vencidas e não pagas no período compreendido entre Junho e Novembro de 2020, e ainda nas vincendas até efetiva entrega do arrendado.
2. Os RR. foram citados para a presente ação no dia 02.12.2020, encontrando-se aposto o nome "A. O." no AR relativo à citação; (cfr. fls. 29 e 30).
3. Com data de 17.12.2020 foi expedida notificação a ambos os RR. dando-lhes conhecimento de que ao prazo de contestação acrescia uma dilação de 5 dias; (cfr, fls. 31 e 32).
4. No dia 19.01.2021 os RR. apresentaram junto dos serviços do ISS pedido de concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação a patrono (cfr. fls. 58ss).
5. Foi remetido da conta de correio eletrónico …..@gmail.com para o endereço de correio eletrónico guimarães.judicial@tribunais.org.pt, no dia 19.01.2021, comunicação solicitando "a suspensão do prazo de defesa, já que pedimos apoio jurídico para termos advogado e pagamento das despesas do processo"; (cfr. fls. 42).
6. O endereço de correio eletrónico do tribunal é guimaraes.judicial@tribunais.org.pt:
7. A comunicação mencionada em 5. não foi rececionada na conta referida em 6. (cfr. fls. 54).
8. Em 01.03.2021 foi proferido o seguinte despacho "Não tendo a presente ação sido contestada notifique o A. nos termos e para os efeitos do disposto no art. 567.°/2 CPC", tendo o autor nessa sequência apresentado alegações escritas.
9. Por decisão datada de 15.03.2021, foi proferida sentença julgando a ação procedente por provada.
10. Vieram os RR. reclamar de nulidade porquanto, em síntese, terão solicitado junto dos serviços do ISS, ainda na pendência do prazo de contestação, a concessão do beneficio de apoio judiciário e efetuado essa comunicação ao tribunal, pelo que nos termos do disposto no art. 24.°/4 LAJ, o prazo em curso interrompeu-se, sendo indevida a prolação de sentença.
11. Após terem sido colhidas oficiosamente informações, foi proferido despacho em 06.05.2021 nos termos do qual, em síntese, foi indeferida a arguida nulidade por: "o endereço de correio electrónico a que destinaram a comunicação não é a deste tribunal:
.. com efeito, o R. terá utilizado o endereço de correio electrónico guimarães.judicial@tribunais.org.pt quando o endereço correcto é o guimaraes.judicial@tribunais.org.pt (sem til), o que explicará a não recepção da comunicação vinda de analisar.
... com as devidas ressalvas, seria o mesmo que os RR., caso tivessem optado por efectuar a comunicação via postal, destinassem a sua carta a um outro tribunal que não aquele cujo endereço consta do cabeçalho da citação que lhes foi endereçada.
Não sendo cumprido o ónus de comunicação previsto no art. 24.°/4 LAJ, não se pode considerar interrompido o prazo para contestar, pelo que fica precludida a possibilidade de prática deste acto processual.”

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É deste despacho que ambos os RR recorrem e apresentam as seguintes conclusões (que se transcreve):
- Conclusões das alegações da Ré P. C.:

