NULIDADE DA SENTENÇA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
REIVINDICAÇÃO
Sumário

I - o presente Tribunal de recurso não deve ser confrontado com questões que não tenham sido apreciadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido, em virtude dos recursos se configurarem, na sua delimitação objectiva, como meio de impugnação de decisões judiciais, no desiderato ou intuito da sua reapreciação ou reponderação, com a finalidade da sua revogação ou mera alteração – cf., artº. 635º, do Cód. de Processo Civil ;
II – In casu, a questão da eventual ineptidão da petição inicial, como nulidade principal tradutora de excepção dilatória, ora equacionada em sede recursória, constitui uma questão nova que não foi objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo, pelo que não foi objecto do contraditório, não foi apreciada em termos da sua eventual sanação e não foi objecto de qualquer discussão em 1ª instância ;
III – Pelo que, atentas as aludidas funções de reponderação desta Relação, aquela matéria, apesar de estarmos perante questão de oficioso conhecimento, não poderia ser suscitada como fundamento recursório, conducente à sua necessária apreciação ou valoração ;
IV - E isto, independentemente de, ex officio, que não já como fundamento recursório, poder/dever tal questão, prima facie, ser apreciada pelo presente Tribunal de Recurso, caso este entendesse verificada tal excepção dilatória – cf., o citado artº. 578º, do CPC -, conducente a um juízo de absolvição da instância dos demandados ;
V – Todavia, tal concreta questão nem em termos oficiosos poderia ser conhecida por este Tribunal, pois, apesar da nulidade de todo o processo se configurar como uma excepção dilatória, de oficioso conhecimento, estando-se perante uma eventual situação de ineptidão da petição inicial existe, desde logo, excepcionalidade quanto à temporalidade do seu conhecimento oficioso, que é limitado no tempo, como decorre claramente do nº. 2, do artº. 200º, do Cód. de Processo Civil ;
VI - Donde, proferida que seja a sentença pela 1ª instância, que conheceu acerca do mérito da acção, não pode a Relação, oficiosamente, conhecer acerca da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e, consequentemente, determinar a absolvição dos réus da instância ;
VII – A acção de reivindicação caracteriza-se por na mesma se integrarem dois distintos pedidos: por um lado, o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio) e, por outro, a restituição da coisa (condemnatio), sendo que o esquema da reivindicação apenas se preenche com a prossecução de tais finalidades, ainda que, conforme pacificamente aceite, a primeira finalidade, e o pedido correspondente, se possa considerar como implícito no pedido de restituição da coisa ;
VIII – Donde resulta que a detenção ou posse da coisa por terceiro configura-se como elemento estruturante da causa de pedir na acção de reivindicação ;
IX – Ainda que o petitório accional contenha pretensão ou desiderato condenatório – pedido de condenação dos Réus a respeitarem o direito de propriedade dos autores sobre a totalidade do prédio identificado na alínea a), abstendo-se da prática de actos que perturbem esse direito -, tal não corresponde a qualquer pedido de restituição do prédio, ou seja, de pedido de entrega do objecto sobre o qual o direito de propriedade incide ;
X – O que bem se entende que ocorra em concreto, pois, além do mais, os Autores não aduziram qualquer factualidade que traduza a existência de actos de posse ou detenção por parte de terceiros, nomeadamente por parte dos demandados Réus ;
XI - Reconhecendo-se formalmente aquela vertente condenatória contida no aludido pedido, a finalidade ou fim útil prosseguido pelos Autores é o de que o seu prédio corresponde ao descrito sob o indicado número, e matricialmente inscrito nos indicados artigos da matriz urbana e rústica, bem como que a zona de passagem existente na estrema norte integra-o ;
XII - O que parece determinar a configuração da presente acção, de forma mais incisiva, como de simples apreciação, ainda que com um misto de condenação, mas não certamente como acção de reivindicação, nos termos em que a mesma é definida ;
XIII – Pelo que bem se compreende que aquele aludido pedido de restituição não tenha sido - nem teria de o ser - formulado, nem que tivesse ocorrido densificação factual reveladora de uma qualquer ofensa por parte dos Réus ao invocado direito de propriedade dos Autores ;
XIV – No caso concreto o pedido efectuado é o de declaração dos Autores como únicos donos e legítimos possuidores do identificado prédio, sem que deste conste a forma de aquisição reconhecenda ou reclamada, pelo que não vislumbramos impedimento a que a mesma se sustente nas duas diferenciadas formas de aquisição – derivada e originária -, cuja compatibilidade se nos afigura concretamente inequívoca (ainda que, em teoria, incompatível), sem que a sua invocação tenha que ser necessariamente apresentada sob a específica e imperativa forma subsidiária, antes o podendo ser em acrescento de causas de pedir fundantes, a considerar em termos de reforço argumentativo, caso uma delas não logre obter virtualidade probatória.

Texto Integral

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
               
I – RELATÓRIO
1 – JOÃO …………….., residente á Rua ………………, e MANUEL ………………., residente na Travessa …………………., intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:
- MARIA ……………, residente à Travessa …………… ;
- LUCÍLIA ……………………, residente à Travessa …………………… ;
- JOSÉ ………………. e mulher ANA …………………..,  residentes no Edifício ……………………… ;
- E., residente à Travessa ……………………… ;
- N., residente na Rua ………………….. , 
deduzindo o seguinte petitório:
a) Declarar-se que os autores são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio rústico e urbano, localizado ao sítio do Portinho, onde chamam Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, que confronta pelo norte com os RR; sul com João …e outros; oeste com a Travessa ………… e Leste com os AA., com a área total de 4130 m2, inscrito na matriz a parte urbana sob o artigo 1816 e parte da parte rústica sob o artigo 93, ao qual acresce a área da passagem, que corresponde ao descrito sob o número 4970, fls 99v do L B 22 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz.
b) Declarar-se que a passagem, com a área de 480m2, existente na estrema norte do prédio acima identificado e identificada a verde no doc nº 3, integra o prédio pertencente aos AA e identificado na alínea a).
c) Condenar-se os RR a respeitarem o direito de propriedade dos autores sobre a totalidade do prédio identificado na alínea a), abstendo-se da prática de actos que perturbem esse direito;
d) Determinar-se a rectificação do registo descrito sob o número 2400/170698, da freguesia do Caniço, averbando-se à sua descrição que é o actualmente inscrito na matriz sob o artigo 92 da Secção UU (antes parte do artigo 6/2 da mesma secção) e que tem a área de 5.100m2
Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte:
§ Receberam o identificado prédio por transmissão sucessória, por óbito de seus pais e subsequente partilha de bens ;
§ o seu pai havia-o adquirido por arrematação pública em 1973, altura a partir da qual passou a usufrui-lo, na íntegra, dele retirando todas as suas utilidades, de forma pública, pacífica e exclusiva ;
§ começaram a trabalhar com o pai no prédio desde 1980 e, desde tal data, entram e saem do prédio, utilizando-o á vista de toda a gente, de forma pacífica e sem oposição, cultivando a terra e colhendo os respectivos frutos ;
§ sendo que, desde 2000, tal prédio urbano constitui a residência do Autor Alcindo……., que nele habita com a sua família, tomas as refeições, dorme, descansa e usa-o como se proprietário fosse, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição ;
§ os Réus, tendo pleno conhecimento dessa circunstância, registaram o seu direito de propriedade sobre o prédio que confina com o seu, como se ele se estendesse pela totalidade do artigo 6/2, da Secção “UU”, assim os impedindo de registar o seu direito sobre o prédio de sua pertença.
2 – Devidamente citados, apenas veio contestar a Ré E., alegando, em súmula, o seguinte:
Ø o prédio referido pelos Autores e que por estes foi adquirido por força de sucessão hereditária não corresponde ao por si referido prédio inscrito na matriz sob o artigo 93º ;
Ø não têm por isso, título que legitime a propositura da presente acção, pois arrogam-se proprietários de um prédio que não lhes coube em partilha e sem que o tenham adquirido por qualquer outra forma ;
Ø não possuindo, assim, legitimidade substantiva para a propositura da presente acção ;
Ø  a propriedade do prédio inscrito no artigo 92 é dos herdeiros de Manuel …………. (Réus) e a propriedade do artigo 93 é dos mesmos Réus e de N. ;
Ø Os Réus, por si e antecessores, mantêm a posse e detenção material do mesmo prédio, há mais de 90 anos, de forma pública, pacífica, contínua e de boa fé ;
Ø Usando-o e retirando do mesmo todos os frutos e utilidades, tratando da sua manutenção e conservação, à vista de toda a gente, ininterruptamente e sem oposição, na convicção de quem exerce um efectivo e justificado direito de propriedade sobre o referido prédio ;
Ø Pelo que possuem o título de propriedade perfeita sobre o mesmo prédio, a aquisição derivada pela via sucessória e a aquisição originária por força da usucapião
Concluem, no sentido da improcedência da presente acção, por falta de legitimidade substantiva dos Autores e falta de fundamento legal, com a sua consequente absolvição do pedido.
3 – Conforme fls. 124, procedeu-se à citação edital da Ré N. e, nenhuma contestação tendo sido apresentada, deu-se cumprimento à citação do Ministério Público, de acordo com fls. 128.
4 – Na pendência dos presentes autos faleceu a Ré Maria……….., tendo-se decidido, conforme fls. 193 a 196, pela habilitação dos Requeridos E., José ………. e Lucília …………… como sucessores daquela, para o ulterior prosseguimento dos autos.
5 – Por despacho de fls. 199 a 203, foi dispensada a realização da audiência prévia, fixado o valor da acção, proferido saneador stricto sensu e determinado que o conhecimento da aludida falta de legitimidade substantiva apenas pode ser efectuada a final.
Foi, ainda, fixado o Objecto do Litígio, nos seguintes termos:
“apreciar e decidir, se os Autores são os proprietários do prédio rústico e urbano, localizado ao Sítio do Portinho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1816 e na matriz rústica sob o artigo 93 (correspondente ao descrito sob o número 4970, a fls. 99 V.º do Livro B22 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz) e se do mesmo faz parte integrante uma passagem com 480 metros quadrados, existente na parte Norte”.
Bem como os Temas da Prova, com a seguinte enunciação:
i. Titularidade do prédio localizado ao Sítio do Portinho, correspondente ao inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1816 e na matriz rústica sob o artigo 93, a confrontar a Norte com os Réus, a Sul com João ……………. e outros, a Oeste com a Travessa …………….. e a Leste com os Autores;
ii. O prédio referido em i. corresponde ao prédio descrito sob o número 4970, a fls. 99 V.º do Livro B 22 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz;
iii. O prédio referido em i. corresponde às verbas número 10 e 13 da Partilha realizada em 23 de Outubro de 2000 entre os Autores e seus irmãos, por morte de seus pais;
iv. O prédio inscrito na matriz sob o artigo 93 da secção “UU” corresponde à parte do prédio anteriormente registado sob parte do artigo 6/2, da secção UU referido na verba dez na partilha mencionada em iii.”.
6 – Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, durante 4 sessões, conforme actas de fls. 219 a 232, 235 a 239 e 283 a 286, com observância do formalismo legal.
7 - Posteriormente, foi proferida sentença – cf., fls. 287 a 300 -, traduzindo-se o Dispositivo nos seguintes termos:
“Nestes termos, e de acordo com o exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, julga-se a acção procedente e, em consequência, decide-se:
a. Reconhecer os Autores como legítimos possuidores e proprietários do prédio localizado ao sítio do Portinho, onde chamam Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, que confronta pelo norte com os Réus, pelo Sul com João …………. e outros, pelo Oeste com a Travessa …………….. e Leste com os Autores, inscrito na matriz a parte urbana sob o artigo 1816 e parte da parte rústica sob o artigo 93, que corresponde ao descrito sob o número 4970, fls. 99v do L B 22 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz;
b. Reconhecer que a passagem, com a área de 480 metros quadrados, existente na estrema norte do prédio referido em a., desenhada e preenchida a verde a fls. 141 dos autos, integra o prédio identificado em a.;
c. Condenar os Réus a reconhecer aos Autores o direito de propriedade sobre o prédio referido em a. e sobre o caminho referido em b.;
d. Determinar a rectificação do registo de propriedade efectuado a favor dos Réus, incidente sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o número 02400/170698, em conformidade com o agora decidido.
*
Custas pelos Réus.
Registe e notifique”.
8 – Inconformada com o decidido, a Ré E. interpôs recurso de apelação, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem, na íntegra, corrigindo-se os lapsos de redacção):
“I. O presente recurso de apelação vem interposto da douta sentença de 24/03/2020, que declarou a acção procedente e decidiu:
a. Reconhecer os Autores como legítimos possuidores e proprietários do prédio localizado ao sítio do Portinho, onde chamam Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, que confronta pelo norte com os Réus, pelo Sul com João ……. e outros, pelo Oeste com a Travessa …………. e Leste com os Autores, inscrito na matriz a parte urbana sob o artigo 1816 e parte da parte rústica sob o artigo 93, que corresponde ao descrito sob o número 4970, fls. 99v do L B 22 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz;
b. Reconhecer que a passagem, com a área de 480 metros quadrados, existente na estrema norte do prédio referido em a., desenhada e preenchida a verde a fls. 141 dos autos, integra o prédio identificado em a.;
c. Condenar os Réus a reconhecer aos Autores o direito de propriedade sobre o prédio referido em a. e sobre o caminho referido em b.;
Determinar a rectificação do registo de propriedade efectuado a favor dos Réus, incidente sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o número 02400/170698, em conformidade com o agora decidido
II. Salvo o devido e muito respeito, entende a Apelante que a douta decisão deve ser revogada.
III. Desde logo porque não declarou inepta a PI, conforme deveria, pois tal excepção é de conhecimento oficioso, violando assim os arts. 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.
IV. Com efeito, a sentença em crise considerou estarmos perante uma acção de reivindicação, tal como ela se encontra configurada no artigo 1311º, nº 1, do Código Civil: “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”.
V. A acção de reivindicação mostra-se consagrada no art. 1311º, n.º 1 do Cód. Civil, e dela decorre, generalizando o seu conteúdo, ao abrigo do art. 1315º, que o titular de um direito real (que atribua a posse da coisa, v.g., propriedade) pode exigir do possuidor ou detentor da coisa sobre que o seu direito incide o reconhecimento desse direito e a restituição da coisa.
VI. Desta premissa, decorrem duas consequências, sendo uma relativa à legitimidade na acção de reivindicação e outra à conformação do pedido. Quanto ao primeiro aspecto, a legitimidade activa e passiva, nesta acção, estabelece-se em termos simples: tem nela a posição de autor quem se intitula titular do direito reivindicado; por outro lado, ocupa a posição de réu quem tenha a posse ou a detenção da coisa (art. 1311º, n.º 1).
VII. São, assim, dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro. Só através destas duas finalidades, previstas no n.º 1, se preenche o esquema da acção de reivindicação.
VIII. Sucede porém que em parte alguma da petição alegaram que a coisa reivindicada não se encontra na sua posse. Em parte alguma da petição mencionam a ocupação do seu prédio por banda dos RR.
IX. E tal é absolutamente imprescindível à caracterização da acção de reivindicação de propriedade. É que o reivindicante é sempre o proprietário não possuidor.
X. Os AA. também não formulam aquele que é o pedido considerado “essencial” neste tipo de acções: a restituição. Sendo que a jurisprudência e doutrina têm considerado que apenas é essencial o pedido de restituição, podendo, em face da causa de pedir, tornar-se implícito o reconhecimento da propriedade.
XI. Nada é referido na acção quanto a qualquer acto de posse exercida por outrem, mormente pelos RR, nem é formulado pedido de restiruição/entrega. Sendo certo que o pedido formulado pelo Autor na petição inicial é um elemento fundamental para definir o objecto do processo.
XII. Devendo a sentença de que ora se recorre ser revogada e substituída por outra que declare inepta a PI, e absolva os RR. da Instância.
Caso assim não se entenda,
XIII. A verdade é que no presente caso ocorre também ilegitimidade das partes, quer activa, quer passiva.
XIV. Com efeito, a legitimidade activa e passiva, nesta acção de reivindicação, estabelece-se em termos simples: tem nela a posição de autor quem se intitula titular do direito reivindicado; por outro lado, ocupa a posição de réu quem tenha a posse ou a detenção da coisa (art. 1311º, n.º 1).
XV. Ora, no presente caso, os AA. não são proprietários do prédio ajuizado, pois não há coincidência este e o que alegam ter advindo à sua titularidade por escritura de partilha celebrada.
XVI. Da análise da escritura de partilha verificamos que os autores, por efeito da partilha, terão alegadamente ficado com a propriedade dos prédios identificados, entre outras, nas verbas 10 e 13, mas não são proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial.
XVII. Os autores não têm, por isso, título que legitime a propositura desta acção, porquanto se arrogam proprietários de um prédio que não lhes coube em partilha e sem que o tenham adquirido por qualquer outra forma, pelo que não têm legitimidade substantiva para a propositura da acção.
