CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
INQUÉRITO PRÉVIO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário


I - Ao trabalhador que invoca a caducidade do procedimento disciplinar compete o ónus da prova de que o procedimento prévio de inquérito não foi iniciado para além dos trinta dias desde a suspeita de existência de comportamentos irregulares, de que não foi conduzido de forma diligente e de que entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa tivessem mediado mais de trinta dias.
II – Atenta a actual redacção do art.º 352.º do CT. é de considerar que a contagem do prazo estabelecido no n.º 2 do art.º 329.º do CT se interrompe com o início do procedimento prévio de inquérito (pode não ser coincidente com a sua instauração), que pode ocorrer com a nomeação do instrutor, quando o haja, ou com o começo da recolha de elementos que sejam aptos a fundamentar a nota de culpa, designadamente a ocorrência de uma diligência probatória (junção de documento ou depoimento de testemunhas), conquanto haja um qualquer elemento formal claro que comprove o seu início, sem esquecer que o inquérito tem de ser substancialmente “necessário para fundamentar a nota de culpa”.
III - Não se verifica a caducidade do procedimento disciplinar, no caso de se mostrar justificada a instauração do procedimento prévio de inquérito, cujo início interrompeu o prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho, não tendo ainda, aquando da notificação da nota de culpa, decorrido 30 dias após a conclusão do mesmo.

Vera Sottomayor

Texto Integral


Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: X – CORREIOS …, S.A.
APELADO: A. P.

Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães – Juiz 1

I – RELATÓRIO

A. P., Autor nos presentes autos de acção de processo comum veio em cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir, nos termos conjugados dos arts. 28.º e 60.º, nº 3, do CPT, apresentar articulado superveniente, com o qual pretende impugnar a sanção disciplinar de suspensão do trabalho por 10 dias, com perda de retribuição e antiguidade aplicada na sequência de processo disciplinar que lhe foi instaurado pela Ré em 29 de Novembro de 2018, na pendência da presente acção e no qual conclui pedindo que a Ré seja condenada:

a) A restituir-lhe a quantia de €580,95, indevidamente descontada nas retribuições de Dezembro de 2018 e Janeiro de 2019, acrescida de juros de mora desde a data da respetiva retenção até efectivo e integral pagamento;
b) A pagar-lhe uma indemnização no montante de €5.809,95, por aplicação de sanção abusiva, nos termos previstos no art.º 331º, nº 5, do Código do Trabalho, acrescida de juros de mora desde a data da notificação até efetivo e integral pagamento;
c) A pagar-lhe uma indemnização no montante de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais, em consequência da conduta ilícita consubstanciada na instauração do processo disciplinar e na subsequente aplicação injustificada da sanção disciplinar, acrescida de juros de mora desde a data da notificação até efectivo e integral pagamento.
A Ré deduziu oposição a tal requerimento, concluindo pela rejeição de tal articulado, pela improcedência da caducidade invocada pelo autor e pela declaração da licitude da sanção disciplinar aplicada ao autor.

O articulado superveniente veio a ser admitido e em sede de despacho saneador foi apreciada pelo Tribunal a quo a exceção da caducidade do procedimento disciplinar, nos seguintes termos:

Caducidade do procedimento disciplinar:

Veio o A. invocar a caducidade do procedimento disciplinar que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão do trabalho por 10 dias, com perda de retribuição e antiguidade, alegando para o efeito que:

- Na nota de culpa enviada pela Ré ao A. em 25/07/2018, mediante carta registada com aviso de receção, que o A. recebeu a 26 seguinte (cfr. docs. nºs 2 e 3), a Ré veio invocar que o A. violou culposamente o dever de lealdade, previsto na 1ª parte da alínea f) do nº 1 do art. 128º do Código do Trabalho, ao ter procedido à junção de documentos no âmbito da presente acção judicial que o mesmo moveu contra a Ré, que, na sua opinião, continham informação sigilosa;
- A Ré tomou conhecimento da suposta infracção praticada pelo A., em 15/12/2017, data em que, conforme a mesma expressamente reconhece, foi citada no âmbito da presente acção judicial, com a qual, foram juntos pelo A. os documentos reputados sigilosos;
- Por sua vez, o A. recebeu a nota de culpa, enviada pela Ré no dia 26/07/2018;
-Assim, é incontroverso e inequívoco, que o direito da Ré instaurar aquele processo disciplinar, se encontrava caduco, uma vez que quando a nota de culpa foi enviada ao A., em 26/07/2018, já a R. tinha o conhecimento dos factos nela vertidos, pelo menos, há mais de 7 meses.
Respondeu a R. alegando que não ocorreu a invocada caducidade, uma vez que o procedimento não se iniciou no dia 26/07/2018 com a nota de culpa, mas sim no dia 11 de Janeiro de 2018, data em foi determinada a abertura de procedimento disciplinar com vista ao apuramento de todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos participados.

