DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário


Ao declarar à Directora de Recursos Humanos “Nesta empresa, eu não respeito ninguém” e a uma colega “Sua puta! Vou-te fazer a vida negra!”, sendo esta segunda expressão ouvida por outras duas colegas, a trabalhadora violou o dever de respeito e urbanidade para com a empresa, a superiora hierárquica e a colega; contudo, tratando-se duma ocorrência única no decurso duma relação laboral que durava há 15 anos, sem registo de processos disciplinares ou sanções disciplinares, sendo a trabalhadora diligente e zelosa e encontrando-se exaltada e nervosa na sobredita ocasião, é desproporcionada a aplicação da sanção de despedimento.

Alda Martins

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

S. T. veio através de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento opor-se ao despedimento efectuado por Varandas X S.A., juntando cópia da correspondente decisão.
A R. apresentou articulado de motivação do despedimento, onde alega, em síntese, que a A., no desempenho da sua actividade de colhedora ao serviço da empregadora e por causa de um incidente ocorrido entre colegas de trabalho, faltou ao respeito à sua superiora hierárquica e insultou uma colega de trabalho, chamando-lhe puta e dizendo “vou-te fazer a vida negra”, o que fez no refeitório da empresa, perante outros colegas de trabalho.
Foi junto aos autos o procedimento disciplinar dentro do prazo legal.
A A. contestou, impugnando, no essencial, os factos alegados pela empregadora, e invocando a invalidade do procedimento disciplinar e a improcedência do motivo justificativo. Termina, pedindo a declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da R. no pagamento de indemnização em substituição da reintegração e nas retribuições que deixou de auferir desde 9/09/2020 até ao trânsito em julgado da sentença.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

«Perante o exposto, julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e, em consequência, absolvo a R. empregadora “Varandas X S.A.”, do pedido contra si formulado pela A. trabalhadora S. T..
Custas pela A. trabalhadora, sem prejuízo da isenção de custas de que beneficia.»

