PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
DÍVIDAS DA INSOLVÊNCIA
DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE
ENCERRAMENTO OU MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE DOS ESTABELECIMENTOS
DÉBITOS DE FORNECIMENTO DE BENS E SERVIÇOS
CONFISSÃO DE FACTOS EM ARTICULADO POR MANDATÁRIO
Sumário


Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- No âmbito do processo de insolvência impõe-se distinguir entre dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente.
2- As dívidas da insolvência são aquelas que se constituíram antes da declaração da insolvência do devedor e são as únicas que se encontram submetidas ao regime do pagamento fixado nos arts. 173º e ss. do CIRE.
3- Já as dívidas da massa insolvente encontram-se enunciadas a título exemplificativo, no art. 51º do CIRE e correspondem, grosso modo, a dívidas que se constituíram após a declaração da insolvência do devedor e o respetivo pagamento apenas se encontra submetido ao regime da pontualidade previsto no art. 172º, n.º 3 do CIRE, cumprindo ao administrador de insolvência pagá-las mal se vençam com os rendimentos provenientes da massa insolvente e, na insuficiência destes, com o produto da venda dos bens que integram a massa insolvente, incluindo, derradeiramente, os bens onerados com garantia real, posto que a massa insolvente destina-se em primeiro lugar, à satisfação dos credores da massa insolvente e, apenas em segundo lugar, à satisfação dos credores da insolvência.
4- Cumpre à assembleia de credores deliberar sobre o encerramento ou a manutenção em atividade dos estabelecimentos do devedor/insolvente, mas se não o fizer, essa decisão passa para o administrador de insolvência, sem prejuízo da assembleia de credores manter o poder de chamar a si essa decisão, revertendo a decisão tomada pelo administrador de insolvência.
5- Os débitos que resultem de fornecimento de bens e serviços aos estabelecimentos do devedor, que se mantiveram em atividade após a declaração da insolvência deste, são dívidas da massa insolvente, que terão de ser pagas pelo administrador de insolvência mal se vençam, nos termos referidos em 3), não estando esse pagamento sujeito a consulta prévia e autorização da assembleia de credores e/ou da comissão de credores.
6- Em caso de litígio, explanado em ações judiciais instauradas pelos credores contra a massa insolvente, não incorre em qualquer ilegalidade o administrador de insolvência que pague débitos da massa insolvente que se venceram após o vencimento de outros débitos da massa insolvente antes de pagar estes últimos, quando se verifique que o trânsito em julgado da decisão judicial que reconheceu estes últimos créditos sobre a massa insolvente (com data de vencimento em 1º lugar), ocorreu após o trânsito em julgado daqueles outros créditos (vencidos em 2º lugar).
7º- A confissão de factos em articulado por mandatário constituído pelo AI, não se encontra submetida ao regime jurídico do n.º 3 do art. 55º do CIRE, o qual apenas se aplica à confissão, total ou parcial, de pedido.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães.

Relatório

Por apenso aos autos de insolvência, em que por sentença transitada em julgado foi declarada insolvente “O. F., S.A.”, A. T., administrador de insolvência veio, nos termos disposto no artigo 62º, nº1 do CIRE, apresentar contas.
Observado que foi o disposto no artigo 64º do mesmo Código, o credor A. P., membro da Comissão de Credores, veio opor-se à aprovação dos pagamentos efetuados pelo senhor administrador aos credores identificados pelos créditos nº 163 (pagamento de penhora), 178 (pagamento à Segurança Social), 199 (pagamento no apenso EM), 202 (pagamento à advogada Dra. C. R.) e apenso EH (pagamento à Dra. C. M.).
Para tanto alega, em síntese, que o administrador procedeu a pagamentos indevidos com prioridade sobre os créditos laborais reconhecidos judicialmente como dívidas da massa insolvente e pagamentos que jamais deveriam ter sido suportados pela massa insolvente.

Identifica na primeira situação os seguintes créditos:
- o pagamento de € 22.742,05 no processo nº 1/08.0TJVNF-DX, crédito nº163, intentado por um credor comum, X - Indústria Química, SA, com base em sentença que não foi proferida por apenso aos autos e que se traduz num crédito por fornecimento de produtos químicos.
Não constituindo dívida da massa, entende que nunca poderia tal crédito sobrepor-se ao pagamento dos créditos laborais reconhecidos judicialmente como dívidas da massa insolvente;
- o pagamento à Segurança Social, a 31-10-2014 de € 146.080,52, crédito nº 178, sem ter sido consultada a comissão de credores, e quando já se encontravam em dívida os créditos laborais que por sentença judicial transitada em julgado há mais de dois anos foram reconhecidos como dívidas da massa, cujo valor global ultrapassa € 500.000,00;
- pagamento no apenso EM, a 16-3-2016, crédito nº 199, por despacho de 11-2-2016, foi privilegiado este credor face aos créditos laborais reconhecidos como dívidas da massa, por o AI ter confessado a dívida quase na totalidade em ação intentada pela credora para ser reconhecido o crédito como dívida da massa; o senhor administrador teria privilegiado este crédito pagando-o voluntariamente e com preferência sobre os créditos laborais;
- o pagamento à Dra. C. R., mandatária da insolvente, da quantia de € 5.170,00 a 2-11-2016, crédito nº 202, que não seria devido. A Comissão de credores não teria tido conhecimento, nem sequer dado autorização a que o sr. administrador a constituísse como mandatária da massa insolvente, se tiver sido esse o caso.
Entende assim que a massa nunca poderia ser onerada por uma despesa que era da insolvente e mesmo que o sr. administrador, abusivamente, tenha reconhecido como dívida da massa, esse crédito comum nunca poderia sobrepor-se no seu pagamento aos créditos laborais reconhecidos judicialmente como dívidas da massa insolvente.
Embora não seja percetível na prestação de contas apresentada pelo senhor administrador, em anterior relatório, o sr. administrador apresenta pagamentos de advocacia no montante de € 11.169,00, no qual se inclui, segundo transmitiu, o pagamento a título de honorários, à Dra. C. M. da importância de € 5.000,00 para contestar as ações intentadas pelos trabalhadores e que terão obtido sempre ganho de causa.
Tal pagamento, a ter existido, entende ser indevido e não poder sobrepor-se aos créditos sobre a massa de que são titulares os trabalhadores.

Termina pedindo sejam considerados não autorizados e indevidos os pagamentos efetuados pelo administrador quanto aos seguintes credores:

- crédito nº 163, de 07/03/2013, pagamento penhora – apenso DX;
- crédito nº 178, de 31/10/2014, pagamento à Segurança Social - apenso EO;
- crédito nº 199, de 16/03/2016 (apenso EM);
- crédito nº 202, de 02/11/2016, crédito da Dra. C. M. - apenso DV; e
- crédito pago à Dr.ª C. M., no montante de 5.000,00 euros.

O Ministério Público tomou posição no sentido da oposição deduzida.
A Comissão de credores apresentou o seu parecer a fls. 453 e ss., emitindo parecer desfavorável relativamente às contas apresentadas pelo administrador de insolvência, seja por discordar dos pagamentos efetuados, seja por não estarem devidamente relacionadas todas as dívidas da massa, pois o saldo deveria ser negativo, o que não se encontra espelhado na relação apresentada pelo senhor administrador de insolvência.
Alega para tanto, em síntese, que foram reconhecidas como dívidas da massa avultados créditos a trabalhadores, existindo ainda dívidas da massa à Segurança Social durante o período em que a insolvente manteve a sua atividade;
Na prestação de contas apresentada não figurariam todas as dívidas da massa conhecidas, tendo o AI decidido ignorar avultadas dívidas da massa, pois teria pago na íntegra algumas dívidas da massa e não outras;
Não teria feito qualquer pagamento aos trabalhadores;
Pagou, contudo, na íntegra o crédito da sociedade C. & C., SA, decorrente de ação contra a massa, quando à data da sentença proferida há muito haviam transitado em julgado as decisões que condenaram a massa insolvente no pagamento dos créditos peticionados pelos diversos ex-trabalhadores da sociedade insolvente;
Assim, beneficiando esse credor no pagamento do seu crédito de € 211.461,18, em detrimento dos demais;
O pagamento do crédito da Segurança Social, no montante de € 146.080,52, terá um móbil egoístico, pois o não pagamento daquelas contribuições e quotizações constituirá crime, e havendo-se a dívida constituído após a declaração de insolvência, o administrador de insolvência seria pessoalmente responsabilizado;
Levanta reservas quanto ao pagamento do crédito de € 28.214,79 identificado como despesas de penhora efetuada no apenso DX.
Foi ouvido o sr. administrador de insolvência enquanto órgão desta.
Nenhum outro credor se pronunciou.
Designou-se data para audição do administrador de insolvência e no decurso dessa audição notificou-se o mesmo para que juntasse aos autos vários documentos (cfr. fls. 458 a 459).
Juntos esses documentos aos autos, prosseguiu-se com a audição do administrador de insolvência (cfr. fls. 563 a 564).
Em 09/02/2021, proferiu-se sentença aprovando as contas apresentadas pelo administrador de insolvência, com a ressalva do pagamento efetuado à credora “X – Indústria Química, S.A.”, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Nesta conformidade, julgo validamente prestadas as contas, com a ressalva supra do pagamento à credora X – Indústria Química, S.A.”.

Inconformada com o assim decidido a credora “X – Indústria Química, S.A.” interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

I. A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU O CASO JULGADO (ARTS. 619°, 625° E 628° DO CPC) PORQUANTO NA FUNDAMENTAÇÃO CONSIDEROU QUE O CRÉDITO DA RECORRENTE SOBRE A INSOLVENTE ERA UM CRÉDITO SOBRE A INSOLVÊNCIA E NÃO SOBRE A MASSA INSOLVENTE, QUANDO,
II. COMO SE VÊ DO APENSO DV, O CRÉDITO DA RECORRENTE É (OU ERA) PROVENIENTE DE VÁRIOS FORNECIMENTOS DE PRODUTOS QUÍMICOS QUE A MESMA EFECTUOU À EXECUTADA, NO EXERCÍCIO DA SUA ACTIVIDADE INDUSTRIAL E NO PERÍODO POSTERIOR À DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA - POIS A DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA É DE 02.01.2008 E OS FORNECIMENTOS SÃO DE FEVEREIRO, MARCO, ABRIL E MAIO DE 2008 - TRATANDO-SE, ASSIM, SEM MARGEM PARA QUALQUER DÚVIDA, DE CRÉDITO SOBRE A MASSA INSOLVENTE, PORQUE EMERGENTE DE ACTOS PRATICADOS POR ESTA, NOS TERMOS DO ART. 51°, N" 1, ALÍNEA C), DO CIRE.
III. NÃO SE AFIGURA LEGALMENTE POSSÍVEL QUE A QUESTÃO DO CRÉDITO DA RECORRENTE, JÁ DEFINITIVAMENTE RESOLVIDA, POSSA SER OBJECTO DE NOVA APRECIAÇÃO E DECISÃO, EM VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTS. 621° DO CPC - «A SENTENÇA CONSTITUI CASO JULGADO NOS PRECISOS LIMITES E TERMOS EM QUE JULGA», E 628° DO MESMO DIPLOMA - «A DECISÃO CONSIDERA-SE TRANSITADA EM JULGADO LOGO QUE NÃO SEJA SUSCEPTIVEL DE RECURSO ORDINÁRIO OU RECLAMAÇÃO».
IV. UMA DECISÃO (DESPACHO, SENTENÇA OU ACÓRDÃO), TRANSITADA EM JULGADO, «TORNA INDISCUTÍVEL O RESULTADO DA APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO CONCRETO QUE É REALIZADA PELO TRIBUNAL, OU SEJA, O CONTEÚDO DA DECISÃO DESTE ÓRGÃO» (TEIXEIRA DE SOUSA, ESTUDOS SOBRE O Novo CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, z- ED., LEX, 1997, P. 567).
V. A FORÇA DE CASO JULGADO, INERENTE ÀS DECISÕES JUDICIAIS INSUSCEPTÍVEIS DE RECURSO ORDINÁRIO, CONFIGURA "UM PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO" (Acs. DO TC NºS. 352/86 E 310/2005).
VI. NA EXATA MEDIDA EM QUE A SENTENÇA DE 20.11.2009, PROFERIDA NO APENSO DV, JULGOU QUE O CRÉDITO DA RECORRENTE É SOBRE A MASSA INSOLVENTE, E NÃO EXISTIU OBSTÁCULO À EXECUÇÃO DESSA SENTENÇA CONTRA A MESMA MASSA INSOLVENTE COM FUNDAMENTO NA FALTA DE PAGAMENTO DESSA DÍVIDA, QUANTO A ESTA QUESTÃO FORMOU-SE O CORRESPONDENTE CASO JULGADO.
VII. ASSIM, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA LAVRA EM ERRO MANIFESTO, EM VIOLAÇÃO DAQUELES COMANDOS, NA MEDIDA EM QUE CONTRADIZ E/OU PÕE EM CAUSA A EFICÁCIA DO CASO JULGADO FORMADO PELA SENTENÇA PROFERIDA NO APENSO DV SOBRE ESTA CONCRETA QUESTÃO DE DIREITO (ART. 625º DO CPC), INCORRENDO NA NULIDADE PREVISTA DO ART. 615º, N.º 1 ALÍNEA D), DO CPC A QUAL PREVÊ SER NULA A DECISÃO QUANDO O JUIZ CONHEÇA DE QUESTÕES DE QUE NÃO PODIA TOMAR CONHECIMENTO.
VIII. PELO EXPOSTO, DEVE SER PROFERIDO ACÓRDÃO NO SENTIDO DE JULGAR TER A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA INCORRIDO EM ERRO MANIFESTO, DECLARAR A NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO E SER ORDENADA A REMESSA DOS AUTOS ÀQUELE TRIBUNAL A FIM DE ESTE PROFERIR NOVA DECISÃO.
TERMOS EM QUE, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Também o credor A. P. interpôs recurso de apelação daquela sentença, em que formula as seguintes conclusões:

a) Vem o presente recurso interposto da decisão final do Tribunal a quo na parte em que julgou validamente prestadas as contas apresentadas pelo Sr. AI e que foram parcialmente impugnadas pelo ora Recorrente no apenso acima identificado;
b) Nos termos do artº 62º do CIRE, o Sr. AI apresentou as contas da massa insolvente, no qual o ora recorrente, ao verificar pagamentos que entende terem sido indevidos, procede à sua impugnação, e no qual se destacam os seguintes:
a) Verba nº 163 – crédito da empresa “X – Indústria Química, S.A.” sobre a insolvência, por decisão transitada em julgado no processo nº 1/08.0TJVNF-DX, do montante de € 22.742,05, cujo pagamento foi efetuado em 07/03/2013;
b) Verba nº 178 – “ crédito da Segurança Social”, relativo à falta de pagamento de quotizações devidas relativas ao período de janeiro a abril de 2008, no âmbito de um processo crime no qual era arguido o Sr. AI que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – 2º Juízo Criminal de V.N. Famalicão, sob o proc. nº 529/10.2TAVNF, no qual o Sr. AI era arguido, no montante de € 146.080,52, cujo pagamento foi efetuado em 31/10/2014;
c) Verba nº 199 - Pagamento do crédito de “C. & C., S.A.” sobre a massa insolvente, motivado pela ação que correu termos no Apenso EM aos presentes autos, no qual o Sr. AI confessou ser a massa insolvente devedora àquela empresa do montante peticionado, tendo sido proferida sentença a 03/03/2016 e emitido recibo com a indicação de constituição do credito a 29/03/2016 (cfr. doc. 17 junto com o relatório de contas – refª 9970779 – 10/04/2020) no qual o Sr. AI procedeu ao seu pagamento integral em 16/03/2016, no montante de € 211.461,18;
c) Tais pagamentos foram efetuados, injustificadamente, com preferência sobre os créditos laborais dos trabalhadores que, em consequência da ilicitude do despedimento e após a propositura da ação que correu termos por apenso aos presentes autos – mais precisamente no apenso L, foram reconhecidos créditos laborais, incluindo retribuições e indemnizações, reconhecidos judicialmente como dividas da massa insolvente por acórdão transitado em julgado, em 10/11/2011 e que se encontram liquidados nos respetivas execuções que foram obrigados a intentar contra a massa, no valor global de € 3.588.416,10;
d) O Tribunal a quo considerou provado, na sentença recorrida, a seguinte factualidade:
a) O sr administrador procedeu na data de 12-5-2015 ao pagamento coercivo, mediante penhora em execução, do crédito da X- Indústria Química, SA, no montante de € 22.742,05, por fornecimento de produtos químicos anteriormente à declaração de insolvência.- apenso DX
b) Nos autos de processo nº 1/08.0TJVNF-EO no recurso interposto pelo credor A. P. contra o pagamento do crédito devido à Segurança Social, foi proferido Acórdão a 8-6-2017, em que foi decidido: “Nestes termos acordam os juízes deste tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando o despacho recorrido na parte em que se determina: “Deverá o Sr AI apresentar mapa de rateio parcial, em que contemple os créditos dos trabalhadores, reconhecidos como créditos da massa, visto que esta apresenta um saldo positivo de € 95.583,92, não procedendo, até ordem em contrário pelo tribunal, ao pagamento de qualquer outra quantia quer à Segurança Social quer a outra entidade” e, em sua substituição, determina-se o prosseguimento da liquidação, devendo o AI, após dar pagamento às dívidas da massa insolvente, em cumprimento do disposto nos artigos 172º e 173º do CIRE, apresentar o mapa de rateio, se e quando se verifique a situação prevista no artigo 178º e/ou a final nos termos do artigo 182º, ambos do mesmo diploma.
c) O AI procedeu ao pagamento da dívida da Segurança Social (a 31-10-2014) no montante de € 146.080,52 por entender que se tratava de uma dívida da massa e por ser alvo de um processo crime por falta de pagamento dessa quantia.
d) Na data de 16-7-2009 foi proferida sentença no apenso L, de verificação ulterior de créditos, que reconheceu os créditos dos trabalhadores aí identificados, em que se inclui o credor A. P., por trabalho prestado no período de Maio e Junho de 2008 bem como outros direitos laborais, como dívidas da massa, sentença que só transitou a 10-11-2011, após Acórdão do Tribunal Constitucional de 10-12- 2010.
e) O sr. administrador de insolvência procedeu ao pagamento a 16-3-2016, da quantia de € 211.476,18 à credora C. & C., Lda., cujo crédito foi reconhecido por decisão judicial de 4-3-2016 dívida da massa insolvente, após o sr. administrador ter confessado a dívida, no apenso EM.
f) O sr. administrador procedeu ao pagamento à Dra. C. R., mandatária da insolvente no processo intentado junto da Autoridade Tributária para restituição do imposto de selo indevidamente liquidado, conforme provado na sentença proferida no apenso EH, bem como outros serviços jurídicos que identifica na execução do apenso EF e ação de honorários também apensa aos autos principais, a quantia de € 5.170,00 a 2-11-2016, por serviços de advocacia prestado após a declaração de insolvência.
g) O sr. administrador procedeu ao pagamento à Dra. C. M., mandatária da insolvente nos processos apensos aos autos principais com as letras DX, L, EO e EH, a quantia de € 5.000,00 a 10-10-2014, por serviços de advocacia prestados após a declaração de insolvência.
h) A sociedade O. F., SA foi declarada insolvente a 2-1-2008. 9- No período que decorre entre a declaração de insolvência e a data em que encerrou o estabelecimento, a 25-7-2007, o estabelecimento da insolvente continuou a laborar.
i) A massa insolvente apresenta receitas no montante de € 743.196,52 e despesas no montante de € 744.848,28.
j) Existe dívida da massa insolvente por pagar no montante de € 1.987.624,50.
e) Na decisão recorrida, o Tribunal a quo, à exceção da credora X - Indústria Química, SA - decidiu, assim, julgar validamente prestadas as contas do Sr. AI, referindo, em suma, que, embora as dívidas da massa devem ser pagas na data dos respetivos vencimentos (artº 172º, nº 3 do CIRE), acaba por validar as contas referindo que inexiste a obrigação de legal de proceder ao rateio nas dívidas da massa insolvente;
f) Entende-se, sempre com o devido respeito, que o tribunal a quo ao decidir como decidiu fez uma errada interpretação e aplicação das normas legais atinentes;
g) Verifica-se, desde logo que nenhum dos pagamentos foi precedido da consulta e autorização da Comissão de credores, sendo que atendendo à natureza dos créditos, ao seu montante e as repercussões no seu pagamento em relação aos credores de natureza laboral da massa insolvente que se encontravam judicialmente reconhecidos, todo e qualquer pagamento traduzir-se-ia, como se traduziu, num ato jurídico que assume especial relevo para o processo de insolvência, para além de se traduzir num ato de administração extraordinária, pelo que teria o obrigatoriamente o Sr. AI de comunicar à Comissão de Credores bem como de obter o seu parecer favorável, o que não sucedeu;
h) Acresce, ainda, que em relação ao pagamento efetuado pela massa insolvente, através do Sr. AI, a sociedade C. & C., Lda., em 16.03/2016, no montante de € 211.461,18, resulta do Sr. AI “ter confessado a dívida, no apenso EM” (cfr. al. e) dos factos assentes) e no qual reconhece que o Sr. AI “devesse ter solicitado a concordância da Comissão de Credores – artº 55º, nº 8 do CIRE”, o que não fez, pelo que se verifica que não foi cumprido uma formalidade essencial para a legalidade da pratica do ato, para além, de se tratar de um facto que é insubstituível por qualquer outro meio de prova – formalidade ad substanciam – e cuja a inobservância gera a nulidade do ato, pelo que, também por aqui, tal pagamento não poderia ter ocorrido;
i) Acresce que, em relação ao pagamento pela massa insolvente, através do sr. AI, à Segurança Social no valor de 146.080,52, foi realizado no âmbito de um processo crime em que o sr. AI era arguido, tal como a Mmª juiz a quo reconhece na sentença, ou seja trata-se de um pagamento efetuado num âmbito de um processo distinto da insolvência e apensos, em que o Sr. AI acaba por utilizar o dinheiro da massa insolvente em seu beneficio, sendo que nem sequer a Segurança Social lançou mão da reclamação prevista no artº 89º do CIRE, o que, também por aqui, se traduz num ato ilegal e, nessa medida, não pode, como foi, ser validado e homologado pelo Tribunal a quo;
j) Sem prejuízo do supra exposto, a conduta do Sr. AI em proceder ao pagamento das importâncias em análise, prejudicando os trabalhadores que se encontravam com os créditos reconhecidos como dívidas da massa, traduz-se num ato ilícito e que objetivamente prejudicou os prejudicou;
k) Desde logo, verifica-se que os créditos laborais, que incluem remunerações, indemnização por despedimento ilícito e retribuições vencidas, foram reconhecidos como dívidas da massa insolvente, encontram-se suportados por decisão judicial transitada em julgado a 10-11-2011. (cfr. al. d) e j) dos factos assentes) cujo valor global ascende € 3.588.416,10;
l) Verifica-se, ainda, que os pagamentos efetuados pela massa insolvente, através do administrador de insolvência e que foram oportunamente impugnados, ocorreram em data posterior a esta decisão, nomeadamente à Segurança Social, em 31-10-2014, no valor de € 146.080,52 e à sociedade C. & C., Lda, em 4-3-2016, no valor de € 211.476,18 (cfr. al. c) e e) dos factos assentes);
m) Nos termos do artº 172º, nº 3 do CIRE o administrador de insolvência teria de ter procedido ao pagamento, com o valor disponível na massa insolvente, aos créditos laborais reconhecidos judicialmente, na medida em que se encontram constituídos em data anterior aos valores que posteriormente, de forma absolutamente infundada, pagou, beneficiando estes credores em detrimento daqueles, o que torna tais pagamentos ilícitos;
n) Acresce que, enquanto subsistisse a dívida laboral, o administrador de insolvência, por força do estatuído no artº 172º, nº 3, encontrava-se impedido de utilizar o dinheiro da massa para pagar outras dívidas que se constituíram em data posterior, como foi o caso, e, nessa medida, também por este argumento, tais pagamentos continuariam a ser indevidos;
o) Mas se assim não se entendesse, atendendo que o produto da massa insolvente resulta da alienação dos imóveis que correspondiam ao local de trabalho e dos respetivos móveis, atendendo que os créditos laborais gozam de privilégio imobiliário geral e especial, nos termos do artº 737º, nº 1, al. d) do Código Civil e artº 333º do nº 1 e 2 do Código do Trabalho, os créditos da Segurança Social cedem perante aqueles, tal como o crédito comum à sociedade “C. & C., Lda., pelo que os créditos dos trabalhadores teriam sempre preferência na distribuição do produto da massa insolvente e, nessa medida, continuariam a ser indevidos os pagamentos que o Sr. AI;
p) Mas se entendesse que o procedimento adequado seria o pagamento por rateio, por aplicação analógica do procedimento adotado para o pagamento das dividas da insolvência entre credores da mesma classe, o que parece resultar da decisão recorrida, o produto da massa insolvente deve, assim, ser distribuído de forma igualitária e na proporção do respetivo crédito, em cumprimento ao princípio da igualdade de tratamento entre credores da mesma classe, concorrendo paritariamente ao património do devedor para obter a satisfação dos respetivos créditos, têm de ser tratados de forma igual, o que também não sucedeu e que consubstancia uma conduta ilícita e discriminatória, pelo que, à luz deste argumento, os pagamentos em análise também não devem ser aprovados;
q) Importa, ainda, referir que a conduta do Sr. AI em proceder ao pagamento dos “créditos” à Segurança Social e à sociedade “C. & C., Lda.” em detrimento dos créditos laborais constituídos e reconhecidos judicialmente como dívidas da massa em data muito anterior, traduz-se numa conduta injustificada, discriminatória e contrária à lei e aos princípios de igualdade no tratamento entre os credores, do dever de boa-fé e do dever de legalidade que está sempre inerente ao exercício das funções do administrador de insolvência;
r) O sr. AI ao privilegiar uns credores em detrimento dos trabalhadores com créditos da massa insolvente reconhecidos judicialmente, em data anterior a data dos créditos cujo pagamento efetuou, não atuou como um gestor criterioso, sendo que é através do incidente de prestação de contas que os credores podem sindicar a legalidade das contas apresentadas e dos procedimentos e condutas adotadas pelo administrador de insolvência;
s) Em face do supra exposto, devem os pagamentos efetuados pelo Sr. AI e objeto de impugnação pelo ora Recorrente, serem considerados não autorizados, indevidos e irregulares e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada e substituído por outra que não aprove tais pagamentos, com as legais consequências;
t) Ao decidir, como decidiu, julgando validas as contas apresentadas pelo Sr. AI, em relação aos pagamentos impugnados pelo Recorrente, o tribunal a quo não interpretou nem aplicou devidamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artºs 55º, nº 6 e 8, 62º, 68º, nº 1, 89º, 90º, 128º, nº 3, 161º, nº 1, 2 e 3, al. f), 172º, nº 2 e 3, 178º, 182º e 194º, nº 1, estes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; 333º, nº 1 e 2 do Código do Trabalho, 737º, nº 1 al. d) do Código Civil e art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Dado o exposto e o douto suprimento de V. Exªs, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que considere indevidos e ilícitos os pagamentos efetuados pela massa insolvente, através do administrador de insolvência e identificados neste recurso.

O administrador de insolvência, enquanto legal representante da massa insolvente de O. F., S.A., interpôs recurso da sentença sob sindicância, mas esse recurso não foi admitido por despacho proferido a fls. 718, da qual o recorrente reclamou, vindo, por acórdão desta Relação de 13/07/2021, transitado em julgado, essa reclamação a ser indeferida e, assim, confirmado o despacho de não admissão desse recurso.

O credor A. P. contra-alegou quanto ao recurso interposto pela apelante “X – Indústria Química, S.A.” e ampliou o objeto do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

a) A X – Industria Química, SA interpôs recurso da sentença que, no apenso de prestação de contas, não aprovou o pagamento efetuado a esta sociedade, no montante de € 22.742,05;
b) Ora, nessa parte adere-se aos argumentos de facto e de direito apresentados na sentença recorrida, os quais se dão por reproduzidos;
c) Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre o pagamento efetuado à X – Industria Química, SA, continuaria a se revelar um ato ilícito e contrário as normas legais aplicáveis, o que subsidiariamente se invoca, devendo os argumentos que infra se apresentam, serem submetidos à douta apreciação deste Venerando Tribunal Superior, nos termos do artº 636º do CPC, pelo que se apresenta AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO;
d) Com efeito, verifica-se que o pagamento coercivo ao crédito da empresa “X – Indústria Química, S.A.” no montante de € 22.742,05, foi efetuado em 12/05/2015, ou seja ocorre com prioridade sobre os créditos de natureza laboral que foram judicialmente reconhecidos como dívidas da massa insolvente por decisão judicial transitada em julgado em transitado em julgado, em 10/11/2011 e que ascendem ao valor global de € 3.588.416,10;
e) Por outro lado, no confronto entre os dois créditos verifica-se que os créditos laborais gozam de privilégio imobiliário especial e mobiliário geral enquanto o crédito da X, em resultado das relações comerciais, traduzem-se num crédito comum, pelo que, na sua graduação e na prioridade de pagamento pela massa insolvente, este teria de ceder perante aquele, argumentos estes que foram, também, apresentados pelo ora Recorrido na impugnação às contas que apresentou;
f) A conduta do Sr. AI em permitir o pagamento coercivo à X, prejudicando, assim, os trabalhadores que se encontravam com os créditos reconhecidos como dívidas da massa, traduz-se num ato ilícito e que objetivamente prejudicou os trabalhadores;
g) Ora, conforme se encontra referido na sentença recorrida, nos termos do artº 172º, nº 3 do CIRE, o “pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo”, pelo que o administrador de insolvência teria de ter procedido ao pagamento, com o valor disponível na massa insolvente, aos créditos laborais reconhecidos judicialmente, na medida em que se encontram constituídos em data anterior aos valores que posteriormente pagou ou que permitiu o seu pagamento coercivo como foi o caso da X, conduta esta que acabou por ostensivamente e de forma infundada, beneficiar esta em detrimento daqueles, o que torna tal conduta ilícita;
h) Importa, ainda, referir que no momento em que o administrador de insolvência procede ao pagamento coercivo à X, ocorre em data muito posterior ao trânsito em julgado da decisão judicial que reconheceu os créditos laborais dos trabalhadores como dívidas da massa, pelo que nunca poderia beneficiar esta em detrimento daqueles;
i) Enquanto subsistisse a dívida laboral, o administrador de insolvência, por força do estatuído no artº 172º, nº 3 encontrava-se impedido de utilizar o dinheiro da massa para pagar dívidas que se constituem em data posterior, como foi o caso, e, nessa medida, também por este argumento, tais pagamentos continuariam a ser indevidos, sendo que o próprio tribunal a quo entende, alias, que qualquer pagamento teria de ter de ser precedido de autorização judicial, tal como consta do despacho de 15/09/2016 (ref.ª: 150583995);
j) Mas se assim não se entendesse, por força do crédito privilegiado imobiliário especial e mobiliário geral concedido aos trabalhadores, em caso de concurso entre todos os credores da massa insolvente, sempre teriam estes preferência no pagamento dos seus créditos em relação ao crédito da X de natureza comum, pelo que continuaria a ser indevida os pagamentos que o Sr. AI efetuou posteriormente à constituição dos créditos laborais;
k) Mas se entendesse que o procedimento adequado seria o pagamento por rateio, por aplicação analógica do procedimento adotado para o pagamento das dívidas da insolvência entre credores da mesma classe, o que parece resultar da decisão recorrida quando refere que “o mais correto seria ter rateado os pagamentos.”, embora não retire as respetivas ilações, o produto da massa insolvente teria de ser distribuído de forma igualitária e na proporção do respetivo crédito, em cumprimento ao princípio da igualdade de tratamento entre credores também designado de por Par Conditio creditorium, previsto entre outras normas, no artº 194º, nº 1 do CIRE, que acaba por ser uma extensão do principio da igualdade previsto no artº 13º da CRP, segundo o qual todos os credores – que não gozem de nenhuma causa de preferência relativamente aos outros credores – se encontrem em igualdade de situação, concorrendo paritariamente ao património do devedor para obter a satisfação dos respetivos créditos, têm de ser tratados de forma igual, o que também não sucedeu na medida em que permite o pagamento integral da divida à X, entre outros, em detrimento dos créditos de natureza laboral, o que, também por aqui, consubstancia uma conduta ilícita e discriminatória, pelo que, à luz deste argumento, o pagamento em analise não deve ser aprovado pelo Tribunal;
l) Importa, ainda, referir que a conduta do Sr. AI traduz-se numa conduta absolutamente injustificada e discriminatória para com os trabalhadores, como é contrária aos princípios de igualdade no tratamento entre os credores, do dever de boa-fé e do dever de legalidade que está sempre inerente ao exercício das funções do administrador de insolvência na medida em que impõe que deve agir como um gestor criterioso e ordenado, em prol da justiça e do direito e para a maximização da satisfação dos interesses dos credores, o que não sucedeu;
m) Há luz dos argumentos supra expostos e por força da presente ampliação do recurso, não deve ser autorizado o pagamento efetuado à X, como deve ser considerado indevido e irregular, de harmonia com as normas legais atinentes, nomeadamente os artºs 9º, nº 1, 55º, nº 6 e 8, 62º, 81º, 89º, nº 2, 90º, 128º, nº 3, 172º, nº 2 e 3, 178º, 182º e 194º, nº 1, estes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; artº 12º, nº 1 e 2 da Lei 22/2003, de 26/02; 333º, nº 1 e 2 do Código do Trabalho, 737º, nº 1 al. d) do Código Civil e art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa;

Termos em que deve ser confirmada a sentença recorrida na parte em que não considerou válido o pagamento efetuado à X - Indústria Química, S.A. e, consequentemente, deve ser negada apelação,
Se assim não se entender, por força da ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artº 636º nº 1 do CPC, devem ser reapreciados os argumentos apresentados no item III supra, o que se requer e dos quais, necessariamente, resulta que não deve ser aprovado o pagamento coercivo efetuado pelo sr. AI à X-Indústria Química, SA, com as legais consequências.

O Ministério Público contra-alegou em relação ao recurso interposto por “X – Indústria Química, S.A.”, e quanto à ampliação do objeto de recurso apresentada pelo credor A. P., pugnando no sentido de que o recurso interposto pela “X” seja julgado procedente e a ampliação do objeto do recurso apresentado por A. P. seja julgado improcedente, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos:

1. A insolvência foi decretada no dia 02 de janeiro de 2008 e a insolvente continuou a laborar após aquela data, sob a administração do (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador(a) da insolvência”;
2. A dívida à sociedade “X - Indústria Química, SA” respeita a serviços prestados depois da declaração de insolvência, concretamente em fevereiro, março, abril e maio de 2008;
3. Como tal, trata-se de uma dívida da massa insolvente nos termos do artº 51, nº 1, al. c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
4. Ad argumentandum tantum, e mesmo que assim não se entenda, existem já sentenças devidamente transitadas em julgado, proferidas nos apensos DX e EB, a qualificar a dívida em causa como sendo da massa insolvente e a considerar o requerimento executivo apresentado no primeiro daqueles apensos como legítimo nos termos do artº 89º, nº 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
5. Ainda assim, e colocando de parte quaisquer considerandos que poderiam (e até deveriam) ser feitos sobre a sua atuação funcional ao longo dos 13 anos de pendência deste processo de insolvência, sempre se dirá que o (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência tentou por duas vezes opor-se à penhora efetuada no âmbito do aludido processo executivo (nos apensos DX e EB, sempre sem sucesso) por entender tratar-se de um tratamento desigual de credores face à natureza comum do crédito em causa;
6. Como tal, o pagamento que fez da quantia exequenda, honorários e despesas teve integral cobertura legal, a existência de sentenças transitadas em julgado que fizeram impender sobre si a obrigatoriedade de entregar a quantia em dívida à ali exequente, aqui apelante;
7. Este pagamento foi efetuado independentemente da natureza do crédito em causa (comum) pois que, em sede de pagamento das dívidas da massa insolvente, não vigoravam (como não vigoram) os critérios existentes nos arts. 174º a 177º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para pagamento dos créditos sobre a insolvência;
8. A entender-se existir efetiva responsabilidade civil resultante da errada atuação do (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência, na forma como procedeu ao pagamento aleatório e sem sentido das dívidas da massa insolvente, com preterição de outros créditos igualmente reconhecidos judicialmente por sentença anteriormente transitada em julgado, tal não poderá bulir com o caráter elegível (e ser então devidamente aprovado como despesa) de um crédito pago e reconhecido judicialmente, também por decisão perfetibilizada (ainda que em termos subsequentes), como tal;
9. Deve ser alterada a matéria de facto como proposto em II, D);
10. Existe um duplo erro de julgamento, sendo a sentença colocada em crise equívoca:
a) em termos factuais, quer porque deu como provado que a dívida em causa é sobre a insolvente, quando notoriamente não o é [1], quer porque não deu como provados os factos que deveria ter cristalizado [ainda que recorrendo ao estatuído no artº 5º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil] sobretudo, mas também, devido ao compulso dos apensos DV e EB [2], assim promovendo uma absolutamente indesejada distorção da realidade factual que dali deveria transparecer de forma evidente;
b) em termos de análise normativa, profundamente imprecisa por não ter sabido aquilatar a existência de duas decisões transitadas em julgado (apensos DX e EB) que apodavam o crédito em causa como sendo uma dívida da massa insolvente, compelindo o (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência ao seu pagamento (ao qual ainda assim se opôs por duas vezes com oposições à penhora), tendo desta forma censurável afastado a autoridade do caso julgado com notória e intolerável perturbação da certeza do direito e da segurança jurídica indispensáveis à vida em sociedade;
11. Foram violados os arts. 5º, nº 2, al. c), 619º, nº 1, e 621º, todas as disposições do Código de Processo Civil;
12. Não foram violados os arts. invocados pelo credor A. P. na sua resposta/ampliação do recurso.