“ 1.ª Os autos mostram que a Ré praticou todos os atos necessários à concessão de Apoio Judiciário e à suspensão do prazo para praticar o ato de apresentação de contestação.
2.ª Só que o praticou de uma forma defeituosa.
3.ª O defeito consistiu em ter endereçado um e-mail destinado à comunicação no processo do requerimento para concessão do Apoio Judiciário para nomeação de patrono para o endereço guimarães.iudicial@tribunais.org.pt e não para o endereço guimaraes.judicial@tribunais.org.pt.
4.ª Esta questão é a de saber se o lapso consistente na oposição de um til no endereço eletrónico é um lapso material censurável ou justificável e a todo o tempo.
5.ª A questão tem que ser vista de um ponto de vista ético e do “homem médio” por forma a evitar a cega aplicação do direito e a cair-se na situação retratada no principio “Summum ius, summa iniuria”.
6.ª O melindre da situação prende-se com o facto de estar em causa com o direito constitucionalmente protegido à habitação consagrado no artigo 65º. da Constituição da Republica Portuguesa, como um dos direitos fundamentais do nosso sistema constitucional.
7.ª E prende-se também com o princípio basilar da nossa Constituição plasmada no artigo 20º. e que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais com tutela jurisdicional efetiva.
8.ª Prende-se igualmente com o preceito constitucional ínsito no artigo 202º., nº. 2 do da CRP que impõe que na administração da justiça incumba aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
9.ªO erro material da Ré, na aposição do til no endereço eletrónico do tribunal não é erro grosseiro tanto mais que no envelope da carta enviada nos termos e para os efeitos do artigo 233º. do CPC está impresso endereço eletrónico com guimarães com til.
10.ª E a esta luz a aplicação pura e dura do direito conduz a que tenha que ser considerada inconstitucional qualquer interpretação que se faça dos preceitos legais aplicáveis que não protejam aqueles direitos constitucionais.
11.ª O n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil preceitua que a interpretação (da lei) não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada
12.ª Mais, o artigo 566.º do CPC diz que a revelia absoluta ocorre quando o réu não desenvolve qualquer atividade, não deduz oposição, não constitui mandatário nem intervém de qualquer forma no processo.
13.ª A douta decisão recorrida, na interpretação que deu ao artigo 24º. nº. 4, da Lei do Acesso ao Direito, violou, assim, manifestos preceitos constitucionais e dos mais importantes que a Constituição consagra, facto este que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos, designadamente para os do art.º 72.º n.º 2 da LTC.
14.ª O douto recorrido despacho fez errada interpretação e aplicação do artigo 24º. nº. 4, da Lei do Acesso ao Direito e consequentemente dos artigos 64.º, 20.º e 202º., nº. 2, estes da Constituição da República Portuguesa, bem como dos artigos 9.º e 249.º do C. Civil e 146º. e 566º., estes do Código de Processo Civil, artigos estes que deveriam ter sido aplicados e interpretados por forma a que fosse anulada a sentença proferida, voltando a correr prazo para apresentação da contestação por parte da requerente.
Consequentemente, requerem a V.as Ex.as que, com o devido suprimento, se dê provimento ao presente recurso e, na procedência dele, julgar-se verificada a arguida nulidade com as inerentes decorrências, designadamente a de voltar a correr prazo para a defesa (contestação) da Ré, anulando-se em consequência a sentença proferida.”

- - Conclusões das alegações do Réu P. O.:
"1 - Deve considerar-se que a revelia absoluta é inoperante, aceitando-se como válida a comunicação ao tribunal por correio eletrónico do pedido de apoio judiciário, anulando-se todos os atos praticados, declarando-se interrompido o prazo para contestar, permitindo-se aos réus o exercício do contraditório.
2 – Deve considerar-se ainda, nos termos do artigo 144º n.º 7 al. c) do CPC, como a data da prática do ato a da expedição do mail, fazendo-se uma interpretação analógica da lei nos termos do artigo 9º n.º 1 do CC, equiparando a telecópia ao correio eletrónico.
3- Devendo ainda atender-se ao momento de pandemia, com fortes restrições de circulação, e de acesso a locais públicos, à data da comunicação do mail, fazendo-se uma interpretação extensiva do artigo 566º do CPC, considerando-se que os atos praticados pelos réus são demonstrativos da vontade de intervir nos autos, declarando-se a revelia inoperante.
Requerendo-se a V. Exas. que, se declare procedente o presente recurso, declarando-se a nulidade de todo o processado, ordenando-se a fixação de prazo para contestar, permitindo-se o exercício do contraditório e fazendo-se justiça.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes - artigos 635.°, n.º 4 e 639.°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho -, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso, verifica-se que é a seguinte a questão essencial a decidir:

- da nulidade processual por ter sido proferida sentença nos termos do art. 567º do CPC, sem ter sido dado despacho declarando interrompido o prazo para contestação da ação por ter sido pedido junto da segurança social apoio judiciário, além do mais, na modalidade de nomeação de patrono e ainda dentro do prazo da contestação, contudo tal informação foi erradamente endereçada para email que não o do tribunal e não foi junta aos presentes autos de processo dentro daquele prazo para contestar.
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III. Fundamentação de facto.