A A. interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1 – Os factos dados como provados relativos à conduta da A. aqui recorrente e consubstanciados no ponto 10 e 12 da douta sentença foram considerados aptos ao preenchimento do conceito de justa causa de despedimento.
2 – No entanto, não podemos concordar com tal entendimento, Porquanto,
3 – Relativamente ao facto vertido no ponto 10 da douta sentença, parece-nos claramente que o mesmo não justifica a aplicação da sanção mais grave, desde logo porque se tratou de uma afirmação generalizada e não consubstancia qualquer insulto para com a superior hierárquica, sendo que tal afirmação não é pessoalizada e especialmente dirigida à superior hierárquica da A. aqui recorrente – Sra. Directora de Recursos Humanos.
4 – Acresce que, aquela conduta tem lugar no seguimento de um incidente com outra colega, sem qualquer relevância, que não tem sequer a dignidade para ser chamado de conflito, mas que ainda assim, esteve na origem de que a A.. aqui recorrente fosse chamada à presença da Sra. Directora de Recursos Humanos.
5 – O estado de nervosismo e exaltação em que se encontrava a A. ( e que resultou provado) deve ser considerado na medida em que o mesmo propiciou o facto.
6 – Em todo o caso, não nos parece que a conduta tenha gravidade em si mesmo, e que exista um grau de culpa elevado que justifique a aplicação da sanção mais grave – o despedimento.
7 – Importa ter presente, que a existência de diversas sanções disciplinares de natureza conservatória visam precisamente dar vida à opção (possível até à sua impossibilidade) pela continuidade do vínculo laboral.
8 – A finalidade de prevenção geral e especial que deve estar presente na aplicação das sanções conservatórias deve sempre ser equacionada com vista a afastar sempre que possível a aplicação da sanção mais grave.
9 – Ora, no caso em apreço, a conduta da A. aqui recorrente e dada como provada no ponto 10, não é passível em nosso entender de aplicação da sanção mais grave, desde logo porque não apresenta uma gravidade elevada e extrema, mas um nível bem inferior de gravidade. Diríamos até mesmo que se trata de uma censurabilidade mediana e possivelmente compreensível ainda que não aceitável em determinados circunstancialismos.
10 – No que se refere ao comportamento da A. aqui recorrente e dado como provado no ponto 12 da douta sentença, naturalmente que a sua gravidade é bem mais consistente, mas não podemos concordar é que com o entendimento da proporcionalidade e adequação da aplicação mais grave e que tenha tido lugar uma quebra da relação de confiança absolutamente irremediável. Isto porque,
11 – Desde logo, não basta a gravidade do comportamento em si mesmo, torna-se necessário avaliar o circunstancialismo do caso concreto, carácter das relações entre as partes, grau de lesão do interesse do empregador e outros aspectos relevantes, tal como prescreve o n.º 3 do art.º 351.º do Código do Trabalho.
12 – Ora, no caso em apreço, parece-nos que não foram devidamente considerados tais aspectos, sendo certo, que se trata de um estabelecimento, instalações em que laboram cerca de 200 trabalhadoras e em que é frequente atritos e conflitos com um tom de voz mais elevado.
13 – Assim, os conflitos entre colegas não são pouco frequentes o que é relevante para se aferir do carácter das relações existentes e da ambiência existente nas instalações da R. e aqui recorrida.
14 – Não obstante não se pretender retirar gravidade por esse facto, a verdade é que também não é evidente o dano organizacional que por esse facto foi infligido à R. aqui recorrida.
15 – Também não é despiciendo, o facto de a conduta da A. aqui recorrente, ter tido lugar no seguimento de uma chamada de atenção por parte da R. recorrida e provocada por um incidente insignificante.
16 – Acresce que, a A. aqui recorrente tem uma antiguidade de 15 anos e um percurso profissional marcado pelo zelo e diligência, além da inexistência de antecedentes disciplinares, o que em nosso entender não deve ser menosprezado, antes assumindo especial relevância para efeitos de avaliação e juízo de prognose de condutas futuras.
17 – Trazendo aqui à colação a questão da proporcionalidade da sanção disciplinar a aplicar, parece-nos que não obstante a gravidade do comportamento da A. aqui recorrente, o mesmo não é passível de provocar uma quebra de confiança irremediável.
18 – Na verdade, a aplicação de uma sanção conservatória que fizesse a A. reflectir no seu comportamento após o momento de nervosismo e exaltação aquando dos factos, apresentar-se-ia suficiente e adequada face aos fins de prevenção geral e especial, intrínsecos à finalidade das sanções.
19 – Assim, a sanção de despedimento não cumpre o princípio da necessidade, nem da adequação, pois outras sanções são adequadas para a normalização do vínculo e pacificação da relação laboral.
20 – A quebra de confiança não se apresenta irremediável, pois é possível reconstruir esse vínculo de confiança mediante a aplicação de uma sanção conservatória, recentrando assim e colocando no devido lugar o dever de respeito e urbanidade, sendo certo que, tratando-se de um local de trabalho com 200 trabalhadoras e em que os conflitos são usuais, a manutenção do vínculo não seria susceptível de ferir a sensibilidade das restantes trabalhadoras, nem da entidade patronal.
21 – Não podemos concordar que qualquer conduta consubstanciada na violação do dever de respeito e urbanidade seja indesculpável e passível sem mais, de aplicação da sanção mais grave, veja-se o Ac. do STJ de 28-01-2016 (proc. N.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1 que considerou ilícito o despedimento num caso de violação do dever de respeito e urbanidade.
22 – Face ao exposto, parece-nos que a questão basilar é o princípio da proporcionalidade e adequação da sanção de despedimento.
23 – Nesse sentido, face ao exposto e considerando o circunstancialismo dos factos, contexto laboral e natureza e características das relações, bem como, antiguidade da A. aqui recorrente sem antecedentes disciplinares, além de se encontrar num estado de nervosismo no momento dos factos e com um percurso de zelo e diligência resulta em nosso entender que a quebra de confiança não é de todo irremediável e que a aplicação de uma sanção conservatória se afigura mais adequada, devendo esta prevalecer de forma a garantir a estabilidade do vínculo.
24 – A opção pela sanção conservatória sempre até ao limite da impossibilidade apresenta-se bem descrita e patente no A. TRP de 29-11-2010 – proc. N.º 379/09.9TTMAI.P1.
25 - No Acórdão da Relação de Lisboa de 08-02-2017 (Processo n.º 280/14.4TTFUN.L 4.ª Secção, consta a importância do n.º 3 do art.º 351.ª para a avaliação da aplicação da sanção sendo referido é que daquela disposição “…resulta de modo claro, que não basta a violação dos deveres laborais por parte do trabalhador para que se possa concluir pela aplicação da sanção disciplinar de despedimento, a mais gravosa das sanções disciplinares, devendo a sua aplicação mostrar-se justa e proporcionada à gravidade do comportamento do trabalhador e suas consequências, só sendo de aplicar quando outras sanções disciplinares não se mostrem adequadas. “.
26 – Ora, também neste Acórdão se discutia um comportamento de violação do dever de respeito e urbanidade.
27 – Face ao exposto e no cumprimento do princípio da proporcionalidade das sanções deverá ser revogada a sentença de que se recorre e declarada procedente o pedido da A. aqui recorrente com a consequente declaração de ilicitude do despedimento.»
A R. apresentou resposta ao recurso da A., pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal é a de saber se ocorre justa causa de despedimento da A..