Termos em que se conclui no sentido supra exposto, julgando-se improcedente o recurso subsidiário/pedido de ampliação do seu objeto apresentado pelo credor A. P. [1], procedente o recurso da sociedade “X – Indústria Química, S.A.” [2], e proferindo-se douto acórdão que revogue a sentença esquadrinhada nos termos e com o alcance agora defendidos pelo Ministério Público.

O Ministério Público apresentou contra-alegações em relação ao recurso interposto pelo credor A. P., pugnando pela sua improcedência, concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:

1. Os pagamentos efetuados pelo (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência à Segurança Social e à sociedade “C. & C., Lda.” são lícitos pois que as quantias entregues são dívidas da massa insolvente, factos judicialmente reconhecidos, que o próprio apelante não contesta;
2. Como tal, o pagamento que fez dos referidos montantes teve cobertura legal (um dos quais de uma sentença devidamente transitada em julgado, proferida no apenso EM);
3. Não obstante essa (correta) atuação funcional, não é menos verdade que se mostra altamente censurável o critério escolhido para proceder aos pagamentos da dívida da massa insolvente;
4. Essa arbitrariedade não pode colidir com a validade das despesas apresentadas, que é o que cumpre agora apurar no âmbito deste apenso de prestação de contas;
5. O próprio apelante não questiona a bondade dos pagamentos, discute apenas que os créditos laborais foram (erradamente) preteridos;
6. Os aludidos pagamentos foram efetuados independentemente da natureza dos créditos em causa pois que, em sede de pagamento das dívidas da massa insolvente, não vigoravam (como não vigoram) os critérios existentes nos arts. 174º a 177º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para pagamento dos créditos sobre a insolvência;
7. Os (porventura equívocos, por aleatórios) pagamentos não redundaram em qualquer prejuízo para a massa insolvente, que de facto devia as quantias em causa, tarefa que incumbe ao (à) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência e foi bem desempenhada;
8. A entender-se existir efetiva responsabilidade civil resultante da errada atuação do (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência, na forma como procedeu ao pagamento aleatório e sem sentido das dívidas da massa insolvente, com preterição de outros créditos igualmente reconhecidos judicialmente por sentença anteriormente transitada em julgado, tal não poderá bulir com o carácter elegível (e serem então devidamente aprovados como despesas) de créditos pagos e reconhecidos judicialmente, também por decisão perfectibilizada (ainda que em termos subsequentes), como tal;
9. Não foram violados quaisquer dispositivos legais.
Termos em que se conclui no sentido supra exposto, julgando-se improcedente o recurso interposto.

O administrador de insolvência contra-alegou quanto ao recurso interposto por A. P. e à ampliação do objeto de recurso que este apresentou em relação à apelação interposta pela “X – Indústria Química, S.A., pugnando pela improcedência desse recurso e da ampliação do objeto de recurso, concluindo essas suas contra-alegações nos termos que se seguem:
a. A sentença recorrida julgou, e bem, procedentes as contas prestadas pelo ora recorrido, mas entendeu que o pagamento à sociedade X – Indústria Química S.A não estava autorizado, por considerar, erroneamente, que o crédito desta sociedade não era dívida da massa, mas, ao invés, crédito da insolvência e, como tal, só poderia ser pago depois de pagas as dívidas da massa.
b. Sucede que, tal erro de qualificação do crédito desta sociedade decorreu de manifesta lapso material, como de resto se deixou demonstrado nas alegações de recurso apresentadas tempestivamente nestes autos a 02/03/2021, uma vez que o crédito da sociedade X é dívida da massa tal como decorre do disposto nas sentenças transitadas em julgado, proferidas nos apensos DV, DX e EB, e ainda constatação factual das faturas que titulam o crédito pago e que constituíram causa de pedir da ação declarativa que decorreu no apenso DV.
c. De resto, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo manter-se incólume.
d. A postura do credor recorrente, pode bem ser entendida como lesiva da Massa insolvente e só de si próprio se pode queixar, da sua falta de diligência, pois, ao invés das múltiplas impugnações que fez no processo de insolvência, tivesse executado no imediato a sentença que tinham em mãos, já tinha o seu crédito pago com prioridade dos demais credores que intentaram as ações subsequentes contra a Massa.
e. O próprio recorrente e demais trabalhadores enveredaram pela via executiva e, finalmente, em 2017, executaram as sentenças cujos títulos já tinham na sua posse desde 10/11/2011; tais processos executivos correm nos apensos 1/08.0TJVNF.1, 1/08.0TJVNF.2 e 1/08.0TJVNF.3, pelo que o próprio credor conforma-se com a possibilidade de executar a massa e obter satisfação do crédito, como, de resto, assim resulta do artigo 89º, 2 do CIRE.
f. As alegações a que ora se respondem, a par de outras impugnações feitas pelo reclamante no processo, mais não são do que subterfúgio para tentar contornar a falta de diligência com que têm atuado nos presentes autos.
g. Sendo que o administrador apenas procedeu aos pagamentos aos credores que intentaram ações contra a Massa, depois de ter recebido as sentenças condenatórias, mesmo apesar de ter apresentado as devidas contestações em cada um dos processos, tal como consta dos respetivos apensos aos presentes autos, sendo que tal foi entendimento dos anteriores Magistrados titulares do processo, que a Massa Insolvente tinha de pagar.
h. Pelo que o administrador de insolvência apenas tinha que cumprir a ordem sob pena de onerar a massa insolvente com mais custas judiciais e agente de execução provocadas pelos processos executivos, atuando, assim, em benefício da massa insolvente.
1) Da (des)necessária autorização da comissão de credores para pagamento dos credores da massa:
i. Não se vislumbra qualquer norma do CIRE que faça depender da autorização da Comissão dos Credores, o pagamento das dívidas da massa, sendo que apenas o artigo 55º, nº8 do CIRE, faz referência ao parecer da Comissão de Credores, nomeadamente, quanto aos poderes para desistir, confessar ou transigir em qualquer processo.
j. Com efeito, o pagamento das dívidas da massa é feito aquando o seu vencimento ou, não sendo feito, poderão ser objeto de ação executiva a instaurar nos termos do artigo 89º, nº2 do CIRE (art.172º, nº3 do CIRE e Ac. Do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6.7.2017, sobre o processo nº 1856/07.1TBFUN-K.L1-8) e o pagamento das dívidas da massa é precípuo dos créditos da insolvência (art. 172º, nº1 do CIRE).
k. Ainda que se entendesse de forma diferente, o que por mera hipótese de raciocínio se formula, a Comissão de Credores tive conhecimento das sentenças proferidas nos apensos DX e EM, tanto mais que foram publicitadas em edital e no processo de insolvência principal.
l. Das sentenças proferidas naqueles apenso, o credor recorrente e os restantes membros da Comissão de Credores nada fizeram, não colocando em causa a sentença proferida, quer através da arguição de nulidade quer através de recurso, pelo que, pese embora tenham tido conhecimento da sua existência, conformaram-se com o seu teor, que fez caso julgado.
m. A dívida da sociedade C. & C. Lda. foi confessada porquanto, era do conhecimento funcional do administrador que se reportaria a fornecimentos posteriores à declaração de insolvência (em janeiro de 2008), no período de laboração da empresa até ao seu encerramento em maio de 2008.
n. A comissão de credores jamais se pronunciou nos autos do apenso EM, sendo que, os argumentos que agora aduziu poderia tê-los invocado no próprio apenso, já que pretende colocar em causa a sentença condenatória que ali foi proferida.
o. Acresce que, a confissão do recorrido tão-pouco foi determinante para a decisão condenatória proferida no apenso EM, porquanto, o juiz deve julgar a causa conforme for de direito, podendo, pois, suceder que, mesmo em tal situação, o veredicto final seja de improcedência da ação, por inconcludência da factualidade alegada na p. i.
p. Aqui chegados, atendendo à falta de qualificação jurídica da preterição da formalidade prevista no artigo 55º, nº8 do CIRE, e, atendendo a que, a falta de confissão naqueles autos, apenas resultaria igualmente na procedência da ação, mas desta banda por falta de contestação, o resultado prático seria exatamente o mesmo, mas com mais custos para a massa insolvente.
q. Neste sentido, jamais a falta da consulta à comissão de credores a que se refere o artigo 55º, nº8 do CIRE, poderá significar a preterição de formalidade essencial por o pagamento do crédito da massa não se tratar de ato de especial relevo, tratando-se, ao invés, de uma função do administrador a executar nos termos do artigo 172º do CIRE, e por não implicar a nulidade do pagamento, mas, tão-só, eventualmente da sentença proferida no apenso EM, o que não sucedeu.
r. O pagamento efetuado ao Instituto de Segurança Social , I.P. é uma Dívida da Massa, pois foi gerada no decurso dos meses em que a insolvente se encontrou em laboração após a declaração de insolvência (janeiro a julho de 2008), sob administração do recorrido conforme disposto no Artº 51º, alínea c) do CIRE, não carecendo o seu reconhecimento de qualquer ação nos termos do Artº 89º do CIRE, conforme principia o recorrente.
s. Além disso, conforme oportunamente se deixou demonstrado, o decurso das audiências de julgamento do Processo nº 529/10.2TAVNF da Secção Criminal J2 deste Tribunal, foi afirmado pelas legais representantes do Instituto de Segurança Social, que se não fosse efetuado o pagamento da dívida na pendência do Processo, seria de imediato penhorada a conta da Massa em processo executivo, pelo que se traduziria num ato inútil não efetuar o pagamento da dívida requerida referente aos meses de Janeiro a abril de 2008.
t. Por outro lado, é vasta a jurisprudência que advoga que o dever de pagar à Segurança Social e ao Estado, é um dever hierarquicamente superior ao dever de pagar salários ou a fornecedores – nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto relativo ao Processo nº 1033/10.4TAVFR.P1 – disponível em www.mj.pt.
2) Da (in)existência da prioridade de pagamento dos créditos dos trabalhadores que constituem dívidas da massa insolvência:
u. No que refere aos créditos da massa, o CIRE não revela qualquer preferência ou distinção quanto a pagamento de créditos laborais e da massa, pelo contrário, trata-os com generalidade em relação aos demais créditos, remetendo para o regime do artigo 172º, nº3 do CIRE.
v. A única prioridade prevista no CIRE é em relação às dívidas da massa sobre os créditos de insolvência – artigo 172º, nº1 do CIRE.
w. Assim, as dívidas da massa insolvente não estão sujeitas ao incidente de verificação e graduação de créditos, pelo que as regras previstas no artigo 128º do CIRE não são aplicáveis às dívidas da massa.
3) Da não violação do princípio da igualdade entre credores da massa:
x. Foi o próprio administrador que tentou uma solução de equidade entre credores laborais com dívidas da massa, ao propor um mapa de rateio que nunca teve decisão judicial e que foi sendo sempre impugnado pelo recorrente, que nunca admitiu outras dívidas da massa, nomeadamente, relativamente aos restantes trabalhadores que efetuaram trabalho após a declaração de insolvência.
y. As dívidas da massa, por definição do artigo 172º, nº1 do CIRE, estão subtraídas ao concurso de credores.
z. Seguindo a linha de raciocínio do Recorrente, o administrador de insolvência, não poderia ter feito quaisquer pagamentos no período de laboração da empresa após a declaração de insolvência e ao longo de todos os anos de gestão da massa insolvente, nomeadamente, suportando todos os custos com as instalações da empresa, com os imóveis, com o pagamento de impostos, com o pagamento de taxas de justiça e honorários devidos por patrocínio forense no processo de insolvência e seus apensos, porquanto, estaria, seguindo o seu entendimento, a violar o principio da igualdade, já que está a privilegiar credores em detrimento de outros.
aa.O Administrador de Insolvência não violou qualquer preceito legal e atuou sempre de forma criteriosa e ponderada, atuando de acordo com os ditamos da lei e da boa-fé, pelo que, os pagamentos efetuados pelo administrador, devidamente justificados no incidente de prestação de contas, são válidos e conforme o disposto no artigo 172º do CIRE.
bb. A isto acresce que nas alegações de recurso, o Recorrente nunca contesta a matéria de facto assente pelo tribunal a quo, irrepreensível, como já se evidenciou - segundo a qual as dividas pagas pelo recorrido correspondem a dívidas da massa insolvente, pelo que, o direito foi corretamente aplicado pelo tribunal a quo.
cc. Ora, não só esta não é a sede própria para esse efeito – com efeito, a ponderação necessária da validade de determinado crédito não é feita em sede de alegações de recurso de uma sentença judicial proferida no incidente de prestação de contas, mas sim no momento que antecede a prática daquele ato –, isto é nos próprios autos onde foram proferidas as decisões condenatórias que reconhecem os créditos da massa, como a isso acresce que encontra-se abundantemente evidenciado nestes autos que, este facto, o recorrente jamais contestou tais decisões!
dd. A pretensão do recorrente coloca em causa o instituto do caso julgado prevista no artigo 580º do CPC, nomeadamente no que se refere aos valores da segurança jurídica e de confiança nas decisões das instâncias judiciais, sendo, por isso, um entendimento perigoso e perverso.
ee. Com efeito, o entendimento do recorrente é perigoso desde logo porque colocaria em causa todos os pagamentos efetuados pela massa insolvente desde a declaração de insolvência da sociedade Fiação e Tecidos O. F., S.A., os quais foram pagos porquanto se referiam a dívidas da massa, contraídas durante a laboração da empresa após a sua insolvência.
ff. De facto, ao longo de todos estes anos vários foram os pagamentos efetuados pela massa insolvente, quer no que se refere a custos das instalações, com o património imobiliário, com o pagamento de impostos, com pagamento de custos judiciais e honorários, que seriam colocados em causa na hipótese preconizada pelo recorrente, isto é, de que o seu crédito prevalece sobre todos os outros créditos da massa reconhecimentos judicialmente em momento posterior e faz depender o seu pagamento de autorização da Comissão de Credores, sem qualquer base legal para o efeito.
gg. A acrescer ao facto de que, tanto a segurança social, como a X e como C. e C. Lda., obtiveram sentenças transitadas em julgado, que reconheceram os seus créditos e que foram do conhecimento do aqui recorrente e dos restantes membros da Comissão de Credores, que nunca contestaram tais decisões.
hh. Com efeito, a alteração da decisão recorrida e consequente anulação dos pagamentos efetuados às dívidas da massa, consubstanciarão uma violação grave do caso julgado vertidos nas sentenças proferidas nos apensos DV, DX, EB, EM e processo nº529/10.2TAVNF da Secção Criminal J2 deste Tribunal.
ii. Ora, decorre expressamente do douto acórdão proferido 08/06/2017 proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do apenso EO, que “determina-se o prosseguimento da liquidação, devendo o AI, após dar pagamento às dívidas da massa insolvente, em cumprimento do disposto nos artigos 172º e 173º do CIRE, apresentar o mapa de rateio, se e quando se verifique a situação prevista no artigo 178º e/ou a final nos termos do artigo 182º, ambos do mesmo diploma.”
jj. Ora, a eventual revogação da sentença proferida no incidente de prestação de contas, que determine a exigibilidade de valores já pagos à Segurança Social redundaria numa clara violação do caso julgado material, atendendo a que o tribunal da relação já apreciou a mesma questão e decidiu no sentido de não ser exigível à Segurança Social a devolução dos valores pagos.
kk. Por conseguinte, a pretensão do recorrente é ainda inadmissível por violação de caso julgado, nomeadamente, quanto à sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do apenso EO.
ll. Ao tornar inválidos os pagamentos efetuados aos credores da massa supra referidos, seria violar o instituto caso julgado e o princípio da segurança jurídica, com graves lesões no princípio da confiança nas relativamente a decisões judiciais, porquanto, tais situações estão já conformadas na ordem jurídica.
mm. Em sede de contra-alegações do Recorrente apresentadas contra o recurso interposto pelo Administrador de Insolvência em representação da massa, quanto à sentença proferida, cumpre referir que tais considerações ali vertidas são insípidas e desprovidas de qualquer fundamento.
nn. Vem, ao abrigo do princípio do contraditório, responder quanto à ampliação indevida do objeto de recurso.
oo. O Administrador de Insolvência tem como funções fiscalizar e orientar os atos integrantes do Processo de Insolvência – onde se incluiu o incidente de prestação de contas, bem como gerir ou liquidar a massa insolvente no âmbito do processo de insolvência.
pp. O administrador de insolvência é também competente para realizar todos os atos que lhe são atribuídos pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro (Estatuto do Administrador de Insolvência), bem como pela Lei n.º 114/2017, de 29/12 (CIRE).
qq. Por conseguinte, parece-nos evidente que o Administrador de Insolvência atua enquanto representante da massa, sendo assim, parte legítima para praticar o ato.
rr. Sendo o Administrador de Insolvência utilizador da plataforma eletrónica Citius poderá arrogar-se da referida presunção de notificação do artigo 248º do CPC, além das notificações decorrerem nos trâmites previstos na Portaria 246/2016, 7 de 09.
ss. Desde logo, se se considerar que o Administrador é parte do apenso sem representação de mandatário de mandatário, é-lhe aplicável a dilação de notificação prevista no artigo 249º, n.º 1 do CPC.
tt. Além disso, o Administrador de Insolvência em representação da massa está devidamente mandatado pela advogada signatária, pelo que, a presunção de notificação prevista no artigo 248º do CPC sempre lhe seria aplicável e lhe aproveitaria já que constituiu mandatária.
uu. Sem prescindir, ainda que se considere o recurso intempestivo e como deveria ter dado entrada em 25/02/2021, o que não se admite, sempre se dirá que, tendo o recurso sido apresentado no dia 02/03/2021, isto é, no 3º dia útil após o prazo para a prática do ato, apenas resultaria na falta de pagamento de multa a que alude o artigo 139º, nº5, al. c) e artigo 157º, nº 6 do CPC.
vv. Ora, a falta de pagamento de multa apenas faz pender sobre a secretaria a obrigação de notificar o Administrador para proceder ao pagamento da multa acrescido de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC – artigo 570º, nº6 do CPC.
ww. É inadmissível a ampliação do recurso pretendida pelo recorrente, desde logo, porque o próprio já colocou nas suas alegações de recurso a argumentação que expendeu em sede de contra-alegações, pelo que, tal se coaduna como non-sense.
xx- É inadmissível a ampliação do objeto do recurso pretendida pelo recorrente, desde logo, porque o próprio já colocou nas suas alegações de recurso a argumentação que expendeu em sede de contra-alegações aqui vertidas, as quais rebatem em absoluto os argumentos insípidos do recorrente.
yy. O recorrente pretende recorrer duas vezes: no recurso que apresenta e nas contra-alegações, já que a argumentação é absolutamente a mesma, pelo que, tal conduta manifesta um claro abuso de direito, o que deverá ser rejeitado pelo tribunal ad quem.
zz. Sendo que, se o recorrente pretendesse recorrer de mais questões, sempre poderia apresentar recurso subordinado, o que não fez.
aaa. Aqui chegados, deverá improceder, por total falta de fundamento, as exceções invocadas, bem como, a ampliação de recurso que se qualifica como inadmissível.