Com relevância para a decisão a proferir, quanto à invocada nulidade processual, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

Os recorrentes pedem a anulação da sentença, por nulidade, por ter sido levado a efeito o julgamento à revelia sem se ter levado em conta a interrupção do prazo para contestar, quando o requerimento do pedido de apoio judiciário deu entrada na segurança social ainda dentro do prazo para contestar.
Sustentam para tanto que comunicaram tal situação, contudo para um endereço errado- endereçaram um e-mail destinado à comunicação no processo do requerimento para concessão do Apoio Judiciário para nomeação de patrono para o endereço guimarães.iudicial@tribunais.org.pt e não para o endereço guimaraes.judicial@tribunais.org.pt., pelo que defendem tratar-se de um lapso consistente na oposição de um til no endereço eletrónico e que é um lapso material não censurável e justificável e a todo o tempo.
Defendem que o indeferimento, pelo menos implicitamente, de um verdadeiro justo impedimento ou erro desculpável, com prolação da sentença levada a cabo com um julgamento à revelia e sem despacho a declarar interrompido o prazo para contestar, se traduziu numa nulidade insanável, nos termos do art.º 195.º do CP Civil, devendo ter lugar novo prazo para contestar com a anulação de todos os atos posteriores à citação.
A decisão recorrida entendeu ter ocorrido um erro no endereço eletrónico para o qual foi enviada a comunicação do pedido de apoio judiciário, pelo que e fazendo a analogia a um envio por carta para um tribunal diferente, considerou o seguinte:“ Não sendo cumprido o ónus de comunicação previsto no art. 24.°/4 LAJ, não se pode considerar interrompido o prazo para contestar, pelo que fica precludida a possibilidade de prática deste acto processual”.
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Vejamos os princípios e os normativos pertinentes para a resolução da questão.
Dos princípios fundamentais no nosso processo civil há que referir para o caso em apreço os princípios da autorresponsabilidade das partes e da preclusão.
Do primeiro diretamente conexionado com o princípio basilar do dispositivo resulta que sendo as partes que conduzem o processo a seu próprio risco, a negligência ou inépcia delas redunda inevitavelmente em prejuízo das partes, porque não pode ser suprida por iniciativa e atividade do tribunal (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 378).
É claro que este princípio, em determinadas situações poderá ser mitigado pelo princípio da cooperação e do poder-dever de gestão processual que se encontram reforçados na atual lei processual, de tal modo que se entende que “o limite desta atenuação deverá ser encontrado no direito a um processo equitativo que servirá de critério na aplicação concreta destes princípios” (cfr. in Elementos Direito Processual Civil”, p. 158, 2ª ed., Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Castro)
Por outro lado, ao longo do processo as partes estão sujeitas a vários ónus, sendo um deles e dos mais relevantes, o dever de praticar os atos dentro de determinados prazos perentórios.
Como é sabido os prazos para a prática de atos das partes, sejam estabelecidos pela lei ou fixados pelo juiz, salvo se forem dilatórios (art. 139 n.º 2 do CPC), são perentórios.
Como expressamente estipula o n.º3 do art. 139º do CPC, o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato, sem prejuízo do justo impedimento (n.º 4 do citado artigo).
Daqui resulta que as partes têm o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão, ou seja, só o justo impedimento pode validar o ato levado a efeito após o prazo extintivo.