Cumpre decidir:
Dispõe o art.º 329º, nº 2 do C. do Trabalho que: “ O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção. “
Como se entendeu no Acórdão do STJ de 17/10/2007 in WWW. dgsi.pt “O prazo de caducidade do direito que a lei atribui ao empregador de agir disciplinarmente contra o trabalhador que tenha violado os seus deveres contratuais e inicia-se na data em que a entidade empregadora teve conhecimento não só dos factos que integram a infracção disciplinar, mas também da identidade do autor dos mesmos “.
Em regra, tal prazo suspende-se apenas com a comunicação da nota de culpa ao trabalhador, mas a sua suspensão pode ocorrer antes se a entidade empregadora tiver instaurado um processo prévio de inquérito e este se tiver mostrado necessário para fundamentar a nota de culpa e se tiver sido conduzido de forma diligente. Neste caso, a suspensão ocorre na data em que o processo de inquérito tiver sido instaurado (cfr. artº 352º e nº 3 do artº 353º, ambos do C. do Trabalho).
Compulsados os documentos juntos com a contestação do articulado superveniente verifica-se que no dia 10 de Janeiro de 2018, deu entrada no JL/AJD – Serviços Jurídico-Laborais/ Assessoria Jurídico-Disciplinar, e-mail enviado por J. L., da JL/CNL, destinado a J. M. e CC a L. A., com assunto: “Ação Judicial-Averiguação de Eventual Prática de Infração Disciplinar – A. P. (Nº .......47), que se dá por integralmente reproduzido.
Na data supramencionada, tais factos foram participados à Dra. L. A., que na qualidade de Diretora dos Serviços Jurídico Laborais, com competência delegada para assegurar a função disciplinar.
Foi considerado necessário proceder a averiguações para dedução de eventual Nota de Culpa, pelo que no dia 11 de Janeiro de 2018, foi determinada a abertura de procedimento disciplinar com vista ao apuramento de todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos participados e/ou outros que viessem a ser apurados.
Nessa data foi igualmente nomeada instrutora do processo a inspetora Dra. A. C.;
Conclui-se, assim, que no caso concreto o procedimento disciplinar não teve início com a dedução da nota de culpa, mas sim no dia 10 de Janeiro de 2018, data em foi determinada a abertura de procedimento disciplinar com vista ao apuramento de todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos participados, pelo que o direito do empregador foi exercido no prazo dos sessenta dias previstos na Lei.
Pelo exposto, improcede a invocada excepção de caducidade do procedimento disciplinar.
(…)”

Inconformado com esta decisão, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

