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ACÇÕES POSSESSÓRIAS
CAUSA DE PEDIR
JUSTO RECEIO DE PERTURBAÇÃO OU ESBULHO
Sumário
Sumário (da relatora):
Nas acções possessórias a causa de pedir é constituída pelo acto ou facto jurídico em que o Autor se baseia para alegar que a posse lhe pertence e pelo facto lesivo dessa posse O fundamento de facto da acção possessória de prevenção é o "justo receio" de perturbação ou esbulho, enquanto o fundamento de direito, que é o mesmo nas três acções possessórias, é a posse tendo aquelas como causa de pedir tipificada a relação possessória “próprio sensu”.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I – F. M. e O. M. intentaram a presente acção declarativa de condenação – acção de prevenção artigo 1276º do Código Civil -, contra S. P. e S. S., peticionado a condenação destes nos seguintes termos:
I – A intimação dos réus nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 1276º do Código Civil;
II – Em cominação de multa nunca inferior a 15 (quinze) UCs cada um dos réus;
III – cumulativamente sejam os réus condenados no dano patrimonial que causaram no valor de €660,00 (seiscentos e sessenta euros);
IV – Acrescida de juros desde a data da citação até integral pagamento.
Para tanto, alegaram, em síntese, que os autores são proprietários de três prédios rústicos identificados no ponto 1 da petição inicial e que teriam sido desenvolvidos trabalhos agrícolas por um terceiro a pedido do 1º réu alegando que os mesmos seriam propriedade do 2º réu (filho o 1º réu).
Alegaram que tal intervenção nos prédios identificados em 1 causaram prejuízos patrimoniais, nomeadamente com o corte de 400 (quatrocentos) eucaliptos, num valor de €660,00 (seiscentos e sessenta euros).
Pugnaram nos termos acima mencionados.
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Os réus apresentaram contestação (fls. 30 a 33v), na qual, em síntese, referiram que os prédios de que os autores se arrogam proprietários não correspondem fisicamente aos prédios onde os mesmos realizaram os trabalhos em causa.
Pugnaram pela improcedência da ação.
Por despacho proferido a 06.01.2021, foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto à falta de alegação de factos que integram a causa de pedir da acção preventiva da posse prevista no artigo 1276º do Código Civil.
Os autores pronunciaram-se nos termos do requerimento com referência citius 10975908.
Em suma alegaram os autores que alegaram factos dos quais resultam que os réus diminuíram o gozo e exercício do direito dos autores.
Pugnaram pelo prosseguimento da ação.
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Notificados os réus pronunciaram-se nos termos do requerimento com referência citius 11006072.
Foi então proferido despacho em que se decidiu:
(…) Resta, portanto, concluir pela improcedência dos pedidos formulados, por falta de concretização dos factos consubstanciados do direito invocado. Ante o exposto, o Tribunal julga totalmente improcedentes os pedidos formulados pelos autores, absolvendo os réus de todos os pedidos.