No caso em apreço, os RR tinham o prazo de 30 dias, a contar da citação, para deduzir contestação ( com a dilação acrescida do art. 245º do CPC), e ainda na pendência de tal prazo solicitaram junto da segurança social pedido de apoio judiciário na modalidade, além do mais, de nomeação de patrono.
Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se se pode considerar que esse prazo para apresentar a contestação foi interrompido, dado que os RR dentro do prazo para a apresentar requereram proteção jurídica, incluindo na modalidade de nomeação de patrono, contudo comunicaram tal facto para um endereço eletrónico errado, pelo que não chegou tal informação aos presentes autos (apenas há notícia nos autos de tal informação após o dia em que os RR foram notificados da sentença).
Sobre a questão dispõe o artigo 1º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho: « 1 - O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
2 - Para concretizar os objetivos referidos no número anterior, desenvolver-se-ão ações e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de proteção jurídica.».
Dentro da proteção jurídica releva para o caso, nos termos do artigo 16º n. 1 al. b), a nomeação e pagamento da compensação de patrono.
Diz o artigo 24º da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, na parte respeitante à questão decidenda: «1 - O procedimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com exceção do previsto nos números seguintes….
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;…».
Analisando o normativo acabado de citar impõe-se-nos concluir, desde logo, que uma das finalidades que preside à junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo se destina a dar conhecimento ao processo da pendência daquele procedimento e de que os RR. pretendem apresentar a sua defesa, para o que pediram a nomeação de patrono.
Ou seja, pretende-se, assim, informar a ação para a qual foi solicitada a nomeação de patrono de molde a que os autos aguardem, nos termos legalmente previstos, essa nomeação e a possibilidade do exercício do direito de defesa por parte dos réus/requerentes.
Essa exigência de documentação do pedido deve-se à circunstância dos procedimentos tendentes à concessão do apoio, em processos cíveis, correrem nos serviços de segurança social (art. 20º da Lei 34/2004) e poder ser apresentado em qualquer serviço da segurança social (art. 21º n.º1 da Lei 34/2004).
Ela é imposta aos requerentes por ser inaceitável e comprometedor da segurança jurídica a indefinição do decurso dos prazos processuais que resultaria da falta dessa documentação, tendo em conta o efeito interruptivo do prazo, decorrente da apresentação do pedido.
Esse ónus tem de ser observado pelos requerentes se pretenderem a interrupção do prazo.
Aliás, é largamente maioritária a jurisprudência dos tribunais superiores que sustenta que os prazos em curso só se interrompem com a junção aos autos, pelo requerente de apoio judiciário que pretende a nomeação de patrono, do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o respetivo procedimento administrativo, não sendo essa exigência inconstitucional, tal como decorre dos vários acórdãos citados no recente Ac da RL de 24.09.2019( colhido in dgsi).

Este acórdão realça que a questão tem que ver com a finalidade da norma, como já referímos, e acompanhando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/12/2018 (Proc. n.º 851/17.7T8SNT.L1-1 – Relator: Manuel Marques), destaca o seu sumário:

«1.– Decorre [artigo 24.º] n.º 4º da Lei.º 34/2004, de 29 de Julho, que incumbe ao requerente do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, e parte interessada na interrupção do prazo que estava a correr, juntar cópia do respetivo pedido ao processo para o qual requereu aquele benefício.
«2.– O Tribunal Constitucional tem vindo a entender (Acórdãos n.ºs 585/2016.º, 350/2016, 117/2010, 57/2006, 285/2005 e 98/2004) que esta interpretação daquele normativo se mostra conforme à Constituição.
«3.– A conduta ativa que a lei postula ao requerente do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, ao exigir que documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, não é mais exigente do que a conduta ativa que previamente tem de assumir para requerer a concessão daquele benefício junto dos serviços da Segurança Social, não sendo, pois, mais gravosa para aquele.
«4.– A razão de ser da norma do Art. 24º n.º 4, não é apenas a de evitar anulações de atos processuais posteriormente praticados no desconhecimento da apresentação tempestiva do requerimento do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, mas, fundamentalmente, o interesse do estabelecimento de prazos perentórios disciplinadores do processo.»