XVIII. E mesmo que assim não se entenda, o.s., mesmo que se entenda haver correspondência entre o prédio que adveio à titularidade dos AA. por partilha e o prédio ajuizado (que não há), a verdade é que alegadamente o prédio ajuizado está na posse do A. Alcindo…….., tendo inclusivamente resultado provado que “Desde 2000 que o prédio referido em ZZ. Constitui a residência do autor Alcindo ………….. que nele habita com a sua família, toma as refeições, dorme, descansa e usa como se proprietário fosse, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição”. (Veja-se ponto FFF dos factos provados).
XIX. Não resulta provado (nem sequer alegado), que o prédio ajuizado está na posse de terceiros, pelo que não sendo os AA. “proprietários não possuidores”, nem os RR. “terceiros possuidores ou meros detentores”, estamos perante uma situação de ilegitimidade, quer activa, quer passiva.
XX. Excepção que é de conhecimento oficioso e que deveria ter sido declarada pelo Tribunal a quo, que ao não conhecer e declarar a ilegitimidade activa e passiva, violou o disposto a artigos 30.º, números 1 e 2, 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e).
Caso assim não se entenda,
XXI. Sempre estaríamos perante a excepção de falta de interesse em agir por parte dos AA., pois, na verdade, os AA. intentaram a acção de reivindicação, no entanto não peticionam qualquer restituição/ entrega do prédio ajuizado nem é isso que pretendem com a acção proposta.
XXII. Pelo teor da própria PI é possível perceber qual a problemática em causa: erros respeitantes a actos de registo e consequente rectificação. O que sai ainda mais reforçado com a contestação deduzida onde é invocada a excepção de ilegitimidade substantiva dos autores por não haver correspondência quanto à descrição predial e inscrição na matriz entre o prédio que receberam por partilha e o prédio cujo direito de propriedade a seu favor pretendem ver reconhecido.
XXIII. O mesmo resulta da própria sentença de que ora se recorre: “Não esquecemos a alegação dos Réus nem a circunstância de se revelar difícil a correspondência entre as anteriores e actuais descrições e as anteriores e actuais inscrições registais (uma vez que as mesmas sofreram alterações)”
XXIV. Duvidas houvessem, e bastaria atentar à causa de pedir e pedido formulado, pois no fundo, o que os AA. pretendem é a rectificação do registo, pedido que deve seguir o regime legal da rectificação do registo previsto nos arts. 120º e segs. do Código de registo Predial.
XXV. Os Autores não cumpriram aqueles dispositivos legais que prevêem a intervenção prévia do Conservador do Registo Predial na rectificação dos registos inexactos, logo que tenham conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, realizando-se uma conferência para tal rectificação se esta não for requerida por todos os interessados.
XXVI. E na falta de acordo em conferência, poderiam sempre os Autores requerer rectificação judicial. Que no fundo é o que pretendem e não a restituição de coisa alguma.
XXVII. A verdade é que para ver resolvido o seu “problema”, os AA. não tinham necessidade de lançar mão de uma acção de reivindicação, caracterizada por dois pedidos, a saber, o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio) por outro. Tanto mais que os AA. não pretendem qualquer restituição. Os AA. o que pretendem e peticionam é a rectificação do registo e há um procedimento e processo idóneos para o efeito.
XXVIII. A exigência da verificação do interesse processual contribui para retirar dos tribunais os litígios cuja resolução por via judicial não é indispensável, nem necessária e a falta de interesse em agir ou falta de interesse processual, constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente, como tal, à absolvição da instância, pelo que andou mal a quo ao não tê-la conhecido e declarado.
XXIX. Ainda que assim não se entendesse, o.s., considerando-se que as partes são legítimas, que há interesse em agir e que não estamos perante uma falta absoluta de causa de pedir, porque os Autores expuseram parte dessa causa de pedir ao articularem o enunciado título de aquisição, mas falta-lhes a cumulativa alegação de factos que revelem alguma ofensa actual, que sustente a defesa prevista no citado art. 1311º, do Código Civil, a acção teria necessariamente de improceder.
XXX. Com efeito, para proceder, a acção de reivindicação, comporta: a) Dois requisitos subjectivos: que o autor prove ser proprietário da coisa que reivindica e que o réu possua tal coisa; e, b) Um pressuposto objectivo: a identidade da coisa que se reclama com a que é possuída pelo demandado.
XXXI. Vista esta configuração, estamos face a uma petição inicial que não está apta a conduzir a acção a bom porto. É que nem os AA. são proprietários do prédio ajuizado, nem os RR. possuem qualquer prédio pertencente aos AA., (nem tal é alegado sequer), pelo que também não poderemos falar de “identidade da coisa que se reclama com a que é possuída pelo demandado.”
XXXII. Com efeito, os AA alegam a artigo 2º da Pi que: “O direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1º adveio aos autores por partilha de bens por óbito de Manuel………, pai dos autores, falecido no dia 10.02.1989, formalizada pela escritura de partilha de 23 de Outubro de 2002, do extinto Cartório Notarial de Câmara de Lobos, exarada a fls. 14 a 19v do L 64-D, cuja cópia se anexa e dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais. (Doc. nº 5, 6 e 7)”
XXXIII. O pai dos autores – Manuel ………. – adquiriu um prédio, em 1973, por arrematação na acção de divisão de coisa comum que correu termos com o n.º 36-A/73 no extinto Tribunal Judicial de Santa Cruz. E conforme decorre do documento 8 junto com a petição inicial, mais concretamente do auto de arrematação, esse prédio tem a seguinte identificação: prédio rústico e urbano no sítio da Mãe de Deus da freguesia do Caniço, a confinar pelo Norte e Leste com Joaquim …………, Sul com o caminho, e Oeste com João ………….. e a Levada, inscrito na matriz respectiva, a parte rústica, sob o artigo 1.309 e a parte urbana sob o número 1.816.
XXXIV. Não há qualquer dúvida de que o prédio identificado no auto da arrematação, logo, o prédio adquirido pelo pai dos autores, é o prédio misto descrito sob o número 4.970, cuja parte urbana está inscrita na matriz com o artigo 1816 da parte rústica está inscrita com o artigo 1309.
XXXV. Atento o exposto, conclui-se que o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial não existe tal e qual ali está descrito. Tanto que os AA. não lograram demonstrar que o prédio que adquiriram através de escritura de partilha de partilha (aquisição derivada) corresponde ao prédio cuja propriedade pretendem ver reconhecida a ser favor, nem poderiam, porque de facto não corresponde.
XXXVI. O Tribunal a quo em sede de “fundamentação de direito” da sentença de que se recorre afirma “Não esquecemos a alegação dos Réus nem a circunstancia de se revelar difícil a correspondência entre as anteriores e actuais descrições e as anteriores e actuais inscrições registrais (uma vez que as mesmas sofreram alterações)”. Sucede que, vendo-se impedido de reconhecer a propriedade do prédio ajuizado a favor dos AA., por esta via – por via da aquisição derivada – o Tribunal a quo optou por fazê-lo, por via da usucapião, quando tal solução não foi peticionada pelos AA.
XXXVII. Salvo o devido respeito, aliás muito, o Tribunal a quo estava impedido de reconhecer a propriedade do prédio ajuizado a favor dos Autores nos termos em que reconheceu – por aquisição originária - senão vejamos:
XXXVIII. Na decisão de que ora se recorre plasmou-se (além do mais), que: “Da alegação assim apresentada pelas partes, concluímos estar perante uma acção em que os Autores sustentam a existência da sua propriedade – fundando-a em aquisição derivada e, subsidiariamente, em aquisição originária, com base no instituto de usucapião. (…)”. Isto não corresponde à verdade. Nada existe, quer na causa de pedir, quer no pedido, que nos leve a concluir que os AA. hajam peticionado o reconhecimento do seu direito de propriedade “fundando-a em aquisição derivada e, subsidiariamente, em aquisição originária, com base no instituto de usucapião.”
XXXIX. Os AA afirmam expressamente a artigo 2º da PI que: “O direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1º adveio aos autores por partilha de bens por óbito de Manuel ………….., pai dos autores, falecido no dia 10.02.1989, formalizada pela escritura de partilha de 23 de Outubro de 2002, do extinto Cartório Notarial de Câmara de Lobos, exarada a fls. 14 a 19v do L 64-D, cuja cópia se anexa e dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais. (Doc. nº 5, 6 e 7)”. E é sobre este instituto que os autores focalizam a causa de pedir descrita na petição inicial.
XL. E, muito embora hajam mencionado, ao longo da acção, que têm a posse do prédio por si e pelos seus antecessores, desde pelo menos 1973, não existe qualquer subsidiariedade na causa de pedir. Muito menos existe qualquer pedido subsidiário.
XLI. Ora, o titular da aquisição derivada do direito de propriedade sobre um bem não está impedido de invocar o reconhecimento desse direito com base na aquisição originária do mesmo. São duas vias ou modalidades de aquisição de direitos, cabendo ao autor escolher uma delas ou apresentá-las sob a veste de pedido principal e pedido subsidiário. (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 25/04/2018, processo nº 455/12.0TBPRT.P1.SI, Relatora Fernanda Isabel Pereira, disponível em www.dgsi.pt)
XLII. Até porque os AA. não podem (simultaneamente) adquirir por usucapião o que adquiriram pela escritura de 23 de Outubro de 2002!
XLIII. Da fundamentação de direito da douta sentença da 1ª instância, resulta que o prédio e a passagem com a área de 480m2, ajuizados, pertencem aos AA., em virtude de o terem adquirido por usucapião: “Tudo ponderado, temos que os factos provados sustentam a existência de posse mantida pelo tempo necessário para conduzir à usucapião, assim se concluindo pela procedência da pretensão dos Autores. Solução que não se aceita, apelando, por isso, de tal decisão que merece a mais viva e frontal discordância da Recorrente, por duas razões:
XLIV. Primeiro, porque os autores João ……………… e Manuel ……………….. alegam ser donos do prédio ajuizado e pediram, nesta acção de reivindicação (artigo 1311º do Código Civil) o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio em causa por o terem adquirido “por partilha de bens por óbito de Manuel ………….., pai dos autores, falecido no dia 10.02.1989, formalizada pela escritura de partilha de 23 de Outubro de 2002, do extinto Cartório Notarial de Câmara de Lobos, exarada a fls. 14 a 19v do L 64-D”.
XLV. E, conforme já referido, não tendo deduzido qualquer pedido subsidiário, dúvidas não poderão restar de que os AA. pediram o reconhecimento do seu direito por via da aquisição derivada, e não originária.
XLVI. Depois, porque, ainda que assim não se entendesse, nunca poderia o tribunal a quo reconhecer o direito de propriedade a favor de ambos (os Autores), com base na sua posse, se do alegado pelos próprios Autores na PI e da prova produzida, resulta que desde 2000, quem tem a posse do prédio é apenas o Autor Alcindo…….
XLVII. Veja-se ponto FFF dos factos provados: “Desde 2000 que o prédio referido em ZZ. Constitui a residência do autor Alcindo da Gama que nele habita com a sua família, toma as refeições, dorme, descansa e usa como se proprietário fosse, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição”. Este facto “FFF.” considerado provado, por si só, conduz necessariamente a uma decisão diferente daquela que foi proferida pelo Tribunal a quo.
XLVIII. Mais, a alegada aquisição do A. João ……………, tratando-se de uma modalidade de aquisição derivada, não poderá, jamais, resistir se lhe for oposta a aquisição originária do mesmo direito real pelo outro A. Manuel ………………., designadamente, a usucapião (artigo 1316º do Código Civil).
XLIX. O tribunal está limitado pelo princípio do pedido (art. 609º/1 do CPC). Assim o prescreve o art. 615°/1, e) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Principio que tem consagração inequívoca no art. 3º nº 1 do CPC: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (…).
L. Aliás, o Tribunal ao decidir nos termos em que o fez, incorre também em excesso de pronúncia, por apreciar questão não suscitada pelas partes, o que é igualmente causa de nulidade, nos termos do art. 615º/1, d) do CPC
LI. De resto, e conforme já atrás referido, também nunca poderia o Tribunal a quo reconhecer o direito de propriedade do prédio em causa a favor do A. João ………, por via de aquisição originária, quando da própria PI e factos provados decorre que quem tem a posse do imóvel desde o ano 2000, como se proprietário fosse, é o A. Manuel ……………...
LII. É que, como resulta da lei, a aquisição originária por usucapião, implica a verificação de determinados requisitos, mormente de um corpus e de um animus: Enquanto o primeiro implica a prática de determinados actos materiais sobre o bem, o segundo implica a existência de uma intencionalidade de exercício daqueles actos com intuito apropriativo ou de que está convencido de que é dono ou proprietário. O que não se verifica em relação ao A. João …………...
LIII. Pelas razões atrás expostas, estava o Tribunal a quo impossibilitado de reconhecer o direito de propriedade a favor dos Autores, quer por via da aquisição derivada, quer por via da aquisição originária.
LIV. Pelo que, a bem da Justiça deverá a sentença de que ora se recorre ser revogada e substituída por outra que declare as excepções invocadas e absolva os RR da instancia,
ou, caso assim não se entenda,
LV. Deverá a sentença de que ora se recorre ser revogada e substituída por outra que declare a acção improcedente e absolva os RR. da instância e do pedido”.
9 – Os Apeladas/Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes CONCLUSÕES (que ora se transcrevem, na íntegra):
“A) Discute-se nos autos a posse e propriedade do prédio rústico e urbano, localizado ao sítio do Portinho, onde chamam Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, que confronta pelo norte com os RR; sul com João ……….. outros; oeste com a Travessa …………….. e Leste com os AA., com a área total de 4130 m2, inscrito na matriz a parte urbana sob o artigo 1816 e parte da parte rústica sob o artigo 93, ao qual acresce a área ocupada pela construção de uma passagem;
B) AA e ré E. reclamam, nas invocadas qualidades, a posse e propriedade do prédio acima identificado;
C) Deve ter-se por definitivamente assente nos autos a matéria de facto dada por provada na douta sentença recorrida; D) A convicção do Tribunal recorrido assentou na análise critica e rigorosa do acervo probatório produzido, nomeadamente, no depoimento de parte do réu H….., na prova documental e na prova testemunhal;
E) Não só a recorrente não refere pretender impugnar a matéria de facto no seu requerimento recursivo, como também, nas suas alegações e conclusões não identifica os concretos meios probatórios que entende deverem ser interpretados diferentemente na sua conjugação e integração com os restantes meio de prova;
F) Pelo que e ainda que se considere que a recorrente pretende impugnar a matéria de facto sempre terá de decidir-se ser essa impugnação improcedente por não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC;
G) O processo não enferma de vícios que inquinem a douta decisão proferida, nomeadamente, de ineptidão da petição inicial; ilegitimidade (activa e passiva) e falta de interesse em agir;
H) A questão relativa à (i)legitimidade ativa foi já decidida pelo Tribunal recorrido sem oposição, reclamação, por parte da ré;
I) As demais questões suscitadas, de ineptidão, legitimidade passiva e falta de interesse em agir são suscitadas pela primeira vez em sede de recurso, constituindo questões sobre as quais o tribunal recorrido não foi chamado a pronunciar-se.
J) Assim, as questões suscitadas pela recorrente não podem ser conhecidas por este Dig.mo Tribunal.
K) A petição inicial não é inepta, não se verificando nenhuma das circunstâncias referidas no nº 2 do artigo 186º do CPC.
L) A petição inicial apresentada identifica de forma clara e com rigor jurídico os factos em que assenta o pedido formulado que por sua vez é ele também expresso de forma clara e rigorosa e consentâneo com os factos alegados;
M) A recorrente compreendeu a alegação e pedido feitos pelo autor e contestou os mesmos, opondo-lhes, ainda que por via de impugnação, pretensão idêntica;
N) É manifesto, em face das posições assumidas no processo, que AA e RR são partes legitimas nesta ação, seja adjetiva, seja substantivamente considerado;
O) E que os AA têm interesse em agir ou seja, necessidade de tutela jurídica porquanto em causa estão pretensões opostas e conflituantes, como decore do supra alegado sob “A” de “B”.
P) A sentença recorrida não enferma de nenhuma nulidade, nomeadamente, a invocada pela recorrente tendo, após determinar de forma rigorosa e criteriosa os factos provados e não provados, retirados da alegação das partes, aplicado a solução de direito mais adequada em consonância com o pedido formulado pelos AA.
Q) A ré litiga em abuso de direito, impugnando os factos alegados pelo AA e que sabe serem verdadeiros e contrapondo a esses factos, outros que não logrou provar, e que sabe não serem verdadeiros, como veio a ser julgado, fazendo do processo um uso reprovável que deve ser sancionado.
R) A douta sentença proferida fez verdadeira Justiça e não merece qualquer censura, devendo, assim, ser confirmada, o que é de elementar JUSTIÇA!”.