Inconformados os autores interpuseram recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
I - Recorre-se do despacho de indeferimento da PI (matéria de direito), cumprido o ónus de alegar apresentam-se as conclusões, referindo-se que foram violadas e, ou erradamente aplicadas, os artigos 6º, n.º 1, 47º, 465º, n.º 2, 590º, n.º 1, 552º, 555º, n.º 1, 619º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
II – A petição inicial foi incorretamente indeferida nos termos do previsto nos termos do artigo 590º, n.º 1 alínea do Código de Processo Civil, determinando a absolvição da instância após gestão processual (artigo 6º, n.º 2 CPC) que determinou a impossibilidade de aquisição processual de fatos de conhecimento oficioso, confissão (352º e 358º, n.º 1 ambos do CC com referência aos artigos 47º e 465º, n.º 2 todos do Código de Processo Civil e artigos 7º, 8º, 15º da contestação) caso julgado (artigos 619º, n.º 1 do CPC),
III - recorrendo-se nos termos do previsto no s artigos 629º, n.º 3 alínea c ) e 630º, n.º 2 parte final, ambos do CPC, porquanto e ao contrário do que resulta do despacho em crise os AA alegam a sua posse na Pi, cumulam pedidos de forma regular e própria à ação de prevenção e defesa da posse (com pedidos de indemnização pelos danos que se mostram compatíveis, não se percebendo a ineptidão da Pi porque os fatos alegados serão suficientes para a procedência da ação porque integram a causa de pedir da ação preventiva da posse.1º, 2º, 3º , 4º, 6º, 7º, 8º e 9º da Pi,
IV - no presente não se verifica qualquer incompatibilidade substancial dos pedidos, os concretos pedidos são compatíveis, também com a forma de processo comum, não há incompatibilidade na forma de processo, (pois a ação prevista no artigo 1276º corresponde também à forma comum e não a qualquer tipo de processo especial) e o tribunal é competente para conhecer os concretos pedidos,
V - Ao que acresce, conforme resulta do despacho em crise, “ o pedido em causa [o principal] consiste numa intimação sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar (…) a causa pedir subjacente a esta ação preventiva assenta na alegação de factos integradores da posse e integradores do justo receio de ser perturbado ou esbulhado da coisa “ acresce que a ação prevista no artigo 1276º do CC é uma ação comum declarativa de condenação pela qual se exige uma prestação de fato ( non facere) prevendo a violação de um direito ( a posse) conforme o previsto no artigo 10º, n.º 3 alínea b), do CPC, “ As de condenação, exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito “ ou seja, trata-se de uma ação que segue a tramitação prevista nos artigos 552º e seguintes do CPC.
VI – Acresce que o segmento do despacho antes citado, ora em crise, serve na seguinte extraordinária conclusão “estamos perante uma ação preventiva, isto é, que visa evitar a lesão da posse e não perante uma ação em que a lesão já se tenha verificado (…) “ afastando a aplicação da ação (1276º CC) às situações em que o possuidor tem receio de ver a sua posse turbada em função da reiterada ação dos RR. É o que se verifica no caso dos presentes autos em que os AA alegam fatos objetivos já ocorridos que determinam o fundado receio de turbação da posse (aliás confessada pelos RR conforme a sua contestação),
VII – verifica-se que os fatos levados à lide apenas se podem subsumir à ação de prevenção da posse, uma vez que não se aplica a ação de manutenção da posse prevista no artigo 1278º do CC, pois não está em causa a titularidade do direito e os prédios estão inscritos a favor de AA, e declarados como os mesmos que lhe foram vendidos pelo “tribunal” no âmbito da ação que se refere no artigo 1º da Pi (caso julgado), tão pouco se subsume à ação de restituição pois não se verificou o efetivo esbulho.
VIII - Bem se percebendo que a ação foi corretamente interposta na forma que AA optaram e que a cumulação de pedidos é regular.
Os réus apresentaram contra-alegações na quais concluem do seguinte modo:
A) Ora salvo o devido respeito, a ação formulada não preenche os requisitos integradores da ação de prevenção e, por conseguinte, a causa de pedir dos presentes autos e incoerente e irrelevante.
B) Os recorrentes alegam a posse de uma forma genérica e imprecisa, existindo várias contradições no discurso formulado.
C) Por outro lado, os recorrentes alegam que “não se conformam com a atuação dos RR. que pretendem atuar como possuidores e proprietários (…), determinando o justo receio da continua perturbação ou esbulho”
D) Continuam referindo que: “a atuação de RR. foi cumulativamente danosa, porque destruiu 400(quatrocentos) eucaliptos jovens (…)”
E) Tendo em conta o alegado pelos autores e a aplicação da letra da lei ao caso concreto não estamos perante um “justo receio”, dado que, conforme referido pelos recorrentes a lesão já se verificou.
F) O artigo 1276.º do CC, na esteira da ideia de prevenção da consumação de uma ameaça, vem prever a possibilidade de o possuidor defender a sua posse mediante intimação a quem o ameace, ou seja, para que este se abstenha de praticar actos que ponham em causa a posse.