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
1- A A. exercia funções de Colhedora na R., cujas instalações se situam em ....
2- No dia 28 de Junho de 2020, a A. viu-se envolvida com a trabalhadora da entidade patronal A. R. num incidente por causa de uma caixa onde a trabalhadora A. R. estava sentada a trabalhar, sendo que a caixa lhe foi retirada pela trabalhadora arguida, dizendo-lhe “esta caixa é minha”.
3- Por causa de tal incidente, no dia 29 de Junho de 2020, à uma da tarde, antes de almoço, foi a A. chamada à presença da Senhora Dra. L. B., Directora de Recursos Humanos da R..
4- A trabalhadora/A., na resposta à Nota de Culpa por si apresentada, requereu a inquirição de 3 testemunhas.
5- No dia 6 de Agosto de 2020, a R. endereçou para a morada da trabalhadora carta registada com aviso de recepção, com vista a comunicar-lhe que se encontrava designada para o dia 27 de Agosto de 2020, pelas 11h00, a inquirição das testemunhas arroladas por aquela e que tal inquirição teria lugar nas instalações da entidade patronal, sitas em ....
6- Tal carta foi devolvida ao remetente, com indicação de “objecto não reclamado”.
7- Na data indicada para a inquirição das testemunhas, nenhuma testemunha compareceu.
8- O incidente referido supra no n.º 2 foi comunicado ao Departamento de Recurso Humanos, por parte do superior hierárquico da A., Eng.º O. B..
9- Chegada à presença da Directora dos Recursos Humanos, a A. encontrava-se exaltada e nervosa, tendo a Directora de Recursos Humanos sugerido ao superior hierárquico da A. que fosse chamar outras duas trabalhadoras, A. R. e P. V., com o intuito de ser o assunto esclarecido e encerrado, de uma forma cordata e amigável entre as trabalhadoras, ficando o assunto ultrapassado desta forma.
10- A Directora dos Recursos Humanos, neste espaço de tempo, ficou sozinha com a A., tendo esta dito num tom vincado e segura de si, sem qualquer constrangimento, que “Nesta empresa, eu não respeito ninguém”.
11- Quando a sua colega de trabalho A. R. chegou, a A. teve uma postura de escárnio e permanente tom de resposta e ironia para com esta, pelo que a Directora de Recursos Humanos disse à A. para ir almoçar.
12- A A. foi de imediato para o refeitório almoçar e, quando a trabalhadora da entidade patronal, A. R., entrou no refeitório, uns minutos mais tarde, e se dirigiu ao seu habitual local de toma de refeições, que é muito próximo do local onde a A. faz, igualmente as suas refeições, a A. disse em tom alto e de forma a que, pelo menos, os presentes que se encontravam mais próximos pudessem ouvir: “Sua puta! Vou-te fazer a vida negra!”.
13- Estavam presentes no refeitório outras colegas de trabalho, designadamente C. F., A. C. e C. T., tendo a primeira e a terceira ouvido o que foi dito pela A. nessa ocasião.
14- A trabalhadora A. R., não obstante ter ouvido o que foi dito pela A., não reagiu, nem respondeu, ignorando.
15- A testemunha F. G., indicada pela A. na sua resposta à nota de culpa, exerce funções na entidade patronal.
16- A A. é funcionária há já cerca de 15 anos, sendo uma trabalhadora zelosa e diligente.
17- Por vezes ocorrem episódios de desavenças entre colegas de trabalho, em que há um tom de voz mais ou menos elevado.