Termos em que e nos mais de Direito, com o vosso mui douto suprimento, deverá o presente recurso de apelação ser totalmente improcedente, mantendo-se a sentença proferida no que se refere aos credores Segurança Social, C. & C., Lda., e pagamentos a mandatárias, e alterando-se a decisão quanto à sociedade X nos termos da apelação apresentada pela massa insolvente.

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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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QUESTÃO PRÉVIA

Na sentença sob sindicância a 1ª Instância “julgou validamente prestadas as contas, com a ressalva supra quanto à credora X – Indústria Química, S.A.”, ou seja, julgou validamente prestadas as contas apresentadas pelo administrador de insolvência, juntas a fls. 475 a 478 do presente apenso, com exceção do pagamento que efetuou à sociedade “X – Indústria Química, S.A.” quanto ao crédito n.º 163 das contas que apresentou, relativo ao pagamento da quantia de 22.742,05 euros, a que se reporta o apenso DX dos presentes autos de insolvência.
Acontece que o credor A. P. interpôs recurso da sentença, imputando à decisão de mérito nela proferida diversos erros de direito, na parte em que julga validamente efetuados os pagamentos efetuados pelo administrador de insolvência (doravante A.I.) das quantias discriminadas nas verbas n.ºs 163, 178, 199, 202, 234 e 235 das contas que apresentou (estas duas últimas relativos aos pagamentos efetuados pelo A.I. à mandatária, Senhora Dr.ª C. M.).
Conforme é bom de ver, o pagamento a que se refere a verba n.º 163 das contas apresentadas pelo A.I. refere-se precisamente ao pagamento por este efetuado à credora “X – Indústria Química, S.A.”.
Acontece que diversamente do propugnado pelo apelante A. P. no recurso que interpôs, a 1ª Instância, na sentença sob sindicância, não julgou que o pagamento da verba n.º 163 efetuado pelo AI à “X” tivesse sido válido, mas antes pelo contrário, julgou validamente prestadas as contas apresentadas pelo AI, com a ressalva, isto é, com exceção, do pagamento que efetuou à credora “X” da quantia de 22.742,05 euros, por fornecimento de produtos químicos, embora por fundamentos distintos daqueles que o apelante A. P. aduz nas suas alegações de recurso.
Destarte, não sendo o apelante A. P., no que concerne ao pagamento efetuado pelo AI à sociedade “X - Indústria Química, S.A.”, face ao que se encontra decidido na sentença sob sindicância, vencido, mas antes vencedor (aliás, só assim se compreende que, na sequência do recurso que foi interposto dessa sentença pela sociedade “X”, pugnando pela revogação da decisão de mérito nela proferida, na parte que declarou inválido o pagamento que lhe foi efetuado pelo AI., o apelante A. P. tenha ampliado o objeto desse recurso nas suas contra-alegações, em que invoca precisamente os mesmos fundamentos que agora aduz nas suas alegações de recurso e que, na sua perspetiva, levam à improcedência do recurso instaurado pela “X”), impera concluir que o mesmo, nos termos do disposto no art. 631º do CPC, não dispõe de legitimidade ad recursum para recorrer da sentença sob sindicância quanto à decisão de mérito nela proferida em que não se reconhece como válido o pagamento efetuado pelo AI à sociedade “X – Indústria Química, S.A.” do crédito n.º 163 das contas apresentadas pelo AI nos autos.
Nesta conformidade, sem prejuízo da ampliação do objeto do recurso operada pelo apelante A. P., no âmbito do recurso interposto pela apelante “X – Indústria Química, S.A.” da sentença sob sindicância, rejeita-se o recurso de apelação apresentado por este apelante, A. P., quanto aos vícios que assaca à sentença recorrida, em relação ao pagamento efetuado pelo administrador de insolvência à identificada “X – Indústria Química, S.A.”, por falta de legitimidade deste concreto apelante para recorrer da decisão de mérito proferida nessa sentença, que julga que o pagamento efetuado pelo AI da quantia liquidada à identificada “X” como não sendo válido.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação e do decidido na “questão prévia” que antecede, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação são as seguintes:
Recurso da apelante “X – Indústria Química, S.A.”
a- se a sentença recorrida, na parte em julgou como não válido o pagamento efetuado pelo AI à apelante, é nula, por excesso de pronúncia;
b- se essa sentença, quanto a essa decisão de mérito, padece de erro de direito, por violar o caso julgado que cobre a sentença, transitada em julgada, proferida no âmbito do apenso DV, onde se encontra definitivamente decidido que o crédito pago pelo AI à apelante é proveniente de vários fornecimentos feitos por esta, no exercício da sua atividade industrial, e que esses fornecimentos tiveram lugar em fevereiro, março, abril e maio de 2008, ou seja, em data posterior à declaração de insolvência da sociedade devedora “O. F., S.A.”, que foi declarada insolvente em 02/01/2008;

Ampliação do objeto do recurso operada pelo apelado A. P.
c- em caso de procedência dos fundamentos de recurso aduzidos pela apelante “X” identificados em a) e/ou b), se ainda assim se impõe julgar a apelação interposta pela apelante “X” improcedente e confirmar a sentença recorrida, julgando como não válido o pagamento do crédito da verba n.º 163 das contas apresentadas a fls. 475 a 478 dos autos, realizado pelo A.I. à apelante “X – Indústria Química, S.A”, porquanto:
c.1 – O AI pagou o mencionado crédito de 22.742,05 euros à apelante “X” em 12/05/2015, com prioridade sobre o pagamento dos créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores, no âmbito do apenso E, em violação do disposto no art. 172º, n.º 3 do CIRE, em virtude de, por decisão judicial, transitada em julgado, em 10/11/2011, proferida nesse apenso E, ter ficado reconhecido que esses créditos aí reconhecidos aos trabalhadores ascendem à quantia global de 3.588.416.10 euros e constituem dívida da massa insolvente, encontrando-se, nos termos daquele n.º 3 do art. 172º, o AI impedido de realizar o pagamento do crédito da “X” enquanto não tivesse liquidado os créditos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito desse apenso E, em virtude destes se terem constituído em data anterior ao do da “X”;
c.2- o AI encontrava-se impedido de utilizar dinheiro da massa insolvente para pagar o crédito da “X” ou outras dívidas que se constituíram posteriormente aos créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores no âmbito daquele apenso E, enquanto subsistissem créditos laborais desses trabalhadores por liquidar;
c.3- o produto da massa insolvente resulta da alienação de imóveis, que correspondem ao local de trabalho dos trabalhadores e respetivos móveis, titulares dos créditos laborais reconhecidos no âmbito do apenso E, pelo que esses créditos laborais gozam de privilégio imobiliário especial e mobiliário geral e, portanto, gozam de preferência no pagamento em relação ao crédito da “X”, o qual tem natureza comum; e
c.4- em todo o caso, se assim não fosse, teria o AI de sempre proceder ao rateio do produto da massa insolvente pelos créditos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito do apenso E, com o da X e com outros créditos de outros credores, igualmente da responsabilidade da massa insolvente, distribuindo o produto de forma igualitária e na proporção dos respetivos créditos, em cumprimento do princípio da igualdade de tratamento entre credores da mesma classe;
Recurso de A. P.:
d- se a sentença recorrida padece de erro de direito quando julga validamente prestadas as contas pelo administrador de insolvência em relação aos pagamentos que realizou dos seguintes créditos:
- verba n.º 178 das contas apresentadas, referente a crédito da Segurança Social, relativo à falta de quotizações devidas relativas ao período de janeiro a abril de 2008, no montante de 146.080,52 euros, e cujo pagamento foi efetuado pelo A.I. em 31/10/2014, no âmbito do processo crime em que era arguido, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão sob o n.º 529/10.2TAVNF;
- verba n.º 199 das contas apresentadas, referente ao crédito pago à sociedade “C. e C., S.A.”, motivado pela ação que correu termos no apenso E, na qual o A.I. confessou ser a massa insolvente devedora àquela empresa do montante peticionado, tendo sido proferida sentença a 03/03/2016, e emitido recibo com a indicação de constituição do identificado crédito a 29/03/2016;
- verba n.º 202 das contas apresentadas, referente a crédito de honorários pagos à Senhora Dra. C. R., relativo à quantia de 5.170,00 euros; e
- verbas n.ºs 234 e 235 das contas apresentadas, referentes a crédito de honorários pagos à Senhora Dra. C. M.;
porquanto:
d.1- os pagamentos dessas verbas foram efetuadas pelo A.I. com preferência sobre os créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores no âmbito do apenso E, em que por acórdão transitado em julgado em 10/11/2011, se julgou, em definitivo, que os créditos aí reconhecidos aos trabalhadores são dívidas da massa insolvente, encontrando-se, nos termos daquele n.º 3 do art. 172º, o AI impedido de pagar os créditos acabados de identificar enquanto não tivesse liquidado os créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores no âmbito do apenso E, em virtude destes se terem constituído em data anterior aqueles outros créditos”;
d.2- o AI encontrava-se impedido de utilizar dinheiro da massa insolvente para pagar os créditos das verbas n.ºs 178, 199, 202, 234 e 235, ou outras dívidas que se constituíram posteriormente aos créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores no âmbito daquele apenso E, enquanto subsistissem créditos laborais desses trabalhadores por liquidar;
d.3- o produto da massa insolvente resulta da alienação de imóveis, que correspondem ao local de trabalho dos trabalhadores e respetivos móveis, titulares dos créditos laborais reconhecidos no âmbito do apenso E, pelo que esses créditos gozam de privilégio imobiliário especial e mobiliário geral e como tal tinham preferência no pagamento em relação aos créditos das verbas n.ºs 178, 199, 202, 234 e 235; e
d.4- em todo o caso, se assim não fosse, teria o AI de sempre proceder ao rateio do produto da massa insolvente pelos créditos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito do apenso E, com os das verbas das verbas n.ºs 178, 199, 202, 234 e 235 e outros, distribuindo o produto de forma igualitária e na proporção dos respetivos créditos, em cumprimento do princípio da igualdade de tratamento entre credores da mesma classe;
d.5- o pagamento das verbas n.ºs 178, 199, 202, 234 e 235 foram efetuados pelo AI sem prévia consulta e autorização da comissão de credores, quando o ato de pagamento de tais créditos assume a natureza de “ato de especial relevo para o processo de insolvência”, consubstanciando um ato de administração extraordinária, pelo que a omissão da consulta e da autorização da comissão de credores determina que os pagamentos desses créditos pelo AI seja inválido;
d.6- o pagamento da verba n.º 199, realizado pelo AI à sociedade “C. e C., Lda.” resulta da confissão da dívida efetuado pelo A.I. no âmbito do apenso E, sem prévia concordância da comissão de credores, em violação do disposto no n.º 8 do art. 55º do CIRE, consubstanciando essa confissão pelo AI, sem a prévia concordância da comissão de credores a preterição de uma formalidade ad substantiam ou de uma formalidade essencial, que determina a nulidade dessa confissão, com a consequente ilegalidade do pagamento efetuado pelo AI; e
d.7- o pagamento da verba n.º 178, efetuado pelo AI à Segurança Social, respeita ao pagamento de um crédito não reconhecido no âmbito do processo de insolvência e respetivos apensos, em que o AI utilizou dinheiro da massa insolvente em seu benefício, quando a Segurança Social não lançou mão da reclamação prevista no art. 89º do CIRE, o que determina a ilegalidade desse pagamento.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue:

1- O sr. administrador procedeu na data de 12-5-2015 ao pagamento coercivo, mediante penhora em execução, do crédito da X - Indústria Química, SA, no montante de € 22.742,05, por fornecimento de produtos químicos anteriormente à declaração de insolvência - apenso DX
2- Nos autos de processo nº 1/08.0TJVNF-EO no recurso interposto pelo credor A. P. contra o pagamento do crédito devido à Segurança Social, foi proferido Acórdão a 8-6-2017, em que foi decidido: “Nestes termos acordam os juízes deste tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando o despacho recorrido na parte em que se determina: “Deverá o Sr. AI apresentar mapa de rateio parcial, em que contemple os créditos dos trabalhadores, reconhecidos como créditos da massa, visto que esta apresenta um saldo positivo de € 95.583,92, não procedendo, até ordem em contrário pelo tribunal, ao pagamento de qualquer outra quantia quer à Segurança Social quer a outra entidade” e, em sua substituição, determina-se o prosseguimento da liquidação, devendo o AI, após dar pagamento às dívidas da massa insolvente, em cumprimento do disposto nos artigos 172º e 173º do CIRE, apresentar o mapa de rateio, se e quando se verifique a situação prevista no artigo 178º e/ou a final nos termos do artigo 182º, ambos do mesmo diploma.
3- O AI procedeu ao pagamento da dívida da Segurança Social (a 31-10-2014) no montante de € 146.080,52 por entender que se tratava de uma dívida da massa e por ser alvo de um processo crime por falta de pagamento dessa quantia.
4- Na data de 16-7-2009 foi proferida sentença no apenso L, de verificação ulterior de créditos, que reconheceu os créditos dos trabalhadores aí identificados, em que se inclui o credor A. P., por trabalho prestado no período de maio e junho de 2008, bem como outros direitos laborais, como dívidas da massa, sentença que só transitou a 10-11-2011, após Acórdão do Tribunal Constitucional de 10-12-2010.
5- O sr. administrador de insolvência procedeu ao pagamento a 16-3-2016, da quantia de € 211.476,18 à credora C. & C., Lda., cujo crédito foi reconhecido por decisão judicial de 4-3-2016 dívida da massa insolvente, após o sr. administrador ter confessado a dívida, no apenso EM.
6- O sr. administrador procedeu ao pagamento à Dra. C. R., mandatária da insolvente no processo intentado junto da Autoridade Tributária para restituição do imposto de selo indevidamente liquidado, conforme provado na sentença proferida no apenso EH, bem como outros serviços jurídicos que identifica na execução do apenso EF e ação de honorários também apensa aos autos principais, a quantia de € 5.170,00 a 2-11-2016, por serviços de advocacia prestado após a declaração de insolvência.
7- O sr. administrador procedeu ao pagamento à Dra. C. M., mandatária da insolvente nos processos apensos aos autos principais com as letras DX, L, EO e EH, a quantia de € 5.000,00 a 10-10-2014, por serviços de advocacia prestados após a declaração de insolvência.
8- A sociedade O. F., SA foi declarada insolvente a 2-1-2008.
9- No período que decorre entre a declaração de insolvência e a data em que encerrou o estabelecimento, a 25-7-2007, o estabelecimento da insolvente continuou a laborar.
10- A massa insolvente apresenta receitas no montante de € 743.196,52 e despesas no montante de € 744.848,28.
11- Existe dívida da massa insolvente por pagar no montante de € 1.987.624,50.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B.I- Recurso interposto pela sociedade “X – Indústria Química, S.A.”
B.I.a- Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