“1 - O Apelante não se conforma com o douto despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a exceção de caducidade do procedimento disciplinar por si invocada, e cuja revogação se propugna.
2 - É firme e profunda convicção do Apelante, que do cotejo e da análise crítica dos factos já apurados e da prova documental já produzida nos autos, a decisão ora posta em crise evidencia, manifestamente, uma errada subsunção dos factos ao direito e, consequentemente, uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso, sobretudo, com violação do regime jurídico atinente ao procedimento disciplinar e seu inquérito prévio, previstos e consagrados nos normativos legais contidos nos arts. 329º e 352º do Código do Trabalho (C.T.).
3 - Considera o Apelante, com o devido respeito, que tal decisão é manifesta e inteiramente errada, em primeiro lugar, porque não tem suporte, não está respaldada nos factos já apurados e adquiridos nos autos, nem na prova documental igualmente já produzida.
4 - Em segundo lugar, porque também padece de uma errada interpretação e aplicação dos normativos legais ao caso, violando, sobretudo, o regime jurídico estatuído quanto ao procedimento disciplinar e seu inquérito prévio, consagrados nos arts. 329º e 352º do C.T..
5 - Resulta do comando legal inserto no art. 352º do C.T., que a instauração de inquérito prévio só tem eficácia interruptiva da caducidade do prazo para se instaurar procedimento disciplinar, se se verificarem cumulativamente, os seguintes requisitos:
i. se houver necessidade do mesmo para se fundamentar a nota de culpa;
ii. se for conduzido de forma diligente;
iii. se for iniciado dentro dos 30 dias subsequentes ao conhecimento da suspeita de comportamentos irregulares;
iv. se a nota de culpa for notificada ao infrator no prazo de 30 dias contados desde a conclusão das averiguações.
6 - Como muito bem ensina Pedro Furtado Martins, na obra intitulada “Cessação do Contrato de Trabalho”, 4ª edição revista e atualizada, Principia, 2017, páginas 200/204, o artigo 352º do C.T., ao referir-se ao «procedimento prévio de inquérito», determina que o seu início interrompe a contagem dos prazos de caducidade e de prescrição, mas, para tanto, o inquérito deve mostrar-se necessário e conduzido de forma diligente.
7 - Sobre a instauração do procedimento prévio de inquérito, e na mesmíssima linha e sentido da doutrina, está, igualmente, a jurisprudência portuguesa, da qual constituem exemplos, entre muitos outros, os seguintes doutos Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt:
- Acórdão de 09/02/2017, proferido no Proc nº 2913/14.3TTLSB.L1.S1, onde ficou decidido que: “Caso os factos conhecidos e as suas circunstâncias sejam insuficientes para fundamentar a nota de culpa, poderá proceder-se a inquérito prévio a iniciar nos 30 dias subsequentes àquele conhecimento, destinado ao apuramento dos factos e à recolha das respetivas provas, interrompendo-se então o prazo de caducidade de 60 dias prescrito no art.º 329º, n.º 2, do CT.”
- Acórdão de 23/05/2018, proferido no Proc. nº 7489/15.1T8LSB.L1.S1, onde ficou decidido que: “Se os factos conhecidos e as circunstâncias em que foram praticados, não estiverem suficientemente esclarecidos, de forma a fundamentar a nota de culpa, poderá o empregador proceder a um inquérito prévio a iniciar nos trinta dias subsequentes àquele conhecimento, para proceder ao apuramento dos factos e à recolha das respetivas provas, interrompendo-se assim o prazo de caducidade de sessenta dias a que alude o art.º 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho.” (sublinhado e negrito nossos)
8 - Em conformidade quer com a doutrina, quer com a jurisprudência, o inquérito prévio, a que alude o artigo 352º do C.T., é um procedimento que deve ser instaurado apenas quando os factos conhecidos e as suas circunstâncias não estejam suficientemente claros para fundamentarem a nota de culpa, nomeadamente quanto ao tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e quanto às suas consequências.
9 - A existência de um inquérito prévio não faz operar automaticamente a suspensão dos prazos, ou seja, a sua existência, por si só, não tem a virtualidade de os suspender imediatamente.
10 - Para que interrompa os prazos contidos no artigo 329º do C.T., exige-se, entre outros pressupostos, que o mesmo seja necessário para fundamentar a nota de culpa.
11 - Acresce que também é necessário, para que se verifique essa interrupção, que o inquérito seja conduzido de forma diligente, ou seja, de forma cuidadosa, eficiente e rápida.
12 - A diligência na condução do inquérito deve ser aferida pela diligência de um homem médio, normal e capaz, colocado no caso concreto, mas sem olvidar as características e as capacidades do empregador real.
13 - Contrariamente ao que foi entendido e decidido pelo tribunal a quo, está provado, que o procedimento de inquérito prévio tramitado pela Apelada, no âmbito do procedimento disciplinar que moveu ao Apelante, não teve a eficácia interruptiva prevista no artigo 352º do C.T., em relação ao prazo de caducidade referido no artigo 329º, nº 2 do C.T..
14 - A Apelada tomou conhecimento da pretensa infração praticada pelo Apelante, em 15/12/2017, data em que, conforme a mesma expressamente reconhece, foi citada no âmbito da presente ação judicial, com a qual, foram juntos pelo Apelante os documentos reputados sigilosos (cfr. fls. 2 do P.D. junto aos autos pela Apelada com a resposta ao articulado superveniente).
15 - Sucede que, 26 dias depois da Apelada ter tomado conhecimento de tais factos, mais precisamente, em 10/01/2018, a referida citação da Apelada, acompanhada dos documentos reputados sigilosos, foi remetida por e-mail, enviado por J. L., da JL/CNL, a J. M. e CC a L. A., sob o assunto: “Ação Judicial-Averiguação de Eventual Prática de Infração Disciplinar – A. P. (Nº .......47) (cfr. fls. 2 a 198 do P.D. junto aos autos).
16 - Em 11/01/2018, foi determinada a abertura de procedimento disciplinar contra o Apelante, tendo, nessa data, sido igualmente nomeada uma instrutora do processo. (cfr. fls. 200 do P.D.).
17 - A instrutora do inquérito, só 15 dias depois de ter sido nomeada, mais precisamente, em 26/01/2018, veio a juntar-lhe alguns documentos. (cfr. fls. 201 do P.D.)