4. Apreciação do recurso

Cabe decidir se, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, se verifica a ilicitude do despedimento da trabalhadora, por inexistência de justa causa.
Nos termos do art. 351.º do Código do Trabalho, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constitui justa causa de despedimento (n.º 1).
Acrescenta o n.º 2, a título exemplificativo, alguns comportamentos do trabalhador susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento.
Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes (n.º 3).

Deste modo, são requisitos de justa causa de despedimento:

- um comportamento culposo e ilícito (activo ou passivo) do trabalhador, necessariamente consubstanciador de violação grave dos seus deveres profissionais;
- a imediata impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral com o empregador;
- e o nexo causal entre aquele comportamento e esta impossibilidade de manutenção do contrato.

Assim, em última análise, o que é preciso saber é se os factos imputados ao trabalhador e que se tenham provado e sejam relevantes são aptos para criar uma situação de inexigibilidade para o empregador, no sentido de não ser aceitável para o concreto incumprimento do contrato por aquele outra consequência jurídica que não seja a resolução pelo empregador. Mais: é preciso que tal inexigibilidade e adequação do despedimento sejam apreciadas objectivamente, isto é, do ponto de vista dum empregador normal com características idênticas a nível do quadro de gestão da empresa, do grau de lesão dos interesses, do carácter das relações com o trabalhador ou entre este e os seus companheiros, etc..
Deste modo, “[c]erta infracção poderá constituir justa causa quando, em concreto, se não possa exigir, segundo as regras da boa fé, que o empregador se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma sanção disciplinar propriamente dita, quer dizer, uma medida punitiva que não afecte, antes viabilize, a permanência do vínculo. Como se vê, este enunciado reproduz a ideia de inexigibilidade que está subjacente ao conceito de justa causa, só que o refere aos instrumentos de defesa da conservação do contrato que são, no terreno disciplinar, as sanções de repreensão, multa e suspensão.” (1)
Salienta ainda a jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, a noção de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução dos contratos reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais, pelo que, sempre que o comportamento do trabalhador seja susceptível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, existirá justa causa para o despedimento.
Assim, a título exemplificativo, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Setembro de 2010 (2), em que se refere que “[n]o âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem vindo a ser enfatizado o papel da confiança nas relações de trabalho, salientando-se a sua forte componente fiduciária para se concluir que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.”
A factualidade acima descrita evidencia que ocorreu manifesta violação do dever de respeito e urbanidade por parte da A., como o tribunal recorrido entendeu e aquela admite.