A apelante “X – Indústria Química, S.A.” imputa o vício da nulidade à sentença recorrida, com fundamento em excesso de pronúncia, na parte em que julgou inválido o pagamento que lhe foi feito pelo AI em relação ao crédito de 22.742,05 euros (verba n.º 163 das contas apresentadas a fls. 475 a 478), advogando que: “(…) o Tribunal equivocou-se, pois a dívida a que corresponde esse pagamento constituía uma dívida da massa insolvente, por ter sido constituída já depois da declaração da insolvência. De facto, basta ler o apenso DX, desde logo, o requerimento executivo, para ver que a recorrente instaurou execução comum contra a massa insolvente de O. F., S.A., com base em sentença condenatória de 20/11/2009, proferida na ação especial declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, que constitui o apenso DV, onde a massa insolvente de O. F., S.A., foi condenada a pagar à requerente a quantia de 20.104,18 euros, acrescida dos juros vincendos, calculados à taxa comercial em vigor sobre o capital em dívida, e que se vencessem desde a data da instauração dessa ação até efetivo e integral pagamento. Como também se vê claramente desse apenso DV, o crédito da recorrente é proveniente de vários fornecimentos de produtos químicos que a exequente efetuou à executada, no exercício da sua atividade comercial e no período posterior à declaração da insolvência – pois a declaração da insolvência é de 2/1/2008 e os fornecimentos são de fevereiro, março, abril e maio de 2008 -, tratando-se assim, sem margem para qualquer dúvida, de crédito sobre a massa insolvente, porque emergente de atos praticados por esta, nos termos do art. 51º, n.º 1, al. c) do CIRE”.
Conclui a apelante que “não se afigura possível que a questão do crédito da requerente, já definitivamente resolvida no apenso DV, possa ser objeto de nova apreciação, em violação do disposto no art. 621º do CPC” e, bem assim que ao julgar que aquele crédito era um crédito sobre a insolvência, por respeitar a fornecimentos de produtos químicos efetuados pela apelante anteriormente à declaração da insolvência da O. F., S.A. e, consequentemente, ao julgar inválido o pagamento desse crédito efetuado pelo AI à apelante com inválido, a 1ª Instância, não só violou o caso julgado material que cobre a decisão de mérito proferida no âmbito do apenso DV, como incorreu na nulidade prevista no art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, por nela ter tomado conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento.
Analisada a descrita argumentação da apelação, antecipe-se desde já não assistir razão à mesma quando imputa o vício da invalidade à sentença sob sindicância, por pretenso excesso de pronúncia, confundindo manifestamente aquela, vícios determinativos da invalidade da sentença, nomeadamente, por excesso de pronúncia, com erros de julgamento.
Na verdade, conforme é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (1).
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente enunciadas no art. 615º do CPC, e tal como decorre da análise das diversas alíneas desse preceito, reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em sede de fundamentos – causa de pedir - e/ou de pretensão - pedido), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial (compreende-se neste conceito a sentença, acórdão ou o despacho – arts. 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, está-se na presença de vícios formais que afetam essa decisão de per se e/ou os limites à sombra dos quais é proferida.
Neste sentido pondera Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (2).
Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios/erros em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada na sentença, acórdão ou despacho, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso, na interpretação dessas normas, e/ou na sua aplicação à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris).
Nos erros de julgamento assiste-se assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando (3).
Entre as causas taxativas de nulidade da decisão judicial elencadas no art. 615º, n.º 1 do CPC, contam-se a omissão e o excesso de pronúncia (al. d)).
Trata-se de nulidades que se relacionam com o disposto no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (despacho ou acórdão – arts. 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, exceto se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso pelo tribunal.
Na verdade, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e de todas as exceções invocadas pelas mesmas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que este não tomou conhecimento – o que já consubstancia erro de direito, posto que o tribunal errou ao não conhecer da exceção, apesar desta ser do seu conhecimento oficioso) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) (4).
Inversamente, o conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.
Precise-se que a invalidade da decisão por omissão ou excesso de pronúncia consubstancia a concretização prática do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que entre outras consequências, decorre que cabe às partes instaurar a ação e, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema decidendum (5), mas também do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de contribuírem positivamente para a decisão a ser nele proferida.
Acresce precisar que como já alertava Alberto dos Reis (6), impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “(…). Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Logo, apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (7).
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
“Questões”, reafirma-se, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista ou para afastar o ponto de vista da parte contrária.
Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os pontos de facto e/ou de direito centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir as teses em presença (8).
Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “…assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)” (9).
Acresce precisar que apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal, na decisão, silencie, total e absolutamente, qualquer pronúncia quanto à questão e não quando aprecia a mesma, mas fá-lo de forma sintética e escassamente fundamentada (10).
Também não existe nulidade por omissão de pronúncia quando o juiz tenha erroneamente considerado na sentença que o conhecimento de uma outra questão de que conheceu e decidiu, prejudicou a apreciação daquela outra, suscitada pelas partes e em relação à qual se acusa a falta de pronúncia.
Nesse caso, o que existe é uma situação de erro de julgamento (uma decisão que do ponto de vista jurídico é errónea), atacável em via de recurso, onde esse erro, a verificar-se, terá de ser corrigido pelo tribunal ad quem (11).
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, nos presentes autos de prestação de contas pelo administrador de insolvência em relação à administração que exerceu no âmbito do processo de insolvência da sociedade “O. F., S.A.”, declarada insolvente por sentença proferida em 02/01/2008, transitada em julgado, está em causa saber se as contas apresentadas pelo último são ou não válidas, o que passa necessariamente por se indagar da validade jurídica dos recebimentos e pagamentos por este efetuadas ao longo da sua administração, onde se inclui o pagamento da verba n.º 163 das contas que apresentou a fls. 475 a 478 dos autos, que efetuou à apelante.
Destarte, ao ter apreciado da (in)validade do pagamento que o AI realizou à apelante daquela verba e ao concluir que esse pagamento é inválido, a 1ª Instância não incorreu em qualquer nulidade por excesso de pronúncia, posto que se cingiu estritamente à causa de pedir (fundamentos) que lhe foram traçados pelo administrador da insolvência na petição inicial em que apresenta as contas da sua administração no âmbito dos presentes autos de insolvência.
Se a 1ª Instância deu como provado, no ponto 1º dos factos julgados provados na sentença, que a quantia de 22.742,05 euros paga pelo A.I. à apelante respeita ao preço de fornecimentos de produtos químicos que esta efetuou anteriormente à declaração de insolvência da O. F., S.A., e se, com isso, violou o trânsito em julgado material que cobre a decisão judicial proferida no âmbito do apenso DX, como é bom de ver, o tribunal não incorreu em qualquer excesso de pronúncia, mas antes errou, isto é, decidiu mal em sede de julgamento da matéria de facto, por violação de regras de direito probatório material (o caso julgado que cobre a decisão de mérito proferido no âmbito do apenso DX) que lhe impunha, sem qualquer margem de subjetivismo, que julgasse provado que essa quantia paga à apelante reporta-se ao pagamento de fornecimentos de produtos químicos realizados pela apelante após a O. F., S.A, ter sido declarada insolvente, o que demandará que a Relação ou o STJ (em caso de recurso de revista), uma vez detetado esse erro, tenha, ainda que oficiosamente, de suprir o mesmo, por forma a tornar o julgamento da matéria de facto conforme às regras do direito probatório material aplicáveis aos autos (12).
Resulta do que se vem dizendo que a ser certa a alegação da apelante, o vício que a mesma assaca à sentença recorrida não consubstancia qualquer causa determinativa de invalidade da sentença, nomeadamente por excesso de pronúncia, mas antes erro de julgamento.
Improcede este fundamento de recurso.

B.I.b – Violação do caso julgado material que cobre a decisão judicial proferida no apenso DV.
A 1ª Instância, no ponto 1º dos factos julgados como provados na sentença sob sindicância, deu como provada a seguinte facticidade: “O sr. Administrador procedeu na data de 12/05/2015 ao pagamento coercivo, mediante penhora em execução, do crédito da X - Indústria Química, S.A., no montante de 22.742,05 euros, por fornecimento de produtos químicos anteriormente à declaração da insolvência – apenso DX” –, e consentaneamente com essa facticidade assim julgada provada, em sede de decisão de mérito, julgou que esse pagamento efetuado pelo AI à apelante “X – Indústria Química, S.A.”, era inválido.
Como se referiu, a apelante “X – Indústria Química, S.A.”, imputa ao julgamento de facto assim realizado erro de direito, decorrente da violação do trânsito em julgado da decisão de mérito proferida no âmbito do apenso DV, em que se terá julgado, em definitivo, como provado que a quantia de 22.742,05 euros que lhe foi paga pelo AI, respeita a fornecimentos realizados pela apelante nos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2008 e, consequentemente, após a declaração da insolvência da O. F., S.A..
Urge assim compulsar o apenso DV para verificar se assiste ou não razão à apelante.
Antes de mais, compulsados os autos de insolvência da sociedade “O. F., S.A.” verifica-se que esta foi declarada insolvente, por sentença proferida em 02/01/2008, entretanto transitada em julgado – cfr. autos de insolvência.
Mais se verifica que na assembleia de credores para apreciação do relatório do AI a que alude o art. 155º do CIRE, que teve lugar em 14/03/2008, foi decidido que “uma vez que a assembleia não deliberou sobre o encerramento ou manutenção em atividade dos estabelecimentos compreendidos na massa insolvente, o Sr. Administrador, neste aspeto, agirá conforme entenda ser conveniente e útil” – cfr. ata da assembleia de credores de 14/03/2008, junta aos autos de insolvência.
Também se verifica que, na sequência dessa decisão, o administrador de insolvência manteve em funcionamento os estabelecimentos industriais da insolvente “O. F., S.A.”, os quais apenas vieram a encerrar em 21 de julho de 2008 – cfr. ata da assembleia de credores de 20/08/2008, junta aos autos de insolvência.
Dado que esta facticidade que se acaba de enunciar resulta da sentença declaratória da insolvência da devedora “O. F., S.A.” e consta das atas da assembleia de credores acima identificados, os quais configuram documentos autênticos (arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2 e 369º do CC), cuja autenticidade não foi colocada em crise por quem quer que seja, nos termos do disposto nos arts. 371º, 372º, 352º, 353, 354º, 355º, n.ºs 1, 2 e 3, 357º e 358º, n.º 1 do CC, essa concreta facticidade encontra-se plenamente provada nos autos, ou seja, encontra-se plenamente provado que a sociedade “O. F., S.A.” foi declarada insolvente por sentença proferida a 02/01/2008, entretanto transitada em julgado, e que, na sequência da declaração da insolvência desta, os estabelecimentos industriais desta continuaram a laborar até 21/07/2008, data em que foram encerrados pelo A.I..
Logo, duas conclusões se impõem extrair: se a facticidade julgada provada no ponto 8º dos factos provados na sentença sob sindicância, se encontra conforme à prova plena produzida nos presentes autos, já no que respeita à facticidade julgada provada no ponto 9º dessa mesma sentença, no que respeita à data do encerramento dos estabelecimentos industriais da insolvente (em que se julga como provada que esse encerramento ocorreu a 25/07/2007) não se mostra conforme à prova plena constante dos autos, uma vez que esse encerramento ocorreu em 21/07/2008 (e não em 25/07/2007).
Estando-se perante uma situação de violação de regras de direito probatório material por banda da 1ª Instância, conforme acima se disse, impõe-se ordenar, ainda que oficiosamente, a alteração do ponto 9º dos factos julgados provados na sentença, de modo onde se lê: “a 25/07/2007”, passe a ler-se: “21/07/2008”.
Prosseguindo. Compulsado o apenso DV, verifica-se que em 14/10/2009, a apelante, “X – Indústria Química, S.A., instaurou ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra a Massa Insolvente de O. F., S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 20.104,18 euros, “por se tratar de direito emergente de atos de administração da massa insolvente, acrescida dos juros vincendos, à taxa comercial em vigor, calculados sobre o capital em dívida, e que se vencerem desde esta data até efetivo e integral pagamento”, alegando como fundamento desse pedido (causa de pedir), dedicar-se “lucrativamente e de acordo com o seu objeto social à indústria química”, dedicando-se, por sua vez, “a Ré à indústria de confeções de têxteis”, e que no âmbito dessas atividades, efetuou “à Ré, no exercício da sua atividade e no período posteriores à declaração de insolvência”, os fornecimentos de produtos químicos, as quais constam dos seguintes documentos: a) venda a dinheiro n.º 100011, emitida e vencida em 07/02/2008, no valor de 7.003,59 euros; b) venda a dinheiro n.º 100013, emitida e vencida em 15/02/2008, no valor de 2.112,66 euros; c) venda a dinheiro n.º 100014, emitida e vencida em 15/02/2008, no valor de 2.112,66 euros; d) venda a dinheiro n.º 10015, emitida e vencida em 03/03/2008, no valor de 4.521,67 euros; e) venda a dinheiro n.º 100017, emitida e vencida em 20/03/2008, no valor de 10.700,33 euros; f) fatura n.º 100377, emitida e vencida em 10/04/2008, no valor de 3.709,97 euros; g) fatura n.º 100429, emitida e vencida em 22/04/2008, no valor de 198,06 euros; h) fatura n.º 1000539, emitida e vencida em 21/05/2008, no valor de 6.892,55 euros; e i) fatura n.º 100555, emitida e vencida em 27/05/2008, no valor de 3.271,68 euros. Da referida quantia global de 39.754,33 euros, a Ré procedeu já ao pagamento parcial de 22.050,42 euros, pelo que permanece em dívida o montante de 17.703,91 euros, situação que a Ré, apesar de múltiplas insistências da Autora, ainda não regularizou e que se mantém até à presente”. (…) Sobre a referida quantia de 17.703,91 euros incidem juros de mora, calculados às taxas comerciais de 11,20%, 11,07%, 9,5% e 8,00” desde 27/05/2008 até à presente data (13/10/2009), e que ascendem a 2.400,27 euros” – cfr. teor da petição inicial junta ao apenso DV.
Mais se verifica que no âmbito desse apenso DV, em 30/11/2009, foi proferido despacho, na sequência da não contestação, conferindo força executiva à petição inicial, despacho esse que transitou em julgado – cfr. despacho de 30/11/2009 do apenso DV e ulterior processado neste apenso.
Já compulsado o apenso DX, verifica-se que a apelante “X – Indústria Química S.A.”, instaurou em 12/03/2010, ação executiva contra a massa insolvente de “O. F., S.A.”, dando à execução, como título executivo, o despacho proferido em 30/11/2009, no âmbito do apenso DV, transitado em julgado, que conferiu força executiva à petição inicial nele apresentado pela apelante “X” – cfr. requerimento executiva de 12/03/2010, do apenso DX.
Mais se verifica que no âmbito dessa execução, a massa insolvente de “O. F., S.A.”, aí executada, deduziu oposição à penhora de parte do saldo da conta bancária que a executada detém no banco ..., no valor de 22.742,05 euros, alegando como fundamento dessa oposição que a referida penhora não podia ocorrer, uma vez que embora a quantia exequenda se reporte a uma dívida da massa insolvente, reconhecida por sentença transitada em julgado, tal dívida apenas pode ser paga após a liquidação do ativo, sob pena de ficar violado o princípio da igualdades dos credores, tendo essa oposição, por decisão proferida em 05/02/2015, transitada em julgado, sido declarada improcedente, lendo-se nessa decisão que: “Os fundamentos invocados pela oponente são, manifestamente, insuscetíveis de se enquadrarem na previsão das referidas normas, o que de per se, impõe, desde logo, a improcedência da oposição. Acresce que o crédito exequendo é um crédito sobre a massa insolvente, que radica numa sentença, transitada em julgado, sendo certo que a execução foi instaurada depois de terem ocorrido mais de três meses sobre a data em que declarada a insolvência. Daí que o comportamento da exequente é perfeitamente legítimo e conciliável com o preceituado no art. 89º do CIRE, sem que daí resulte, como a executada pretende fazer crer, violação de qualquer princípio, seja ele de ordem constitucional ou de outra sede, nomeadamente o princípio da igualdade de tratamento dos credores”- cfr. decisão de 05/02/2015, proferida no apenso DX, e ulterior processado.
Finalmente, verifica-se que no âmbito dessa execução, em 12/05/2015, foi paga a quantia de 22.742,98 euros, para satisfação do crédito exequendo - cfr. processo em 13/05/2015, no âmbito do apenso DX.
Deste modo, confrontada a facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 1º dos factos provados na sentença sob sindicância, em que considera como provado que a quantia 22.742,98 euros, paga coercivamente pelo administrador de insolvência à apelante “X – Indústria Química, S.A.”, no âmbito da identificada execução que correu termos no apenso DX, foi satisfeita para liquidação de “fornecimentos de produtos químicos” que esta realizou à sociedade “O. F., S.A.”, antes desta ter sido declarada insolvente”, com os factos plenamente provados nos presentes autos, verifica-se que essa facticidade julgada provada pela 1ª Instância, não só se mostra desconforme aos factos que se encontram plenamente provados nos autos como tal como acusa a apelante acontecer, inclusivamente, viola o caso julgado material que cobre o despacho proferida em 30/11/2009, proferido no apenso DV e que conferiu força executiva à petição inicial nele apresentada pela aqui apelante (aí autora).
Deste modo, à semelhança do que acontece com o ponto 9º dos factos julgados como provados na sentença sob sindicância proferida pela 1ª Instância a fls. 571 a 580, esta, no ponto 1º dos factos julgados provados nessa sentença, incorreu em violação de regras de direito material (a força probatória plena da prova documental acima identificada e o caso julgado que cobre o despacho proferido em 20/11/2009, no apenso DV, que conferiu força executiva à petição inicial aí apresentada pela ora apelante, aí autora), impondo-se a alteração dessa facticidade, por forma a torná-la conforme a essas mesmas regras de direito probatório material.

Nessa sequência, ordena-se:

a- a eliminação da facticidade julgada provada no ponto 1º dos factos provados na sentença proferida a fls. 571 a 580 dos autos;
b- em sua substituição, julga-se provada a seguinte facticidade, que se adita ao elenco dos factos provados na sentença de fls. 571 a 580, nos seguintes termos:
“1- Em 14/10/2009, no âmbito do apenso DV, a “X – Indústria Química, S.A., instaurou ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra a Massa Insolvente de O. F., S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 20.104,18 euros, “por se tratar de direito emergente de atos de administração da massa insolvente, acrescida dos juros vincendos, à taxa comercial em vigor, calculados sobre o capital em dívida, e que se vencerem desde esta data até efetivo e integral pagamento”, alegando como fundamento desse pedido, dedicar-se “lucrativamente e de acordo com o seu objeto social à indústria química”, dedicando-se, por sua vez, “a Ré à indústria de confeções de têxteis”, e que no âmbito dessas atividades, efetuou “à Ré, no exercício da sua atividade e no período posteriores à declaração de insolvência”, os fornecimentos de produtos químicos, as quais constam dos seguintes documentos: a) venda a dinheiro n.º 100011, emitida e vencida em 07/02/2008, no valor de 7.003,59 euros; b) venda a dinheiro n.º 100013, emitida e vencida em 15/02/2008, no valor de 2.112,66 euros; c) venda a dinheiro n.º 100014, emitida e vencida em 15/02/2008, no valor de 2.112,66 euros; d) venda a dinheiro n.º 10015, emitida e vencida em 03/03/2008, no valor de 4.521,67 euros; e) venda a dinheiro n.º 100017, emitida e vencida em 20/03/2008, no valor de 10.700,33 euros; f) fatura n.º 100377, emitida e vencida em 10/04/2008, no valor de 3.709,97 euros; g) fatura n.º 100429, emitida e vencida em 22/04/2008, no valor de 198,06 euros; h) fatura n.º 1000539, emitida e vencida em 21/05/2008, no valor de 6.892,55 euros; e i) fatura n.º 100555, emitida e vencida em 27/05/2008, no valor de 3.271,68 euros. Da referida quantia global de 39.754,33 euros, a Ré procedeu já ao pagamento parcial de 22.050,42 euros, pelo que permanece em dívida o montante de 17.703,91 euros, situação que a Ré, apesar de múltiplas insistências da Autora, ainda não regularizou e que se mantém até à presente”. (…) Sobre a referida quantia de 17.703,91 euros incidem juros de mora, calculados às taxas comerciais de 11,20%, 11,07%, 9,5% e 8,00” desde 27/05/2008 até à presente data (13/10/2009), e que ascendem a 2.400,27 euros” – cfr. teor da petição inicial junta ao apenso DV.
1.2- Na sequência da não contestação dessa ação, por despacho proferido em 30/11/2009, transitado em julgado, foi conferida força executiva à petição inicial apresentada pela aí Autora, “X – Indústria Química, S.A” – cfr. despacho de 30/11/2009 do apenso DV e ulterior processado neste.
1.3- Em 12/03/2010, a apelante “X – Indústria Química S.A.”, instaurou ação executiva contra a massa insolvente de “O. F., S.A.”, que correu termos sob o apenso DZ, dando à execução, como título executivo, o despacho proferido em 30/11/2009, no âmbito do apenso DV, transitado em julgado, que conferiu força executiva à petição inicial nele apresentado pela apelante “X” – cfr. requerimento executiva de 12/03/2010, do apenso DX.
1.4- No âmbito dessa execução, a aí executada massa insolvente de “O. F., S.A.”, deduziu oposição à penhora de parte do saldo da conta bancária que a executada detinha no banco ..., no valor de 22.742,05 euros, alegando como fundamento dessa oposição que a referida penhora não podia ocorrer, uma vez que embora a quantia exequenda se reporta a uma dívida da massa insolvente, reconhecida por sentença transitada em julgado, tal dívida apenas pode ser paga após a liquidação do ativo, sob pena de ficar violado o princípio da igualdades dos credores – cfr. teor do requerimento de oposição à penhora apresentado pela executada no âmbito dessa execução.
1.5- Por decisão proferida em 05/02/2015, transitada em julgado, essa oposição à penhora foi julgada improcedente, lendo-se nessa decisão que: “Os fundamentos invocados pela oponente são, manifestamente, insuscetíveis de se enquadrarem na previsão das referidas normas, o que de per se, impõe, desde logo, a improcedência da oposição. Acresce que o crédito exequendo é um crédito sobre a massa insolvente, que radica numa sentença, transitada em julgado, sendo certo que a execução foi instaurada depois de terem ocorrido mais de três meses sobre a data em que declarada a insolvência. Daí que o comportamento da exequente é perfeitamente legítimo e conciliável com o preceituado no art. 89º do CIRE, sem que daí resulte, como a executada pretende fazer crer, violação de qualquer princípio, seja ele de ordem constitucional ou de outra sede, nomeadamente o princípio da igualdade de tratamento dos credores”- cfr. decisão de 05/02/2015, proferida no apenso DX, e ulterior processado.
1.6- No âmbito da execução referida em 1.3, em 12/05/2015, foi paga a quantia de 22.742,98 euros, para satisfação do crédito exequendo - cfr. processo em 13/05/2015, no âmbito do apenso DX”.
c- a alteração do ponto 9º dos factos julgados provados na sentença, de modo onde se lê: “a 25/07/2007”, passe a ler-se: “21/07/2008”.

B.I.b.1 – Do direito.

Introduzidas as alterações supra determinadas à facticidade julgada provada na sentença sob sindicância, resta verificar se a decisão de mérito constante dela, em que a 1ª Instância julgou inválido o pagamento efetuado pelo AI à apelante “X- Indústria Química, S.A.”, padece dos erros de direito que esta apelante lhe imputa.
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º, n.º 1 do CIRE (13)), em que salvo os casos expressamente previstos na lei, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (n.º 1 do art. 81º), em que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência (n.º 1 do art. 88º), em que os credores do devedor/insolvente, durante a pendência do processo de insolvência apenas podem exercer os seus direitos contra o devedor nos termos previstos no CIRE (art. 90º), e em que dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência, todos os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, devem reclamar a verificação dos seus créditos, incluindo aqueles que tenham o seu crédito reconhecido por decisão definitiva (art. 128º, n.ºs 1 e 3), em que é a sentença de verificação e graduação de créditos que autoriza o administrador de insolvência a proceder ao pagamento dos créditos reconhecidos e graduados aos credores do devedor/insolvente, no âmbito do processo de insolvência (arts. 172º a 185º).
Decorre do regime legal que se acaba de enunciar que uma vez proferida a sentença declaratória da insolvência da devedora, abre-se a denominada fase executiva do processo de insolvência, a qual é composta, por um lado, pela reclamação, verificação e graduação de créditos e, por outro, pela apreensão, separação, restituição e liquidação do ativo.
Com efeito, visando o processo de insolvência satisfazer os interesses dos credores da insolvente, uma vez decretada a insolvência deste, cumpre ao administrador de insolvência proceder imediatamente à apreensão dos bens do devedor/insolvente, os quais passam a formar a denominada massa insolvente, a qual fica sujeita aos poderes de administração e de disposição do administrador de insolvência (art. 81º, n.º 1).
Não aprovando a assembleia de credores uma medida de recuperação cumpre ao administrador de insolvência proceder à venda da massa insolvente a fim de com as forças do produto dessa venda proceder ao pagamento dos créditos detidos pelos credores da massa insolvente e, em segunda linha, pelos credores da insolvência.
Deste modo, declarada a insolvência, o devedor/insolvente perde imediatamente os poderes de administração e de disposição sobre os seus bens, deixando de poder satisfazer, voluntária ou coativamente, os seus débitos perante os seus credores, uma vez que com a sentença declaratória da insolvência, o mesmo perde o poder de administração e de disposição dos seus bens, sequer os credores lhe podem instaurar execuções com vista à cobrança coativa desses seus direitos de créditos e as já instauradas não podem prosseguir os seus termos legais.
O pagamento dos débitos da insolvência apenas pode ser realizado pelo administrador de insolvência no âmbito do processo de insolvência e contanto que esses débitos da insolvência (e eventuais garantias) tenham sido julgados verificados e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos, a proferir no âmbito do processo de insolvência.
O apenso de verificação e de graduação de créditos destina-se precisamente a apurar o passivo da insolvência e a autorizar o pagamento desse passivo pelo administrador de insolvência, uma vez transitada em julgado a sentença de verificação e de graduação de créditos a proferir no âmbito do processo de insolvência, em sede de incidente de verificação e graduação de créditos, regulado nos arts. 128º e segs. do CIRE.
O pagamento do passivo da insolvência pelo administrador processa-se de acordo com o princípio da exclusividade nos termos do qual esse pagamento “apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado”, proferida no âmbito do incidente de verificação e graduação de créditos, ainda que o crédito já tenha sido reconhecido por sentença transitada em julgado proferida em ação que correu termos fora do âmbito do processo de insolvência (art. 128º, n.º 3) (14).
Deste modo, independentemente dos credores da insolvência terem ou não visto o seu crédito sobre o devedor/insolvente reconhecido, por sentença transitada em julgado, proferida em ação instaurada contra o último fora do processo de insolvência, uma vez declarada a insolvência do devedor, esses credores não se encontram dispensados do ónus de reclamação dos seus créditos e só poderão obter pagamento desses seus créditos caso estes venham a ser julgados verificados e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos a proferir em sede de incidente de verificação e graduação de créditos.
Destarte, o trânsito em julgado de sentença que reconheça direitos de crédito e as respetivas garantias a determinado credor ou credores sobre o devedor/insolvente em ações intentadas por estes fora do processo de insolvência, não opera caso julgado material quanto aos demais credores do devedor/insolvente, não ficando esses credores, beneficiários de tais sentenças, dispensados do ónus de reclamar os seus créditos (e as respetivas qualidades, nomeadamente, garantias) sobre o devedor/insolvente no âmbito do processo de insolvência, caso pretendam obter pagamento, o que se compreende, dado que não tendo os demais credores da devedora, entretanto declarada insolvente, sido partes na ação que culminou com a prolação da sentença transitada em julgado, que reconheceu ao credor demandante o direito de crédito e as respetivas garantias sobre o devedor/insolvente, sendo a insolvência uma execução universal, que tem por objetivo satisfazer os direitos de todos os credores da devedora/insolvente, de acordo com as regras enunciadas no CIRE, se esses restantes credores do insolvente que não foram partes na ação antes intentada por um outro credor contra esta eram, em princípio, terceiros juridicamente indiferentes em relação ao discutido e decidido nessas ações, uma vez declarada a insolvência do devedor (demandado e condenado nessas concretas ações), esses credores perdem a qualidade de terceiros juridicamente indiferentes em relação ao discutido e decidido nessas ações e passam a ser terceiros juridicamente interessados, pelo que o trânsito em julgado da decisão de mérito proferida no âmbito dessas concretas ações que correram à margem do processo de insolvência, não pode, sequer lhes é oponível, compreendendo-se, assim, que todos os credores da insolvente, quer beneficiem de decisão definitiva que lhes reconheça o seu direito de crédito (e respetivas garantias) sobre o devedor/insolvente, quer não beneficiem desse título, têm de reclamar os seus créditos (e respetivas garantias) no âmbito da insolvência, caso pretendam obter pagamento.
No entanto, conforme decorre do que se vem dizendo, uma coisa são as dívidas da insolvência, em relação às quais valem as regras que se acabam de enunciar, isto é, os credores da insolvência carecem de reclamar os créditos que detém sobre a insolvência junto do administrador de insolvência, dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência (ou, caso não o façam, derradeiramente, dentro do prazo e limites fixados pelo art. 146º, em ação instaurada contra a massa insolvente, os credores e o devedor), ainda que beneficiem de sentença transitada em julgado, que lhes reconheça os créditos (e respetivas garantias) que reclamam, cabendo ao administrador de insolvência reconhecer ou não esses créditos sobre a insolvência após cumprimento dos deveres de indagação que lhe são impostos pelo art. 129º, n.º 1, na sequência do que, o administrador poderá também reconhecer outros créditos (e respetivas garantias) que não lhe tenham sido reclamados pelos respetivos credores dentro desse prazo, mas de cuja existência venha a tomar conhecimento na sequência do cumprimento desse seu poder de indagação, juntando após, aos autos de insolvência a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos sobre a insolvência, a qual poderá ser alvo de impugnação nos termos do disposto nos arts. 130º e ss., e outra, bem diversa, são as dívidas da própria massa insolvente, as quais se encontram enunciadas, a título exemplificativo, no art. 51º.
Na verdade, existe uma série de dívidas que não são dívidas da insolvência, mas antes dívidas da própria massa insolvente, as quais correspondem, grosso modo, a dívidas constituídas após a declaração da insolvência do devedor.
No elenco das dívidas de massa insolvência incluem-se as custas do processo de insolvência, as remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores, as dívidas emergentes dos atos de administração, liquidação e partilha (als. a) e b) e c) do n.º 1 do art. 51º), além das demais previstas de forma enunciativa no art. 51º, cabendo nas dívidas da administração aquelas que resultem, nomeadamente, do prosseguimento da atividade industrial ou industrial da insolvente após a declaração da insolvência desta.
Com efeito, a declaração da insolvência não tem por efeito invariável a cessação da atividade da insolvente, sequer a extinção dos contratos de trabalho dos seus trabalhadores.
Um dos poderes fundamentais da assembleia de credores é o de decidir o destino a dar à empresa da insolvente, cumprindo-lhe deliberar sobre o seu encerramento ou a manutenção em atividade do estabelecimento ou estabelecimentos compreendidos na massa insolvente (n.º 2 do art. 156º).
Na ausência de qualquer deliberação da parte da assembleia de credores sobre o encerramento ou manutenção em atividade do estabelecimento ou estabelecimentos do devedor, essa decisão cabe ao administrador de insolvência, ou até ao devedor, se ele mantiver a administração dos bens, embora aí tenha de contar com o poder de intervenção do administrador previsto no art. 226º, que deverá tomar a decisão que melhor entenda ser conveniente para a defesa dos interesses do devedor e, sobretudo, para a salvaguarda dos interesses comuns dos credores, dado que o fim último do processo de insolvência é, relembra-se, a satisfação o mais completa possível dos interesses dos credores.
Quer o administrador opte pelo encerramento do estabelecimento ou estabelecimentos do devedor, quer opte pela manutenção da continuidade da atividade desse(s) estabelecimento(s), nos termos do n.º 6 do art. 126º, há no entanto que precisar que a assembleia de credores reserva para si sempre o poder de atuar e, por conseguinte, de deliberar no sentido de reabrir os estabelecimentos comerciais ou industriais do devedor que o administrador tenha decidido encerrar, ou até obstar a esse encerramento, ou decidir pôr termo à atividade desse ou desses estabelecimentos decidida pelo administrador (15).
Quer quando a assembleia de credores delibere no sentido do prosseguimento da atividade do estabelecimento ou dos estabelecimentos comerciais ou industriais do devedor (decisão essa que o administrador de insolvência terá de acatar), quer quando, na ausência dessa deliberação, o administrador de insolvência opte pela manutenção dessa atividade (como aconteceu no caso sobre que versam os autos – cfr. pontos 8º, 9º e 1ª a 1.6º da facticidade julgada provada), as despesas daí decorrentes, designadamente, na aquisição de bens e serviços necessários à manutenção dessa atividade, pagamento de salários aos trabalhadores, etc., são despesas que emergem da administração da massa insolvente e que, portanto, já nada têm a ver com os débitos da insolvência, tratando-se, portanto, de dívidas da própria massa insolvente, que, inclusivamente, se constituíram após a declaração da insolvência do devedor.
Logo, em sede de processo de insolvência, para efeitos de pagamento, impõe-se distinguir entre dívidas da insolvência (que são unicamente as que se constituíram antes da declaração da insolvência do devedor e que por força do princípio da exclusividade são exclusivamente as que foram reconhecidas no âmbito do processo de insolvência, isto é, que tenham sido nele julgadas verificadas e graduadas na sentença de verificação e graduação de créditos, por sentença transitada em julgado – art. 173º) (16), as quais serão pagas de acordo com as regras prevista nos arts. 173º a 182º CIRE, ou seja, tendo em conta as garantias de pagamento que lhes assistem e em função do princípio da igualdade entre as diversas categorias de créditos, e, por outro lado, as dívidas da própria massa insolvente, as quais se constituem, por norma, após a declaração da insolvência do devedor e que serão liquidadas/pagas pelo administrador de insolvência de acordo com as regras enunciadas no art. 172º do CIRE.
Precise-se que a massa insolvente destina-se em primeiro lugar à satisfação dos credores da massa insolvente, e em segundo lugar, à satisfação dos credores da insolvência (17).
Na verdade, nos termos do n.º 1 do art. 46º, “a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”.
Assim, conforme se lê no n.º 21 do Preâmbulo do CIRE (18), o legislador distingue expressa e claramente entre «dívidas da insolvência» e «dívidas da massa insolvente», delimitando aquelas no art. 47º e dedicando a estas o art. 51º.
Em sede de pagamento das dívidas da insolvência, tendo em consideração que a massa insolvente se destina, em primeiro lugar a satisfazer as dívidas da massa insolvente, compreende-se que o n.º 1 do art. 52º determine que “antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, terá o administrador da insolvência de deduzir da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo”, posto que apenas uma vez satisfeitas as dívidas da massa insolvente é que se houver remanescente é que se procederá ao pagamento das dívidas da insolvência, de acordo com as regras impostas nos arts. 173º e segs., do CIRE.
As dívidas da massa insolvente são liquidadas, em primeira linha, com os rendimentos gerados pela própria massa insolvente, mas se esses rendimentos não forem suficientes para honrar as dívidas da massa, são os próprios bens, móveis e imóveis, que integram a massa insolvente que têm de suportar esse pagamento. Porém, quanto aos créditos garantidos sobre a insolvência, porque os respetivos credores são aqueles que são pagos em primeiro lugar no confronto com os demais credores da insolvência, compreende-se que o n.º 2 do art. 172º estatua que a imputação não deverá exceder 10% do produto de bens objeto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos, o que significa que se o valor dos rendimentos da massa insolvente e o valor dos bens que integram a massa insolvente que se encontram desonerados de garantias reais não for suficiente para satisfazer as dívidas da massa insolvente e se for necessário recorrer ao produto da venda dos bens que integram a massa insolvente onerados com garantias reais, que exceda esses 10%, não exista qualquer impedimento a esse recurso, posto que as dívidas da massa insolvente é que têm de ser satisfeitas, mesmo que para tal se tenha de recorrer à totalidade do produto da venda de bens onerados com garantias reais (19).
Quanto ao momento do pagamento dos créditos que incidem sobre a massa insolvente, nos termos do n.º 3 do art. 175º, vigora quanto a eles o princípio da pontualidade, em função do qual impende sobre o administrador de insolvência a obrigação de proceder ao pagamento das dívidas da massa insolvente mal estas se vençam, não obedecendo, portanto, o pagamento das dívidas da massa insolvente às mesmas regras que presidem ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, que se encontram enunciadas nos arts. 173º e ss. do CIRE.
Aliás, uma vez vencidas as dívidas da massa insolvente, caso o administrador de insolvência não disponha de meios líquidos que lhe permitam efetuar o pagamento de tais débitos, “deve, com a maior diligência possível, promover a venda dos bens desonerados, exatamente por virtude das regras da imputação que resultam do n.º 2” do art. 172º e se, ainda assim o produto destes for insuficiente para liquidar as dívidas da massa insolvente que se venceram, terá de promover a célere venda de todos os bens que integram a massa insolvente, incluindo os bens onerados com garantias reais (20).
Revertendo ao caso dos autos, a quantia de 22.742,98 euros, paga pelo administrador de insolvência à apelante “X – Indústria Química, S.A.”, contrariamente ao que foi decidido na sentença recorrida, não consubstancia uma dívida da insolvência, mas antes uma dívida da própria massa insolvente, na medida em que emerge do fornecimento de produtos químicos que a apelante forneceu à massa insolvente, após a declaração da insolvência da devedora O. F., S.A.”, conforme ficou decidido, em definitivo, por sentença transitada em julgado no âmbito do apenso DV e que, por isso, não pode aqui novamente ser discutido sob pena de violação do caso julgado que cobre o decidido no despacho que conferiu força executiva à petição inicial apresentada no âmbito desse apenso (cfr. pontos 8º, 9º, 1º, 1.1º e 1.2º dos factos apurados na sentença).
Destarte, vigorando em relação a esta concreta dívida sobre a massa insolvência o princípio da pontualidade do pagamento, e não, reafirma-se, o regime jurídico dos arts. 173º e ss. do CIRE, nos termos do n.º 3 do art. 172º do CIRE, impendia sobre o administrador de insolvência pagar o preço de cada um dos fornecimentos a que se reportam as vendas a dinheiro e faturas que se encontram discriminadas no ponto 1º da facticidade apurada, na data do respetivo pagamento.
Deste modo, ao pagar à apelante X – Indústria Química, S.A. a quantia de 22.742,98 euros, em dívida referente àqueles fornecimentos feitos por esta à massa insolvente, no âmbito da execução para pagamento de quantia certa, que a apelante moveu contra a massa insolvente, e a que se reporta o apenso DX, em princípio, o administrador de insolvência, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, não cometeu nenhuma ilegalidade, pelo que, prima facie, impõe-se julgar a apelação interposta pela “X” procedente e, em consequência revogar a parte dispositiva da sentença que julga validamente prestadas as contas pelo AI, na parte em que ressalva o pagamento efetuado por este à credora “X – Indústria Química, S.A.”.