18 - Em 12/02/2018, portanto, 17 dias mais tarde, a instrutora do inquérito voltava a juntar-lhe, apenas, outros documentos. (cfr. fls. 322 do P.D.)
19 - Em 05/03/2018, ou seja, passados outros 19 dias mais, a instrutora consignou no inquérito uma mera informação. (cfr. fls. 353 do P.D.)
20 - Já em 17/05/2018, repare-se bem, 73 dias depois, o mesmo é dizer, 2 meses e 13 dias mais tarde, voltou a instrutora, uma vez mais, a consignar no inquérito outra singela informação. (cfr. fls. 368 do P.D.)
21 - Por fim, só depois de decorridos ainda mais 25 dias, ou seja, em 11/06/2018, a instrutora ouviu em declarações uma única testemunha e colaboradora da Apelada. (cfr. fls. 400 a 403 do P.D.),
22 - Com essa diligência instrutória, que foi a última, ficou concluído o procedimento de inquérito prévio, conclusão que, só se verificou depois de uns longos 5 meses a contar da data da nomeação da instrutora.
23 - É absolutamente determinativo da falta de eficácia interruptiva prevista no artigo 352º do C.T., em relação ao prazo de caducidade referido no artigo 329º, nº 2 do C.T., o facto, acrescido, de também só mais de 45 dias depois da conclusão do inquérito prévio,
24 - mais precisamente, em 26/07/2018, ter sido notificada ao Apelante a nota de culpa contra ele deduzida e remetida pela Apelada.
25 - Entre outros, é pressuposto ou requisito legal de que depende a eficácia interruptiva prevista naquele normativo (art. 352º do C.T.), que a nota de culpa seja notificada ao infrator no prazo de 30 dias após a conclusão do inquérito, o que, no caso em apreço, não foi, de todo, respeitado nem observado pela Apelada,
26 - porquanto, só veio a notificar a nota de culpa ao Apelante, 45 dias depois da conclusão do inquérito.
27 - Tal circunstância, sendo objetivamente factual e inequívoca, é também suficientemente bastante, para que deva, desde logo, ser julgada procedente a invocada caducidade do procedimento disciplinar, o que se requer a essa Veneranda Relação.
28 - Mas mais, para além disso, acresce que também não se encontram verificados, sequer, quaisquer um dos outros pressupostos ou requisitos legais estabelecidos no artigo 352º do C.T., ou seja, o inquérito não era necessário para fundamentar a nota de culpa, assim como, não foi o mesmo conduzido de forma diligente, tendo andado, aliás, muito longe disso.
29 - É unanimemente pacífico e incontroverso, que a necessidade do inquérito prévio, deve reservar-se para aquelas situações de uma complexidade tal, que torne aconselhável ou mesmo necessário ao empregador, levar a cabo um conjunto de diligências prévias tendentes a determinar a autoria das infrações e as circunstâncias de tempo, de modo e de lugar em que as mesmas ocorreram, sob pena de, banalização do recurso a tal expediente para efeitos interruptivos dos prazos de caducidade e de prescrição legalmente cominados para o exercício da ação disciplinar.
30 - Ora, no caso concreto, estava simplesmente em causa, a junção pelo Apelante de documentos no âmbito da presente ação judicial movida contra a Apelada, que, na opinião desta, continham informação sigilosa.
31 - Donde, tendo em conta a manifesta singeleza dos factos integradores da suposta infração disciplinar imputada ao Apelante, e, para mais, atendendo a que os aludidos documentos reputados de sigilosos, já estavam, desde a data (15/12/2017) em que teve conhecimento da pretensa infração praticada pelo Apelante, inegavelmente, na posse da Apelada,
32 - logo se vê e concluiu, sem qualquer margem para dúvidas, que então, o procedimento de inquérito prévio instaurado pela Apelada, não se revelava, como não se revelou, minimamente necessário, para a fundamentação da nota de culpa que viria a ser deduzida pela Apelada.
33 - Constituiu prova reforçada disso mesmo também, o teor da própria nota de culpa, que, mesmo ao fim de mais de 7 meses contados desde 15/12/2017, não contém um único fundamento, circunstância ou facto novo imputado ao Apelante, tendo por referência aquele que era já o anterior conhecimento da Apelada, que pudesse legitimar e justificar a instauração do inquérito prévio.
34 - Fica, assim, abundantemente demonstrado, que não houve necessidade da instauração do inquérito prévio, pelo que, também quanto a este pressuposto, o inquérito prévio não assumiu eficácia interruptiva do prazo de caducidade do procedimento disciplinar.
35 - O mesmo se constata, igualmente, quanto ao pressuposto consubstanciado na indispensável condução diligente do inquérito prévio.
36 - Conforme se deixou supra demonstrado, verifica-se, na cronologia e sequência dos factos, que decorreram 27 dias entre o conhecimento dos factos pela Apelada e a sua ordem de abertura de um procedimento disciplinar, nomeando, para o efeito, uma instrutora.
37 - Verifica-se também, que entre a abertura do procedimento disciplinar e a notificação da nota de culpa ao Apelante, pasme-se, decorreram mais de 7 meses, o que equivale, com exatidão, a 223 dias.
38 - As diligências efetuadas no inquérito, foram, tão somente, a inquirição de uma testemunha, em 11/06/2018, e a junção de documentos, que até, refira-se, na sua esmagadora maioria, já haviam sido recebidos pela Apelada em 15/12/2017, aquando da sua citação para a presente ação.
39 - Resulta assim desta cronologia, com clareza cristalina, que a Apelada não agiu com a diligência devida, pois não ocorreu qualquer razão válida para que a ordem para a abertura do procedimento disciplinar, o inquérito prévio e o envio da nota de culpa tenham ultrapassado, largamente, o limite do razoável, porque não havia qualquer dificuldade em apurar os factos e porque a nota de culpa não era trabalhosa nem complexa, muito pelo contrário.
40 - Diga-se, pois, que a Apelada não procedeu à condução do inquérito prévio, com o cuidado devido, com a rapidez que ele permitia, em suma, com diligência.
41 - Ora, à semelhança dos outros requisitos, também não se verifica este, de condução do inquérito com diligência, exigido pelo artigo 352º do C.T., pelo que não pode, em consequência, atribuir-se, ao inquérito prévio instaurado pela Apelada ao Apelante, eficácia interruptiva do prazo de caducidade previsto no artigo 329º, n.º 2 do C.T..
42 - O despacho saneador recorrido violou o disposto nos artigos 329º e 352º do Código do Trabalho.