No caso vertente, o que se verificou foi que, na verdade, por erro no endereço eletrónico, a informação do pedido de apoio judiciário formulado- junto da segurança social e na pendência do prazo para contestar - foi enviada para um endereço eletrónico incorreto e não foi junta aos presentes autos.
Assim sendo, o resultado ocorrido assemelha-se a uma não entrega da missiva no destinatário onde a mesma deveria ser entregue em ordem a poder concluir-se pela prática de ato processual; logo, o resultado é a não prática do ato em si.
Por outro lado, jamais no Tribunal houve conhecimento de tal mensagem, a não ser em sede de reclamação/arguição da nulidade ora analisada, nomeadamente quando já há muito tinha sido ultrapassado o prazo para contestar.
Não nos repugna aceitar – como se considerou, aliás, no Acórdão da Relação do Porto de 09/02/2012 (processo nº 5406/10.4TBMAI-A.P1) e no recente Ac da RG de 17-12-2018 (rel. Elizabete Alves)– que a falta dessa comunicação ao processo, por parte do requerente, possa considerar-se suprida quando está adquirido no processo – por informação prestada pela Segurança ( ou pela Ordem de Advogados)– que esse pedido foi formulado e que, com base nesta informação, se possa considerar interrompido o prazo em curso.
Mas, para que tal aconteça será necessário, no mínimo, que tal informação tenha vindo ao processo antes de decorrido esse prazo, já que, após o seu decurso, não existe qualquer prazo que possa ser interrompido.
No caso vertente, a informação da nomeação de patrono dada nos presentes autos ocorreu muito posteriormente ao decurso do prazo para contestar, quando já não existia qualquer prazo que pudesse ser interrompido.
Curiosamente, estes casos de lapsos de envios de requerimentos para correio eletrónico incorreto não são novos e por várias vezes já foram conhecidos pelos tribunais superiores (cfr., acórdão do TR Évora, de 11-01-2007, proc. nº 2656/06-3; TE de 22-06-2021) e pelo Tribunal Constitucional (cfr. acórdão de 25-05-2005, proc. 1097/04), seja porque se invocou uma situação de justo impedimento, seja porque se invocou uma situação de erro desculpável.
No que respeita ao justo impedimento facilmente haveria que não reconhecer naquelas situações -tal como no âmbito da situação em apreço- a verificação de justo impedimento, porquanto o mesmo é consagrado na lei, a título excecional, por uma questão de justiça material, para dar realização a situações excecionais, por ocorrências estranhas e imprevisíveis ao obrigado à prática do ato, pelo que, as omissões, decorrentes de negligência simples deste (ou do seu mandatário, caso seja este a praticar o ato), não constituem justo impedimento.
Quanto à vertente do erro desculpável, naquelas situações -tal como no âmbito da situação em apreço e tal como foi referido no acórdão do TR Évora acima identificado, “Impõe-se ao expedidor do correio eletrónico que verifique os elementos gráficos do endereço do correio eletrónico do destinatário para o qual pretende remeter correio. E, sabido, como é de conhecimento geral, que a simples introdução ou falta de um elemento gráfico inviabiliza a transmissão do correio até ao destinatário eletrónico pretendido, impõe-se ao expedidor que faça essa verificação com cuidado.
…Também, por outro lado, dito em termos figurados, não existe “carteiro” eletrónico que pudesse entregar no Tribunal o correio entregue noutro domínio de Internet, nomeadamente, o correspondente, se é que existe, a caixa de correio referenciada pelo recorrente.