B.I.c- Ampliação do objeto do recurso operado pelo apelado A. P..
Advoga o apelado A. P., em sede de ampliação do objeto de recurso, que, ainda assim, o pagamento efetuado pelo A.I. à apelante “X – Indústria Química, S.A.”, da quantia de 22.742,98 euros, em dívida referente aos mencionados fornecimentos feitos por esta à massa insolvente, no âmbito da execução para pagamento de quantia certa, que aquela moveu contra a massa insolvente, e a que se reporta o apenso DX, é ilegal, isto porque o AI pagou o mencionado crédito de 22.742,05 euros à apelante “X” em 12/05/2015, com prioridade sobre o pagamento dos créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores, no âmbito do apenso E, em violação do disposto no art. 172º, n.º 3 do CIRE, em virtude de, por decisão judicial, transitada em julgado, em 10/11/2011, proferida nesse apenso E, ter ficado reconhecido que esses créditos aí reconhecidos aos trabalhadores ascendem à quantia global de 3.588.416.10 euros e constituem dívida da massa insolvente, encontrando-se, nos termos daquele n.º 3 do art. 172º, o AI impedido de realizar o pagamento do crédito da “X” enquanto não tivesse liquidado os créditos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito desse apenso E, em virtude destes se terem constituído em data anterior ao do da “X”.
Mais sustenta o apelante que o AI se encontrava impedido de utilizar dinheiro da massa insolvente para pagar o crédito da “X” ou outras dívidas que se constituíram posteriormente aos créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores no âmbito daquele apenso E, enquanto subsistissem créditos laborais desses trabalhadores por liquidar.
Que o produto da massa insolvente resulta da alienação de imóveis, que correspondem ao local de trabalho dos trabalhadores e respetivos móveis, titulares dos créditos laborais reconhecidos no âmbito do apenso E, pelo que esses créditos gozam de privilégio imobiliário especial e mobiliário geral, pelo que tinham preferência no pagamento em relação ao crédito da “X”, o qual tem natureza comum.
E em todo o caso, se assim não fosse, teria o AI de sempre proceder ao rateio do produto da massa insolvente pelos créditos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito do apenso E, com o da X e com outros créditos de outros credores, igualmente da responsabilidade da massa insolvente, distribuindo o produto de forma igualitária e na proporção dos respetivos créditos, em cumprimento do princípio da igualdade de tratamento entre credores da mesma classe.
Analisado a identificada argumentação dir-se-á que a mesma, salvo o devido respeito por opinião contrária, resulta de um equívoco do apelado, que consiste em não ter tido devidamente presente que uma coisa são as dívidas da massa insolvente, em relação às quais o administrador de insolvência se encontra submetido ao princípio da pontualidade no pagamento, nos termos do n.º 3 do art. 172º, e outra bem diversa, são as dívidas da massa insolvente, únicas em relação às quais vigora o regime de pagamento enunciado nos arts. 173º e ss. do CIRE.
Deste modo, respeitando o crédito liquidado à X (reconhecido no apenso DV) e os créditos reconhecidos aos trabalhadores no apenso L, estes relativos ao período de tempo em que exerceram a sua atividade para a massa insolvente, após a declaração da insolvência desta (ponto 4º dos factos apurados), a créditos sobre a massa insolvente, conforme já enunciado e aqui se reafirma, em sede de pagamento desses créditos sobre a insolvência, não tem aplicação o regime jurídico relativo ao pagamento de créditos garantidos previsto nos arts. 173º e ss. do CIRE, não fazendo qualquer sentido o apelado invocar os privilégios imobiliários e mobiliários de que esses créditos dos trabalhadores beneficiarão no confronto com o crédito de que era titular a “X” sobre a massa insolvente e que lhe foi reconhecido no âmbito do apenso DV, uma vez que esses privilégios apenas valem para os créditos dos trabalhadores relativos à insolvência e que foram julgados verificados e graduados na sentença de verificação e graduação de créditos, o que não é o caso.
O único princípio que rege o pagamento dos créditos de que a apelante “X” e os trabalhadores são titulares sobre a massa insolvente e que lhes foram reconhecidos, respetivamente, por sentenças transitadas em julgado no apenso DV e L, é o previsto no n.º 3 do art. 172º, em função do qual “o pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo” de insolvência.
Assim, logo que se venceu o crédito dos trabalhadores relativos ao trabalho prestado para a massa insolvente e, bem assim o crédito dos fornecimentos feitos pela apelante “X” a essa massa, cumpria ao senhor administrador de insolvência liquidá-los aos respetivos credores, ainda que para tal tivesse de vender os bens da massa insolvente, incluindo os onerados com garantias reais, tudo conforme já acima se explanou.
Acontece que, conforme resulta dos apensos DV e L, aquando do vencimento desses créditos que a apelante “X” e os trabalhadores tinham para com a massa insolvente, o administrador de insolvência não procedeu ao pagamento dos mesmos, tanto assim que quer a X, quer aqueles trabalhadores tiveram de mover ação contra a massa insolvente, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe tais créditos, o que significa que à data do vencimento dos mesmos o administrador judicial não os liquidou por entender que os mesmos ou não incidiam sobre a massa insolvente, mas antes sobre a própria insolvência, ou incidindo sobre a massa insolvente, não podia proceder ao respetivo pagamento enquanto não fosse liquidada a massa insolvente e, consequentemente, dentro dos mecanismos legais enunciados nos arts. 173º e ss. do CIRE
Embora essa posição do administrador de insolvência não tivesse qualquer arrimo jurídico, o certo é que enquanto estavam pendentes as ações a que se reportam os identificados apensos DV e L, que culminaram com decisões condenatórias da massa insolvente, transitadas em julgado, condenando-a a satisfazer à “X” e aos mencionados trabalhadores os créditos que nessas sentenças lhes são reconhecidos, estava-se na presença de créditos litigiosos, em relação aos quais se impunha que o administrador de insolvência tivesse adotado as cautelas previstas no n.º 1 do art. 172º do CIRE, não pagando créditos da insolvência, sem deduzir o montante dos créditos da massa insolvente que eventualmente viessem a ser reconhecidos à “X” no âmbito do apenso DX e aos trabalhadores, estes no âmbito do apenso L.
Ora, apesar das sentenças proferidas no âmbito dos apensos DX e L não sejam constitutivas de direitos, mas unicamente declarativas e condenatórias, isto é, declarando que o direito reclamado pelos aí autores existe e que incide sobre a massa insolvente (e não sobre a insolvente), dir-se-á que ainda que os créditos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito da decisão judicial, transitada em julgado, proferida no âmbito do apenso E, se tenham vencido em data anterior ao vencimento do crédito reconhecido à apelante “X” no âmbito da decisão judicial, transitada em julgado, proferida no apenso DV, em face do litígio que contrapunha aqueles credores à massa insolvente, só com o trânsito em julgado de tais sentenças ficou dirimido o conflito que contrapunha, respetivamente, a “X” no apenso DV e os trabalhadores, no apenso L, à massa insolvente.
Ora, o trânsito em julgado da decisão judicial proferida em 30/11/2009 no âmbito do apenso DV, que conferiu força executiva à petição inicial apresentada pela apelante “X” é de data anterior ao trânsito em julgado da decisão judicial proferida no apenso L, que reconheceu aos trabalhadores os créditos nela identificados sobre a massa insolvente, uma vez que esta apenas transitou em 10/11/2011, após aresto do Tribunal Constitucional de 10/12/2010 (cfr. ponto 4º dos factos apurados).
Deste modo, tendo em conta o disposto no art. 172º, n.º 3 do CIRE e a data do trânsito em julgado daquelas decisões judiciais proferidas nos apensos DV e L, com que ficou, em definitivo, dirimido o conflito entre, respetivamente, a “X” e a massa insolvente, e os trabalhadores e a massa insolvente, de que àqueles demandantes assistia o direito de crédito reconhecido nessas sentenças e de que o crédito que neles foi reconhecido a esses demandantes incidia sobre a massa insolvente, tendo a decisão judicial proferida no apenso DV transitado em julgado em primeiro lugar comparativamente ao trânsito da que foi proferida no apenso L, salvo o devido respeito por opinião contrária, ao liquidar primeiramente o crédito de 22.742,05 euros que assistia à apelante “X” sobre a massa insolvente (o que, aliás, fez no âmbito já da execução que aquela instaurou), o administrador de insolvência nenhuma ilegalidade cometeu, uma vez que, à data em que fez esse pagamento, ainda se discutia no apenso L se os créditos laborais reclamados pelos aí demandantes existia, qual o respetivo montante e se os mesmos incidiam ou não sobre a massa insolvente.
De resto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não faz qualquer sentido a alegação do apelante segundo a qual o AI teria sempre de proceder a rateio do produto da venda dos bens da insolvência entre os créditos da “X”, dos trabalhadores e de outros credores da massa insolvente, posto que só seria eventualmente assim caso se estivesse perante créditos de diversos credores sobre a massa insolvente que tivessem a mesma data de vencimento ou que, em caso de conflito, as sentenças que dirimiram esse conflito tivessem transitado em julgado na mesma data e caso o produto da venda da totalidade dos bens da massa insolvente não fosse suficiente para satisfazer a totalidade desses créditos detidos por esses credores sobre a massa insolvente.
Só nessa situação, verdadeiramente excecional, em que os créditos de vários credores sobre a massa insolvente tivessem a mesma data de vencimento, ou no caso de conflito, o trânsito em julgado das decisões judiciais que reconheceu a vários credores créditos sobre a massa insolvente, ocorreu na mesma data, é que que impondo o nº 1 do art. 46º que a massa insolvente se destina primeiramente a satisfazer os credores da massa insolvente, e que só uma vez satisfeitos estes, havendo remanescente, é que se dará satisfação aos créditos da insolvência, de acordo com as regras dos arts. 173º e ss. do CIRE, e impondo o n.º 3 do art. 172º ao administrador de insolvência o princípio da pontualidade no pagamento em relação aos créditos da massa insolvente, é que, em caso do produto da venda da totalidade dos bens que integrassem a massa insolvente se mostrar insuficiente para satisfazer todos os créditos sobre a massa insolvente (todos eles, reafirma-se, com a mesma data de vencimento, ou reconhecidos por decisões judiciais, cujo trânsito em julgado ocorreu na mesma data) eventualmente se podia colocar a questão do rateio.
Ora, não é nada disto que acontece nos presentes autos, em que o trânsito em julgado das decisões proferidas no apenso DV e L ocorreu em datas distintas, pelo que tendo a decisão que reconheceu à “X”, no âmbito do apenso DV, o seu crédito sobre a massa insolvente transitado em julgado antes do trânsito em julgado da decisão judicial que reconheceu aos trabalhadores, no apenso L, créditos sobre a massa insolvente, naturalmente que o administrador judicial tinha de pagar o crédito que assistia à “X” em data anterior àquela em que procedeu ao pagamento dos créditos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito do apenso L.
Finalmente, dir-se-á que não se estando nos autos perante qualquer situação em que o produto da venda dos bens integrantes da massa insolvente se tenha mostrado insuficiente para satisfazer todos os créditos que impendem sobre a massa insolvente, qualquer ilegalidade em que o administrador da insolvência pudesse ter incorrido ao nível dos pagamentos que efetuou, não decorre da circunstância deste ter efetuado o pagamento dos créditos que assistiam aos credores da massa insolvente, como é o caso da apelante “X – Indústria Química, S.A.”, mas da circunstância deste ter procedido a pagamentos de créditos da insolvência, sem previamente dar satisfação integral aos débitos da massa insolvente, conforme lhe é imposto pelos arts. 46º, n.º 1 e 172º, n.º 1 do CIRE.
Aqui chegados e em síntese, resulta do que se vem dizendo, proceder integralmente a apelação interposta pela apelante “X – Indústria Química, S.A.” e improceder a ampliação do objeto do recurso operada pelo apelado A. P., impondo-se revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou inválido o pagamento efetuado pelo a A.I. à apelante “X”.

B.II.d- Recurso interposto pelo apelante A. P..
B.II.d.1- Da validade dos pagamentos efetuados pelo AI das verbas n.ºs 178, 199, 202, 234 e 235.

O apelante A. P. imputa à sentença recorrida erro de direito quando esta julga validamente efetuados os pagamentos realizados pelo AI da verba n.º 178 das contas apresentadas, referente ao pagamento do crédito da Segurança Social, relativo à falta de quotizações devidas relativas ao período de janeiro a abril de 2008, no montante de 146.080,52 euros, e cujo pagamento foi efetuado pelo A.I. em 31/10/2014, no âmbito do processo crime em que era arguido, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão sob o n.º 529/10.2TAVNF; da verba n.º 199 das contas apresentadas, referente ao pagamento do crédito pago à sociedade “C. e C., S.A.”, motivado por ação que correu termos no apenso E, na qual o A.I. confessou ser a massa insolvente devedora àquela empresa do montante peticionado, tendo sido proferida sentença a 03/03/2016, e emitido recibo com a indicação de constituição do identificado crédito a 29/03/2016; da verba n.º 202 das contas apresentadas, referente ao pagamento do crédito de honorários satisfeito à Senhora Dra. C. R., relativo à quantia de 5.170,00 euros; e das verbas n.ºs 234 e 235 das contas apresentadas, referentes ao pagamento do crédito de honorários satisfeito à Senhora Dra. C. M., alegando os mesmos argumentos que anteriormente aduzira, em sede de ampliação do objeto do recurso apresentado pela credora e apelante “X”, ou seja:
- o pagamentos dessas verbas foram efetuadas pelo A.I. com preferência sobre os créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores no âmbito do apenso E, em que por acórdão transitado em julgado em 10/11/2011, se julgou, em definitivo, que os créditos aí reconhecidos aos trabalhadores são dívidas da massa insolvente, encontrando-se, nos termos daquele n.º 3 do art. 172º, o AI impedido de pagar os créditos acabados de identificar enquanto não tivesse liquidado os créditos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito desse apenso E, em virtude destes se terem constituído em data anterior aqueles outros créditos”;
- o AI encontrava-se impedido de utilizar dinheiro da massa insolvente para pagar os créditos das verbas n.ºs 178, 199, 202, 234 e 235, ou outras dívidas que se constituíram posteriormente aos créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores no âmbito daquele apenso E, enquanto subsistissem créditos laborais desses trabalhadores por liquidar;
- o produto da massa insolvente resulta da alienação de imóveis, que correspondem ao local de trabalho dos trabalhadores e respetivos móveis, titulares dos créditos laborais reconhecidos no âmbito do apenso E, pelo que esses créditos gozam de privilégio imobiliário especial e mobiliário geral e como tal tinham preferência no pagamento em relação aos créditos das verbas n.ºs 178, 199, 202, 234 e 235; e
- em todo o caso, se assim não fosse, teria o AI de sempre proceder ao rateio do produto da massa insolvente pelos créditos reconhecidos aos trabalhadores no âmbito do apenso E, com os das verbas das verbas n.ºs 178, 199, 202, 234 e 235 e outros, distribuindo o produto de forma igualitária e na proporção dos respetivos créditos, em cumprimento do princípio da igualdade de tratamento entre credores da mesma classe.
A propósito dos enunciados argumentos valem as considerações jurídicas acima já enunciadas a propósito da ampliação do objeto do recurso operado pelo aqui apelante em sede de recurso interposto pela “X – Indústria Química, S.A.”.
Na verdade, o pagamento pelo AI em 31/10/2014, no montante de 146.080,52 euros, referente à verba n.º 178 das contas apresentadas, conforme é reconhecido pelo próprio apelante, respeita ao pagamento de créditos devidos à Segurança Social relativo a quotizações em dívida dos meses de janeiro a abril de 2008 e, portanto, trata-se de um crédito da Segurança Social sobre a massa insolvente.
Por sua vez, o pagamento da quantia de 211.476,18 euros, referente à verba n.º 199 das contas apresentadas nos autos pelo AI, efetuado em 16/03/2016 à sociedade “C. & C. Lda.”, respeita a fornecimento de fio que esta sociedade realizou após a O. F., S.A. ter sido declarada insolvente, tratando-se também ele de um crédito da C. & C., S.A., para com a massa insolvente (cfr. ponto 5º da facticidade apurada e apenso EM, em que se vê que a C. & C. instaurou ação contra a massa insolvente, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 229.942,87 euros, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor aplicável às operações comerciais, calculados sobre o capital em dívida de 194.447,23 euros, até integral pagamento, alegando ter feito o fornecimento de fio após a declaração da insolvência da O. F., S.A., nas quantidades e pelos preços que discrimina nas faturas que junta e que identificado no ponto 4º da p.i., com datas de vencimento, respetivamente, em 17/06/2008, 23/06/2008, 02/07/2008, 07/07/2008, 14/07/2008, 17/07/2008 e 22/07/2008, no montante total de 194.447,23 euros, e que a massa insolvente não lhe pagou o preço de tais fornecimentos, vindo, na contestação, o AI, mediante mandatária, a reconhecer parte dessa facticidade, sustentando, contudo, que o preço do fio fornecido ascende apenas a 135.025,01 euros, a que acrescem juros de mora vencidos de 76.436,17 euros, num total de 211.461,18 euros, na sequência do que a C. & C., S.A., reduziu o seu pedido a esse valor de 211.471,18 euros, vindo, por sentença proferida em 11/02/2016, transitada em julgado, a massa insolvente a ser condenada a pagar à C. & C., S.A. a referida quantia de 211.461,18 euros).
Já o pagamento da quantia de 5.170,00 euros, efetuado pelo AI em 02/11/2016, à Senhora Dra. C. R., respeita ao pagamento de honorários por serviços de advocacia por esta prestados após a declaração da insolvência da O. F., S.A. (cfr. ponto 6º da facticidade apurada), pelo que respeita também a um crédito daquela advogada para com a massa insolvente.
E o pagamento das verbas n.ºs 234 e 235 efetuado pelo AI de 5.000,00 euros, em 10/10/2014, à Senhora Dra. C. M., respeita, também ele a serviços de advocacia prestados por essa advogada após a declaração da insolvência da O. F., S.A. (cfr. ponto 7º dos factos apurados), tratando-se, portanto, de um crédito dessa advogada para com a massa insolvente.
Como já atrás enunciado, o pagamento das dívidas da massa insolvente não se encontra sujeito ao regime jurídico dos arts. 173º e ss. do CIRE, isto é, não se encontra dependente de qualquer reclamação de créditos, sua verificação e graduação, sequer às preferências no pagamento decorrentes de quaisquer privilégios ou garantias reais, regime esse que, reafirma-se, apenas se aplica às dívidas da insolvência.
Quanto às dívidas da massa insolvente, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 172º deste Código, estas devem ser pagas pelo AI mal se vençam, porquanto encontram-se exclusivamente sujeitas ao princípio da pontualidade do pagamento, devendo para o efeito o administrador de insolvência, caso não disponha de liquidez, mal estas se vençam, proceder à venda dos bens que integram a massa insolvente, incluindo, se necessário for, dos próprios bens da massa onerados com garantias reais (n.º 2 do art. 172º).
Logo se é certo que os créditos satisfeitos à Segurança Social, à C. & C., S.A., e às senhoras Dras. C. R. e C. M. foram pagos pelo AI já após a decisão judicial que no âmbito do apenso L reconheceu créditos laborais aos trabalhadores sobre a massa insolvente (cfr. ponto 4º dos factos apurados), salvo o devido respeito por opinião contrária, o AI não cometeu nenhuma ilegalidade ao pagar esses créditos a essas credores antes de proceder ao pagamento dos créditos laborais reconhecidos aos trabalhadores sobre a massa insolvente no âmbito do apenso L, uma vez que o produto da venda da massa insolvente era mais do que suficiente para satisfazer todos os créditos da massa insolvente e, consequentemente, para satisfazer quer os de que era detentora a “X – Indústria Química, S.A”, quer os de que eram detentores a Segurança Social, a C. & C., S.A. e as Dras. C. R. e C. M., quer os que eram detentores os trabalhadores sobre a massa insolvente, mas a ilegalidade cometida pelo AI decorre de ter liquidado créditos sobre a insolvência, sem antes estarem satisfeitos todos os créditos sobre a massa insolvente ou desse pagamento estar garantido, conforme é imposto pelos arts. 46º, n.º 1 e 172º, n.º 1 do CIRE, matéria esta que, no entanto, se encontra subtraída ao campo de cognição desta Relação, uma vez que o apelante não coloca em crise os pagamentos que foram efetuados pelo AI aos credores da insolvência, mas unicamente os pagamentos que foram realizados pelo AI sobre as verbas que vimos tratando, as quais, no entanto, respeitam a créditos sobre a massa insolvente.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo, improcederem os enunciados fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante.

B.II.d.2- Da ausência de consulta da comissão de credores.
O apelante faz radicar a ilegalidade dos pagamentos efetuados pelo AI na circunstância deste ter realizado os mesmos sem previamente ter consultado e obtido autorização da comissão de credores, pretendendo que esses pagamentos (os quais, reafirma-se, respeitam a pagamentos de dívidas da massa insolvente) consubstanciam ato de especial relevo para o processo de insolvência, pelo que essa consulta e autorização era obrigatória, mas sem razão.
Na verdade, sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (n.º 1 do art. 81º), os quais passam a competir ao administrador de insolvência, a quem, salvo a representação do devedor no âmbito do próprio processo de insolvência, seus incidentes e apensos (n.º 5), cabe a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessam à insolvência (n.º 4 daquele art. 81º).
Deste modo, é ao administrador de insolvência que assiste legitimidade ativa e passiva para representar o devedor/insolvente em juízo em todas as ações em que estejam em causa questões patrimoniais que interessam à insolvência, por influírem positivamente ou negativamente na massa e, bem assim para representar a massa insolvente.
Logo, na defesa dos interesses do insolvente, sujeito que ele representa para todos os efeitos de caráter patrimonial (cfr. art. 81º, n.º 4) e, por outro lado, dos interesses comuns, sendo – como é – o fim último do processo de insolvência a satisfação o mais completa possível do máximo número de credores (21), cabe ao administrador de insolvência no cumprimento do seu dever de, na medida do possível, evitar o agravamento da situação patrimonial do devedor, providenciando pela conservação e frutificação dos bens e direitos que integram a massa insolvente, o direito de constituir mandatário judicial para propor ações judiciais, em representação do devedor, cujo objeto tenha caráter patrimonial que interesse à insolvência, ou para propor ações em representação da massa insolvente e, bem assim para contestar essas ações (n.º 2 do art. 55º), sem necessidade de para tanto ter de obter prévia autorização da comissão de credores (22).
Destarte, a constituição de mandatário judicial pelo administrador de insolvência para instaurar aquele tipo de ações e, bem assim, para patrocinar a massa insolvente com os fitos elencados nos pontos 6º e 7º da facticidade apurada, não está dependente de autorização prévia da comissão de credores, tratando-se de atos de administração ordinária que o administrador realiza na defesa da massa insolvente, visando aumentá-la, como é o caso do patrocínio judiciário que foi exercido pela senhora Dra. C. R., que teve em vista obter a restituição do imposto de selo junto da Autoridade Tributária, que esta indevidamente liquidou, e conter os prejuízos para a massa insolvente, conforme foi o caso do patrocínio por esta exercido no âmbito da execução a que se reporta o apenso EF e, bem assim o exercido pela senhora Dra. C. M. no âmbito das ações a que se reportam os apensos DX, L, EO e EH.
E se a constituição dessas mandatárias com aqueles fitos não estava dependente da obtenção pelo AI de prévia comunicação e autorização da comissão de credores (não se vendo, aliás, que a constituição desse patrocínio judiciário configure ato de especial relevo para o processo de insolvência, tendo em consideração os exemplos padrão que a esse propósito se encontram enunciados no n.º 3 do art. 161º), naturalmente que o pagamento dos honorários àquelas causídicas, que é mera consequência da contratação dos seus serviços pelo AI e da sua prestação à massa insolvente, não esteja dependente da prévia comunicação e autorização dessa comissão.
Quanto aos pagamentos efetuados pelo AI à X e à C. & C., dir-se-á que os mesmos respeitam ao pagamento de fornecimentos de bens (produtos químicos e fio) feitos por essas sociedades necessários ao funcionamento do estabelecimento da O. F., S.A., após esta ter sido declarada insolvente, respeitando, por sua vez, o pagamento feito à Segurança Social a quotizações em dívida dos meses de janeiro a abril de 2008, isto é, respeitantes aos trabalhadores que se mantiveram ao serviço após aquela sociedade devedora ter sido declarada insolvente, tratando-se, pois, de dívidas da massa insolvente que decorrem do estabelecimento da devedora se ter mantido em atividade após a declaração da insolvência desta.
Ora, conforme já enunciado, se é certo que cumpre à assembleia de credores decidir sobre o encerramento ou manutenção em atividade dos estabelecimentos do devedor, caso a assembleia nada decida, essa decisão passa para o administrador de insolvência, sem prejuízo da assembleia de credores, nos termos do n.º 6 do art. 156º, poder atuar, tomando decisão distinta daquela que é adotada pelo administrador de insolvência, isto é, reabrindo estabelecimentos que este decidiu encerrar, e encerrou, ou encerrando estabelecimentos que o mesmo decidiu manter em atividade, e que manteve em atividade.
Sendo assim, se no caso sobre que versam os autos, o administrador decidiu, conforme decidiu, manter o estabelecimento da devedora em funcionamento e se a assembleia de credores nada decidiu em sentido contrário a essa decisão, naturalmente que o administrador de insolvência pode e deve efetuar os pagamentos das despesas da massa insolvente inerentes à manutenção desse estabelecimento em atividade, sem que para tal necessite de efetuar qualquer comunicação prévia à assembleia de credores e/ou à comissão de credores e de obter destas autorização para efetuar esses pagamentos, posto que a assembleia de credores é soberana e conformou-se com a manutenção do estabelecimento da devedora em funcionamento decidida pelo administrador e não desconhece que dessa manutenção do estabelecimento em atividade derivam necessariamente despesas, que são dívidas da massa insolvente e que têm de ser liquidadas pelo AI mal se vençam, conforme lhe é imposto pelo n.º 3 do art. 172º.
Resulta do que vem dizendo que nenhum dos identificados pagamentos feitos pelo AI consubstanciam ato de especial relevo para a insolvência, podendo e devendo o AI proceder ao pagamento desses débitos da massa insolvente, sem necessitar de consultar e obter qualquer autorização prévia da comissão de credores.
Improcede este fundamento de recurso.

B.II.d.3- Da confissão pelo AI do débito da massa insolvente à C. e C., Lda.

Continua o apelante advogando que o pagamento da verba n.º 199, realizado pelo AI à sociedade “C. & C., Lda.” resulta de uma confissão de dívida efetuada pelo mesmo a essa sociedade, sem prévia concordância da comissão de credores, e, portanto, em violação do disposto no n.º 8 do art. 55º, omissão essa que, na sua perspetiva, configura a preterição de uma formalidade ad substantiam ou essencial, que determina a nulidade da confissão, e a consequente ilegalidade do pagamento feito pelo AI dessa dívida à “C. & C.. Lda.”, mas, antecipe-se desde já, sem manifesta razão.
Na verdade, nos termos do disposto no art. 55º, n.º 8 do CIRE, o administrador de insolvência dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes.
Acontece que no caso dos autos, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se está perante qualquer confissão, parcial ou total do pedido formulado pela sociedade “C. & C., Lda.” feita pelo AI, mas perante uma confissão de factos feita pela mandatária da massa insolvente no âmbito da contestação que apresentou na ação intentada pela “C. & C., Lda.” contra a massa insolvente.
Precise-se que a confissão do pedido é o negócio unilateral pelo qual o réu reconhece o fundamento do pedido formulado pelo autor, podendo essa confissão ser total ou parcial (art. 283º, n.º 1 do CPC) (23). É esta que se encontra sujeita ao regime jurídico do n.º 8 do art. 55º do CIRE.
Acontece que a confissão do pedido não se confunde com a confissão de factos feita pelo mandatário nos articulados, nos termos do disposto nos arts. 46º e 567º do CPC.
A confissão de factos feita pelo mandatário nos articulados, quando expressa, vincula a parte, exceto se não for retificada ou retirada enquanto a parte contrária não tiver aceite especificadamente a confissão, mas essa confissão de factos não se encontra submetida ao regime jurídico dos arts. 283º, 284º, 287º, 288º, 290º e 291º do CPC, nem sequer do 55º, n.º 8 do CPC, porquanto, não se está perante qualquer confissão, total ou parcial, do pedido, mas apenas perante o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária (art. 352º do CC).
A confissão de factos feita por mandatário nos articulados não exige sequer que este disponha de poderes forenses especiais para confessar (contrariamente do que acontece na confissão do pedido) (24), dado que o legislador presume que o mandatário age no exclusivo interesse da parte patrocinada em todo e qualquer ato que pratique a coberto do mandato judicial.
Ora, no caso dos autos, conforme resulta do apenso EM, a “C. & C., Lda.” instaurou ação pedindo a condenação da massa insolvente a pagar-lhe a quantia de 229.942,87 euros, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor aplicável às operações comerciais, calculados sobre o capital em dívida de 194.447,23 euros, até integral pagamento, alegando para tanto ter efetuado após a declaração da insolvência da O. F., S.A., os fornecimentos de fio, nas qualidades, quantidades e preços e com as datas de vencimento que constam das faturas que identifica no art. 4º da petição inicial, pelo preço global de 194.447,23 euros, que esta não lhe pagou.
Por sua vez, na contestação, a Ré, através de mandatário constituído pelo AI, confessou parcialmente os factos, mas alegou que o preço do fio fornecido ascende apenas a 135.025,01 euros, reconhecendo que não pagou esse preço e que os juros de mora vencidos ascendem a 76.436,17 euros, perfazendo capital e juros vencidos um total de 211.461.18 euros.
Notificada da contestação, a C. & C., S.A. reduziu o pedido à quantia confessada pela massa insolvente, vindo esta, por sentença a ser condenada a pagar àquela demandante a quantia de 211.461,18 euros.
A situação que se acaba de traçar subsume-se a uma confissão de factos feita nos articulados, mais concretamente, na contestação, pelo mandatário da massa insolvente, e não perante qualquer confissão de pedido e, portanto, essa confissão de factos não se encontra submetida ao regime legal do n.º 8 do art. 55º do CIRE.
Improcede este fundamento de recurso.

B.II.d.4- Do pagamento efetuado à Segurança Social.

Finalmente, advoga o apelante que o pagamento da verba n.º 178, efetuado pelo AI à Segurança Social, respeita ao pagamento de um crédito não reconhecido no âmbito do processo de insolvência e respetivos apensos, em que o AI utilizou dinheiro da massa insolvente em seu próprio benefício, quando a Segurança Social não lançou mão da reclamação de créditos prevista no art. 89º do CIRE, o que determina a ilegalidade desse pagamento.
A este propósito dir-se-á que só por manifesta desatenção pode o apelante pretender que o AI utilizou dinheiro da massa insolvente em benefício próprio para se furtar às consequências criminais em que incorria caso persistisse no não pagamento das quotizações à Segurança Social dos meses de janeiro a abril de 2008, no montante de 146.080,52 euros.
Na verdade, se é certo que o AI foi sujeito a procedimento criminal por culpa própria, porque não cuidou em pagar essas quotizações à Segurança Social nas datas dos respetivos vencimentos, conforme lhe é imposto pelo art. 172º, n.º 3 do CIRE, está-se perante uma dívida que não é pessoal do AI, mas de débito da massa insolvente.
Deste modo, salvo o devido respeito por opinião contrária, o AI não utilizou dinheiro próprio em seu benefício, mas exclusivamente para pagar uma dívida da massa insolvente e apenas foi submetido a um processo criminal porque não cuidou em cumprir com o comando do n.º 3 daquele art. 172º, vendendo, caso não dispusesse de liquidez para efetuar o pagamento dessas dívidas, nas datas dos respetivos vencimentos, os bens da massa insolvente, incluindo, se necessário fosse, os que se encontrassem onerados com garantia real.
E tratando-se de uma dívida da massa insolvente, como já enunciado e aqui se reafirma, não tinha a Segurança Social de reclamar esse crédito no âmbito dos autos de insolvência, sequer tinha de instaurar ação ulterior de verificação de créditos, uma vez que esses expedientes processuais apenas são aplicáveis em relação a dívidas da insolvência (não da massa insolvente).
Ao invés, cumpria ao AI pagar à Segurança Social essas quotizações, que constituem dívida da massa insolvente, mal estas se venceram.
O alcance do art. 85º do CIRE, contrariamente ao pretendido pelo apelante, é no sentido de caso o AI não pague as dívidas da massa insolvente, assiste ao credor – no caso, à Segurança Social -, o direito potestativo de instaurar ação condenatória daquela ou, caso disponha já de título executivo que lhe reconheça o direito de crédito que detém sobre a massa insolvente, instaurar a competente execução contra esta, sendo que, respetivamente, essa ação ou execução correm por apenso aos autos de insolvência (25).
Resulta do que se vem dizendo, improceder igualmente este fundamento de recurso.
Aqui chegados, improcedem todos os fundamentos de recurso invocados pelo apelante, impondo-se julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, com a ressalva da procedência do recurso interposto pela apelante “X – Indústria Química, S.A.”, confirmar a sentença recorrida.
*
Decisão:

Nesta conformidade, os juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar:
I- a apelação interposta pela apelante “X – Indústria Química, S.A” integralmente procedente e a ampliação do objeto de recurso apresentado pelo apelado A. P., integralmente improcedente e, em consequência:
- revogam a sentença recorrida, na parte em ressalva das contas apresentadas pelo Administrador de Insolvência que julgou válidas, o pagamento por este efetuado à credora “X – Indústria Química, S.A., e declaram este pagamento igualmente válido.
*
Custas da apelação interposta pela “X – Indústria Química, S.A”, pelo apelado A. P. (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
II- a apelação interposta pelo apelante A. P. totalmente improcedente e, em consequência:
- com a ressalva do decidido em I), confirmam a sentença recorrida.
*
Custas da apelação interposta pelo apelante A. P. pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 07 de outubro de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

José Alberto Moreira Dias (relator)
Alexandra Viana Lopes (1ª Adjunta)
Rosália Cunha (2ª Adjunta).


1. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI.
2. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
3. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
4. Neste sentido Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143, onde pondera: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”. Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, in base de dados da DGSI: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”.
5. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
6. Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
7. No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”.
8. Acs. STJ. 30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974, todos in base de dados da DGSI.
9. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., pág. 54.
10. Acs. STJ. de 20/06/2006, Proc. 06A1443; 13/07/2007; Proc. 07A091, in base de dados da DGSI.
11. Ac. STJ. de 28/10/2008, Proc. 08A3005; 21/05/2209, na mesma base de dados.
12. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 275 e 276.
13. A que se reportam todas as disposições legais infra indicadas, sem menção em contrário.
14. Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, pág. 267; Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, abril de 2018, pág. 291.
15. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 588, nota 11.
16. Catarina Serra, ob. cit., pág. 291.
17. Catarina Serra, “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, abril de 2018, pág. 256; Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed. Quid Juris, pág. 291, onde escrevem que: “no n.º 1 (do art. 46º), definem-se, sem quaisquer inovações relevantes, o âmbito e a função da massa insolvente. Esclarece-se a adstrição da massa à satisfação primeira das suas próprias dividas, que o Código identifica no art. 51º”.
18. Em que se lê: “Distinguem-se com precisão as «dívidas da insolvência», correspondentes aos créditos sobre o insolvente cujo fundamento existisse à data da declaração de insolvência e aos que lhe sejam equiparados (que passam a ser designados como «créditos sobre a insolvência», e os respetivos titulares como «credores da insolvência»), das « dívidas ou encargos da massa insolvente» (correlativas aos «créditos sobre a massa», detidos pelos «credores da massa»), que são, grosso modo, as constituídas no decurso do processo”.
19. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág., 645.
20. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 645, nota 6.
21. Catarina Serra, ob. cit., pág. 80.
22. Neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 331, onde ponderam: “Continuam, em todo o caso, ressalvados os casos em que é necessário o recurso a patrocínio da massa, situação em que o administrador é, nesse âmbito substituído pelo mandatário judicial constituído. Por outro lado, mas noutro plano, igualmente se acautela a necessidade de prévia concordância da comissão de credores para a prática do ato em questão. Mas aqui do que se trata é de o administrador, por não poder agir sem ela, a dever obter, sendo, no entanto, sempre ele o agente”.
23. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 206
24. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pies de Sousa, “Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., págs. 82 e 83. Acs. STJ. de 11/11/2010, Proc. 1902/06.6TBVRL.P1.S1; de 14/06/2010, Proc. 472/15.9T8VRL.G1.S1; de 17/12/2003, Proc. 04B1849, in base de dados da DGSI.
25. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 437, em que a propósito do art. 89º do CIRE escreve, “O primeiro ponto a destacar, na anotação deste artigo é o de ele se referir exclusivamente a dívidas da massa insolvente. Tal como as identifica o art. 51º. Assente, deste modo, a previsão normativa, o n.º 1 do art. 89º impede a instauração de ações executivas para obter o pagamento dessas dívidas, durante os três meses seguintes à data da declaração de insolvência. Mas podem ser propostas ações de natureza declarativa e procedimentos cautelares, desde que, quanto a estes, não tenham natureza executiva. Trata-se, assim, de um período de carência que só se pode compreender como um meio de tutela da massa insolvente. Em geral, segundo dispõe o n.º 2, as ações relativas a dívidas contra a massa insolvente, mesmo as executivas – quando sejam admitidas -, correm por apenso ao processo de insolvência”.