10 – Tal recurso foi admitido por despacho de fls. 340 e 341, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Previamente, pronunciou-se o Tribunal a quo acerca da invocada nulidade, nos quadros do artº. 617º, do Cód. de Processo Civil, no sentido da sua não verificação.
11 – Conforme fls. 342 e 343, veio o Ministério Público, em representação da ausente Ré N., ao abrigo do prescrito no artº. 634º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil, manifestar a sua adesão ao recurso interposto pela co-Ré Elda Caíres.
12 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA EVENTUAL OCORRÊNCIA DE NULIDADE DE SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA e POR CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO, nos quadros do artº. 615º, nº. 1, alíneas d) e e), do Cód. de Processo Civil – Conclusões XLIX a LIII ;
2. Da verificação da EXCEPÇÃO DILATÓRIA de NULIDADE DE TODO O PROCESSO POR INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL, determinada por:
Ø Falta de causa de pedir ;
Ø Não formulação do pedido considerado essencial neste tipo de acções: a restituição – Conclusões III a XII ;
3. Da verificação da EXCEPÇÃO DILATÓRIA de ILEGITIMIDADE ACTIVA E PASSIVA – Conclusões XIII a XX ;
4. Da verificação da EXCEPÇÃO DILATÓRIA de FALTA de INTERESSE EM AGIR – Conclusões XXI a XXVIII ;
5. Seguidamente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA.
Nesta sede apreciar-se-á, fundamentalmente, acerca:
Ø Do apresentado pedido de reconhecimento do direito por via da aquisição derivada e não por via da aquisição originária ;
Ø Caso assim não se entenda, da impossibilidade de reconhecimento da propriedade de tal prédio, a ambos os Autores, por via de aquisição originária, atenta a impossibilidade de tal reconhecimento relativamente ao Autor João ………… (cf., o facto provado FFF.) – Conclusões XXIX a XLVIII.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida/apelada, foi considerado como PROVADO o seguinte:
A. José ……… faleceu, no estado de casado com Maria José ………, a 28 de Novembro de 1972;
B. Maria José ………. faleceu a 07 de Outubro de 1974;
C. Sob o número 39/73 correram termos, na 1ª Secção do Tribunal Judicial de Santa Cruz autos de inventário abertos por morte de José ……… e Maria …………;
D. Nos autos referidos em C. foram identificados como herdeiros João……….., José …….., Agostinho …………., Manuel ……….., Maria …………, Florentino ……………., António ………..;
E. Entre os bens descritos no inventário referido em C. constava, sob a verba número quatro, um prédio rústico e urbano no sítio da Mãe de Deus, freguesia do Caniço, Conselho de Santa Cruz, a confinar pelo Norte com Joaquim Martins, Sul com Caminho, Leste com Joaquim Martins e Oeste com João Nunes e Levada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o número 4970, a fls. 99 v. do Livro B-22º em relação à parte rústica, encontrando-se omissa a parte urbana, e inscrita na matriz respectiva, a parte rústica sob o artigo 1309 , sobre a qual se acha edificado um poço, e a parte urbana sob o artigo 1816º;
F. Entre os bens descritos no inventário referido em C. constava, sob a verba número cinco, um prédio rústico ao Sítio da Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, a confinar pelo Norte com Domingos de Nóbrega, Sul com Levada, Leste com João de Caires Pilhares e Oeste com Caminho e José de Caires, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 6239, a fls. 88v. do Livro b-26º e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1308;
G. Na conferência de interessados realizada nos autos referidos em C., a 25 de Abril de 1974, foi adjudicada a verba número quatro, em comum e na proporção de metade para cada um dos interessados Maria ……….. e marido Francisco ………….. e António ………….. (menor);
H. Na conferência de interessados realizada nos autos referidos em C. a 25 de Abril de 1974, foi adjudicada a verba número cinco, em comum e na proporção de metade para cada um dos interessados Agostinho ………… e mulher Maria José ………… e Manuel ……….. e mulher Maria……………….;
I. Sob o número 36/A/73 correram termos, no Tribunal Judicial de Santa Cruz autos de divisão de coisa comum, tendo como Requerentes Maria ………….. e Francisco ……… e como Requerido António ………;
J. Na acção referida em I. peticionava-se que se pusesse fim à comunhão havida sobre o prédio rústico e urbano, ao Sítio da Mãe de Deus, freguesia do Caniço, a confrontar a Norte e Leste com Joaquim Martins, Sul com Caminho, e Oeste com João Nunes e Levada, inscrito na matriz, a parte rústica sob o artigo 1309 e a urbana sob o artigo 1816, tendo na sua parte rústica um poço de estancar água;
K. A 08 de Maio de 1973, por auto de arrematação efectuado no Tribunal Judicial de Santa Cruz, foi adjudicado a Manuel ………….., o prédio rústico e urbano, no Sítio da Mãe de Deus da freguesia do Caniço, a confinar pelo Norte e Leste com Joaquim Martins, Sul com Caminho e Oeste com João Nunes e a Levada, inscrito na matriz respectiva, a parte rústica, sob o artigo 1309 e a urbana sob o artigo 1816;
L. Manuel …………… morreu, no estado de casado com Maria …………………., a 10 de Fevereiro de 1989;
M. Por escritura de habilitação celebrada em 27 de Maio de 1993, foram identificados como herdeiros de Manuel ….., a sua mulher, Maria ………….., e seus filhos, Maria …………., Inocência ……., Lurdes ……………, João ………….., Maria Odília ……………… e Manuel ……….;
N. A 19 de Junho de 1996, no Cartório Notarial de António David Mendes de Sousa e Freitas, foi celebrada escritura de justificação notarial entre Manuel ………… e mulher Maria …………… (como primeiros outorgantes), Maria …………, Vanda ……….. - representada por Francisco ………….. – (como segundos outorgantes) e Manuel …………….., Conceição ……………, Conceição …………….. (como terceiros outorgantes);
O. Na escritura referida em N., Manuel …………. e mulher Maria …………….. (primeiros outorgantes) declararam que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, dum prédio misto, no Sítio da Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, com a área global de dois mil novecentos e cinquenta vírgula cinquenta metros, a confrontar pelo Norte com Francisco Simões Campinos e outros, Sul com Maria José Correia e Vanda Maria Correia de Caires, Leste com Manuel Inácio da Gama e Oeste com a Estrada Municipal, inscrito na matriz, a parte rústica em nome de José de Caires, sob parte do artigo 6/2 Secção “UU”, sem valor patrimonial atribuído, e a parte urbana inscrita a favor do justificante marido, com a área coberta de quarenta e seis vírgula oitenta e três metros, e logradouro de dezasseis vírgula vinte metros quadrados, sob o artigo 1734, com o valor patrimonial de 75.440$00, ao qual atribuem o valor global de quinhentos mil escudos”;
P. Na escritura referida em N., Maria José ………… e Vanda ………… (segundos outorgantes) declararam que são donos, com exclusão de outrem, em comum e sem determinação de parte ou direito, dum prédio rústico, com suas benfeitorias, no Sítio da Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, com a área global de dois mil novecentos e cinquenta vírgula cinquenta metros, a confrontar pelo Norte com Manuel de Caires, Sul com a Estrada Particular, Leste com Manuel de Inácio Gama e Oeste com Estrada Municipal, inscrito na matriz em nome de José Caires, sob parte do artigo 6/2 Secção “UU”;
Q. Na escritura referida em N. os primeiros e segundos outorgantes declararam que ambos os prédios formam o descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o número seis mil duzentos e trinta e nove a folhas oitenta e oito verso do Livro B- Vinte e Seis e registado a favor de José …………, pai, sogro e avó dos outorgantes, sob o número três mil trezentos e trinta e nove a folhas cento e cinquenta e seis verso do Livro G- Quinto. Que por óbito do titular inscrito, José ……., correu inventário obrigatório no Tribunal Judicial de Santa Cruz, pela primeira secção, com o número trinta e seis, no qual o prédio foi globalmente adjudicado em comum, e em parte iguais aos primeiros outorgantes e a Agostinho ……, casado que foi com a segunda outorgante Maria José ……….., os quais procederam, de modo verbal a uma divisão de coisa comum, no ano de mil novecentos e setenta e cinco, pela qual em pagamento do seu quinhão os primeiros outorgantes ficaram com o prédio acima identificado em primeiro lugar e o Agostinho ……….. e mulher ficaram com o prédio acima identificado em segundo lugar;
R. Na relação de bens apresentada por Maria José ……….., ao serviço de finanças competente, por morte de Agostinho …….., foi relacionado, sob a verba número três, metade de um prédio rústico ao Sítio da Mãe de Deus, onde chamam Portinho, da dita freguesia, com a área de 4990 m2, a confrontar a Norte com Domingos de Nóbrega, Sul com a Levada, Leste com João de Caires Pilares e Oeste com Caminho e José de Caires, inscrito na matriz sob parte do artigo cadastral n.º 6/2 da Secção UU, conforme reclamação apresentada em 16/10/1992;
S. Manuel …………..s faleceu, no estado de casado com Maria Rosa ………….., a 30 de Abril de 2013;
T. Por escritura de habilitação celebrada em 04 de Junho de 2013, foram identificados como herdeiros de Manuel …………, a sua mulher, Maria Rosa …….., e seus filhos, E., Lucília ………….. e José ……………..;
U. Maria Rosa ………….. faleceu a 26 de Fevereiro de 2018, no estado de viúva de Manuel ……., deixando como herdeiros, seus filhos, E., José…………. e Lucília ………..;
V. Sob o número 8107, a fls. 53, do Livro B-6, referente à freguesia do Caniço, encontra-se descrito o prédio rústico, constituído por porção de terra colonizada por Francisco Martins, a confinar a Norte com João de Nóbrega do Nascimento, a Sul com Maria Lígia Blaise, Leste com Francisco Nascimento e a Oeste com levada;
W. Na descrição referida em V. mostra-se referido que o prédio é parte do número 932, a fls. 71 do Livro B-3º;
X. Sob o averbamento número 1, de 29 de Junho de 1938, registado sobre o prédio referido em V., constam os seguintes dizeres ”pelos documentos mencionados na inscrição n.º 1.819, a fls. 165V.º do Livro G 3º desta Conservatória verifiquei que o prédio supra N.º 8107 não pôde ser identificado na matriz, tendo sido feita a participação para inscrição e que dele foi separada uma parte e descrita sob N.º 4970, a fls. 99º do Livro B 22º desta Conservatória”;
Y. Sob o averbamento n.º 4, de 4 de Novembro de 1947, registado sobre o prédio referido em V., consta que pelos documentos mencionados na inscrição N.º 3339, a fls. 156 do Livro G 5º, desta Conservatória verifiquei que do prédio supra N.º 8107, foi separada uma parte e descrita sob o N.º 6.239, a fls. 88 do Livro B26º;
Z. Sob o número 6239, a fls. 88V.º do Livro B 26, referente à freguesia do Caniço, mostra-se descrito o prédio rústico ao sítio da Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, composto de terra com suas benfeitorias, medindo de superfície 2866 metros quadrados, que confronta pelo Norte com Joaquim Martins, por onde faz divisão uma parede e mede 78 metros lineares, Sul com a levada, por onde mede 44 metros lineares, leste com João de Caires Pilhares, por onde mede 38 metros lineares e Oeste com João de Caires e Caminho, por onde mede 48 metros lineares;
AA. Na descrição referida em Z. consta que é uma fracção do inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1308;
BB. Na descrição referida em Z. consta que o prédio é parte separada do N.º 1807, a fls. 53, do Livro B 6º desta Conservatória;
CC. Pela inscrição n.º 4, de 04 de Novembro de 1947, foi registada a aquisição do prédio referido em Z. a favor de José ………. por o haver comprado a Joaquim ……….. e mulher, Júlia ………., por escritura datada de 06 de Novembro de 1944;
DD. Sobre o prédio referido em Z. foi averbada, pela Ap. 05 de Junho de 1998, a menção “Sítio do Portinho, onde chama Mãe de Deus. Área 9330 metros quadrados. Confrontações; Norte: Domingos de Nóbrega; Sul, levada, Leste João de Caires Pilhares; Oeste Caminho e José de Caires. Matriz: artigo 6/2, secção UU;
EE. Sobre o prédio referido em Z. foi anotado, em Junho de 1998, ter sido extractado para o número 02400/170697;
FF. Sob o número 4970, a fls. 99V.º, do Livro B-22, referente à freguesia do Caniço, encontra-se descrito o prédio rústico no Sítio da Mãe de Deus, constituído por porção de terra com suas benfeitorias, medindo seiscentos e setenta metros quadrados, que confronta pelo Norte e Leste com Joaquim Martins, Sul com Levada e Oeste com Levada e Caminho;
GG. Da descrição referida em FF. consta que não pôde ser identificado na matriz predial, tendo sido feita a participação para a sua inscrição;
HH. Da descrição referida em FF. consta que o prédio é parte do prédio descrito na conservatória sob o N.º 8107, a fls. 53, do Livro B 6º;
II. Sob a Ap. n.º 1, de 21 de Julho de 1980, registada sobre o prédio referido em FF., consta a seguinte menção: “no prédio n.º 4970 foi construído um prédio urbano, com quatro divisões no rés-do-chão, sendo duas cobertas em laje de cimento e dois no primeiro andar cobertos de telha e destina-se a habitação. Está inscrita na respectiva matriz sob o artigo 1816, passou a ter natureza mista. (…) A parte rústica encontra-se inscrita na matriz sob o artigo 1309”;
JJ. Pela Ap n.º 3, de 21 de Julho de 1980, sob o número 7310, foi inscrita a propriedade do prédio referido em FF. em nome de Manuel ……….., casado sob o regime da comunhão geral com Maria ……………….., por arrematação em hasta pública, tendo como sujeitos passivos Francisco ……………., Maria …………. e António……………….;
KK. Pela Ap. 04/28112000 foi anotada a abertura da ficha número 03250/28112000;
LL. Pelo Averbamento número 1, de 18/05/2010, foi registada a inutilização da Anotação 1, por não terem sido removidos os motivos das dúvidas;
MM. O prédio rústico, sito à Mãe de Deus, com a área de 4665 metros quadrados, a confrontar a Norte e Leste com Joaquim …………….., Sul com Levada e Oeste com Levada e Caminho, foi descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob a ficha número 03249/28112000;
NN. Na descrição do prédio referido em MM. consta a menção de que se mostra omisso na matriz (sendo parte do artigo 6/2 Secção UU) e que é a desanexar do número 02400/170698;
OO. Pela Ap. 4, de 28112000, foi inscrita, sobre o prédio referido em MM., a aquisição a favor de João ……………… e mulher Maria …………… e de Manuel ……………… e mulher Maria ……………, por partilha extrajudicial por óbito de Inácio …………… casado com Maria…………..;
PP. O prédio rústico ao Sítio do Portinho, onde chamam Mãe de Deus, a confrontar a Norte com Domingos de Nóbrega, Sul com Levada, Leste com João de Caires Pilhares e Oeste com Caminho e José de Caires, mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob a ficha número 02400/170698;
QQ. Na descrição do prédio referido em PP. consta a menção de que se encontra inscrito na matriz sob o artigo 6/2 Secção UU e que é desanexado do número 8107, a fls. 53, do Livro B-6;
RR. O prédio urbano, composto de edifício de dois pisos, sito à Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz sob o artigo 1816, tem como titular inscrito em caderneta predial, João ………………..;
SS. Os prédios sitos ao Portinho, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscritos na matriz sob os artigos 92 e 93, ambos da secção UU, têm como titular inscrito em caderneta predial, N. e Cabeça de Casal da herança de Manuel …………..;
TT. Na caderneta predial dos prédios referidos em SS. consta que os mesmos resultaram da supressão do artigo 6/2 da Secção UU, pelo processo de cadastro número 65/2011;
UU. Por óbito de Manuel …………….., no extinto Cartório Notarial de Câmara de Lobos foi celebrada, a 23 de Outubro de 2000, escritura de partilha, exarada a fls. 14 a 19 vº do L 64-D, entre Maria ……o, Maria …………, José ………………., Inocência ………….., Manuel ……….., Lurdes ………, José ………., João ………, Maria …………, Maria …………., José ……………., Manuel …………., Maria …………;
VV. Na escritura referida em UU. encontrava-se descrito sob a Verba número 10 o prédio ao Sítio da Mãe de Deus, freguesia do Caniço, concelho de santa Cruz, com a área de quatro mil, seiscentos e sessenta e cinco metros quadrados, que confronta a Norte e Leste com Joaquim Martins, Sul com a Levada e Oeste com a levada e Caminho, inscrito na matriz sob parte do artigo 6/2 da secção “UU”, com o valor patrimonial de 90.134$00, é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de santa Cruz sob o número zero dois mil e quatrocentos barra dezassete zero seis noventa e oito e registado ainda a favor de José de Caires por óbito do qual ocorreu pela primeira secção de Santa Cruz e com o número 39/73 processo de inventário e acção de divisão de coisa comum com o número 36-A/73, nos termos do qual o prédio veio à propriedade do referido Manuel Inácio da Gama;
WW. Na escritura referida em UU. encontrava-se descrito sob a Verba número 13 o prédio urbano, no sítio da Mãe de Deus, da dita freguesia do Caniço, com a área coberta de cinquenta e seis vírgula cinquenta e oito metros quadrados, a confinar pelo Norte, Sul, Leste e Oeste com o proprietário, inscrito na matriz sob o artigo 1816, com o valor patrimoniais de 249.350$00, é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o número zero dois mil e quatrocentos barra dezassete zero seis noventa e oito e registado ainda a favor de José de Caires por óbito do qual ocorreu pela primeira secção de Santa Cruz e com o número 39/73 processo de inventário e acção de divisão de coisa comum com o número 36-A/73,nos termos do qual o prédio veio à propriedade do referido Manuel Inácio da Gama;
XX. Pela escritura referida em UU. os prédios descritos nas verbas número dez e número treze foram adjudicados a João …………….. e Manuel ………………….. e respectivas mulheres;
YY. Desde o dia 08 de Maio de 1973, Manuel ………………. passou a cultivar toda a parte rústica do prédio referido em K., plantando semilhas, couve, milho e vinha, e a usar o prédio urbano identificado em K., o qual passou a habitar desde o ano de 1980, nele pernoitando, descansando e tomando as suas refeições com a sua família;
ZZ. No ano de 1988, o pai dos autores ampliou o prédio urbano, construindo um anexo com dois pisos e abriu na estrema norte do prédio rústico, uma passagem de acesso ao prédio que confina pela estrema leste e onde está instalada uma exploração agropecuária;
AAA. A passagem referida em ZZ. ocupa uma área de 480 metros quadrados;
BBB. O arruamento com a designação “Travessa Manuel Inácio da Gama”, na freguesia do Caniço pertence ao Domínio Público Municipal;
CCC. Parte do terreno usado para o arruamento referido em BBB. foi cedido por Manuel ……….;
DDD. O referido em YY e ZZ. ocorreu de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição;
EEE. Os Autores começaram a trabalhar com o seu pai desde o ano de 1980 e desde essa data até hoje, entram e saem do prédio referido em K., utilizam a estrada de acesso, de dia e de noite e à vista de toda gente, de forma pacífica e sem oposição, cultivam a terra e colhem os produtos resultantes dos cultivos referidos em YY., na convicção de serem os seus únicos donos e legítimos proprietários;
FFF. Desde 2000 que o prédio urbano referido em ZZ. constitui a residência do autor Alcindo …………….. que nele habita com a sua família, toma as refeições, dorme, descansa e usa como se proprietário fosse, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição;
GGG. Os Autores requereram junto da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz a inscrição do seu direito de propriedade, tendo o pedido de registo sido lavrado provisoriamente por dúvidas, porquanto pende na referida Conservatória um registo de propriedade, sob o nº 2400/170698 da freguesia do Caniço, em vigor sobre a totalidade do prédio inscrito na matriz sob o artigo 6/2 da Secção UU, da freguesia do Caniço;
HHH. O prédio descrito sob o nº 2400/170698 da freguesia do Caniço está inscrito a favor de, metade em nome de Manuel …………… e Maria…………. e a outra metade a favor da ré N.;
III. Manuel ……… requereu à Câmara Municipal de Santa Cruz que certificasse a divisão do prédio inscrito na matriz sob o artigo 6/2 da Secção UU., nas seguintes parcelas: Parcela a Norte do caminho, com a área de quatro mil novecentos e noventa e seis metros quadrados, ficou a confrontar pelo Norte com Manuel Nóbrega Caçarola e António Nóbrega Nascimento e outros, Sul com Caminho, Leste com Caminho e Manuel Nóbrega Caçarola e Oeste com Caminho. Parcela a Sul do caminho, com a área de três mil setecentos e vinte e quatro metros quadrados, ficou a confrontar a Norte com caminho, Sul com João Caires, José Martins e outros, Leste com João de Caires e Oeste com caminho;
JJJ. A parte rústica do prédio referido em K. e nas verbas referidas em VV. e WW. encontra-se inscrita na matriz sob o artigo 93 da secção UU.
Na mesma sentença, foi CONSIDERADA NÃO PROVADA a seguinte factualidade:
1. Os Réus e seus antecessores mantêm a posse e detenção do prédio inscrito sob o artigo 93, das suas partes integrantes e demais coisas que neles existiam há mais de 90 anos, de forma pública, pacífica, contínua e de boa-fé, usando e retirando do prédio todos os frutos e utilidades, tratando da sua manutenção e conservação, ininterruptamente, à vista de toda a gente, pacificamente, sem entrave ou oposição de ninguém, na convicção de quem exerce um direito de propriedade.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) DA NULIDADE DE SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA e POR CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO, nos quadros do artº. 615º, nº. 1, alíneas d) e e), do Cód. de Processo Civil
Invoca a Apelante que o Tribunal a quo reconheceu o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio e passagem ajuizados, por via da usucapião, mas que estes, não tendo deduzido qualquer pedido subsidiário, “pediram o reconhecimento do seu direito por via da aquisição derivada, e não originária”.
Pelo que, estando o Tribunal limitado pelo princípio do pedido, nos termos expostos no nº. 1, do artº. 609º, do Cód. de Processo Civil, deve a sentença “ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado «núcleo irredutível» do princípio do dispositivo”, não podendo, assim, o Tribunal “decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto”.
Acrescenta que a vinculação do Tribunal ao princípio do pedido também tem por escopo ou finalidade “a tutela da posição do demandado, permitindo-lhe que se defenda em relação ao conteúdo concreto daquele pedido”, de forma a assegurar o cumprimento do princípio do contraditório.
Considera, assim, ter a sentença incorrido em nulidade decorrente de ter proferido condenação em objecto diverso do pedido, bem como em idêntica nulidade, mas por excesso de pronúncia, ao apreciar questão não suscitada pelas partes.
Na resposta apresentada, os Apelados negam a existência de tais nulidades, pois foi o pedido formulado que foi conhecido e decidido, o qual foi devidamente compreendido e contestado pela Ré, ora apelante.
Apreciemos:
Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescrevem as alíneas d) e e), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando:
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (sublinhado nosso).
 Por sua vez, o nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Por sua vez, estipulando acerca dos limites da condenação, referencia o nº. 1, do artº. 609º, igualmente do Cód. de Processo Civil, que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.
No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [2] [3].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [4].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [5].
As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o segundo atinente ao excesso de pronúncia
Neste, em correspondência com o citado 2º segmento, do nº. 2 do artº. 608º, “encontra-se vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de excepções que não sejam do seu conhecimento oficioso” [6].
No excesso de pronúncia, e a nulidade daí resultante de excesso de pronúncia de facto, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [7], “não é de conhecimento oficioso, só podendo o tribunal que proferiu a decisão anular (parcialmente) a sentença com esse fundamento, sobre requerimento da parte (art. 196º).
Embora este vício seja impressivo, por representar uma ostensiva violação do matricial princípio dispositivo, é por esta mesma razão que não se justifica o seu conhecimento oficioso. Se o vencido renuncia a invocar a inadmissibilidade da pronúncia sobre o facto essencial – o que está na sua disponibilidade (art. 264º) -, sujeita-se á sua consideração pelo tribunal ad quem na base factual do julgamento de direito”.
Na pronúncia ultra petitum enunciada na transcrita alínea e), do nº. 1, do artº. 615º, ocorre violação do “princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância”, ao não serem observados “os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido” [8].
Não pode, deste modo, o juiz, “ultrapassar na sentença os limites do pedido (ou dos pedidos deduzidos), em violação do princípio dispositivo. É que lhe impõe o nº. 1 do artº. 609º ; a condenação em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido, ex-vi da al. e) do nº. 1 do artº 615º”.
Assim, não pode o juiz, “sob pena de nulidade, condenar ultra-petitum, ou seja, em quantidade superior ou em objecto (qualidade) diversos dos constantes do pedido”, sendo exemplo de condenação em objecto diverso o caso do “autor pedir a restituição da coisa comodatada e a sentença condenar o réu a entregar-lhe uma outra coisa em substituição daquela ou a prestar um outro facto que não o da entrega da coisa”. Bem como o exemplo de que “tendo o autor pedido o reconhecimento do seu direito de propriedade por ter adquirido, por compra, certo prédio, não pode o juiz, na sentença, reconhecer esse direito com fundamento em que o ter adquirido por sucessão, ainda que os factos em que se baseie tenham sido alegados, a outro título, no processo” [9].
Ora, este “balizamento cognitivo (…) é operado pelo objeto do processo (pedido e causa de pedir) tal como definido (a título principal) pelo autor na petição inicial”.
O mesmo autor, sustentado no entendimento de Miguel Mesquita [10], advoga, no que á presente causa de nulidade concerne, o que apelida de “flexibilização do princípio do pedido”, tendo por base a necessidade de ponderação “do princípio da efectividade (eficiência/eficácia)”, bem como tendo “sempre presente o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da justa medida e da proibição do excesso”.
Tal adopção determina que “seja de reconhecer ao juiz a faculdade de «sugerir (ex-officio) uma modificação do pedido» e em que, por tal, «o princípio do pedido deva ser suavizado ou mitigado» quando o autor requeira unicamente certa providência que os factos alegados e provados demonstrem revestir-se de um carácter demasiado drástico ou oneroso”.
Ora, um dos campos de intervenção do julgador situa-se ao nível dos “poderes/deveres do juiz com vista ao aperfeiçoamento dos articulados (artº 591º, nº. 1, al. c)) ou mesmo os seus poderes instrutórios dimanados do princípio do inquisitório (artº 411º)”.
Todavia, conclui-se, “«qualquer desvio, na sentença, relativamente ao pedido exigirá sempre o prévio respeito pelos princípios da cooperação, do contraditório e do dispositivo e da igualdade das partes»”, devendo sempre o tribunal “«trabalhar com base nos factos alegados, não abrindo a porta a novos factos sob pena de violação do princípio do dispositivo»” [11] [12].
Deste modo, “o juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pela partes ; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes”.
Pelo que “não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa ; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto ; se o pedido respeita á entrega duma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu ; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)” [13].
Ora, no caso concreto, os Autores, para além do mais, peticionam a sua declaração como únicos donos e legítimos possuidores do prédio identificado, bem como da passagem, integrante do mesmo, existente na sua estrema norte, bem como a condenação dos Réus a respeitarem tal direito de propriedade, abstendo-se da prática de actos que o perturbem.
E, a condenação proferida, observou escrupulosamente tal petitório, deferindo-o praticamente na íntegra, com excepção da pretendida menção à área total do prédio.
Donde, não se descortina que tenha existido qualquer condenação em objecto diverso do petitório accional formulado.
Por outro lado, também não vislumbramos a existência de qualquer excesso de pronúncia decorrente do facto do reconhecimento do direito de propriedade ter sido alegadamente afirmado com base na aquisição prescritiva (usucapião), e não na aquisição derivada.
Ainda que assim tivesse ocorrido - o que, conforme veremos, não se reconhece -, tal enquadramento teve por base factualidade alegada pelos Autores no articulado inicial, onde sustentaram a sua pretensão – cf., artigos 8º a 11º.
Ora, se é certo que por vinculação do princípio do dispositivo incumbia, nomeadamente, aos Autores, a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, é igualmente concludente não estar o julgador “sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” – cf., o artº. 5º, nºs. 1 e 3, do Cód. de Processo Civil.
Ou seja, reportando-nos ao caso sub júdice, o Tribunal a quo nunca estaria condicionado pelo enquadramento jurídico efectuado pelos Autores demandantes, aos quais apenas incumbia o ónus de alegação da factualidade constitutiva da causa de pedir. E que, ainda assim, não lograram efectuar qualquer enquadramento diferenciado do que veio a ser consignado na sentença apelada.
Assim, foi com base nessa causa de pedir complexa factualmente densificada (que aludiu quer a actos constitutivos da aquisição derivada, quer a actos constitutivos da aquisição originária, do direito de propriedade) que a sentença recorrida aplicou o direito, o que fez quer no âmbito da aquisição derivada, quer no âmbito da aquisição originária do direito de propriedade.
Pelo que, não se pode aludir, com razão, que a sentença apelada tenha conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento ou que o Tribunal a quo, na decisão sob sindicância, tenha conhecido de questão ou objecto diferenciado do pedido.
O que determina, sem ulteriores delongas, concluir-se no sentido da sentença recorrida não estar maculada pelas apontadas causas de nulidade, com legal inscrição nas alíneas d) e e), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, assim improcedendo a sua invocação e, consequentemente, a inviabilidade das conclusões recursórias apresentadas.
II DA EXCEPÇÃO DILATÓRIA de NULIDADE DE TODO O PROCESSO POR INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Defende a Recorrente que a sentença sob escrutínio deve ser revogada, desde logo por que não declarou inepta a petição inicial, o que deveria ter feito, desde logo atenta a oficiosidade presente no conhecimento de tal excepção dilatória de nulidade de todo o processo.
Fundamenta tal pretensão, aduzindo que a sentença considerou estarmos perante uma acção de reivindicação, a qual é integrada e caracterizada por dois pedidos: “o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro”, sendo que só através de tais finalidades se preenche o esquema daquela acção.
Acrescenta que nenhuma parte da petição inicial os Autores “ alegaram que a coisa reivindicada não se encontra na sua posse”, ou seja, que tivesse ocorrido ocupação do seu prédio por parte dos Réus, o que rotulam como absolutamente imprescindível à caracterização da acção de reivindicação de propriedade, pois nesta “o reivindicante é sempre o proprietário não possuidor”.
Deste modo, aduzem, os Autores “não formulam aquele que é o pedido considerado “essencial” neste tipo de acções: a restituição”, sendo que nada é referenciado na acção “quanto a qualquer acto de posse exercida por outrem, mormente pelos RR, nem é formulado pedido de restituição/entrega”.
Pelo que, concluem, deve a sentença ser revogada e substituída por decisão que declare inepta a petição inicial e absolva os Réus da instância.
Na resposta apresentada, os Apelados negam a existência de tal vício processual, pois a petição inicial identifica, de forma clara e com rigor jurídico, os factos em que assenta o pedido formulado, o qual surge igualmente “expresso de forma clara e rigorosa e consentâneo com os factos alegados”.
Acrescentam, em reforço argumentativo, que a ora Recorrente compreendeu a alegação factual e pedidos apresentados, relativamente aos quais apresentou contestação/oposição.
Por outro lado, aduz, tal questão, como outras que apreciaremos infra, são suscitadas pela “primeira vez em sede de recurso, constituindo questões sobre as quais o tribunal recorrido não foi chamado a pronunciar-se”, pelo que não podem ser conhecidas por este Tribunal de Recurso.
Apreciemos:
Como causa de nulidade, a ineptidão da petição inicial encontra-se enunciada no nº. 1, do artº. 186º, do Cód. de Processo Civil, sendo que, in casu, estaria em equação, na pretensão da Apelante, a alínea a), do nº. 2, do mesmo normativo, ao referenciar ser inepta a petição “quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”.
Tal nulidade pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, a não ser que se deva considerar sanada – cf., a 1ª parte do artº. 196º, o nº. 3, do artº. 186º e o artº. 578º -, e apenas pode ser arguida “até á contestação ou neste articulado” – o nº. 1, do artº. 198º -, devendo ser apreciadas “no despacho saneador, se antes o juiz as não houver apreciado ; se não houver despacho saneador, pode conhecer-se delas até à sentença final” – o nº. 2, do artº. 200º.
A sua verificação configura-se como excepção dilatória, o que obsta que o tribunal conheça do mérito da causa, pois deve abster-se de conhecer do pedido – cf., artºs. 278º, nº. 1, alín. b), 576º, nº. 2 e 577º, alín. b).
Aquando da propositura de uma acção, o autor ou demandante formula a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter – pedido – e expõe as razões de facto e de direito em que a fundamenta ou estrutura – causa de pedir.
Assim, a petição inicial surge como “o acto processual pelo qual o titular do direito violado ou ameaçado, nas acções de condenação, requer ao tribunal o meio de tutela jurisdicional destinado à reparação da violação ou ao afastamento da ameaça. E a sua importância basilar resulta precisamente de não haver acção sem petição, ou seja, de não haver concessão oficiosa da tutela jurisdicional”.
Pelo que, caso a petição inicial contenha “deficiências de carácter substancial, que irremediavelmente comprometam a sua finalidade, será considerada inepta[14].
A causa de pedir configura-se, pois, como o “facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido”, pelo que, caso o autor não mencione “o facto concreto que lhe serve de fundamento (como se ele requerer a declaração de que nada deve ao réu, sem mencionar o acto jurídico concreto a que reporta a declaração), a petição será inepta. Como inepta será, se a indicação do pedido ou da causa de pedir for feita em termos verdadeiramente obscuros ou ambíguos (ininteligíveis)”.  E, advirta-se, não basta “para o preenchimento da exigência legal, a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão” [15].
Ao intentar uma acção é, deste modo, obrigação do autor indicar a causa de pedir, ou seja, “alegar o facto constitutivo da situação jurídica material que quer fazer valer – ou, no caso de acção de simples apreciação da existência dum facto (…), os elementos que o integram -, num e noutro caso se tratando do facto concreto que o autor diz ter constituído o efeito pretendido”.
Donde, “a falta do pedido ou da causa de pedir, traduzindo-se na falta do objecto do processo, constitui nulidade de todo ele, o mesmo acontecendo quando, embora aparentemente existente, o pedido ou a causa de pedir é formulado de modo tão obscuro que não se entende qual seja ou a causa de pedir é referida em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos” [16].
Através da figura da ineptidão da petição inicial pretende-se, em primeiro lugar, “evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar correctamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de pedido ou de causa de pedir, ou de pedido ou causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis, visto que só dentro dessas balizas se mover o exercício da actividade jurisdicional declaratória do direito. Por outras palavras: com a ineptidão da petição inicial a lei nada mais faz que reafirmar o princípio de que constitui pressuposto processual a existência de um pedido e de uma «causa petendi» na acção (…)”.
Por outro lado, através da mesma figura da ineptidão pretende-se ainda impedir que “se faça um julgamento sem que o réu esteja em condições de se defender capazmente, para o que carece de conhecer o pedido contra ele formulado e o respectivo fundamento.
Em suma: com a ineptidão da petição inicial visa a lei assegurar que a fase declaratória do direito se não exerça em defeituosos termos, ou venha a decorrer em pura perda de actividade judicial, pela subsequente absolvição da instância”.
A petição inicial deve, então, ser apta, para que “haja um pedido formulado em termos de o tribunal poder exercer o seu poder de cognição ou jurisdição, dado que lhe não é lícito conhecer «ultra petitum», ou «extra petitio», e que haja também uma «causa petendi», uma vez que se tem de mover dentro dos limites da causa de pedir invocada.
O autor terá, pois, de, na petição inicial, formular um pedido inteligível quanto ao objecto mediato e imediato, e indicar o facto genético do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer, não lhe sendo, todavia, exigido que faça desde logo uma exposição completa do elemento factual.
Para que a ineptidão esteja afastada, requer-se, assim, tão só, que se indiquem factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir e o objecto mediato e imediato da acção. Com efeito, a lei (…) só declara inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, o que logo inculca a ideia da desnecessidade de uma formulação completa e exaustiva de um e outro elemento” [17].
A ideia geral, no fundo, “é a de impedir o prosseguimento duma acção viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objecto do processo, que mostre desde logo não ser possível um acto (unitário) de julgamento, «judicium»” [18] [19].
Jurisprudencialmente, e de forma exemplificativa, menciona-se no douto aresto do STJ de 02/12/2013 [20] que “a causa de pedir é o acto ou facto jurídico, simples ou complexo, mas sempre concreto – in casu uma sequência de negociações havidas entre o Autor e os Réus, com vista á aquisição de imóveis, que se frustraram no seu objectivo principal – de onde emerge o direito que aquele Autor, aqui Recorrido, pretende fazer valer nesta acção, traduzido do direito de crédito do Autor sobre os Réus, cfr Manuel de Andrade, Noções Fundamentais de Processo Civil, 1976, 111; Antunes Varela Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 244/246; Ac Stj de 3 de Junho de 2004 (Relator Salvador da Costa) e de 6 de Julho de 2004 (Relator Araújo de barros), in www.dgsi.pt”.
Ora, efectuado este breve enquadramento, suscitam-se, todavia, duas questões prévias, atinentes à admissibilidade do conhecimento, na presente sede e por referência à presente temporalidade, da suscita excepção dilatória.
Em primeiro lugar, urge referenciar que, na única contestação apresentada, a Ré, ora Apelante, não invocou tal nulidade principal, nem o fez posteriormente, ainda que de forma extemporânea, atenta a vinculação temporal inscrita no já citado nº. 1, do artº. 198º, do Cód. de Processo Civil.
E, não o tendo feito, a excepção dilatória em que a mesma se configura nunca foi, nem teria de o ser, objecto de conhecimento ou pronúncia por parte do Tribunal Recorrido.
Donde, tal questão apresenta-se na presente sede como nova ou inovatória, sendo certo que o presente Tribunal de recurso não deve ser confrontado com questões que não tenham sido apreciadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido, em virtude dos recursos se configurarem, na sua delimitação objectiva, como meio de impugnação de decisões judiciais, no desiderato ou intuito da sua reapreciação, com a finalidade da sua revogação ou mera alteração – cf., artº. 635º, do Cód. de Processo Civil.
Efectivamentente, dispõe este normativo que:
“1 - Sendo vários os vencedores, todos eles devem ser notificados do despacho que admite o recurso; mas é lícito ao recorrente, salvo no caso de litisconsórcio necessário, excluir do recurso, no requerimento de interposição, algum ou alguns dos vencedores.
2 - Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre.
3 - Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.
4 - Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso.
5 - Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”.
Refere Abrantes Geraldes [21] que a natureza do recurso, “como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas”.
Com efeito, acrescenta, “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente seguimos um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”.
Pelo que, arquitectado assim o sistema, devem os Tribunais Superiores ser apenas confrontados “com questões que as partes discutiram nos momentos próprios”, sendo que, “quando respeitem às matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas” (sublinhado nosso).
E, recorrendo a vários exemplos jurisprudenciais, aduz que “as questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição” [22].
Bem como que “os recursos destinam-se á apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso” [23].
Idêntico entendimento é perfilhado por Rui Pinto [24], ao referenciar que “o tribunal ad quem apenas conhece dentro do objecto que foi presente ao tribunal recorrido: tantum devolutum quantum iudicatum”, o que é apelidado de “princípio devolutivo, próprio dos recursos de reponderação”.
Pelo que, caso a parte pretenda “colocar pretensões novas deve deduzir acção declarativa própria, desde que não estejam abrangidas pela exceção de caso julgado, limitação que, em princípio, não ocorrerá. De outro modo, a admissão ex novo de questões tolheria a parte contrária do direito a um segundo grau de jurisdição relativamente a elas e os novos atos de instrução atrasariam a decisão de recurso”.
E, citando o Acórdão da RC de 08/11/2011 [25], acrescenta que os recursos “são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de questões novas vigorando um modelo de recurso de reponderação, i.e., de base romana, em que o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido”.
Miguel Teixeira de Sousa [26] refere que “no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados”.
Mais recentemente, e por todos, referenciou-se no aresto do STJ de 09-03-2017 [27], que “os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido. O tribunal de recurso aprecia e conhece de questões já conhecidas pelo tribunal recorrido e não de questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste tribunal – o tribunal de recurso reaprecia o concretamente já decidido, não profere decisões novas.
Assim sendo, não é lícito invocar no recurso questões que não tenham sido suscitadas nem resolvidas na decisão de que se recorre.
Destinam-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas.
A preclusão do conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça de questões não suscitadas perante a Relação, apenas sofre as restrições advindas da natureza da questão levantada quando a sua apreciação deva ou possa fazer-se ex officio (v.g., nulidade de actos jurídicos; questões de inconstitucionalidade normativa; caducidade em matéria de direitos indisponíveis).
Os recursos ordinários não servem para conhecer de novo da causa, mas antes para controlo da decisão recorrida”.
Ora, revertendo o entendimento exposto ao caso concreto, reafirma-se que a questão da eventual ineptidão da petição inicial, como nulidade principal tradutora de excepção dilatória, ora equacionada em sede recursória, constitui uma questão nova que não foi objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo.
Ou seja, tal questão não foi objecto do contraditório, não foi apreciada em termos da sua eventual sanação e não foi objecto de qualquer discussão em 1ª instância
Pelo que, logicamente, sendo função da presente Relação apreciar questões já valoradas e ajuizadas em sede de 1ª instância, na denominada função de reponderação, aquela matéria, apesar de estarmos perante questão de oficioso conhecimento, não poderia ser suscitada como fundamento recursório, conducente à sua necessária apreciação ou valoração.
E isto, independentemente de, ex officio, que não já como fundamento recursório, poder/dever tal questão, prima facie, ser apreciada pelo presente Tribunal de Recurso, caso este entendesse verificada tal excepção dilatória – cf., o citado artº. 578º, do CPC -, conducente a um juízo de absolvição da instância dos demandados.
Acresce, todavia, que, em segundo lugar, nem em termos oficiosos poderia este Tribunal conhecer acerca da putativa ocorrência de tal excepção dilatória.
Efectivamente, conforme se referenciou no douto aresto do STJ de 13/05/2021 [28], “existe um alargado consenso na doutrina portuguesa quanto a que o disposto nesta norma significa que a nulidade por ineptidão da petição inicial é susceptível de ser conhecida no despacho saneador ou, o mais tardar, até à sentença (rectius: na sentença) , ficando o seu conhecimento precludido depois desta data – numa palavra: que a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial não pode ser oficiosamente suscitada e conhecida na fase de recurso.
São particularmente claros neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa quando dizem que “a prolação de despacho saneador tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento das nulidades previstas nos arts. 186.º e 193.º, n.º 1, significando isso que, proferido o despacho saneador, fica encerrada a hipótese de o juiz suscitar aquelas nulidades. Se o processo não comportar ou não tiver despacho saneador, o juiz pode conhecer destes dois vícios até à sentença final”[9].
Igual entendimento é propugnado desde há tempo na jurisprudência portuguesa. Leia-se, em confirmação, aquele que é o Acórdão de referência nesta matéria, proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 26.03.2015, Proc. 6500/07.4TBBRG.G2.S2, onde se afirma que “[o] vício de ineptidão da petição inicial não pode ser apreciado, mesmo oficiosamente, aquando do julgamento da apelação” e que “a nulidade por ineptidão da petição inicial está irremediavelmente precludida no momento em que é proferida sentença em 1ª instância, não podendo, consequentemente, ter-se por verificada, mesmo por impulso oficioso do Tribunal, apenas na fase de recurso”[.
Deve, pois, entender-se que, quando a questão da ineptidão da petição inicial não é suscitada pelo réu na contestação nem conhecida ex officio até à sentença final, a eventual ineptidão da petição inicial fica, em princípio, suprida ou ultrapassada, concluindo-se que o réu, que não a arguiu, e o tribunal, que dela oficiosamente não conheceu, compreenderam o sentido da petição inicial”.
Deste forma, apesar da nulidade de todo o processo se configurar como uma excepção dilatória, de oficioso conhecimento, estando-se perante uma eventual situação de ineptidão da petição inicial existe, desde logo, excepcionalidade quanto à temporalidade do seu conhecimento oficioso.
Ou seja, “tal como as outras excepções dilatórias, a nulidade de todo o processo é de conhecimento oficioso, mas este conhecimento oficioso está, no caso especial de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, limitado no tempo, nos termos do artigo 200.º, n.º 2, do CPC”.
Donde, proferida que seja a sentença pela 1ª instância, que conheceu acerca do mérito da acção, não pode a Relação, oficiosamente, conhecer acerca da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e, consequentemente, determinar a absolvição dos réus da instância.
Concluindo-se, assim, imperativamente, no sentido de improcedência, nesta vertente, das conclusões recursórias apresentadas.
III) DA EXCEPÇÃO DILATÓRIA de ILEGITIMIDADE ACTIVA E PASSIVA
Referencia a Recorrente que, na acção de reivindicação, a legitimidade activa e passiva configura-se nos seguintes termos: “tem nela a posição de autor quem se intitula titular do direito reivindicado; por outro lado, ocupa a posição de réu quem tenha a posse ou a detenção da coisa (art. 1311º, n.º 1)”.
Acrescenta que, in casu, os Autores não são proprietários do prédio ajuizado, pois inexiste coincidência entre este e aquele que alegam ter advindo à sua titularidade por escritura de partilha celebrada.
Pelo que, aduz, “não têm, por isso, título que legitime a propositura desta acção, porquanto se arrogam proprietários de um prédio que não lhes coube em partilha e sem que o tenham adquirido por qualquer outra forma, pelo que não têm legitimidade substantiva para a propositura da acção”.
E, ainda que se concluísse pela eventual correspondência entre os prédios, “a verdade é que alegadamente o prédio ajuizado está na posse do A. Alcindo …………., tendo inclusivamente resultado provado que “Desde 2000 que o prédio referido em ZZ. Constitui a residência do autor Alcindo …….. que nele habita com a sua família, toma as refeições, dorme, descansa e usa como se proprietário fosse, à vista de toda a gente e sem qualquer oposição”. (Veja-se ponto FFF dos factos provados)”.
Por outro lado, não resultou provado que o prédio ajuizado esteja na posse de terceiros, nomeadamente dos Réus, o que determina, igualmente, estarmos perante uma situação de ilegitimidade passiva.
Pugna, assim, pelo oficioso conhecimento de tal excepção, declarando-se a ilegitimidade activa e passiva.
Na resposta, os Apelados, para além de afirmarem a clara legitimidade dos Autores e Réus, seja adjectiva, seja substancialmente considerada, reafirmam que tal questão, tal como a antecedente, são suscitadas pela “primeira vez em sede de recurso, constituindo questões sobre as quais o tribunal recorrido não foi chamado a pronunciar-se”, pelo que não podem ser conhecidas por este Tribunal de Recurso.
Acrescentam, ainda, que a questão da legitimidade activa já foi decidida aquando da prolação do despacho que procedeu ao saneamento do processo, que não foi objecto de qualquer reclamação.
Conhecendo:
Na contestação apresentada, a Ré, ora Apelante, invocou a ilegitimidade substantiva dos Autores, conforme artigos 3º a 14º.
Em sede de saneamento, conhecendo-se acerca de tal invocação, considerou-se que a matéria factual que permitia tal conhecimento se mostrava controvertida, pois reconduzia-se, afinal, àquela que configurava o objecto do litígio, relegando-se aquele para sede de sentença final.
E, conhecendo-se tabelarmente acerca da legitimidade adjectiva, concluiu-se pela legitimidade das partes, “na medida em que, de acordo com a forma como os Autores delinearam a lide, são eles os titulares do interesse em demandar e os Réus os titulares do interesse em contradizer o assim alegado”.
Ainda que nem sempre de forma clara, atenta a manifesta mistura de conceitos, na presente sede recursória, afigura-se-nos questionar a Recorrente a legitimidade das partes na sua vertente adjectiva ou processual, ainda que, no corpo alegacional, volte a referenciar acerca da falta de legitimidade substantiva para a propositura da acção.
Ora, também nesta sede, não resulta ter o Tribunal a quo conhecido, de forma casuística e fundamentada, acerca da excepção dilatória da ilegitimidade processual das partes, inexistindo, assim, qualquer decisão prolatada que justifique o crivo de conhecimento desta Relação, em reponderação ou reavaliação, pois tal conhecimento sempre se reportaria a questão nova ou inovatória.
E isto, reafirmamos, independentemente de, ex officio, que não já como fundamento recursório, poder/dever tal questão, prima facie, ser apreciada pelo presente Tribunal de Recurso, caso este entendesse verificada tal excepção dilatória – cf., o citado artº. 578º, do CPC -, conducente a um juízo de absolvição da instância dos demandados.
Todavia, este juízo sempre teria na sua génese ou impulso processual uma verificação, por parte deste Tribunal, acerca da falência de tal pressuposto processual, que, além do mais, sempre implicaria passar pelo crivo do suprimento ou sanação inscrito nos artigos 6º, nº. 2, 378º, nº. 3 e 590º, nº. 2, alín. a), todos do Cód. de Processo Civil.
Ora, não vislumbrando este Tribunal motivo para tal oficiosidade, e inexistindo qualquer juízo de reponderação a efectuar, atenta a ausência de decisão impugnada a conhecer, não pode proceder a pretensão recursória apresentada.
Por outro lado, ainda que se entendesse estar em equação a legitimidade substantiva ou material, esta, efectivamente, reporta-se ou configura-se ao objecto do litígio, ou seja, a aferição dos Autores enquanto efectivos donos ou proprietários do prédio identificado. E, como tal, será nessa vertente que tal conhecimento será consumado.
Sempre se dirá, todavia, que a Recorrente equaciona tal legitimidade substantiva das partes por referência á configuração da acção como acção de reivindicação. O que, conforme melhor veremos infra, não se confirma.
Pelo exposto, e sem carência de outras delongas, improcedem, igualmente neste vertente, as conclusões recursórias apresentadas
IV) DA EXCEPÇÃO DILATÓRIA de FALTA DE INTERESSE EM AGIR
Prosseguindo o seu iter recursório, invoca a Recorrente a existência da excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir por parte dos Autores Apelados, pois, tendo intentado acção de reivindicação, “não peticionam qualquer restituição/ entrega do prédio ajuizado nem é isso que pretendem com a acção proposta”.
Acrescenta que o que está em equação são erros respeitantes a actos de registo e consequente rectificação, e que o que os Autores pretendem, no fundo, “é a rectificação do registo, pedido que deve seguir o regime legal da rectificação do registo previsto nos arts. 120º e segs. do Código de registo Predial”.
Aduz, ainda, que o Autor não tinha necessidade de lançar mão de acção de reivindicação, pois não pretendem qualquer restituição, antes pretendendo e peticionando a rectificação do registo, para o que existe um procedimento e processo idóneos.
Considera, assim, existir falta de interesse em agir ou falta de interesse processual, o que constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente á absolvição da instância.
Na resposta, os Apelados reafirmam a existência de interesse em agir, atenta a necessidade de tutela jurídica, em virtude de estarem em causa “pretensões opostas e conflituantes”.
Por outro lado, e tal como referenciado relativamente às demais excepções, aduzem que tal questão é suscitada pela “primeira vez em sede de recurso, constituindo questões sobre as quais o tribunal recorrido não foi chamado a pronunciar-se”, pelo que não podem ser conhecidas por este Tribunal de Recurso.
Apreciando:
Ainda que inexista referência legal expressa, o interesse processual ou interesse em agir traduz-se “na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”, reportando-se “à situação objectiva de carência” em que o demandante se encontra.
Assim, nas acções de condenação, “o interesse processual resulta da simples alegação de violação do direito do autor, visto a este não ser lícito fazer justiça por suas mãos”, enquanto que nas acções de simples apreciação exige-se que a incerteza contra a qual o autor pretende reagir seja “objectiva e grave”.
É objectiva aquela que “brota de factos exteriores, de circunstâncias externas, e não apenas da mente ou dos serviços internos do autor”, enquanto que a “gravidade da dúvida medir-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa criar ao autor”, sendo imprescindível o preenchimento destes dois requisitos para a afirmação de existência de interesse processual [29].
Faltando este, a sanção consiste na absolvição do demandado da instância, atenta a falta do pressuposto processual da acção.
Ora, tal como sucedeu relativamente à excepção antecedente, também a ora reivindicada nunca foi apreciada casuística e fundamentadamente nos presentes autos, inexistindo, assim, igualmente nesta situação, qualquer decisão prolatada que justifique o crivo de conhecimento desta Relação, em reponderação ou reavaliação, pois tal conhecimento sempre se reportaria a questão nova ou inovatória.
Pelo que, tal como afirmámos, só se justificaria, neste sede recursória, um eventual conhecimento oficioso do preenchimento de tal pressuposto processual, que não já como fundamento recursório, no exercício de um poder/dever, caso este entendesse verificada tal excepção dilatória – cf., o citado artº. 578º, do CPC -, conducente a um juízo de absolvição da instância dos demandados.
Situação que, conclusivamente, arredamos pois, conforme melhor veremos, os argumentos fundados na configuração da acção como reivindicação, não merecerão total sancionamento, sendo, ainda, claro, na análise dos articulados apresentados, não poder concluir-se por uma total ausência de contestação do afirmado direito dos Autores sobre o prédio, nem que, de alguma forma, se deva concluir por uma total ausência de oposição às faculdades do seu uso e fruição, pois a mera impossibilidade de pacificar a sua situação registral ainda se pode configurar como uma afectação à sua disponibilidade (inviabilizando, desde logo, uma sua putativa alienação).
Donde, sem necessidade de ulteriores considerandos, igualmente nesta vertente o juízo é de total improcedência das conclusões recursórias.
V) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
Enuncia a Apelante que ainda que não se concluísse pela verificação das invocadas excepções, a acção não poderia deixar de improceder, faltando-lhe a “cumulativa alegação de factos que revelem alguma ofensa actual, que sustente a defesa prevista no citado art. 1311º, do Código Civil”.
Acrescenta, enunciando os requisitos subjectivos de procedência da acção de reivindicação, que nem os Autores são proprietários da coisa reivindicada, “nem os RR. possuem qualquer prédio pertencente aos AA., (nem tal é alegado sequer), pelo que também não poderemos falar de “identidade da coisa que se reclama com a que é possuída pelo demandado.”.
Aduz, ainda, que o prédio adquirido pelo pai dos Autores, identificado no auto de arrematação, não corresponde ao identificado pelos Autores no artº. 1º da petição inicial, não tendo estes logrado “demonstrar que o prédio que adquiriram através de escritura de partilha de partilha (aquisição derivada) corresponde ao prédio cuja propriedade pretendem ver reconhecida a ser favor, nem poderiam, porque de facto não corresponde”.
Acresce, referenciar que o Tribunal a quo, “vendo-se impedido de reconhecer a propriedade do prédio ajuizado a favor dos AA., por esta via – por via da aquisição derivada –(….) optou por fazê-lo, por via da usucapião, quando tal solução não foi peticionada pelos AA.”, pois nada existe “quer na causa de pedir, quer no pedido, que nos leve a concluir que os AA. hajam peticionado o reconhecimento do seu direito de propriedade “fundando-a em aquisição derivada e, subsidiariamente, em aquisição originária, com base no instituto de usucapião”.
Assim, inexiste qualquer subsidiariedade na causa de pedir e, muito menos, qualquer pedido subsidiário, sendo que as duas potenciais formas der aquisição sempre teriam que ser apresentadas de forma subsidiária.
Por fim, argumenta, que acaso assim não se entendesse, “nunca poderia o tribunal a quo reconhecer o direito de propriedade a favor de ambos (os Autores), com base na sua posse, se do alegado pelos próprios Autores na PI e da prova produzida, resulta que desde 2000, quem tem a posse do prédio é apenas o Autor Alcindo………..”, o que se traduz no facto provado FFF. E que, por si só, determina necessariamente a prolação de decisão diferenciada da que foi proferida.
 E que, a alegada aquisição derivada do Autor João ………….., jamais poderá resistir “se lhe for oposta a aquisição originária do mesmo direito real pelo outro A. Manuel ……………, designadamente, a usucapião (artigo 1316º do Código Civil)”.
Tendo por pressuposto o delimitado objecto da apelação, a sentença apelada ajuizou, em súmula, nos seguintes termos:
§ Os Autores sustentam a existência da sua propriedade em aquisição derivada e, subsidiariamente, em aquisição originária, com base na usucapião ;
§ Enunciou o juízo declarativo (cf., o artº. 10º, nº. 3, alín. a), do CPC) contido na 1ª parte do nº. 1, do artº. 1311º, do Cód. Civil, por referência à acção de reivindicação, traduzido no direito do proprietário “de exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade” ;
§ Bem como que, na acção de reivindicação, incumbe ao autor o ónus de alegação e prova:
1. do direito de propriedade ;
2. da detenção, contra a sua vontade, por parte do réu ;
§ os Autores lograram fazer prova do seu direito de propriedade, pois foram capazes de estabelecer que o prédio por si reivindicado como sendo de sua pertença, por referência à sua localização física e às suas confrontações, foi o que por seu pai foi comprado em 1973 ;
§ lograram, assim, os Autores provar que o seu pai adquiriu o prédio identificado em K., tendo-o utilizado de forma contínua, pública e pacífica, mantendo-se tal utilização e uso até ao presente ;
§ ou seja, os Autores lograram provar a sua pretensão, nomeadamente que adquiriram o prédio em causa por sucessão por morte, enquanto o seu pai havia-o adquirido por compra, em hasta pública, o que traduz efectiva aquisição derivada daquele ;
§ lograram, ainda, os Autores provar factos concretos que permitem o reconhecimento do seu direito de propriedade por força da aquisição originária ;
§ nomeadamente, conducentes ao preenchimento dos requisitos essenciais da usucapião (posse mantida pelo tempo necessário conducente à aquisição prescritiva) ;
§ pelo que, reconhecido o direito dos Autores, impõe-se a correcção dos registos contrários a tal direito (o artº. 13º do Cód. do Registo Predial) ;
§ determinando-se, assim, a correcção da descrição efectuada sob a ficha nº. 02400, dela se retirando a menção ao artigo 93 da matriz.
Analisemos.
- Do conteúdo do direito de propriedade
Definindo o conteúdo do direito de propriedade, prescreve o art.º 1305º do Cód. Civil que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
No âmbito da defesa do mesmo direito de propriedade, acrescenta o n.º 1 do art.º 1311º do mesmo diploma que “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”.
Na definição de Ulpiano, com total pertinência ainda no presente, a acção de reivindicação é reconduzível á seguinte definição: é aquela pela qual pedimos o que é nosso, de outrem que o possui. Assim, o autor é o proprietário que se encontra privado da coisa ; réu o que a possui ; a procedência da acção consiste na devolução da coisa àquele [30]. Ora, o direito de reivindicar é uma manifestação da sequela, uma manifestação do conteúdo do direito real [31], prevendo o mencionado art.º 1311º uma verdadeira acção petitória.
Na acção de reivindicação existe, assim, um indivíduo que “que é titular do direito de propriedade, que não possui, há um possuidor ou detentor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade, há finalmente um fim, que é constituído pela declaração de existência da propriedade no autor e pela entrega do objecto sobre que o direito de propriedade incide” [32].
A sua causa de pedir tem natureza complexa, “compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do autor, como a ocupação abusiva do imóvel pelo réu, sendo estes os factos que o autor tem de provar para obter a procedência da acção, com condenação nos dois pedidos que deve formular: o do reconhecimento daquele direito e o da restituição da coisa reivindicada (...)” [33] [34]. Conforme legal definição [35], na presente acção real a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade e, in casu, o facto jurídico de que deriva o direito real de plena propriedade [36].
Estatui o n.º 2 do citado art.º 1311º que “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”. Deste modo, na acção reivindicativa se o autor demonstrar o seu direito, o possuidor ou detentor só pode evitar a restituição pedida se conseguir provar uma de três coisas:
- que a coisa reivindicada lhe pertence por qualquer dos títulos admitidos em direito ;
- que tem sobre ela qualquer outro direito real que justifique a sua posse ;
- que a retém por virtude de direito pessoal bastante [37].
Prescreve o art. 1316º do Cód. Civil, relativamente ao modo de aquisição do direito de propriedade, que este adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.
Por sua vez, enuncia o art.º 1287º do mesmo diploma que “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”. E, na presente modalidade de aquisição da propriedade, os seus efeitos reportam-se ao início da posse, desde que invocada – cfr., artºs 1317º, alínea c) e 1288º, ambos do mesmo diploma.
O presente instituto, continuando a corresponder á noção de prescrição positiva ou aquisitiva que enformava o anterior código, traduz-se num “modo de aquisição originária de direitos reais, pela transformação em jurídica duma situação de facto, de uma mera aparência, em benefício daquele que exerce a gestão económica da coisa” [38], cujo fundamento reside “na necessidade de tornar certa e estável a propriedade, e na utilidade de transformar uma situação de facto numa verdadeira situação de direito, a favor de quem mantém e exerce, ininterruptamente, a gestão económica da coisa, face à incúria do proprietário”, e configurando-se como condições ou requisitos necessários para a sua verificação a existência de “uma coisa susceptível de posse, uma posse não viciada, e o decurso de um certo prazo” [39].
Para que o presente instituto se torne operatório e eficaz, necessita de ser invocado, judicial ou extrajudicialmente, pelo interessado a quem aproveita, atenta a legal redacção que afasta qualquer automaticidade de, através da posse, se adquirirem direitos, antes se falando que a mesma posse faculta ao possuidor a sua aquisição. Pelo que, dever-se-á concluir pela inexistência duma “aquisição ipso jure, mas uma faculdade de adquirir atribuída ao possuidor, ou aos credores deste, ou a terceiros com interesse na aquisição” [40].
Refere o douto Acórdão do STJ de 12/04/2005 [41] que “a usucapião faculta ao possuidor a constituição do direito real correspondente à sua posse, desde que reunidos determinados pressupostos. Assentando a usucapião na posse, torna-se necessário que esta assuma certas características, que seja mantida dentro dos prazos que a lei fixa e, obviamente, que o direito a constituir seja usucapível.
Esta forma de aquisição originária não é automática, antes dependendo de uma manifestação de vontade do possuidor em benefício de quem estejam reunidos os requisitos legais”.
Assim, a verdadeira explicitação do presente modo de aquisição originário da propriedade, implica uma análise, ainda que muito sumária, do instituto da posse e dos caracteres a esta associados.
Prescreve o art.º 1251º do Cód. Civil, que “posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
De acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, no direito português foi consagrada a concepção subjectiva da posse [42]. Desta forma, será necessário que se concretizem no caso concreto dois elementos, um material designado por corpus e outro psicológico com o nome de animus. O corpus traduz-se na realização de actos materiais ( detenção, fruição, ou ambos conjuntamente) praticados sobre a coisa com o exercício de certos poderes sobre a mesma [43], ou no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela, ou na possibilidade física desse exercício [44]. Por sua vez, o animus traduz na intenção por parte do sujeito interessado em se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados, ou na intenção de exercer sobre a coisa como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto [45]. Esses actos materiais que o sujeito desenvolve correspondem ao exercício dos poderes que compõem o conteúdo de um direito real. O interessado actua com a vontade de criar a convicção nas outras pessoas que é o titular do direito a que corresponde a actividade que realiza. A aquisição de um direito real por intermédio do instituto da usucapião tem, assim, por base dois elementos essenciais, que consistem no exercício duma actividade possessória por parte do sujeito interessado e a necessidade de haver decorrido um determinado período de tempo em que se efective tal posse [46].
Relativamente aos caracteres da posse, encontram-se os mesmos elencados nos artigos 1258º a 1262º do Cód. Civil, prescrevendo o primeiro dos normativos que aquela “pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta”, sendo que os demais normativos definem e conceptualizam tais espécies.
No âmbito da usucapião de imóveis, estatui o art.º 1296º do Cód. Civil, que “não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé”.
E, por posse titulada, deve entender-se a “fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico” – cfr., art.º 1259º do Cód. Civil. Sendo que, por modo legítimo de adquirir não pretende afirmar-se qualquer juízo de validade ou procedência, mas antes um juízo de existência e susceptibilidade de, em abstracto, atribuir ou constituir um direito, sendo que, os vícios de forma determinam, inquestionavelmente, a falta de título da posse.
Efectuado o presente enquadramento jurídico, vejamos a sentença apelada, na parte que ora releva, apesar da extensão em equação, mas ponderando a pertinência para a percepção do infra aduzido:
“Analisada a factualidade supra elencada como provada, com especial relevância para o elencado em K., YY., ZZ., DDD., EEE., FFF. e JJJ., concluímos que os Autores lograram fazer prova do seu direito de propriedade, tendo sido capazes de estabelecer que o prédio por si reivindicado como sendo de sua pertença, por referência à sua localização física e às suas confrontações, foi o que por seu pai foi comprado em 1973.
Não esquecemos a alegação dos Réus nem a circunstância de se revelar difícil a correspondência entre as anteriores e actuais descrições e as anteriores e actuais inscrições registais (uma vez que as mesmas sofreram alterações).
Contudo, analisados os depoimentos apresentados pelas testemunhas e ponderando o mapa de fls. 141, concluiu o Tribunal que o prédio referido em K. e que sempre veio a ser usado pelo pai dos Autores e por si, à vista de todos e sem qualquer oposição (incluindo do pai dos Réus), corresponde ao que actualmente se mostra inscrito sob o artigo 93 da matriz.
Não esquecemos, igualmente, que os Réus possuem um registo efectuado a seu favor, de onde se parece depreender que o prédio inscrito na matriz sob o artigo 93 se encontra registado em seu nome, sob a ficha número 2400/170698.
Contudo, a verdade é que tal descrição se mostra em dissonância com a prova testemunhal e documental apresentada aos autos, sendo que, até, se mostra em discordância com o que se mostrou inicialmente alegado pelos próprios Réus ao fazer o seu registo, na medida em que eles próprios assumiram que apenas eram donos de um prédio com a área de 5901 metros quadrados (documento de fls. 57).
Acresce que a própria comunicação efectuada pela Conservadora, a fls. 57, nos leva a concluir pela inexactidão de tal descrição, uma vez que do ali exarado se extrai que existia um prédio urbano em nome de terceiro implantado naquele que a Conservadora refere como sendo o artigo 6/2, da Secção UU e que se pretendia registar, quanto a 5901 metros quadrados, em nome dos Réus. Tendo em mente as discrepâncias supra referidas, cumpre referir que, tanto na jurisprudência como na doutrina, se mostra dominante a ideia de que a presunção estabelecida pelo artigo 7º, do Código de Registo Predial, não abrange a descrição predial, actuando apenas relativamente ao facto inscrito, ao seu objecto e aos sujeitos da relação jurídica emergente do registo, mas já não no que toca aos elementos da descrição do prédio.
 (…)
As inscrições visam definir a situação jurídica dos prédios, mediante extracto dos factos a eles referentes e são lavradas por referência às descrições.
Das inscrições constam, assim, os factos jurídicos sujeitos a registo, conforme o elencado no artigo 2º, ou seja, os factos da vida real que, por força da lei, produzem determinados efeitos jurídicos (no caso, efeitos constitutivos, aquisitivos, modificativos ou extintivos do direito de propriedade).
É desses factos jurídicos que se infere a situação jurídica dos prédios descritos e são essas situações jurídicas que constituem o objecto da publicidade do registo (cfr. artigo 1º, do Código de Registo Predial.
Em face de tudo quanto se deixa exposto, concluímos que a presunção legal do artigo 7º (ilidível mediante prova em contrário - cfr. artigo 350º, nº 2, do Código Civil), apenas abrange os factos jurídicos inscritos, de onde se deduzem as situações jurídicas publicitadas e não também a identificação física, económica e fiscal dos prédios, única finalidade da descrição, tanto mais que tal identificação pode assentar em meras declarações dos interessados, sem qualquer controlo do conservador (cfr. artigo 46º, n.º 1, alínea b), do Código do Registo Predial).
A presunção registal não pode abranger a totalidade dos elementos de identificação dos prédios, que continuam sujeitos a uma eventual rectificação ou actualização, impondo-se, a qualquer pretenso adquirente de direitos sobre os prédios rústicos ou urbanos, o ónus de verificar pessoalmente ou mandar verificar por outrem, para que não lhe surja mais tarde a desagradável surpresa de uma configuração, área, composição ou confrontações diferentes dos que constam da matriz e da descrição predial. - Isabel Mendes, in "Estudos sobre o Registo Predial", pág. 98.
Tudo ponderado, forçoso se torna concluir que a supra referida presunção não abrange os elementos de descrição do prédio, não se destinando a garantir a exactidão dos limites prediais. Atentando no que supra se deixou explanado e cotejando-o com a factualidade supra elencada como provada e não provada, concluímos, por um lado, que os Autores efectuaram prova de seu pai ter efectivamente adquirido o prédio referido em K., em conformidade com o por si alegado, tendo-o utilizado de forma contínua, pública e pacífica, não tendo o seu direito de ocupação e uso sido posto em causa por qualquer pessoa.
Os factos revelam, igualmente, que essa utilização e uso pacífico se mantém até aos dias de hoje, sendo que o que divide as partes se concluiu ser, após a produção de prova, uma discordância quanto aos elementos de inscrição e registo e, não propriamente, quanto ao local físico que a cada um deles pertence.
Considerando o que vem de dizer-se e tendo em conta que se presume que quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos actos que se praticam sobre ela, concluímos que os Autores lograram provar aquela que era a sua pretensão.
Na verdade, de acordo com o preceituado pelo artigo 1316º, do Código Civil, o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão.
Em face do assim preceituado, temos que da factualidade provada resulta terem os Autores adquirido o prédio em causa por sucessão por morte, sendo que seu pai o havia adquirido por compra, em hasta pública.
Acresce que, face à factualidade que se apurou em sede de julgamento, igualmente os Autores lograram provar factos concretos que permitem o reconhecimento do direito de propriedade a favor dos Autores, por força de aquisição originária.
Os factos comprovam que os Autores fazem uso exclusivo do prédio desde, pelo menos, a data das partilhas efectuadas por força do falecimento de seu pai e que este, antes deles, o usava desde o ano de 1973, de forma ininterrupta, pacífica e pública.
Provaram, assim, os Autores a existência de factos concretos que permitem concluir pelo preenchimento dos requisitos essenciais ao instituto de usucapião, conforme estabelecido pelo artigo 1287º, do Código Civil: A posse (como poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, caracterizando-se por um elemento material que se identifica com os actos materiais praticados sobre a coisa e um elemento psicológico, que se traduz na intenção do possuidor se comportar como o titular do direito real correspondente aos actos praticados), mantida por determinado período de tempo.
De referir que a posse se adquire, nomeadamente, pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito e se mantém enquanto durar essa actuação ou a possibilidade de a continuar, podendo aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte juntar à sua a posse do antecessor (artigos 1251º, 1252º, 1256º, 1257º e 1263º, todos do Código Civil.
Ora, os factos provados espelham a existência de uma actuação contínua, pacífica e pública (cfr. artigo 1261º, n.º1 e 1262º, ambos do Código Civil, consonante com o papel de proprietário, por parte dos Autores (e, antes deles, de seu pai, Manuel Inácio Gama) relativamente ao prédio por si reivindicado, sendo que esse uso se iniciou em 1973 e assim se manteve até aos dias de hoje.
Os factos comprovam, igualmente, um uso que se mantém por um período superior a 20 anos, assim se mantendo posse susceptível de conduzir a uma aquisição por usucapião (cfr. artigo 1260º, n.º2 e 1296º, do Código Civil).
Finalmente, há que recordar que, constituindo-se com a usucapião um direito novo, os eventuais vícios anteriores e as vicissitudes ligadas ao acto ou negócio causal, não afectam o novo direito, que decorre apenas dessa posse, em cujo início de exercício corta todos os laços com eventuais direitos e vícios, incluindo de transmissão, anteriormente existentes.
Tudo ponderado, temos que os factos provados sustentam a existência de posse mantida pelo tempo necessário para conduzir à usucapião, assim se concluindo pela procedência da pretensão dos Autores.
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No que respeita à propriedade da faixa de caminho, concluímos, igualmente, que a pretensão dos Autores se mostra procedente, na medida em que a prova produzida foi no sentido de que o caminho em causa foi efectuado em terreno pertencente a Manuel …………. e pró este inteiramente construído, há mais de 30 anos.
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Reconhecido o direito de propriedade dos Autores terão que ser, em consequência, mandados corrigir os registos contrários a tal direito (cfr. artigo 13º, do Código de Registo Predial), onde se inclui, naturalmente, a descrição efectuada sob o número 02400 e sua correspondente inscrição matricial, no que respeita ao supra referido artigo 93”.
Ora, o questionar do enquadramento jurídico efectuado na sentença apelada funda-se ou radica-se, basicamente, no seguinte argumentário:
I) a não alegação de factos que sustentem ou revelem uma qualquer ofensa por parte dos Réus ao alegado direito de propriedade dos Autores ;
II) a não demonstração, por parte dos Autores, de que o prédio que adquiriram do seu pai, mediante a aquisição derivada em que se traduziu a escritura pública de partilhas, corresponda ao prédio cuja propriedade pretendem ver reconhecida ;
III) da impossibilidade do Tribunal reconhecer o direito de propriedade dos Autores a título de aquisição originária, em virtude de tal não ter sido por aqueles peticionado, nem existir causa de pedir que o sustente ;
IV) e, ainda que assim não fosse, da impossibilidade de reconhecer o direito de propriedade sobre o prédio a favor de ambos os Autores, mediante aquisição originária, atenta a prova de que, desde 2000, a posse do prédio é apenas do Autor Alcindo ……...
Apreciemos.
Em primeiro lugar, urge consignar que, analisada a petição inicial e a pretensão deduzida pelos Autores, e contrariamente ao defendido na sentença apelada, a presente acção não tem, propriamente, a natureza de acção de reivindicação.
Efectivamente, conforme supra aduzimos, tal acção caracteriza-se por na mesma se integrarem dois distintos pedidos: por um lado, o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio) e, por outro, a restituição da coisa (condemnatio), sendo que o esquema da reivindicação apenas se preenche com a prossecução de tais finalidades. Ainda que, conforme também notámos, a primeira finalidade, e o pedido correspondente, se possa considerar como implícito no pedido de restituição da coisa.
Ora, ainda que o petitório deduzido, nomeadamente no que concerne à sua alínea c), contenha pretensão ou desiderato condenatório – pedido de condenação dos Réus a respeitarem o direito de propriedade dos autores sobre a totalidade do prédio identificado na alínea a), abstendo-se da prática de actos que perturbem esse direito -, este não se reporta a qualquer pedido de restituição do prédio, ou seja, de pedido de entrega do objecto sobre que o direito de propriedade incide, sendo certo, consonantemente, não ter sido aduzida qualquer factualidade que traduza a existência de actos de posse ou detenção por parte de terceiros, nomeadamente por parte dos demandados Réus.
Apreciando a diversa tipologia de acções, referenciam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora [47]que nas acções de condenação, “o autor ou requerente, arrogando-se a titularidade de um direito que afirma estar sendo violado pelo réu, pretende se declare a existência e a violação do direito e se determine ao réu a realização da prestação (…) destinada a reintegrar o direito violado ou a reparar de outro modo a falta cometida”.
Traduzindo tal tipologia “o caso típico do dono da coisa abusivamente ocupada por terceiro, que requer ao tribunal, além do reconhecimento do seu direito, a determinação ao réu para que entregue a coisa e indemnize o dano causado com a ilícita privação dela”.
Por seu lado, as acções de simples apreciação “são aquelas em que, reagindo contra uma situação de incerteza, o autor pretende apenas obter a declaração (com a força vinculativa própria das decisões judiciais) da existência ou inexistência de um direito ou de um facto”.
Desta forma, a distinção entre as várias acções (e, in casu, não aludiremos às acções constitutivas) decorre do que vem após o reconhecimento ou não reconhecimento do direito, sendo esta menção comum a todas elas.
Pelo que, “se, além do reconhecimento da existência do seu direito (…), o autor pretende se ordene ao réu a realização da prestação correspondente à sua pretensão, a acção diz-se de condenação.
(…)
Se o autor, após o reconhecimento da existência (ou não existência) do direito, não pretende mais do que a declaração formal dessa existência ou inexistência do direito (ou do facto jurídico), a acção respectiva é de mera apreciação (positiva ou negativa)”. 
Ora, fazendo a distinção entre a acção de reivindicação, que tem por pressuposto o desapossamento da coisa que pertence ao autor ou demandante, relativamente á acção de simples apreciação, referencia Manuel J. G. Salvador [48], que relativamente ao ónus probatório, “a acção de declaração de propriedade, exercitada por quem esteja na posse da coisa, comporta um ónus probatório inferior àquele da probatio diabolica de quem age em reivindicação”, estando legitimado para a sua instauração “aquele que poderia exercitar a correspondente acção de condenação ou constitutiva”.
Todavia, no conferir de tal legitimidade activa não basta ao demandante uma dúvida subjectiva, antes se impondo que “a incerteza resulte de um facto exterior e seja capaz de trazer um sério prejuízo ao autor impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que, sem a declaração, sofreria um dano injusto, de maneira que tal declaração se apresenta como o meio próprio para evitar esse dano”.
E, no que concerne à legitimação passiva, deve ser o réu “o factor dessa incerteza”, ou seja, “quem pratica tais factos e ainda aqueles que, não os praticando, estejam com eles em uma relação de comunhão ou indivisibilidade (….)”.
Referenciam Pires de Lima e Antunes Varela [49] inexistir “acção de reivindicação, que é uma acção condenatória e não de simples apreciação ou declaração, se o autor, estando já na posse da coisa, se limita a pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade, tornado duvidoso por qualquer circunstância. Esta acção é, sem dúvida, admitida pelo artigo 4º, nº. 2, alínea a), do Código de Processo Civil, mas não é uma acção de reivindicação” (sublinhado nosso) [50].
Assim, a detenção da coisa por terceiro configura-se como elemento estruturante da causa de pedir na acção de reivindicação, sendo esta uma das várias acções reais existentes.
A sua efectivação dirige-se à entrega, o que significa que a causa de pedir “não é apenas a titularidade ou os factos constitutivos do direito, mas também necessariamente uma situação de desconformidade na relação com a coisa, a que a entrega deve pôr termo.
A desconformidade consiste na detenção por terceiro, que implicitamente contraria a situação de direito real. Esta representa mesmo o momento essencial (….)”.
Acresce apenas interessar “o estado de facto objectivo, consistente em a coisa estar em poder do réu quando não devia estar. Se quisermos, podemos dizer que na acção de reivindicação o que interessa é o esbulho como situação objectiva de detenção desconforme, e não o acto de esbulho” (sublinhado nosso) [51].
Jurisprudencialmente, referenciou-se no douto Acórdão da RC de 08/05/2019 [52] que a acção de condenação é aquela “em que o demandante (autor) se arroga um direito que diz estar ofendido pelo demandado (réu), pretendendo que isso mesmo se declare e se ordene ainda ao ofensor a realização de determinada prestação, como reintegração do direito violado ou como aplicação duma sanção legal doutro género (Manuel de Andrade, Noções Elementares Proc. Civil. 1979, 5). É aquela em que, além de se pedir a declaração do direito a uma prestação, ainda se pede que o Tribunal faça seguir essa declaração de uma ordem para que se cumpra -condenação (Castro Mendes, Dir. Processual Civil, 1980, 1.°-284). Na qual, pois, a providência judiciária, que a acção visa, é a condenação do réu (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, ed. 1981, 1.º-98). Neste tipo de acção, o autor arroga-se um direito que diz estar ofendido pelo demandado, pretendendo que isso mesmo se declare e se ordene ainda ao ofensor a realização de determinada prestação, como reintegração do direito violado, ou como aplicação de uma sanção legal de outro género (ob. cit., 100).
Tal destrinça conceitual, faz emergir que a acção de simples apreciação (Proc. Civil) se perfila quando, verificando-se uma situação de incerteza sobre a existência de um direito ou de um facto, pode o sujeito, a quem tal incerteza causa ou pode causar prejuízos, intentar uma acção tendente a obter a declaração judicial da existência ou inexistência de tal direito ou facto.
Ao invés, pois, do que tipicamente acontece com a acção de condenação, a acção de simples apreciação não pressupõe qualquer lesão ou violação de um direito. Porém, o autor na acção tem de demonstrar que tem um interesse na obtenção da declaração judicial da existência ou inexistência que pede, pois esta, como qualquer outra acção, supõe a existência de interesse em agir”.
Explicita-se, ainda, ser claro que “a acção de condenação é também uma acção de apreciação ou declarativa.
Nisso reside o ponto comum destes dois tipos de providências judiciárias. Mas, ainda aí, elas se distinguem: a apreciação aparece nas acções de condenação como meio para se chegar a um fim último - a condenação; ao passo que na acção de simples apreciação, ela é o fim único da actividade jurisdicional (Cf. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, 1981, pp.126-127)”.
Por seu lado, referenciou-se no douto aresto do STJ de 17/04/2007 [53] ter a acção de reivindicação no nosso “direito positivo a natureza da “pretensão do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário”.
No caso dos autos, os AA. não pretendem que a R. seja condenada a restitui-lhes parte da sua propriedade, pois, não foram alegados factos donde resulte que a R. é detentora ou possuidora da parcela de terreno que os AA. alegam fazer parte da sua propriedade nem, por isso, que a R. seja condenada a restituir-lha.
O que eles pretendem é que se clarifique que o loteamento que a R. tem na Câmara do Montijo está implantado sobre parte do prédio dos AA., condenando-se a mesma a abster-se de prosseguir com ele.
Ora, “se o autor, estando na posse da coisa, pretende apenas o reconhecimento judicial do seu domínio, que alguém tenha posto em séria dúvida, não é a reivindicação, mas a acção de simples apreciação positiva (art. 4.º, 2, a), do CPC) o meio processual adequado à sua pretensão
No caso dos autos, o que os AA. pretendem é que se declare que o loteamento referido atinge a mancha do seu prédio, devendo condenar-se a R. a abster-se de prosseguir com o mencionado loteamento.
O acto de loteamento é um acto administrativo que não contende com a definição do direito de propriedade quer do prédio dos AA. quer do prédio da R., pelo que a sua existência não ofende a propriedade dos AA. para estes terem a necessidade de propor acção de reivindicação.
Embora alguns dos pedidos formulados se enquadrem formalmente na qualificação de condenatórios, o fim útil da acção é que se declare que o loteamento se sobrepõe sobre a área do prédio dos AA., parecendo mais um acção de simples apreciação positiva, nessa parte, do que de condenação, em face dos ensinamentos dos citados mestres” (sublinhado nosso).
Em sintonia, consta do douto Acórdão do mesmo STJ de 22/01/2004 [54], citando Pires de Lima e Antunes Varela, caracterizar-se a acção de reivindicação “pelos pedidos de reconhecimento do direito arguido (pronuntiatio) e de entrega do reivindicado (condemnatio).
Nessa espécie de acções, o primeiro desses pedidos é de natureza formal, apenas: visto que de declaração do direito violado, é relativo, à causa de pedir ou a um seu elemento, e constitui pressuposto ou antecedente necessário da condenação, essencialmente pretendida, na entrega da coisa reivindicada.
Do ponto de vista substancial, há, por conseguinte, na acção de reivindicação um único pedido, que é o de entrega ou restituição do reivindicado.
Nestes autos, esse pedido não foi formulado. Daí que esta acção não possa classificar-se como acção de reivindicação”.
Acrescenta reconhecer-se “ser a acção de reivindicação o paradigma das acções reais, isto é, destinadas a fazer valer um direito real, tem-se já, no entanto, feito notar que nem todas as acções reais são necessariamente acções de reivindicação (cfr. arts. 1311º e 1315º C.Civ e ARP de 7/7/81, CJ, VI, 4º, 177-I).
A acção de reivindicação foi definida por Alberto dos Reis na RLJ 80º/135 e 84º/138, em sua exacta, mesmo se resumida, configuração, como aquela que o proprietário de uma coisa propõe contra o detentor abusivo dela com fundamento no seu direito de propriedade, com o fim ou finalidade de lhe ser reconhecido esse direito e condenado o réu a entregá-la.
Afinal limitada a pretensão a juízo à declaração da existência do direito de propriedade invocado, está-se, de manifesto modo, perante acção de simples apreciação positiva (artigo 4º, n.º 2, al. a), CPC), exclusivamente destinada a obter o reconhecimento judicial desse direito, que não também a alcançar a condenação da demandada numa qualquer prestação, designadamente na entrega, como dito, não pedida, do prédio em referência” (sublinhado nosso).
Donde, sumariar-se que “quando limitada a pretensão submetida a juízo à declaração do direito invocado estar-se-á perante acção de simples apreciação positiva, e não perante acção de reivindicação, que é uma acção de condenação”.
Exposto o presente enquadramento doutrinário e jurisprudencial, foquemo-nos no caso concreto e nas questões supra expostas.
Relativamente á primeira questão enunciada - a não alegação de factos que sustentem ou revelem uma qualquer ofensa por parte dos Réus ao alegado direito de propriedade dos Autores, nem dedução do consequente pedido da sua restituição -, reiteramos que contrariamente ao consignado na sentença apelada, não se nos afigura que a presente acção possua a natureza de acção de reivindicação.
Efectivamente, conforme afirmámos, ainda que o petitório accional contenha, nomeadamente na sua alínea c), pretensão ou desiderato condenatório – pedido de condenação dos Réus a respeitarem o direito de propriedade dos autores sobre a totalidade do prédio identificado na alínea a), abstendo-se da prática de actos que perturbem esse direito -, tal não corresponde a qualquer pedido de restituição do prédio, ou seja, de pedido de entrega do objecto sobre o qual o direito de propriedade incide.
E, adita-se, bem se entende que assim seja pois, além do mais, os Autores, ora Apelados, não aduziram qualquer factualidade que traduza a existência de actos de posse ou detenção por parte de terceiros, nomeadamente por parte dos demandados Réus.
Efectivamente, o que se afirma é que o prédio dos Réus, da forma como se encontrará registado, nomeadamente por referência aos artigos de inscrição matricial, englobará o prédio dos Autores, o que obsta ao devido registo por parte destes. Não afirmam que os Réus detenham ou possuam tal prédio, que de alguma forma o tenham ocupado ou venham-no fisicamente usufruindo, antes se limitando à alegação dos mesmos terem declarado, para efeitos registrais, que o seu direito de propriedade “reportava-se á totalidade do prédio inscrito na matriz sob o artigo 6/2, da Secção UU”, o qual, na sua versão, englobava o que lhes pertence.
Ora, tal englobamento não é reconhecido pela Ré contestante que, na sua oposição, alega mesmo factualidade alegadamente tradutora de actos de posse também sob a parte matricialmente inscrita sob o artigo 93, susceptíveis de conduzirem à aquisição prescritiva do prédio correspondente a tal inscrição – cf., artigos 50º a 56º.
Desta forma, reconhecendo-se formalmente aquela vertente condenatória contida no aludido pedido, a finalidade ou fim útil prosseguido pelos Autores é o de que o seu prédio corresponde ao descrito sob o indicado número, e matricialmente inscrito nos indicados artigos da matriz urbana e rústica, bem como que a zona de passagem existente na estrema norte integra-o.
O que parece determinar a configuração da presente acção, de forma mais incisiva, como de simples apreciação, ainda que com um misto de condenação, mas não certamente como acção de reivindicação, nos termos em que a mesma é definida. 
Ora, assim sendo, bem se compreende que aquele aludido pedido de restituição não tenha sido, nem teria de o ser, formulado, nem que tivesse ocorrido densificação factual reveladora de uma qualquer ofensa por parte dos Réus ao invocado direito de propriedade dos Autores.
Sem que tal constitua, logicamente, qualquer vício ou omissão comprometedores da sorte da acção, no sentido de ter que conduzir à sua necessária improcedência.
No que concerne à segunda questão - a não demonstração, por parte dos Autores, de que o prédio que adquiriram do seu pai, mediante a aquisição derivada em que se traduziu a escritura pública de partilhas, corresponda ao prédio cuja propriedade pretendem ver reconhecida -, não descortinamos qualquer pertinência no aduzido pela Recorrente.
Com efeito, tal correspondência extrai-se exuberantemente da factualidade dada como provada, que não mereceu qualquer impugnação, nomeadamente dos aludidos factos K., YY., ZZ., DDD., EEE., FFF. E JJJ., donde resultam claramente evidenciadas as vicissitudes ocorridas com a identificação do prédio, as correspondências que lograram ser cronologicamente efectuadas e a efectiva aquisição derivada obtida pelos Autores mediante transmissão do progenitor pai.
Efectivamente, as dúvidas e questões suscitadas pela Apelante, que já haviam sido apreciadas e sindicadas, não merecem juízo de subsistência, pois encontram-se devidamente explicitadas e justificadas na sentença apelada que, nesta parte, só pode merecer a nossa concordância.
Referenciou, ainda, a Apelante, o que catalogámos como terceira questão, ocorrer impossibilidade do Tribunal reconhecer o direito de propriedade dos Autores a título de aquisição originária, em virtude de tal não ter sido por aqueles peticionado, nem existir causa de pedir que o sustente.
Cumpre referenciar, em primeiro lugar, que o reconhecimento da propriedade dos Autores, efectivada pelo Tribunal a quo, sustentou-se, contrariamente ao aduzido, na aquisição derivada do prédio.
O que resulta, claramente da transcrição efectuada, nomeadamente quando se afirmou, na prossecução do até aí aduzido, que “em face do assim preceituado, temos que da factualidade provada resulta terem os Autores adquirido o prédio em causa por sucessão por morte, sendo que seu pai o havia adquirido por compra, em hasta pública”, identificando esta como uma das formas de aquisição do direito de propriedade.
O que sucedeu foi que, em acréscimo, referenciou-se, ainda, na sentença sob sindicância que, para além daquela forma de aquisição, a factualidade apurada permitiu, igualmente, o reconhecimento do direito de propriedade a favor dos Autores, por força de aquisição originária.
Por um lado, tal factualidade consta na realidade do articulado inicial, conforme decorre dos artigos 5º a 11º, pelo que não pode afirmar-se, pertinentemente, inexistir causa de pedir que o sustente ; por outro, o pedido efectuado é o de declaração dos Autores como únicos donos e legítimos possuidores do identificado prédio, sem que deste conste a forma de aquisição reconhecenda ou reclamada, pelo que não vislumbramos impedimento a que a mesma se sustente nas duas diferenciadas formas de aquisição, cuja compatibilidade se nos afigura concretamente inequívoca (ainda que, em teoria, incompatível), sem que a sua invocação tenha que ser necessariamente apresentada sob a específica e imperativa forma subsidiária, antes o podendo ser em acrescento de causas de pedir fundantes, a considerar em termos de reforço argumentativo, caso uma delas não logre obter virtualidade probatória.
Acresce que, apesar da aquisição por usucapião necessitar de ser invocada (não funcionando ipso iure), tal não significa, porém, que tal invocação “tenha de ser feita através de uma ação onde, concomitantemente, se formule o pedido do seu reconhecimento, pois não há razões para excluir a possibilidade de essa invocação ser feita apenas através da alegação dos factos que a revelem e para servir como causa de pedir de um outro pedido que a pressuponha ou como elemento integrador da legitimidade de quem na ação a invoca” [55].
Por fim, invoca, ainda, a Recorrente – no que se configurou como quarta questão - ocorrer impossibilidade de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio a favor de ambos os Autores, mediante aquisição originária, atenta a prova de que, desde 2000, a posse do prédio é apenas do Autor Alcindo ………….
Ora, por um lado tal reconhecimento não assentou, numa primeira linha e nos termos supra sufragados, na aludida aquisição prescritiva ; por outro, a argumentação da Apelante mostra-se eivada de equívoco, pois a factualidade apurada e referente a tal forma aquisitiva – cf., factos YY. a FFF. -, para além dos actos praticados pelo antecedente possuidor progenitor, traduz a prática de actos conducentes à aquisição prescritiva por parte de ambos os Autores, o que resulta claramente do facto EEE..
Acresce que a factualidade descrita no facto FFF. tem um campo de aplicação delimitado ou circunscrito, pois reporta-se apenas à parte urbana do prédio que, traduzindo a habitação de um dos Autores, logicamente que tem como incidência os actos de posse por este praticados juntamente com a sua família.
Todavia, não resulta que tal posse exercida pelo Autor Alcindo ……. deva ser, de alguma forma, considerada como conflituante com a do co-Autor irmão pois, tal como bem referem os Apelados, o que se evidencia da factualidade provada é a existência de uma posse conjunta sobre a totalidade do prédio, ainda que, na sua parte urbana, e certamente por mútuo acordo, devido a tal natureza, em virtude aí habitar juntamente com a família, os actos possessórios sejam fundamentalmente praticados pelo Autor Alcindo.
Por todo o exposto, num juízo de não acolhimento das conclusões recursórias apresentadas, improcede, in totum, a pretensão recursória apresentada, com consequente juízo de confirmação da sentença apelada.
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Ré contestante, ora Apelante, no recurso interposto, assume o pagamento das custas devidas, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza – cf., fls. 109.
***
IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
I) Julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Apelante/Recorrente E. (no qual figura como Aderente o MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação da Ré ausente N.), sendo Autores/Apelados/Recorridos JOÃO …………. e MANUEL ALCINDO ……….. e, consequentemente, confirmar a sentença apelada ;
II) Custas do presente recurso a cargo da Ré Apelante, na consideração do prescrito no artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza – cf., fls. 109.

Lisboa, 23 de Setembro de 2021
Arlindo Crua
António Moreira
Carlos Gabriel Castelo Branco
_______________________________________________________
[1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[3] Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[4] Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
[5] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[6] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
[7] Ob. cit., pág. 606.
[8] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 737.
[9] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372.
[10] RLJ, Ano 143º, Novembro-Dezembro de 2013, nº. 3983, pág. 129 a 151.
[11] Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 372 a 375.
[12] Acerca da disponibilidade da tutela jurisdicional a operar pelo princípio do dispositivo, através das modificações objectivas da instância, por alteração do pedido e da causa de pedir, nos termos dos artigos 264º e 265º, ambos do Cód. de Processo Civil, cf., José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., Vol. 1º, 4ª Edição, pág. 40.
[13] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 67 e 68.
[14] Cf., Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 244.
[15] Idem, pág. 245 e 246.
[16] José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 321 e 322.
[17] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina, 1982, pág. 219 a 221.
[18] Assim, Castro Mendes, Direito Processual Civil, II vol. Edição AAFDL, 1987, pág. 490.
[19] Acerca da fronteira ténue e difícil separação ou destrinça entre a ineptidão da petição inicial e a inviabilidade da acção, em que a primeira é pressuposto processual e, como tal, vício formal, e a segunda figura de direito substantivo, atinente ao fundo ou mérito da causa, cf., Anselmo de Castro, ob. cit., pág. 224 e Castro Mendes, ob. cit., pág. 491.
[20] Relatora: Ana Paula Boularot, Processo nº. 3178/10.1TBBRG.G1.S1, in www.dgsi.pt .
[21] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 109 e 110.
[22] Citando o Acórdão do STJ de 01/10/2002, in CJSTJ, Tomo 3, pág. 65.
[23] Mencionando o Ac. do STJ de 29/04/1998, in BMJ, nº. 476, pág. 401 ; ainda, Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC anot., Vol. III, Tomo I, 2ª Edição, pág. 8.
[24] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pág. 265.
[25] Relator: Henriques Antunes, Processo nº. 39/10.8TBMDA.C1.
[26] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 395.
[27] Processo nº. 582/05.0TASTR.E1.S1 – 3.ª Secção, in www.dgsi.pt .
[28] Relatora: Catarina Serra, Processo nº. 1934/17.9T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt .
[29] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 179 a 189.
[30] cfr., Manuel Gonçalves Salvador, in Elementos da Reivindicação, pág. 16.
[31] assim, Mota Pinto, Direitos Reais, pág. 92.
[32] assim, o Ac. da RL de 27/05/97, processo nº 251/1/96, citando Manuel Rodrigues, A Reivindicação no Direito Português, RLJ, Ano 57, pág. 144.
[33] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III,  pág. 114, referem que na presente acção está em causa “a pretensão do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário ou do proprietário possuidor contra o detentor”. E, os mesmos autores já anteriormente haviam defendido que na presente acção está em causa o direito exclusivo do proprietário, pois este “pode exigir que os terceiros se abstenham de invadir a sua esfera jurídica, quer usando ou fruindo a coisa, quer praticando actos que afectem o seu exercício” – cfr., pág. 93.
[34] Cfr., Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. V, 1997, Rei dos Livros, págs. 65 e 66.
[35] Vide o n.º 4 do art.º 581º do Cód. de Proc. Civil.
[36] Acerca do presente conceito, e de forma mais desenvolvida, cfr., Manuel J. G. Salvador, Ob. Cit., págs. 24 a 33, onde se refere expressamente que a causa de pedir é constituída “pelo acto ou  facto jurídico concreto de que se faz emanar o direito de propriedade (...)”. Jurisprudencialmente, e por todos, cfr., o Ac. da RL de 14/07/81, in BMJ, n.º 315, pág. 307.
[37] cfr., Menezes Cordeiro, Direitos Reais, págs. 848 e  849, e  BMJ, nº 355, pág. 362, e  nº 369, pág. 547.
[38] Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., Vol. III, 2º Edição, Coimbra Editora, pág. 64.
[39] Cfr., Rodrigues Bastos, Ob. Cit., Vol. V, 1997, Rei dos Livros, pág. 43.
[40] Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., pág. 65.
[41] Doc. nº SJ200504120047871, Relator. Pinto Monteiro, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf .
[42] cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit., pág. 5 ; Mota Pinto, Ob. Cit., pág. 189; Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 69, segs. ; Orlando Carvalho, RLJ, 122º, p. 65, segs. ; Penha Gonçalves, Direitos Reais, 2ª ed., pág. 243.
[43] vide Mota Pinto, ob. cit., pág. 180.
[44] vide Henrique Mesquita, ob. cit., pág. 66 e 67.
[45] Acerca do animus e corpus da posse, cfr., o douto Acórdão do STJ de 12/02/87, in BMJ, n.º 364, pág. 855 e segs..
[46] Nas palavras do douto Acórdão do STJ de 07/06/2005 – Doc. nº SJ200506070016076, Relator: Fernandes Magalhães -, “a posse na sua força jurísgena aspira ao direito, tende a converter-se em direito.
Daí que o ordenamento não somente a proteja, como a reconheça como um caminho para a dominialidade, reconstituindo, através dela, a própria ordenação definitiva.
É o fenómeno da usucapião, cuja "ratio" Heck vislumbra no valor do conhecimento (Erkentnisverten) que a posse é.
A usucapião é, no que importa agora considerar, uma forma originária de aquisição do direito de propriedade e requer que a posse tenha certas características, que seja, de algum modo, "digna" do direito a que conduz. O que nela se homenageia, é menos a posse em si do que o direito que a mesma indicia, que é a prefiguração do direito a cujo título se possui”.
    Acrescenta, citando Orlando de Carvalho – Introdução à Posse, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, pág. 67 -  “donde a exigência, em qualquer sistema possessório de uma posse em nome próprio, de uma intenção de domínio, e uma intenção que não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade”.
[47] Ob. cit., pág. 17 a 22.
[48] Suplemento aos Elementos da Reivindicação, Lisboa, 1962, pág. 11, 12, 249 e 250.
[49] Ob. cit., pág. 113.
[50] A. Santos Justo – Direitos Reais, 5ª Edição, Coimbra Editora, Setembro de 2017, pág. 298 -, referencia-a como acção confessória, explicitando permitir “ao proprietário obter o reconhecimento do direito de propriedade que se tornou duvidoso por alguma circunstância”.
Acrescenta que o nosso direito “não lhe faz qualquer referência, mas entende-se que se trata duma acção declarativa de simples apreciação”.
[51] Oliveira Ascensão, Acção de Reivindicação, https://portal.oa.pt › upl .
[52] Relator: António Carvalho Martins, Processo nº. 32/18.2T8MGR.C1, in www.dgsi.pt .
[53] Relator: Custódio Montes, Processo nº. 07B745, in www.dgsi.pt , citando Manuel Rodrigues, RLJ 57, 144. e A. Varela, RLJ 115, pág. 272.

[54] Relator: Oliveira Barros, Processo nº. 03B3959, in www.dgsi.pt .
[55] Assim, o douto aresto do STJ de 08/11/2018, Relatora: Rosa Ribeiro Coelho, Processo nº. 48/15.0T8VNC.G1.S1, in www.dgsi.pt .