E se é verdade, que o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, confere o direito à sua retificação conforme dispõe o artº 249º do Cód. Civil, o certo é, que no caso presente, não estamos perante qualquer declaração constante de peça processual ou documento que a acompanhe, mas antes perante uma situação de endereço de destinatário diverso do pretendido por alegado erro no endereço da missiva, em termos equivalentes ao que se passa com a remessa de uma carta registada para um outro endereço errado.
A situação em apreço, apesar da omissão dizer respeito apenas a uma letra [no presente caso, a omissão é a palavra «porto»] no âmbito do distintivo do correio eletrónico, configura-se, em termos do correio via postal, numa situação em que em vez de se enviar determinada correspondência para um tribunal se endereça a mesma, por lapso, para qualquer outra entidade ou para um local inexistente. Nesta situação ninguém, certamente, viria sustentar ter existido erro de escrita notório e desculpável.

A omissão ou o acrescentamento de uma letra, um ponto, ou mesmo um espaço, no âmbito das comunicações via Internet, assume uma relevância extrema (atenta a identificação por simples caracteres) podendo conduzir a que a correspondência eletrónica dirigida a determinado destinatário possa ser entregue a destinatário diferente, num país muito distante, caso se encontre ativa a denominação consignada não obstante o erro de identificação cometido. Ou seja, o lapso não se caracteriza num erro de declaração, mas sim, por imprevidência, falta de cuidado e de diligência na tarefa de expedição de correio eletrónico, numa verdadeira remessa de correspondência para destinatário e local diverso do pretendido.
O lapso em apreço, em termos de comunicações eletrónicas é habitual, suscetível de previsão normal e, por isso, se a parte não se acautelou contra ele, sendo imprevidente, sibi imputet. [Alberto dos Reis, in Comentário, 2º vol., 72]” ( sublinhado nosso).