Termos em que deve conceder-se integral provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho saneador na parte em que julgou improcedente a exceção de caducidade do procedimento disciplinar, tudo em conformidade com o acima exposto e com as legais consequências, fazendo-se, assim, inteira JUSTIÇA!
A Recorrida/Apelada respondeu ao recurso, concluindo pela sua rejeição, quer por falta de conclusões, quer por as questões submetidas a este Tribunal não terem sido apreciadas pelo Tribunal a quo e caso assim não se entenda, conclui ainda pela improcedência da excepção da caducidade do procedimento.

*
O recurso não foi admitido pelo Tribunal a quo, que com fundamento no art.º 79.º-A, n.ºs 3 e 4, do CPT. decidiu que o recurso não deveria de subir em separado, mas sim com o recurso que vier a ser interposto da decisão final, razão pela qual o Recorrente reclamou para este Tribunal, que por decisão singular proferida em 26/05/2021, deferiu tal reclamação e consequentemente admitiu o recurso interposto.
Os autos foram remetidos a esta 2ª instância e foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no âmbito do qual conclui pela improcedência do recurso.
O Recorrente veio responder ao parecer manifestando a sua discordância e concluindo pela procedência do recurso.
Colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos, cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é a de apurar se in casu se verifica ou não a excepção da caducidade do procedimento disciplinar em face da ineficácia interruptiva do inquérito prévio, deixando desde já consignado que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos invocados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – cfr. art. 5.º n.º 3 do CPC.
Antes, porém importa apreciar as questões prévias suscitadas pela recorrida respeitante à inadmissibilidade do recurso apresentado, tendo presente que quanto a estas questões o Tribunal superior não se pronunciou em sede de reclamação ao despacho que não admitiu o recurso.
Defende a recorrida que o recurso de apelação padece de ausência de conclusões, por não ter sido cumprido de forma cabal o ónus previsto no art.º 639.º do CPC., já que as conclusões formuladas pelo autor se limitam a replicar o corpo do alegado. Mais defende a Recorrida que o efeito cominatório do incumprimento do referido ónus deve ser a rejeição total do recurso nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 641.º do CPC.
Ainda que as conclusões formuladas pelo recorrente sejam extensas e pouco sintetizem, o certo é que as mesmas se revelam de compreensíveis e não replicam de forma integral o alegado, razão pela qual poderiam ter sido aperfeiçoadas nos termos previstos no art.º 639.º n.º 2 do CPC., o que no caso nem sequer se entendeu ser necessário, por as mesmas não se revelarem de complexas.
Por outro lado, só a inexistência de conclusões dá lugar ao indeferimento do recurso, como resulta do disposto no artigo 641.º n.º 2 al. b) do CPC. e tal não se verifica no caso em apreço, pelo que por falta de fundamento o recurso de apelação não pode ser rejeitado.
Quanto à questão suscitada pela recorrida, no que respeita à submissão deste Tribunal de questões sobre as quais o Tribunal a quo não se pronunciou, nem se podia pronunciar porque não lhe foram submetidas à sua apreciação, designadamente no que respeita à eficácia interruptiva do inquérito prévio, no que respeita à caducidade do prazo para instaurar procedimento disciplinar, cabe-nos dizer, desde já, que à recorrida não assiste razão.
Tal como acima deixámos consignado a única questão que o recorrente suscita em sede de recurso respeita à verificação ou não da excepção da caducidade do procedimento disciplinar em face da ineficácia interruptiva do inquérito prévio – cfr. artigo 352.º do CT.
Ora, esta questão não foi suscitada pelo Autor, em sede de articulado superveniente, pois neste limitou-se a defender a caducidade do procedimento disciplinar apenas tendo em atenção a data do conhecimento da suposta infracção pelo empregador e a data em que lhe foi notificada a nota de culpa - cfr. art.º 329.º do CT. Contudo a Ré em sede de resposta a tal articulado para se defender da deduzida excepção invocou precisamente a interrupção do prazo de caducidade com o início do procedimento prévio de inquérito, daí concluindo pela interrupção atempada do referido prazo. Em sede de decisão o tribunal a quo sem que se tivesse debruçado sobre o preenchimento dos requisitos a que alude o art.º 352.º do CT., para que o inquérito prévio interrompa a contagem do prazo a que alude o n.º 2 do art.º 329.º do CT. acabou por decidir pela interrupção atempada de tal prazo, em face da instauração de tal procedimento.
Tal afigura-se-nos suficiente para podermos concluir que a questão ora suscitada pelo recorrente havia sido de alguma forma colocada à apreciação do tribunal a quo, tendo este se pronunciado sobre a mesma ao concluir que no caso a suspensão do prazo de caducidade para instauração de procedimento disciplinar ocorre na data em que o processo de inquérito tiver sido instaurado (cfr. artº 352º e nº 3 do artº 353º, ambos do C. do Trabalho).
Em suma, a questão suscitada pelo recorrente faz parte do objecto do processo, pois apesar de não ter sido incluída no articulado superveniente o foi na oposição apresentada pelo Réu, tendo o Tribunal a quo tratado da mesma em sede de decisão recorrida, ainda que de forma simplista, ao não se ter debruçado sobre o preenchimento dos requisitos que conduziriam à suspensão do prazo de caducidade por força da instauração de inquérito prévio.
A Relação pode e deve conhecer tal questão pois não se trata de uma questão que o recorrente se lembrou agora de trazer em sede de recurso, mas sim uma questão que foi suscitada e apreciada pelo Tribunal a quo ao concluir pela interrupção da contagem do prazo de caducidade nos termos previstos no art.º 352.º do CT., ou seja com o início do inquérito prévio.
Assim, nada obsta a que este Tribunal da Relação conheça do objecto do recurso.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para além dos factos que constam do relatório que antecedem encontram-se assentes os seguintes factos:

1 – A Ré tomou conhecimento da pretensa infração praticada pelo Autor, em 15/12/2017, data em que, foi citada no âmbito da presente ação judicial, com a qual, foram juntos pelo Autor os documentos por si considerados de sigilosos.
2 – Em 10-01-2018, 26 dias depois de a Ré ter tomado conhecimento de tais factos, foi remetida por e-mail, enviado por J. L., da JL/CNL, a J. M. e CC a L. A., sob o assunto: “Ação Judicial-Averiguação de Eventual Prática de Infração Disciplinar – A. P. (Nº .......47) a referida citação da Ré, acompanhada dos documentos reputados sigilosos.
3 - Em 11/01/2018, foi determinada a abertura de procedimento disciplinar contra o Autor, tendo, nessa data, sido igualmente nomeada uma instrutora do processo.
4 - A instrutora do inquérito, em 26/01/2018, veio a juntar-lhe alguns documentos.
5 - Em 12/02/2018, a instrutora do inquérito voltava a juntar-lhe, outros documentos.
6 - Em 05/03/2018, a instrutora consignou no inquérito uma informação. (cfr. fls. 353 do P.D.)
7 – Em 27/03/2018 a instrutora do inquérito voltava a juntar-lhe outro documento (fls.354 do P.D.);
8 – Em 20-04-2018, a instrutora do inquérito voltava a juntar-lhe, outros documentos - cfr. fls. 362 do P.D.;
9 - Em 17/05/2018, a instrutora, voltou a consignar no inquérito outra singela informação. (cfr. fls. 368 do P.D.)
10 - Em 11/06/2018, o A. P. recusou-se a prestar declarações perante a instrutora do processo, tal como resulta do teor de fls.389 a 399 do P.D. e nesse mesmo dia a instrutora ouviu em declarações uma única testemunha e colaboradora da Apelada e juntou um documento (cfr. fls. 400 a 403 do P.D.)
11 – Em 3-07-2018, foi junto ao processo disciplinar um e-mail, cfr. fls. 407 e 409.
12 – Em 17-07-2018, voltaram a ser juntos aos autos dois documentos fls. 410 a 413.
13 – Em 26/07/2018, foi notificada ao Autor a nota de culpa contra ele deduzida e remetida pela Ré.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da excepção da caducidade do procedimento disciplinar em face da ineficácia interruptiva do inquérito prévio

Defende o recorrente que a exceção de caducidade do procedimento disciplinar por si alegada deveria ter sido julgada procedente e que o despacho recorrido violou o regime jurídico estatuído quanto ao procedimento disciplinar e seu inquérito prévio.
Para tanto, sustenta que a instauração de inquérito prévio não teve eficácia interruptiva da caducidade do prazo referente ao exercício do direito da Ré de instaurar procedimento disciplinar, uma vez que não se verificam, no caso, os requisitos previstos no artigo 352º do Código do Trabalho, ou seja:

- não havia necessidade do mesmo para se fundamentar a nota de culpa;
- não foi conduzido de forma diligente;
- a nota de culpa não foi notificada ao infrator no prazo de 30 dias contados desde a conclusão das averiguações.

O artigo 352.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «Inquérito prévio» prescreve o seguinte:

“Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo. Ou seja caso os factos conhecidos e as suas circunstâncias de tempo, de modo e lugar que levaram à prática da infracção disciplinar ou as consequências que daí advieram, sejam ainda insuficientes para fundamentar a nota de culpa, por serem ainda desconhecidas, poderá proceder-se a inquérito prévio a iniciar nos 30 dias subsequentes àquele conhecimento, destinado ao apuramento dos factos e à recolha das respetivas provas, interrompendo-se o prazo de caducidade de 60 dias, a que alude o n.º 2 do art.º 329.º, do Código do Trabalho. Contudo para que tal se verifique impõe-se ainda que o trabalhador seja notificado da nota de culpa nos 30 dias posteriores ao término do inquérito, sob pena de caducidade do direito de exercer o procedimento disciplinar.
Ao trabalhador que invoca a caducidade do procedimento disciplinar compete o ónus da prova de que o procedimento prévio de inquérito não foi iniciado para além dos trinta dias desde a suspeita de existência de comportamentos irregulares, de que não foi conduzido de forma diligente e de que entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa tivessem mediado mais de trinta dias.

E decorre do disposto no art.º 329.º n.º 2 do CT sob a epígrafe «Procedimento disciplinar e prescrição» o seguinte:

“O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias, subsequentes àquele em que a entidade patronal, ou superior hierárquico, com competência disciplinar, teve conhecimento da infração”.