G) 27º Essa intimação seria realizada através de uma Acção de Prevenção, dominação da epígrafe do artigo. É, portanto, uma acção judicial que visa a manutenção da posse, fundada num receio da sua futuraperturbação ou esbulho.
H) 28º Para se poder recorrer a uma acção deste género, tal como MENEZES CORDEIRO descreve, será necessário, por um lado, que a posse ainda não tenha sido lesada e, por outro lado, que o possuidor tenha fundadas razões para crer que há uma ameaça real sobre ela.
I) Há, portanto, uma prevenção, uma ação voltada para o futuro e que, através de uma linha de pensamento baseado em probabilidade, é adequado a produzir o ilícito que se pretende afastar.
J) No caso em apreço, como se disse, não foi alegada matéria factual quepermitisse, ainda que a nível indiciário, concluir-se pela existência defundamentos que admitissem o prosseguimento dos autos, como bemdecidiu o Tribunal a quo.
K) Além do mais, é notório que o que os recorrentes pretendem é contornar a ação que se aplica ao caso concreto, visto que o que está aqui em causa é a titularidade do direito.
L) Pelo que, nunca poderia o tribunal a quo decidir de forma diferente, dado que a ação foi proposta de forma incorreta, tentando os recorrentes contornar os factos e a subsunção dos mesmos na lei.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.
Dispõe o artigo 1276º do Código Civil que :
Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.
Em sede de tutela da posse, temos que as anteriores “acções possessórias de prevenção, de manutenção e de restituição de posse” são hoje acções declarativas de condenação, que seguem os termos do processo declarativo comum, com algumas especialidades.
Mantendo-se, contudo, no Código Civil, que não sofreu alteração, nessa parte, a designação tradicional destas acções, cfr. art.igos 1276º, 1278, 1281º e 1282º.
Correspondendo aquelas várias modalidades de acções possessórias a outras tantas hipóteses de perturbação da situação jurídica do possuidor.
“Além dos meios de defesa judicial da posse previstos no capítulo que este artigo 1276 ° inicia — acção de prevenção; acção de manutenção; acção de restituição; acção de restituição no caso de esbulho violento e embargos de terceiro – há também meios de defesa da posse de carácter extrajudicial, como o são, genericamente, a acção directa e a legítima defesa, meios regulados nos arts. 336.° e 337.°” - Mota Pinto, “Direitos Reais”, 1970/71, 213”.
A acção de prevenção supõe a não verificação de qualquer acto material de efectiva perturbação da posse ou de esbulho, mas verificarem-se certas circunstâncias, emergentes de factos de terceiros, que levam o possuidor a ter justo receio de vir a ser perturbado ou esbulhado.
A acção de manutenção, e como se retira do art.º 1278º, n.º 1, do Código Civil, é o meio processual a que o possuidor deve recorrer no caso de haver perturbação da sua posse, sem que, contudo, chegue a haver esbulho.
Finalmente a acção de restituição está reservada para os casos em que a violação da posse se traduz na privação desta.
No domínio das acções possessórias em geral, tendo aquelas como causa de pedir tipificada a relação possessória “próprio sensu”, “nada impede, porém, que o Autor, no seu petitório refira a propriedade, se referir igualmente a relação possessória, e tal alegação não for determinante do pedido; em tal hipótese ou se tratará de alegação irrelevante, ou meramente demonstrativa da própria posse.
O fundamento de facto da acção possessória de prevenção é o "justo receio" de perturbação ou esbulho, enquanto o fundamento de direito, que é o mesmo nas três acções possessórias, é a posse,
Causa de pedir— é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar.
Na definição de Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979- pág. 111: “É o acto ou facto jurídico — simples ou complexo, mas sempre concreto — donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer.
Esse direito não pode ter existência — e por vezes nem pode identificar-se — sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir”.
Assim, nas acções possessórias a causa de pedir é constituída pelo acto ou facto jurídico em que o Autor se baseia para alegar que a posse lhe pertence e pelo facto lesivo dessa posse. Ac. S.T.J., de 5.1.84, in BMJ, 333-398.