Vale tudo por dizer revertendo mais uma vez para o caso sub judicio, que a inclusão errada do “til” no endereço eletrónico do tribunal para o qual os RR pretendiam enviar o requerimento revela falta de cuidado e de diligência na tarefa de expedição do correio eletrónico por parte dos RR, pelo que se os RR não se acautelaram contra tal evento (nomeadamente não estiveram atentos à previsível e normal notificação da devolução da mensagem por endereço incorreto ou não foram confirmar junto dos serviços administrativos do tribunal até telefonicamente se o requerimento já estava junto aos autos), sendo imprevidentes, sibi imputet.
Com efeito, os ora recorrentes limitam-se, na motivação dos recursos, a alegarem que enviaram o requerimento a dar conta do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e para o endereço eletrónico incorreto por lapso de escrita ( invocando na 9ª conclusão ocorrer tal lapso “no envelope da carta enviada nos termos e para os efeitos do art. 233 do CPC” mas que não descortinámos!!), não invocando sequer a eventual circunstância de o servidor não os ter notificado, como é usual, de qualquer devolução da mensagem enviada(!!).
Com efeito, esta circunstância, para nós sobremaneira importantíssima, alertaria o mais incauto.
Ou seja, muito se espanta que o requerimento que foi enviado para um endereço eletrónico que não existe (porquanto nele foi incluído um til que não deveria ter existido na palavra “guimaraes”) não tenha sido devolvido, pois essa circunstância, como acontece normalmente nas comunicações por via eletrónica, terá motivado com certeza a recusa desse envio, e a notificação, pelo servidor, feita ao remetente, desse facto, informando o mesmo da falta de realização da pretendida comunicação (isto é, da falta de entrega do dito requerimento).
Aliás, se ainda hoje alguém enviar mensagem para aquele endereço eletrónico incorreto e que os RR enviaram, como qualquer pessoa poderá confirmar in loco fazendo tal experiência através de um qualquer email, no minuto seguinte recebe-se a informação da devolução da mensagem.
E, perante isso, o remetente o que fez? Nada fez, emendando a situação, ou seja, corrigindo o endereço eletrónico e repetindo o “envio” do requerimento?
Não sabemos, pois nada é referido a respeito.
Em consequência, a única coisa que sabemos é que o requerimento em causa nunca chegou ao processo (quer ao processo digital, quer ao processo físico).
E qual a relevância de, no limite, poder a junção do documento ou requerimento ( enviado para endereço eletrónico errado) ser feita por terceiros ( pelos funcionários), conforme aduzido pelos recorrentes?
Nenhuma, pois para tal ser ponderado sempre seria necessário que houvesse receção no tribunal de tal documento ou peça processual, o que, no caso vertente, não ocorreu, pelo menos no decurso do prazo para contestar.
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O R/recorrente pretende que, através de uma interpretação analógica da lei, se considere a equiparação da telecópia à do correio eletrónico, valendo, assim, como a prática do ato a expedição do email, nos termos aludidos no art. 144º,nº7, al. c) do CPC.
Salvo o devido respeito, crê-se que o raciocínio pretendido cai, desde logo, pela base, pois não pode deixar de aceitar-se que não chegou a haver envio algum que valha como tal.
Em verdade, nem o mesmo poderia ocorrer pela óbvia razão de se estar a utilizar um endereço inexistente.
Consequentemente, porque tal envio nunca poderia concretizar-se, não chegando, por isso e por essa via, a ter lugar a prática do ato, afigura-se-nos que não poderá ficcionar-se essa prática, leia-se a receção por via eletrónica, para fazer retroagir a uma expedição, já que a expedição também não se verificou, a data da entrega da peça.
A equiparação da data da prática do ato à da expedição, pressupõe, como não pode deixar de ser, uma efetiva e correta expedição, tendo como objetivo, bem compreensível e louvável, de proteger as partes relativamente a deficiências, anomalias ou acidentes que possam ocorrer na transmissão ou receção das telecópias ou dos emails quando estranhos à vontade de quem utiliza os meios de transmissão ou devidos a erro desculpável nessa utilização.
A errada indicação do endereço no meio de transmissão utilizado não é seguramente estranho à vontade do operador nem de utilização.
É um erro de conhecimento, proveniente de deficiente informação, que não encontra cobertura na previsão da al c) do art. 144º-7 citado. ( vide num caso semelhante apreciado ainda na lei anterior, Ac do STJ de 26.05.2009, Rel. Alves Velho, in dgsi).
Em suma, não prevê a lei processual, para além do acordo das partes mediante prorrogação (art. 141º) e do justo impedimento (art. 140º), a possibilidade da prática dos atos processuais decorrido o prazo normal e para além das situações de validação previstas no n.º 5 do art. 139º CPC, como expressamente se estatui nos n.ºs 2 e 3 deste último preceito.
Destarte não se encontra fundamento legal para, na formulação de um juízo de desculpabilidade do comportamento dos recorrentes - por terem utilizado um endereço eletrónico errado do Tribunal apesar de o mesmo constar dos ofícios de notificação corretamente -, considerar junto aos presentes autos a informação da entrega do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono junto da segurança social como efetuada no dia da expedição do aludido correio eletrónico enviado para endereço incorreto, porquanto nunca tal situação seria sequer cogitada em termos de expedição de telecópia contemplada no citado art. 144º, nº7, al. c) do CPC, como vimos ( nem o mesmo poderia ocorrer pela óbvia razão de se estar a utilizar um endereço inexistente).
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Mutatis mutandis, dir-se-á a respeito da pretendida interpretação extensiva do art. 566º do CPC.
O R/ recorrente pretende que, através de uma interpretação extensiva do art. 566º do CPC, se considere que os atos praticados pelos réus são demonstrativos da vontade de intervir nos autos, declarando-se a revelia inoperante, tudo tendo em conta o momento de pandemia, com fortes restrições de circulação, e de acesso a locais públicos, à data da comunicação do e-mail.
O entendimento contrário, na ótica do recorrente, traduz-se na aplicação cega da lei, sem atender ao circunstancialismo do tempo em que vivemos.
Salvo o devido respeito, não cremos que assim seja.
Prima facie, não se descortina razão para os tempos de pandemia em que vivemos explicarem e justificarem de modo diferente o caso de um erro no endereço eletrónico no envio de uma peça processual para o processo e que tal caso seja muito diferente de um caso que tenha lugar em tempos normais ( sem ser de pandemia) e em que tivesse ocorrido o mesmo lapso.
Por outro lado, aceitar posição diferente seria deixar ao critério do julgador, em casuística apreciação e aplicação, utilizando fundamentos jurídicos decorrentes dos princípios gerais do direito, mas que a lei processual não prevê, nem se crê que admita, a derrogação do regime de prazos perentórios, com seus efeitos preclusivos, pondo mesmo em causa princípios fundamentais do direito processual, que é direito público, tudo sob pena de se prejudicar outrossim o princípio da igualdade vertido no art. 3º-A do CPC – “igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações”.
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E não se diga que na interpretação dada ao citado art. 24º nº4 da Lei 34/2004 foram violados preceitos constitucionais, tal como defende a R/recorrente.
A inconstitucionalidade que tem sido equacionada relativamente a esta matéria prende-se apenas com a circunstância de se impor ao requerente o ónus de juntar aos autos o documento comprovativo de haver formulado aquele pedido para poder beneficiar da interrupção do prazo, ao invés de se impor essa obrigação aos serviços da Segurança Social.
Mas, como se tem entendido, tal ónus não é desproporcionado e não lesa nem viola o direito constitucional de acesso ao direito e à justiça e nesse sentido se pronunciou já o Tribunal Constitucional que, no Acórdão 98/2004, de 11/02/2004 ( e citado no AC da RC de 20-11-2021 ), afirmou:
“Ora, não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa.
Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.
Note-se, aliás, - o que não é despiciendo - que, no modelo de impresso aprovado, em que o requerente inscreve o seu pedido, consta uma declaração, a subscrever pelo interessado, no sentido de que tomou conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde decorre a ação, no prazo que foi fixado na citação/notificação. Com o que nem sequer pode legitimamente invocar o desconhecimento daquela obrigação”.