Por fim, resulta do preceituado no n.º 3 do art.º 353.º do CT. que a contagem do prazo a que alude o n.º 2 do artigo 329.º do CT se interrompe com a comunicação/notificação ao trabalhador da nota de culpa.
Decorre das citadas disposições legais, que o prazo de 60 dias é um prazo de caducidade do direito que a lei atribui ao empregador de agir disciplinarmente contra o trabalhador que tenha violado os seus deveres contratuais e inicia-se na data em que a entidade empregadora teve conhecimento não só dos factos que integram a infração disciplinar, mas também da identidade do autor dos mesmos. Neste sentido, ver entre outros os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2016, proferido no proc.º nº 13205/15.0T8LSB.L1-4, relatora Paula Sá Fernandes; do Tribunal da Relação do Porto de 16-11-2015, proferido no 192/14.1TTVLG.P, relatora Maria José Costa Pinto; do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-07-2019, proferido no proc.º n.º 1158/17.5T8VIS.C1, relator Ramalho Pinto e do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-04-2017, proferido no proc.º n.º 2535/14.9T8GMR-B.G1, relator Eduardo Azevedo, disponíveis em www.dgsi.pt.
Resumindo, não sendo desencadeado o procedimento disciplinar pela entidade competente nos 60 dias subsequentes ao conhecimento da infracção, caduca o direito de proceder disciplinarmente contra o infractor.
Como refere a propósito da caducidade do procedimento disciplinar Maria Rosário Palma Ramalho, em “Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, 5ª edição, pág. 978 “A lei prevê a interrupção destes prazos com a instauração do processo disciplinar de duas formas: com a comunicação da nota de culpa ao trabalhador (art. 353º n.º 3); com a instauração do procedimento prévio de inquérito, nos termos do art. 352.º, mas, neste caso, apenas se o procedimento de inquérito for necessário para fundamentar a nota de culpa (ou seja, se não se tratar de expediente dilatório) e se for iniciado e conduzido de forma diligente. Em suma, neste caso, a suspensão dos prazos não opera automaticamente.”
A questão que se coloca, no caso em apreço, respeita ao apuramento da data em que se interrompe o prazo de caducidade, se com a notificação da nota de culpa ou na data em que se iniciou o procedimento prévio de inquérito, caso se verifiquem os requisitos para o efeito.
Resulta do teor dos citados preceitos legais que quando haja lugar a inquérito prévio o exercício do poder disciplinar não se inicia com a nota de culpa, mas sim com o começo/início das diligências destinadas à averiguação da infracção, desde que tal inquérito se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa, o que sucede quando o empregador tem apenas suspeitas de um comportamento praticado por determinado trabalhador disciplinarmente punível, ou seja não ainda é conhecedor de todas as circunstâncias que conduziram à prática da infracção disciplinar e/ou das consequências que foram produzidas pela mesma Neste sentido ver Paulo Sousa Pinheiro, em “Procedimento Disciplinar no Âmbito do Direito do Trabalho”, pág. 259.
Ora, foi precisamente o que sucedeu no caso sub judice em que houve necessidade de recolher elementos para fundamentar a nota de culpa, tenha-se presente que o inquérito prévio se destina a apoiar a elaboração da nota de culpa destinada a determinado trabalhador, designadamente nas situações de maior complexidade de forma a possibilitar o apuramento dos factos e circunstâncias em que a suposta infracção ocorreu de forma a proporcionar que a nota de culpa contenha a descrição circunstanciada dos factos.

Mas vejamos os factos apurados com relevo para apreciação da questão:

- No dia 15-12-2017, a Ré tomou conhecimento de determinados factos praticados pelo autor susceptíveis de integrar infracção disciplinar
- Em 10-01-2018, foi remetida por e-mail, enviado por J. L., da JL/CNL, a J. M. e CC a L. A., sob o assunto: “Ação Judicial-Averiguação de Eventual Prática de Infração Disciplinar – A. P. (Nº .......47) a referida citação da Ré, acompanhada dos documentos reputados sigilosos.
- Em 11/01/2018, foi determinada a abertura de procedimento disciplinar contra o Autor, tendo, nessa data, sido igualmente nomeada uma instrutora do processo.
- A instrutora do inquérito, em 26/01/2018, em 12/02/2018, veio a juntar-lhe alguns documentos.
- Em 05/03/2018, a instrutora consignou no inquérito uma informação (cfr. fls. 353 do P.D.)
Em 27/03/2018 e em 20-04-2018 a instrutora do inquérito voltava a juntar-lhe outros documentos.
- Em 17/05/2018, a instrutora, voltou a consignar no inquérito outra informação.
- Em 11/06/2018, o A. P. recusou-se a prestar declarações perante a instrutora do processo, tal como resulta do teor de fls.389 a 399 do P.D. e nesse mesmo dia a instrutora ouviu em declarações uma única testemunha e colaboradora da Apelada e juntou um documento.
Em 3-07-2018, foi junto ao processo disciplinar um e-mail, cfr. fls. 407 e 409.
Em 17-07-2018, voltaram a ser juntos aos autos dois documentos fls. 410 a 413.
– Em 26/07/2018, foi notificada ao Autor a nota de culpa contra ele deduzida e remetida pela Ré