Na verdade, resulta da alínea a) do n.º 1 do art. 128.º do Código do Trabalho que o trabalhador tem o dever de respeito e de tratamento urbano e probo tanto em relação ao empregador como em relação aos superiores hierárquicos, aos colegas de trabalho e a terceiros que contactem com a empresa.
Conforme se contextualiza no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 2014 (3), “[o] dever de respeito e de urbanidade tem como objecto o empregador e os superiores hierárquicos do trabalhador, mas dirige-se também, para além dos colegas de trabalho, ainda ao conjunto de pessoas que entrem em relação com a empresa.
Esta multiplicidade de direcções em que este dever do trabalhador se concretiza decorre da componente organizacional do contrato de trabalho e da inserção do trabalhador numa estrutura que está para além da mera relação que se estabelece entre o trabalhador e o empregador.
O dever de urbanidade e de respeito «aponta genericamente para a necessidade de observância das regras de conduta social adequadas, quer em matéria de tratamento, quer em matéria de apresentação pessoal e de conduta do trabalhador», carecendo este dever, por força desta dimensão social, de concretização, caso a caso, em função do contexto empresarial em que ocorre a prestação de trabalho, e das pessoas envolvidas.
Tal como refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «o critério a reter na qualificação de certa conduta do trabalhador como infracção ao dever de respeito (…) deverá ser o da adequação da conduta do trabalhador no contexto laboral em que está a exercer».”
Ora, ao declarar à Directora de Recursos Humanos “Nesta empresa, eu não respeito ninguém”, a A. desmereceu a idoneidade moral e profissional de todos quantos trabalham na empresa, e em especial da destinatária, por desvalorizar a sua autoridade na resolução da situação problemática que estava em causa. Por outro lado, ao declarar à colega A. R., em tom alto e de forma a que os presentes mais próximos pudessem ouvir, “Sua puta! Vou-te fazer a vida negra!”, a A. enxovalhou-a e envergonhou-a publicamente com expressão objectivamente pejorativa e ameaçadora.
Configura-se, pois, sem dúvida, violação do dever de respeito e urbanidade da A. para com a empresa, a superiora hierárquica e a colega, Contudo, tratou-se duma ocorrência única no decurso duma relação laboral que durava há 15 anos, sem registo de processos disciplinares ou sanções disciplinares, sendo a A. uma trabalhadora zelosa e diligente. Por outro lado, a A. encontrava-se exaltada e nervosa por ter sido chamada à presença da Directora de Recursos Humanos. Acresce que a expressão dirigida a esta não foi ouvida por terceiros e a dirigida à A. R. acabou por ser ouvida apenas pelas colegas C. F. e C. T.. A própria A. R., não obstante ter ouvido o que foi dito pela A., não reagiu, nem respondeu, ignorando.
Conclui-se, assim, que a conduta ocasional da A., motivada pelo seu estado emocional, não teve outras consequências negativas para além do próprio efeito injurioso ínsito nas expressões utilizadas. Mais se provou que, por vezes, ocorrem episódios de desavenças entre colegas de trabalho, em que há um tom de voz mais ou menos elevado. Não obstante, nada foi alegado e provado sobre a prática disciplinar na empresa da R..

Estabelece o art. 328.º, n.º 1 do Código do Trabalho que, no exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções:

a) Repreensão;
b) Repreensão registada;
c) Sanção pecuniária;
d) Perda de dias de férias;
e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade;
f) Despedimento sem indemnização ou compensação.