Não existe, pois, qualquer inconstitucionalidade.

Em jeito de síntese:
- Os RR/recorrentes incorreram em lapso na inserção do endereço do correio eletrónico para envio para o tribunal do requerimento comprovativo do pedido de apoio judiciário ( na modalidade de nomeação de patrono) junto da segurança social
- Tal lapso, e não tendo o requerimento sido entregue por qualquer outra via (nomeadamente em suporte de papel), teve como consequência que esse requerimento não fosse junto aos presentes autos dentro do prazo legalmente definido para os RR apresentarem a contestação.
- A falta de apresentação da contestação deveu-se ao aludido lapso, lapso esse da inteira responsabilidade dos RR/recorrentes.

Em suma: embora resulte dos autos que os RR/apelantes solicitaram a nomeação de patrono (embora, como se disse, em momento oportuno junto da segurança social de tal forma que lhes foi deferida tal pretensão posteriormente), esse pedido não foi comprovado nos autos em tempo oportuno, sendo que os Apelantes nada disseram, entretanto, e a informação prestada pela Ordem dos Advogados ( e restante informação do deferimento pela segurança social) apenas chegou quando já havia terminado o prazo que se pretende ver interrompido e já após a prolação da sentença.
Vale tudo por dizer que o prazo que estava em curso decorreu, pois, na sua totalidade, sem que, durante o seu decurso, tivesse ocorrido o facto que seria suscetível de determinar a sua interrupção.
Daí que, como se considerou na decisão recorrida, não tenha ocorrido qualquer nulidade.
E, em consequência do exposto, terá que ser confirmada a decisão recorrida, improcedendo os presentes recursos.

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V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedentes os recursos de apelação e confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Guimarães, 7 de outubro de 2021

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Jorge dos Santos
Margarida Pinto Gomes