“Na petição inicial, deve o autor formular o pedido (art. 467-1-d), determinado material e processualmente, isto é, solicitar ao tribunal a providência processual que julgue adequada para tutela duma situação jurídica ou dum interesse que afirma materialmente protegido (Lebre de Freitas, Introdução cit., p. 53). Deve também indicar a causa de pedir (arts. 467-1-c e 498-4), isto é, alegar o facto constitutivo da situação jurídica material que quer fazer valer — ou, no caso da acção de simples apreciação da existência dum facto (art. 4-1-a), os elementos que o integram —, num e noutro caso se tratando do facto concreto que o autor diz ter constituído o efeito pretendido (Lebre de Freitas, idem, p. 55)”. Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado, vol.1º, págs. 312/322.
Como ensina Castro Mendes, in “Direito Processual Civil, 1980, I, 50, nota 1 – “Nas acções possessórias faz-se valer a mera posse, contra uma posse menos relevante, ou uma lesão da mesma posse”.
“A procedência do pedido, nas acções possessórias, não depende de se fazer prova cabal da existência do direito real a que corresponde a posse invocada, mas sim de se provar que existem actos e situações enquadráveis no conceito de posse” – Ac. da Relação de Lisboa, de 17.1.1991, in CJ, 1991, I, 124.
Sendo a o posse “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de doutro direito real” – artigo 1251º do Código Civil – para que se deva qualificar a acção de possessória basta que o titular do direito de propriedade, ou de outro direito real, seja importunado na sua posse por acto ilícito de terceiro, não tendo o demandante que lança mão de acção possessória que pedir o reconhecimento do direito real violado, já que, esse direito tem de preexistir sendo a condicionante lógica do pedido a que corresponde a acção possessória.
Ora, e como refere o tribunal recorrido os autores não alegaram factos integradores da posse e integradores do justo receio de ser perturbado.
E como resulta da própria denominação da acção estamos perante uma acção preventiva que visa evitar a lesão da posse e não perante uma acção em que a lesão já ocorreu.
Tendo em conta os factos alegados na petição e o pedido formulado existe manifesta contradição entre aqueles e o pedido, e a manifesta ausência de alegação de factos tendentes a demonstrar a posse dos prédios (sendo insuficiente a causa de pedir) por parte dos autores. Também (e face à ausência de alegação) não é viável o prosseguimento da acção como de restituição de posse.
Mas o que se verifica é a ineptidão da petição inicial, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 186º do Código de Processo Civil.
Deste modo, ainda que não falhasse a formulação dos pedidos supra elencados, sempre existiria a falta de alegação de factos essenciais à procedência da acção
O n.°3 do artigo 186º, é expresso em consignar uma situação de sanação da ineptidão, ao consagrar que, "se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a excepção quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial'. Para que esta excepção não se verifique, é necessário que o réu, na contestação, não revele ter tido um entendimento do pedido ou da causa de pedir.
Contudo, no caso dos autos, não tem relevância processual que os réus tenham compreendido a petição inicial, pois que a inexistência de formulação de pedidos essenciais à procedência da acção gera a falta de um pressuposto processual que determina a nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial.
Pois que, como já se referiu, o artigo 1276º do Código Civil provisiona as situações de defesa da posse, prevendo que se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.
Sendo nulo todo o processo estamos perante um caso de absolvição da instância nos termos do disposto no artigo 278º, alínea b) do Código de Processo Civil.
Deste modo, e embora por fundamentos diversos o recurso deve improceder.
Em síntese:
Nas acções possessórias a causa de pedir é constituída pelo acto ou facto jurídico em que o Autor se baseia para alegar que a posse lhe pertence e pelo facto lesivo dessa posse
O fundamento de facto da acção possessória de prevenção é o "justo receio" de perturbação ou esbulho, enquanto o fundamento de direito, que é o mesmo nas três acções possessórias, é a posse tendo aquelas como causa de pedir tipificada a relação possessória “próprio sensu”,.
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III – Pelo exposto acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente nos termos supra referidos.
Custas pelos apelantes.