Na escolha e medida da sanção deve ter-se em conta o art. 330.º, n.º 1 do mesmo diploma, que dispõe que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.
Como afirma Abílio Neto, “a infracção disciplinar está indissociavelmente ligada à ideia de comportamento ilícito e culposo do trabalhador violador de algum dos seus deveres contratuais ou legais, mas não necessariamente causador de danos patrimoniais, e daí que as sanções laborais visem, acima de tudo, objectivos, não tanto ressarcitórios, mas de retribuição e de prevenção geral e especial, consoante decorre da respectiva tipologia, prevalentemente dirigida à pessoa do trabalhador, com excepção da sanção pecuniária que, essa sim, assume natureza patrimonial directa, ao passo que as demais, incluindo as previstas nas alíneas d) a f) do art. 366º têm apenas efeitos patrimoniais indirectos. Assim, a aplicação da regra da proporcionalidade, fixada no art. 367º, ao mandar atender à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não pode nem deve atender em primeira linha aos danos patrimoniais decorrentes do comportamento do trabalhador – vício em que incorre com demasiada frequência a nossa jurisprudência -, cuja ressarcição é prosseguida através dos meios para que remete o art. 363º, mas às imposições de prevenção geral e especial no âmbito da comunidade laboral em que o trabalhador se insere, em ordem a reparar ou prevenir a violação dos mencionados deveres.
Tanto na eleição da sanção aplicável como na sua graduação, haverá que atender ao grau de culpa do infractor (se agiu dolosamente, com negligência grave ou leve) ao valor ofendido e às demais circunstâncias atendíveis, por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar sanções desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em atenção todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas.” (4)
Em síntese, ponderando os interesses em confronto – o do trabalhador em manter o vínculo laboral e o do empregador em ver cumpridos os deveres dos seus trabalhadores –, e considerando o princípio da proporcionalidade e da adequação consagrado no citado art. 330.º, n.º 1, afigura-se-nos que a factualidade sub judice não preenche o conceito de justa causa, dado que o suporte psicológico mínimo que o contrato de trabalho supõe se mantinha objectivamente, pelo que a conduta da Recorrente deveria ter sido punida com uma sanção conservadora do vínculo.
Isto é, facultando o art. 328.º a aplicação pela R. de diversas sanções disciplinares compatíveis com a manutenção do emprego da A. (repreensão, repreensão registada, sanção pecuniária, perda de dias de férias e suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade), afigura-se-nos que a opção por uma delas seria seguramente suficiente para reencaminhar o comportamento da Apelante para o de trabalhadora zelosa e diligente que até aí mantinha e desde há já 15 anos.
Sobre situações equiparáveis, de violação do dever de respeito e urbanidade pelo trabalhador em que se considerou ser desproporcionada a aplicação da sanção de despedimento, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1, e de 27 de Novembro de 2018, proferido no processo n.º 4053/15.9T8CSC.L1.S2, e os Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 151/13.1TTBGC.G1 (5), e de 7 de Dezembro de 2017, proferido no processo n.º 2260/15.3T8BRG.G1.
Por todo o exposto, entendemos que foi ilícito o despedimento da Recorrente.
Assim, em consequência, nos termos do art. 390.º, a Apelante tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas das quantias indicadas no n.º 2 daquela norma, se for o caso, devendo as das alíneas b) e c) ser consideradas oficiosamente.
E, nos termos do art. 391.º, em substituição da reintegração, a Apelante tem direito a uma indemnização de valor entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º, devendo atender-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
Embora não conste da factualidade consignada como provada, resulta do acordo das partes nos articulados que a A. auferia a retribuição base de 635,00 €, desconhecendo-se, contudo, a data da admissão da A. na R..
Assim, considerando a modéstia do valor da retribuição da Recorrente e as circunstâncias do caso (designadamente a ilicitude da conduta da A., merecedora de sanção disciplinar conservatória), entende-se adequado fixar o valor da indemnização com base em 20 dias.
Termos em que procede o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, condenar a R. a pagar à A. as seguintes quantias, a liquidar:

a) as retribuições que a trabalhadora deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas de subsídio de desemprego eventualmente recebido;
b) uma indemnização no valor de 20 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contada até ao trânsito em julgado da presente decisão.
Custas pela Recorrida.
Oportunamente, comunique-se à segurança social para efeitos do art. 390.º, n.º 2, al. c) do Código do Trabalho.

Em 7 de Outubro de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. Monteiro Fernandes, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 16.ª edição, p. 496.
2. Disponível em www.dgsi.pt.
3. Disponível em www.dgsi.pt.
4. Novo Código do Trabalho e legislação complementar, Ediforum, 3.ª edição, p. 661.
5. Estes três disponíveis em www.dgsi.pt.