Atenta a factualidade apurada conjugada com o facto de estar em causa o apuramento factos com alguma complexidade e dimensão, tendo em vista apurar se o autor juntou aos autos documentos reputados de sigilosos, afigura-se-nos de pertinente o despacho emitido pela Ré de averiguação de eventual prática de infracção disciplinar, no sentido de ser instaurado ao autor um processo de inquérito prévio para apurar a relevância disciplinar dos factos.
Na verdade, o conteúdo e a extensão dos factos participados, da análise dos quais dependia o apuramento de prática de infracção pelo trabalhador, bem como o apuramento das circunstâncias em que os documentos em questão foram obtidos pelo autor, justificaram o despacho da Ré que determinou a abertura de inquérito prévio.
Acresce dizer que o autor não alegou, nem logrou por isso provar qualquer facto do qual resultasse que não havia necessidade de instauração de inquérito prévio.
Ora, o procedimento prévio de inquérito foi instaurado em 11-01-2018, tendo nessa data tido o seu início, designadamente com a nomeação de uma instrutora do processo, tendo assim sido instaurado dentro dos 30 dias subsequentes ao cometimento da suposta infracção disciplinar (15-12-2017).
Na verdade, a lei não diz expressamente quando se inicia o procedimento prévio de inquérito, sendo certo que no actual código do trabalho deixou de existir a disposição legal que atribua efeito interruptivo ao despacho do empregador que ordene a instauração do procedimento prévio de inquérito, tal como resultava do artigo 412.º do CT de 2003, ao deixar cair o termo “instauração” da actual redacção do art.º 352.º do CT. (que corresponde ao anterior art.º 412.º do CT), mais se exigindo agora o início do inquérito prévio, o que efectivamente só ocorre com a nomeação do instrutor quando o haja, ou com o começo da recolha de elementos que sejam aptos a fundamentar a nota de culpa, nomeadamente com a realização de uma diligência probatória. Ou seja inicia-se com a prática do primeiro acto apto a fundamentar a nota de culpa.
Em suma, atenta a actual redacção do art.º 352.º do CT. é de considerar que a contagem do prazo estabelecido no n.º 2 do art.º 329.º do CT se interrompe com o início do procedimento prévio de inquérito (pode não ser coincidente com a sua instauração), que pode ocorrer com a nomeação do instrutor, quando o haja, ou com o começo da recolha de elementos que sejam aptos a fundamentar a nota de culpa, designadamente a ocorrência de uma diligência probatória (junção de documento ou depoimento de testemunhas), conquanto haja um qualquer elemento formal claro que comprove o seu início, sem esquecer que o inquérito tem de ser substancialmente “necessário para fundamentar a nota de culpa”.
Neste sentido se tem pronunciado a doutrina, designadamente Pedro Romano Martinez em anotação ao art.º 352.º do CT, Código do Trabalho anotado, 13ª edição, pág. 837, onde refere o seguinte: “Com a revisão de 2009, passa só a remeter-se para o art.º 329.º do CT2009 e o prazo interrompe-se, não com a instauração do procedimento prévio, mas com o seu início, podendo este ocorrer com uma primeira diligência”. E Diogo Vaz Marecos, em anotação ao mesmo mencionado artigo do Código do Trabalho, em Código do Trabalho Anotado, 2ª edição, pág. 812 e 813.
Perante este quadro fácil é de concluir que com nomeação de instrutor do processo (1ª diligência praticada no procedimento) interrompeu-se o prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do art.º 329.º do CT., já que nessa data não estavam decorridos os 30 dias contados da data do conhecimento de suposta infracção.
Defende ainda o Recorrente que o procedimento não foi conduzido de forma diligente, contudo não podemos concordar com tal alegação, pois para além do autor não ter alegado qualquer facto que nos permitisse extrair tal conclusão, do próprio procedimento resulta que ao longo do tempo foram sendo praticados diversos actos probatórios tendo em vista a recolha de elementos para fundamentar a nota de culpa, como veio a suceder. O procedimento tramitou sempre de forma regular e para tal basta atentar nas datas em que foram sendo realizadas as diligências de recolha de prova, não se detectando qualquer situação de prolongamento injustificado do inquérito, ou sem qualquer razão válida. Nem o inquérito esteve parado meses a fio sem motivo justificativo, revelando um total desinteresse em apurar com a celeridade possível a eventual ocorrência de infracção disciplinar.
Sobre este requisito cfr. Acórdão do STJ de 27/10/2004, relator Vítor Mesquita, em que se apreciou um processo prévio de inquérito, relativo a um trabalhador, que esteve suspenso um ano e sete meses sem que o seu instrutor tivesse promovido qualquer diligência relevante durante todo esse período.
Por fim, acresce dizer que tendo sido praticado o último acto probatório no dia 17/07/2018, quando em 26/07/2018 o autor foi notificado da nota de culpa não estava ainda decorrido o prazo de 30 dias a que alude a parte final do art.º 352.º do CT.
Em suma, da factualidade apurada podemos concluir que o procedimento prévio se revelou de necessário em face da complexidade e dimensão da factualidade em causa, teve o seu início antes de decorridos 30 dias contados do conhecimento da suposta infracção, foi conduzido de forma diligente, e a nota de culpa foi notificada ao trabalhador antes de decorridos 30 dias após a sua conclusão.
É de concluir que se mostrou justificada a instauração do inquérito prévio, que face ao mesmo se interrompeu o prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho e, consequentemente não se verifica a caducidade do procedimento disciplinar.
É assim de considerar improcedente a excepção da caducidade do procedimento disciplinar e consequentemente é de manter a decisão recorrida.

V – DECISÃO

Acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
07 de Outubro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga