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CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA
INTERPRETAÇÃO
Sumário
1 – A resolução convencional admitida pelo artigo 432º, n.º 1 do Código Civil confere às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, a possibilidade de expressamente, por convenção, atribuírem a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado evento, nisto consistindo a cláusula resolutiva expressa. 2 – A cláusula de resolução deve ser suficientemente explícita quanto à intenção das partes, não bastando uma mera referência genérica, por exemplo, ao incumprimento de prestações; as partes devem estipular, com o mínimo de certeza e de rigor, quais as obrigações cujo inadimplemento funda a resolução, que tipos de violações justificam tal medida, que atitudes ou comportamentos a que, por acordo, se atribui especial importância ou gravidade para legitimar a rescisão do contrato.
Texto Integral
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
A e B , residentes na Rua João de Deus, n.º ...., ...., Sé, 9050-027 Funchal intentam contra C , residente na Rua Velha da Ajuda n.º ...., Bloco A1 – 3º B, São Martinho, 9000-115 Funchal a presente acção declarativa com processo comum, formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração de validade e eficácia da resolução do contrato-promessa de compra e venda efectuada pelos autores por comunicação ao réu de 12 de Dezembro de 2018, por força da impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento por parte do réu;
b) A condenação do réu a devolver à autora o sinal prestado, em dobro, no valor de 60 000,00 € (sessenta mil euros), acrescido de juros de mora vencidos, à taxa legal de 4%, desde a data da interpelação do réu para restituir aos autores o sinal em dobro (17/12/2018) até hoje (10/09/2019), que importam em 1 755,62 € (mil setecentos e cinquenta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos), e dos vincendos até integral pagamento.
Alegam, para tanto, muito em síntese:
- No dia 5/01/2018, os autores e o réu celebraram um contrato-promessa de compra e venda, no qual este prometeu vender àqueles, que prometeram comprar, o prédio urbano habitacional localizado na Travessa do Pina n.ºs ... e ...., freguesia de Santa Luzia, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número 575, da freguesia de Santa Luzia, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 3748º, pelo valor de 630 000,00 € (seiscentos e trinta mil euros), sendo entregue um sinal de 20 000,00 € na data da assinatura do contrato-promessa;
- Mais ficou estabelecido que a outorga do contrato definitivo de compra e venda seria realizada no prazo de 9 (nove) meses a contar da outorga do contrato-promessa e que em caso de incumprimento imputável aos autores pela não outorga do contrato definitivo até ao termo desse prazo, o réu poderia resolver o contrato e reservar para si o valor entregue a título de sinal, conforme número 1 da cláusula Quinta do contrato-promessa; sendo o incumprimento imputável ao réu, teriam os autores a faculdade de exigir o sinal prestado em dobro;
- Como era do conhecimento do réu, os autores estavam a tentar vender um prédio de que eram proprietários, com vista a pagarem o preço da aquisição do prédio visada;
- Foi acertada entre as partes a prorrogação do prazo para a celebração do contrato prometido, para o fim de Novembro de 2018, tendo sido reforçado o sinal;
- Frustrada a venda do seu imóvel, em Setembro de 2018, os autores diligenciaram pela obtenção de crédito bancário para a aquisição do imóvel objecto do contrato-promessa;
- Em 23 de Novembro de 2018 foram contactados pela mediadora com vista ao agendamento da escritura definitiva, mas continuaram a aguardar, a qualquer momento, a resposta do banco, acedendo a que fosse agendada uma data para a outorga do contrato, de acordo com o réu, com quem aquela tentou contactar, sem o conseguir;
- Em 30 de Novembro de 2018, os autores remeteram ao réu uma carta a reafirmar a intenção de celebrar o contrato definitivo e dando conta do pedido de empréstimo efectuado, cuja decisão seria dada apenas na semana seguinte, conforme veio a suceder;
- Apesar das tentativas de contacto com vista a permitir a avaliação do imóvel, os autores não o conseguiram contactar e enviaram nova carta em 12-12-2018, solicitando o acesso ao imóvel, data em que tomaram conhecimento, através da mediadora, que o imóvel já tinha sido vendido a terceiro;
- Nessa mesma data, os autores declararam ao réu a resolução do contrato-promessa de compra e venda e exigiram a devolução do sinal prestado, em dobro;
- O réu limitou-se a aguardar pelo decurso do prazo acordado para a celebração da escritura definitiva de compra e venda do imóvel objecto do contrato-promessa, com o objectivo de o vender a terceiro e assim locupletar-se ilicitamente à custa dos autores, fazendo seu o sinal recebido dos autores;
- O réu não comunicou qualquer resolução do contrato-promessa e não contactou nem os autores, nem a mediadora imobiliária Sotheby’s no sentido de ajustar a data da escritura, não atendeu os telefonemas, pelo que o eventual exercício do direito à resolução do contrato-promessa por sua parte seria manifestamente ilegítimo, para além de se ter colocado culposamente numa situação de não poder cumprir.
O réu contestou invocando (cf. Ref. Elect. 3518830):
- a excepção de abuso de direito, pois que foi marcado um prazo de nove meses para a celebração da escritura, depois prorrogado, período durante o qual nunca recebeu qualquer comunicação (ou tentativa) no sentido de marcar a escritura, vindo os autores, apenas em 3 de Dezembro de 2018, autores alegar que a escritura estaria dependente da venda de um outro prédio e que solicitaram um crédito a habitação, o que fizeram já próximo do fim do prazo, pelo que entraram em mora no dia 30-11-2018, sendo ilegítimo o exercício do direito de resolução;
- a existência de cláusula resolutiva, por ter sido convencionado no n.º 1 da Cláusula Quarta, um prazo de 9 (nove) meses para a realização do contrato definitivo, ou seja, até 5 de Outubro de 2018 e no n.º 1 da Cláusula Quinta, que em caso de incumprimento imputável aos segundos contraentes, pela não outorga do contrato definitivo, até ao termo do prazo de 9 (nove) meses, o primeiro contraente poderá, sem formalidades adicionais, resolver o contrato, reservando, para si, o valor entregue a título de sinal, pelo que terminado o prazo sem que se tivesse verificado um evento futuro e incerto (realização da escritura definitiva), o contrato deixaria de produzir os seus efeitos, daí que tenha comunicado essa cessação, em 11 de Dezembro de 2019.
Mais impugnou o alegado na petição inicial referindo que o negócio não estava condicionado à venda do imóvel de que os autores eram proprietários, tendo embora aceitado a prorrogação do prazo para a celebração da escritura; o réu esteve sempre contactável, sendo que apenas no final do prazo os autores enviaram uma missiva dizendo que, afinal, não estavam em condições de outorgar o contrato de compra e venda, o que apenas a eles se deve.
Deduziu ainda o réu reconvenção com base no incumprimento imputável aos autores que, decorrido o prazo fixado, não agendaram a celebração da escritura do contrato definitivo, pelo que deverá ser declarada válida a resolução operada pelo réu, podendo fazer suas as quantias recebidas.
Concluiu pela procedência das excepções deduzidas e, assim se não entendendo, pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção.
Os autores replicaram pugnando pela improcedência da reconvenção e das excepções argumentando que a marcação da escritura teria de ser acordada entre as partes, competindo à mediadora fazê-lo, pelo que os autores não entraram em incumprimento; por outro lado, as partes não convencionaram qualquer cláusula pela qual fizessem depender a vigência do contrato da verificação ou não verificação de um facto futuro e incerto, nem elegeram, em concreto, qualquer situação específica como fundamento específico de destruição imediata do contrato-promessa, sendo que o n.º 2 da Cláusula Quinta do contrato-promessa tem o seu fundamento na própria lei; assim como não fixaram que a não outorga do contrato definitivo até ao termo do prazo do contrato-promessa teria como efeito o incumprimento definitivo, sendo que a eventual mora não foi convertida em incumprimento (cf. Ref. Elect. 3582315).
A convite do Tribunal o réu veio pronunciar-se sobre as excepções deduzidas em sede de réplica reiterando o aduzido na contestação quanto ao incumprimento imputável aos autores e afirmando a fixação pelas partes de uma cláusula resolutiva expressa, sem estar dependente de qualquer incumprimento ou interpelação admonitória para cumprimento (cf. Ref. Elect. 48255965 e 3637311).
Por requerimento de 29 de Junho de 2020, o réu esclareceu que pretende o reconhecimento do incumprimento definitivo imputável aos autores e fazer suas as quantias entregues por estes, fixando o valor da reconvenção em 30 000,00 € (cf. Ref. Elect. 3760273).
Em 9 de Outubro de 2020, a convite do Tribunal a quo, o réu apresentou novo articulado de contestação onde inseriu os esclarecimentos prestados em 29 de Junho desse ano (cf. Ref. Elect. 3881494).
Os autores reiteraram o alegado em sede de réplica (cf. Ref. Elect. 3936831).
Em 10 de Fevereiro de 2021 foi realizada audiência prévia com os fins previstos no art.º 591º, n.º 1, a) e b) do CPC (cf. Ref. Elect. 40505611 e 49603395).
Em 22 de Abril de 2021 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 49870926):
“Face ao exposto, o tribunal decide:
- Julgar totalmente procedente a presente ação e, consequentemente;
a) Declarar válida e eficaz a resolução do contrato-promessa de compra e venda efetuada pelos autores por comunicação ao réu datada de 12 de dezembro de 2018;
b) Condenar o réu no pagamento aos autores da quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de devolução do sinal em dobro, acrescida de juros vencidos e vincendos, contados desde 17.12.2018, à taxa legal de 4% até integral pagamento.
- Julgar totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver os autores/reconvindos do pedido reconvencional.”
Inconformado com esta sentença, dela vem o réu interpor o presente recurso, cujas alegações concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 4187379):
I- Com o presente recurso, visa o Recorrente, questionar a aplicação e interpretação das normas 405.º, 432.º 1 e 434.º do CC e o erro na determinação da norma aplicável, pois que deveriam ter sido aplicadas as normas supra referidas, que se reportam à resolução dos contratos;
II- Entende o Recorrente que o Tribunal a quo não poderia, como o fez, considerar a Cláusula Quinta do contrato-promessa de 5 de Janeiro de 2018, como uma cláusula genérica, desprovida de quaisquer efeitos jurídicos;
III- Pelo contrário, e conforme tem sido decidido por larga jurisprudência, a referida Cláusula é uma verdadeira cláusula resolutiva, apta a produzir os seus efeitos, pois que define de forma concreta e determinável a obrigação cujo incumprimento tem como consequência a resolução imediata do contrato, v.g. a não outorga da escritura definitiva;
IV- As considerações tecidas acerca da referida Cláusula resultam de uma má interpretação das referidas normas que levaram à não aplicação das mesmas;
V- Pela prova documental produzida, é puro demais evidente que esta cláusula não quis abranger “quaisquer incumprimentos” mas sim a principal obrigação do promitente comprador, ora Recorridos, ou seja, a obrigação de comprar através da realização da escritura definitiva;
VI- Resultou da prova produzida que a escritura não foi realizada na data acordada, por facto imputável aos Recorridos, pelo que, face à resolução do contrato operada e a retroatividade dos seus efeitos, apenas poderiam reivindicar a devolução das quantias prestadas em singelo!
VII- O que não foi considerado pelo Tribunal a quo;
VIII- Caso contrário, teria este decidido pela válida resolução em função da referida cláusula e condenado o Recorrente à devolução em singelo das quantias prestadas.
Pugna pela procedência do recurso e alteração da decisão recorrida no sentido indicado.
Os autores/apelados não contra-alegaram.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação do réu/apelante, o objecto do presente recurso consiste na apreciação/qualificação da Cláusula Quinta, n.º 1 inserida pelas partes no contrato-promessa em causa nos autos, com vista a determinar se esta, ao contrário do entendimento da 1ª instância, configura uma cláusula resolutiva expressa.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como assentes e provados os seguintes factos:
1. Mediante escrito denominado de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 5 de Janeiro de 2018, o réu, enquanto “primeiro contraente” e os autores, enquanto “segundos contraentes”, declararam e reciprocamente aceitaram celebrar contrato promessa de compra e venda de imóvel, subordinado aos termos e condições constantes das cláusulas seguintes (com correcção da identificação das Cláusulas, pois onde se refere Oitava é Quinta, conforme documento n.º 4 junto com a petição inicial):
“CLÁUSULA PRIMEIRA
(Titularidade e Posse)
O PRIMEIRO CONTRAENTE é dono e legítimo possuidor do prédio urbano habitacional, localizado à Travessa do Pina n.ºs ... e ....., freguesia de Santa Luzia, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número 575, da freguesia de Santa Luzia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3748 (atual) e anteriormente com os números 931 e 3327, freguesia de Santa Luzia (…).
CLÁUSULA SEGUNDA
(Objeto)
Pelo presente contrato o PRIMEIRO CONTRAENTE promete vender aos SEGUNDOS CONTRAENTES, prometendo estes comprar, o prédio urbano supra identificado, livre de quaisquer ónus, encargos ou outras responsabilidades e desocupado de pessoas e bens.
CLÁUSULA TERCEIRA
(Preço e condições de pagamento)
1. O preço determinado pelos PRIMEIRO e SEGUNDOS CONTRAENTES para a prometida transação é no montante de €630.000 (seiscentos e trinta mil euros) que serão pagos da seguinte forma:
a) No ato de assinatura do presente contrato, os SEGUNDO CONTRAENTES prestarão ao PRIMEIRO CONTRAENTE, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), pago através de cheque bancário número 99723219 da Caixa Económica Montepio Geral, cuja cópia se anexa ao presente contrato, à ordem do PRIMEIRO CONTRAENTE, e este dará a respetiva quitação, mediante boa cobrança do mesmo;
b) O valor de € 610.000,00 (seiscentos e dez mil euros), como remanescente do preço, que será pago na data da outorga do contrato definitivo de compra e venda (escritura pública/título de compra e venda), por meio de cheque bancário ou visado, emitido por instituição bancária portuguesa, à ordem do PRIMEIRO CONTRAENTE.
CLÁUSULA QUARTA
(Contrato Definitivo de Compra e Venda)
1. A outorga do contrato definitivo de compra e venda, relativo ao prédio objeto do presente contrato promessa, será realizado no prazo de 9 (nove) meses a contar da outorga do presente contrato, em Cartório Notarial ou Conservatória do Registo Predial a indicar pelos SEGUNDOS CONTRAENTES, sem prejuízo da sua antecipação pela venda da fração da qual os SEGUNDOS OUTORGANTES são proprietários.
2. A marcação do contrato definitivo de compra e venda será efetuado pela mediadora melhor identificada na cláusula nona, de acordo com os CONTRAENTES, competindo à mediadora notificar o PRIMEIRO e os SEGUNDOS CONTRAENTES, mediante carta registada com aviso de receção ou através dos correios eletrónicos concedidos pelos contraentes, com uma antecedência mínima de 5 (cinco) dias, em relação à data do contrato definitivo de compra e venda.
CLÁUSULA QUINTA
(Incumprimento)
1. Em caso de incumprimento imputável aos SEGUNDOS OUTORGANTES pela não outorga do contrato definitivo até ao termo do prazo de 9 (nove) meses a contar da assinatura do presente contrato promessa, o PRIMEIRO CONTRAENTE poderá, sem formalidades adicionais, resolver o presente contrato, reservando para si o valor entregue a título de sinal.
2. Se o PRIMEIRO CONTRAENTE não cumprir o presente contrato, por causa que lhe seja imputável, têm os SEGUNDOS CONTRAENTES a faculdade de exigir o sinal ora prestado em dobro.
(…)
CLÁUSULA NONA
(Intervenção da Mediadora)
1. O presente contrato foi objeto de mediação imobiliária, prestada pela empresa FUNCHALAZUL – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., autorizada a utilizar a marca “Portugal Sotheby´s International Realty (…).”
As assinaturas dos Autores e Réu apostas no contrato promessa de compra e venda entre eles celebrado no dia 05/01/2018, foram objeto de reconhecimento presencial por parte do advogado do Réu, Pedro Sardinha de Freitas.
2. No dia da outorga do contrato promessa de compra e venda, o promitente vendedor, ora réu, recebeu da autora, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 20 000,00 € (vinte mil euros), mediante cheque bancário da Caixa Económica Montepio Geral n.º 99723219 anexo ao contrato.
3. Mediante escrito denominado de “Aditamento ao Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, datado de 14 de Julho de 2018, o réu, enquanto PRIMEIRO CONTRAENTE e os autores, enquanto SEGUNDOS CONTRAENTES, declararam que:
“CONSIDERANDO QUE:
PRIMEIRO: Em 05 de Janeiro de 2018, foi celebrado entre os ora CONTRAENTES, um contrato-promessa de compra e venda tendo por objeto o prédio urbano habitacional, localizado à Travessa do Pina n.ºs 22 e 24, freguesia de Santa Luzia, concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número 575, da freguesia de Santa Luzia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3748 (atual) e anteriormente com os números 931 e 3327, freguesia de Santa Luzia (…).
SEGUNDO: O preço acordado para a aquisição do prédio foi de € 630.000,00 (seiscentos e trinta mil euros), ficando igualmente estipulado que, a título de sinal e princípio de pagamento, os SEGUNDOS CONTRAENTES, pagariam ao PRIMEIRO CONTRAENTE o valor de € 610.000,00 (seiscentos e dez mil euros), na data da outorga do contrato definitivo de compra e venda (escritura pública/título de compra e venda).
TERCEIRO: Acordam os CONTRAENTES, no ato de assinatura do presente aditamento, que os SEGUNDOS CONTRAENTES prestarão ao PRIMEIRO CONTRAENTE, a título de reforço de sinal, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), paga através de transferência bancária, para a conta com o IBAN PT50 0036 0325 99100010900 90, da Caixa Económica Montepio Geral, de que é titular o PRIMEIRO CONTRAENTE, e este dará a respetiva quitação, ficando por pagar o remanescente do valor, no montante de 600.000,00 (seiscentos mil euros), na data da outorga do contrato definitivo de compra e venda (escritura pública/título de compra e venda).
QUARTO: A outorga do contrato definitivo de compra e venda, relativo ao prédio prometido, deveria ter lugar, nos termos estipulados no número um da Cláusula Quarta do referido contrato-promessa, até ao dia 05 de Outubro de 2018, em Cartório Notarial ou Conservatória do Registo Predial a indicar pelos SEGUNDOS CONTRAENTES.
QUINTO: As PARTES CONTRAENTES manifestam vontade em proceder à prorrogação do prazo estipulado para a celebração do contrato prometido, pelo que acordam em prorrogar, até ao dia 30 de Novembro de 2018, a celebração da respetiva escritura pública ou contrato definitivo de compra e venda (…).”
Em anexo ao contrato consta documento de “saldos e movimentos”, de onde consta transferência bancária, no valor de 10 000,00 €, para a conta de que o réu é beneficiário, com o IBAN PT50 0036 0325 99100010900 90, da Caixa Económica Montepio Geral (aditado o valor da transferência, conforme documento n.º 5 junto com a petição inicial).
4. Com a outorga do aditamento ao contrato-promessa de compra e venda, em 14/07/2018, a autora entregou ao réu, a título de reforço de sinal, a quantia de 10.000,00 €.
5. Com data de 30/11/2018, os autores remeteram ao réu carta, que lhe foi entregue no dia 03/12/2018, da qual consta o seguinte: “Assunto: Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel celebrado no dia 05/01/2018 e respetivo aditamento celebrado no dia 14.07.2018 Exmo. Senhor Eng. Reportando-nos ao contrato em referência entre nós celebrado, pela presente, vimos informar o seguinte: Como é do seu conhecimento, a celebração da escritura definitiva estava dependente da venda da fração da qual somos proprietários, já que necessitávamos do produto da venda da mesma para pagar o remanescente do preço relativo à aquisição do imóvel que prometemos comprar-lhe. Como é também do seu conhecimento, em julho deste ano, recebemos uma proposta de compra da nossa fração, a qual foi por nós aceite, no entanto na véspera de formalizarmos o respetivo contrato promessa, os proponentes desistiram, alegadamente por ter, entretanto, surgido outra oportunidade de negócio no Reino Unido. Não obstante, continuamos, juntamente com a nossa imobiliária Sotherbys Portugal, a diligenciar no sentido de lograrmos vender a nossa fração, designadamente: - reduzimos o preço de venda; - efetuamos obras de recuperação da fração; e - realizamos um evento de promoção “Open House”. No entanto, apesar da existência de interessados, lamentavelmente ainda não recebemos qualquer proposta desde então. Face ao exposto, e porque mantemos o interesse e a intenção em celebrar a escritura definitiva de aquisição do imóvel que prometemos comprar-lhe, solicitamos junto de duas instituições bancárias um crédito habitação por forma a acelerarmos o processo de aquisição, no entanto, apenas durante a próxima semana, tomaremos conhecimento da resposta ao nosso pedido. Sem outro assunto, de momento, subscrevemo-nos com os melhores cumprimentos, aproveitando a oportunidade para desejar-lhe uma rápida recuperação.”
6. Mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 5 de Dezembro de 2018, no Cartório Notarial de Gabriel ......, à Praça da Acif, no Funchal, o réu declarou vender, pelo preço de 635 000 euros (sendo quinhentos e oitenta mil euros pelo imóvel e quarenta e cinco mil euros pelo recheio), pago na mesma data por transferência bancária da conta de Pedro ......, com o IBAN PT 00..., do Novo Banco, S.A., para a conta do vendedor, ora réu, com o IBAN PT ..., do Novo Banco, S.A., o prédio referido em 1. a GS ..., tendo este último declarado comprar o identificado prédio nos termos exarados.
Da mesma escritura consta que interveio como mediadora imobiliária a sociedade “Nóbrega Realty, Lda.” (cf. documento de fls. 30).
7. Com data de 12/12/2018, os autores remeteram ao réu carta, que lhe foi entregue no dia 17/12/2018, da qual consta o seguinte: “Assunto: Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel celebrado no dia 05/01/2018 e respetivo aditamento celebrado no dia 14.07.2018 – RESOLUÇÃO Exmo. Senhor Após o envio da comunicação desta manhã a V. Excia., por correio sob o registo RC 3432 6530 9PT, para efeitos de agendamento da avaliação do imóvel objeto de contrato promessa de compra e venda (doravante “O Contrato”), fomos informados pela Sr.ª D. ..... da mediadora Sotheby´s Portugal que, de acordo com informações do V. Advogado Pedro ......, o imóvel objeto do Contrato foi vendido a um terceiro no passado dia 5 de dezembro, situação por nós confirmada mediante buscas junto do Cartório Notarial do Dr. Gabriel ............ Ora, tal situação é reveladora de manifesta má fé e de incumprimento definitivo por parte de V. Excia., senão vejamos: I. V. Excia. jamais encetou contactos com a mediadora FUNCHALAZUL – MEDIAÇÃO MOBILIÁRIA, LDA (autorizada a utilizar a marca Sotheby´s International Reality) com vista à marcação do contrato definitivo de compra e venda, tal como estabelecido no n.º 2 da Cláusula Quarta do Contrato; II. Aliás, V. Excia. recusou qualquer contacto com a mediadora, a qual, a nosso pedido, desde o dia 23 do passado mês de novembro, tem tentado estabelecer contacto telefónico com V. Excia., sem sucesso; III. Fomos informados que, aparentemente, tal facto estaria relacionado com um período de convalescença da V. parte na sequência de uma intervenção cirúrgica; IV. Face ao exposto, é por demais evidente que V. Excia. não tinha qualquer intenção de cumprir o contrato, sendo que não perdeu tempo em vender o imóvel a um terceiro, à nossa completa revelia e conhecimento e sem qualquer declaração de resolução contratual. Pelo exposto, com fundamento na venda do imóvel objeto do Contrato a terceiro, o que configura uma situação de incumprimento definitivo imputável a V. Excia., por impossibilidade de cumprimento, visto ter perdido a disponibilidade do bem, notificamos V. Excia. da resolução do Contrato Promessa de Compra e Venda entre nós celebrado no dia 05/01/2018 e respetivo aditamento celebrado no dia 14/07/2018. Em consequência, fica igualmente notificado para, no prazo máximo de oito dias, devolver o sinal por nós prestado em dobro, ou seja, o montante de 60.000,00€, para a conta com o IBAN PT50 ..., sob pena de, na falta de alternativa, recorrermos à via judicial (cf. documento de fls. 33).”
8. Com data de 11/12/2018, o réu remeteu carta aos autores, da qual consta o seguinte: “Assunto: Contrato-promessa de compra e venda. V. Carta de 30/11/2018 recebida a 03/12/2018 Exmos. Srs. Drs. Dou por recebida a vossa carta acima referida, a qual mereceu a minha melhor atenção e sobre a mesma oferece-me dizer-vos o seguinte: 1 – A assinatura do contrato-promessa de compra e venda no dia 05/01/2018 sendo que a outorga da escritura definitiva seria efetuada 9 (nove) esses depois, ou seja, até 04/10/2018; 2 – Era do vosso conhecimento e fiz saber a V. Exas. que aquele prazo era excecional por razões de saúde; 3 – Certo é que a mesma (a escritura) não se concretizou, tendo V. Exas. solicitado, em Julho/2018, uma prorrogação de prazo até 30/11/2018; 4 – Decorreram 11 (onze) meses após a assinatura do contrato-promessa de compra e venda sem que a outorga da escritura se tenha realizado; 5 – Acresce que nunca recebi qualquer notificação seja pela mediadora seja por V. Exas., de acordo com o referido contrato; 6 – Quanto aos termos do contrato-promessa de compra e venda nenhuma das cláusulas pressupõe que a compra do meu imóvel estivesse condicionada à venda do vosso apartamento. É óbvio que eu nunca poderia aceitar tal contrato! 7 – A cláusula quinta (Incumprimento), especifica de modo inequívoco, que no caso de incumprimento imputável aos segundos contraentes pela não outorga do contrato definitivo, até ao prazo estabelecido de comum acordo (30 de Novembro de 2018), o primeiro contraente poderia sem formalidades adicionais, resolver o dito contrato, reservando para si o valor entregue a título de sinal. Lamentavelmente, por ser alheio às questões que V. exas. referem, ao decurso do prazo para a escritura e à necessidade premente por razões pessoais o imóvel já foi vendido e escriturado, pelo que a partir daquela data (01/12/2018) considera-se o referido contrato-promessa de compra e venda e respetivo aditamento, sem efeito, pelas razões supra referidas, data a partir da qual fiquei a dispor livremente do meu imóvel. De tal dei conhecimento à mediadora. Face ao meu estado de saúde, sendo necessário, qualquer contacto futuro, ou correspondência escrita, relativamente a este assunto, deverá ser enviada ao meu advogado, Dr. Pedro ....., que me representa.” (cf. documento de fls. 35).
9. Com data de 19/12/2018, o réu remeteu carta aos autores, da qual consta o seguinte: “Assunto: V/ cartas de 12/12/2018 Contrato-promessa de compra e venda e aditamento de 14/07/2018 INCUMPRIMENTO Exmos. Srs. Drs. Em relação às v/cartas acima referidas, as quais mereceram a m/melhor atenção, cabe-me dizer o seguinte: 1 – Reitero o referido na m/carta de 11/12/2018; 2 – Discordo e não aceito a referência por V. Exas. à existência de má-fé e incumprimento definitivo da minha parte; 3 – Na verdade, e com o devido respeito, entendo ser o contrário. Pois nunca recebi qualquer comunicação prévia para outorga da escritura de acordo com o contratualizado decorridos 11 meses (!) sobre a assinatura do mesmo e aditamento. 4 – Pelo que o incumprimento é imputado a V. Exas. e não a mim. 5 – Reitera-se o N.º 2 da cláusula quarta do contrato promessa, que a notificação e marcação da escritura cabia à mediadora e não a mim, pelo que não corresponde à verdade o referido em I da v/carta; 6 – Também não corresponde à verdade o referido no ponto II da v/carta, porquanto não recebi qualquer telefonema e acima de tudo qualquer notificação através de carta registada com aviso de receção ou outro meio com a antecedência mínima para a outorga da escritura em relação à data prevista; 7 – A convalescença em consequência das cirurgias não afasta o acima referido porquanto nunca estive incontactável ou impossibilitado de receber correspondência e/ou contactos telefónicos; 8 – A intenção de cumprir o contrato sempre existiu. Aguardei 11 meses (!) para a outorga da escritura, com um prazo limite, o qual não fora cumprido por V. Exas. com o ónus da notificação para o efeito e que nunca aconteceu. 9 – Pelo que o incumprimento definitivo é de V. Exas., não havendo, como tal, lugar a devolução do sinal.” (cf. documento de fls. 41).
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO 3.2.1. Da Cláusula Resolutiva Expressa
Na sua contestação o réu sustentou que os autores não diligenciaram de forma séria pela celebração da realização da escritura quer porque não foi acordado que esta estava dependente da venda de um outro prédio pertencente aos segundos, quer porque apenas na proximidade do termo do prazo fixado diligenciaram pela obtenção de um empréstimo bancário, pelo que em 30 de Novembro de 2018 se encontravam em mora, sem qualquer motivo válido, daí que, por força do estabelecido na Cláusula Quinta do contrato-promessa, chegado o dia apontado sem que a escritura tivesse sido celebrada, o contrato deixava de produzir os seus efeitos, tanto mais que em 3 de Dezembro de 2018 recebeu a missiva dos autores e mesmo nessa data estes não estavam em condições de celebrar a escritura. Concluiu o réu que estava, assim, legitimado a comunicar-lhes, como fez em 11 de Dezembro de 2018, que o contrato-promessa cessara os seus efeitos.
Os autores, por sua vez, argumentaram que não entraram em incumprimento, não decorrendo do contrato que estavam obrigados a marcar a escritura, para além do que a mencionada Cláusula Quinta não contém qualquer previsão sobre a dependência da vigência do contrato da verificação ou não verificação de um facto futuro e incerto, não tendo sido fixada pelas partes qualquer situação específica como fundamento da destruição imediata do contrato-promessa.
A decisão recorrida apreciou esta questão nos seguintes termos:
“Como resulta dos termos do contrato-promessa, ficou acordado um prazo de nove meses para a celebração da escritura de compra e venda, devendo a mediadora Funchalazul – Mediação Imobiliária, Lda., de acordo com os contraentes, notificar os autores e o réu da respetiva marcação, mediante carta registada com aviso de receção ou através de correio eletrónico, com uma antecedência mínima de cinco dias, prazo aquele que, mediante aditamento ao contrato-promessa, foi prorrogado até ao dia 30 de novembro de 2018 (pontos 1. e 3. da fundamentação de facto).
A interpretação que o texto das cláusulas Quarta, número um do contrato-promessa e Quinta do respetivo aditamento permite é a de que o prazo máximo fixado pelas partes para a celebração do contrato definitivo foi estabelecido por referência ao dia 30 de novembro de 2018.
Na cláusula Quarta, número 2, as partes estipularam ainda sobre quem incumbia a responsabilidade de notificar ambas as partes para a celebração da escritura, sendo que tal obrigação impendia sobre a imobiliária “Funchalazul – Mediação Imobiliária, Lda.
As partes consignaram, nos números 1. e 2. da cláusula Quinta do contrato-promessa, que, por um lado, no caso de incumprimento imputável aos autores pela não outorga do contrato definitivo, até ao termo do prazo estipulado, o réu poderia, sem formalidades adicionais, resolver o contrato-promessa, reservando para si o valor entregue a título de sinal, bem como que, por outro lado, no caso de ser o réu a não cumprir, por causa que lhe fosse imputável, teriam os autores a faculdade de exigir o sinal prestado em dobro.
A resolução do contrato-promessa de compra e venda cujos efeitos típicos resultam do artigo 442º do Código Civil encontra um largo campo de aplicação através das regras que regulam a situação de incumprimento, designadamente nos casos previstos no artigo 808º do Código Civil.
Porém, tal figura contratual não está isenta da aplicação de outras regras como a que está contida no artigo 432º do Código Civil que, dentro da liberdade negocial que é característica dos assuntos de natureza privada, confere às partes a possibilidade de anteciparem as condições específicas de cuja verificação pode resultar a declaração de resolução do contrato.
Ambas as situações têm sido objeto de frequentes apreciações jurisdicionais, sendo disso exemplos o Ac. do STJ de 22-3-11 (4015/07) que estabelece bem a delimitação entre cada uma das formas de resolução, ou os Acs. de 12-03-13 (6560/09) ou de 14-4-15 (2733/10), distinguindo as situações em que o contrato apenas prevê uma cláusula de natureza genérica ou de estilo em matéria de resolução que, por exemplo, foi apreciada no Ac. de 8-5-13 (13/09), todos em www.dgsi.pt.
A diversidade dos interesses que perpassam por cada quadro negocial ou por cada litígio leva a que nos confrontemos com uma diversidade de mecanismos através dos quais as partes autoregulam os seus interesses. Especificamente no que respeita ao condicionalismo da resolução de génese contratual (e também de génese legal, no quadro do artigo 808º do Código Civil) existe uma variedade de modos pelos quais as partes previnem o direito de resolução, nuns casos utilizando uma cláusula genérica ou de estilo que porventura exija uma atuação complementar (interpelação admonitória), noutros casos optando por uma versão mais incisiva de cuja leitura – de acordo com as regras da boa fé – resulta o quadro objetivo que permite a qualquer delas a emissão da declaração resolutiva.
A resolução de génese legal ocorre nos casos em que se verifica uma situação de incumprimento definitivo do contrato manifestada por diversas vias, designadamente a falta de cumprimento de obrigação que, pelas circunstâncias que a rodeiam, revele a clara intenção de não cumprir, a falta de cumprimento depois de ter sido expressamente interpelado para o efeito, a recusa de cumprimento, o desinteresse objetivo da contraparte ou mesmo, em determinadas circunstâncias, o decurso de um prazo excessivo revelador da falta de vontade de cumprir ou daquele desinteresse objetivo da contraparte (artigo 808º, nºs 1 e 2, do CC).
Na verdade, como se disse, para além da verificação de uma condição resolutiva emergente de alguma das referidas circunstâncias, o efeito resolutivo pode ter uma génese contratual direta, nos termos previstos no artigo 432º, nº 1, do Código Civil.
No caso concreto em que nos defrontamos, o réu pugna pela qualificação do número um da Cláusula Quarta como uma cláusula resolutiva expressa, que defende que efetivamente se verificou, suscitando, assim, a questão de saber se o réu promitente vendedor rescindiu ou resolveu fundadamente o contrato-promessa com base em cláusula resolutiva expressa, constante da cláusula Quarta, número um, por se verificar o respetivo pressuposto; no caso de se entender que a resolução não foi fundada, suscita-se a questão de saber se o réu deve ser condenado no pagamento do sinal em dobro por incumprimento definitivo do contrato-promessa.
A lei admite que seja estipulada cláusula resolutiva expressa (artigo 432º, n.º 1 do Código Civil), também designada cláusula comissória ou de caducidade (ver Resolução do Contrato, Vaz Serra, B.M.J. n.º 68, pág. 249) que nos diz tratar-se de cláusula “pela qual uma das partes reserva para si o direito de resolver o contrato se a outra parte não cumprir ou não cumprir em tempo as obrigações decorrentes do mesmo contrato" (pág. 250).
Ora, é verdade que em matéria de direitos privados prevalece a vontade contratual nos termos acordados por ambas as partes. Mas também é seguro que, salvo situações muito especiais, efeitos tão gravosos como os que decorrem da resolução do contrato-promessa (com consequências na rutura negocial e efeitos ao nível da perda do sinal, restituição do dobro do sinal ou qualquer outra forma de indemnização) apenas poderão ser extraídos em face de uma das referidas situações tipificadas.
Uma delas, verifica-se quando tal for expressa e inequivocamente convencionado, ou seja, quando exista uma cláusula resolutiva expressa que, pelo seu teor e pelo contexto em que se inscreve, determine o efeito resolutivo por decorrência direta, imediata e automática da verificação do evento previsto pelas partes.
Tal é o que transparece do artigo 432º, nº 1, do Código Civil, constituindo entendimento geral da jurisprudência e da doutrina que não deve confundir-se uma tal cláusula resolutiva, a que normalmente subjaz um interesse objetivo ou subjetivo que se esgota com a ocorrência do evento previsto, com cláusulas gerais, mais ou menos tabelares ou de estilo.
O réu suporta a validade da declaração resolutória que pretende fazer atuar perante os autores no clausulado no número um da Cláusula Quarta do contrato-promessa em que se prevê que, na hipótese de incumprimento imputável aos autores pela não outorga do contrato definitivo até ao termo do prazo estipulado, este poderia, sem formalidades adicionais, resolver o contrato reservando, para si, o valor entregue a título de sinal.
O fundamento geral da resolução com justa causa traduz-se num facto suscetível de impedir a prossecução do fim de cooperação que o contrato se propõe e de alterar os resultados comerciais que uma das partes podia, legitimamente, esperar da execução do negócio (Ac. STJ, de 14-09-2006, Pº nº 06P1271, www.dgsi.pt).
A função da cláusula resolutiva é “organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução”, importando considerar que “a cláusula resolutiva expressa «deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada (…)» (BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, I, 186 e 187 e nota (77), citando Enzo Roppo, Il Contratto, Bolonha, 1977, 238).
“Uma cláusula resolutiva cujo conteúdo consista apenas na referência genérica e indeterminada ao “incumprimento de quaisquer obrigações emergentes do contrato” como fundamento do direito à sua resolução, deve entender-se como uma simples «cláusula de estilo» que se limita a remeter para a regulamentação legal de resolução por incumprimento, logo desprovida de utilidade enquanto fonte convencional de legitimação do exercício do direito potestativo da destruição do contrato” (cfr. Ac. do STJ de 12.02.2013, Proc. n.º 6560/09.3TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt).
A questão que se ergue reconduzir-se-á à própria qualificação da cláusula: se genérica; se integrante de uma verdadeira e eficaz cláusula resolutiva expressa, por suficientemente densificado o motivo convencional de destruição do contrato.
Assim sendo, tudo passa, e passa exclusivamente, pela qualificação da cláusula, se genérica e, por isso, inútil ou irrelevante ou se legitimadora do direito de resolução, por referida a uma prestação e a uma modalidade de adimplemento determinadas com precisão, eleitas pelas partes, na regulação do regime de incumprimento, mediante a prévia definição da importância desse facto para fins de resolução (cfr. BAPTISTA MACHADO, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento - Obra Dispersa”, I, 186/7 e nota 77).
Em sede interpretativa, para fins de utilização do critério acolhido pelo artigo 236º, n.º 1 do Código Civil, consubstanciado na denominada teoria da impressão do declaratário, avulta, desde logo, a circunstância de os contraentes não fazerem referência clara, explícita, específica e precisa às obrigações cuja violação confere o direito à resolução, tais como, à obrigação de marcação da escritura, à obrigação de entrega dos documentos necessários, à obrigação de comparência para realização da escritura, no local, dia e hora da marcação.
A cláusula estipulada (cláusula quinta, número um) não inclui a identificação do inadimplemento que se apresente como a enunciação de um caso típico ou especificado de incumprimento a que as partes atribuíram relevância resolutiva.
Afigura-se-nos, com efeito, que um declaratário normal não poderia extrair do conteúdo da cláusula que a mesma deveria valer com o sentido de que uma concreta situação ou determinada circunstância concedia à contraparte o direito à imediata resolução, desde logo, porque nenhuma concreta situação ou determinada circunstância é enunciada na cláusula.
Não estamos, assim, seguramente, perante uma cláusula resolutiva expressa em que as partes, elegendo, como fundamento específico de destruição imediata do contrato determinada situação típica, previram um evento suficientemente determinado ou concretizado como fundamento de resolução.
Deste modo, a cláusula acolhe uma configuração genérica, pretendendo abranger quaisquer incumprimentos, resultando, afetada de ineficácia.
Não estando o critério de avaliação dos pressupostos da extinção da relação contratual predeterminado e prefixado pelas partes, através da manifestação de vontade consubstanciada numa cláusula resolutiva, desde logo afastada estará questão da verificação dos pressupostos do respetivo funcionamento, havendo que fazer apelo ao critério legal fundante do direito à resolução acolhido pelo artigo 808º Código Civil, o pressuposto do incumprimento definitivo legitimador da resolução.”
O réu/apelante insurge-se contra esta solução por entender que o texto da Cláusula Quinta, n.º 1 deve ser interpretado no sentido de que, findo o prazo ali mencionado, sem que a realização da escritura do contrato definitivo tivesse sido realizada, o contrato-promessa deixava de produzir efeitos, sendo esta a obrigação concreta que, uma vez incumprida, permitia a resolução, não podendo o tribunal a quo ter considerado que se estava perante uma cláusula genérica, tanto mais que a escritura não se realizou até à data limite porque os autores/recorridos não tinham aprovação bancária para o empréstimo.
Em face do objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas conclusões do recorrente, a única questão que importa apreciar contende com a validade da resolução do contrato-promessa promovida pelo recorrente, sabendo-se que esta não assentou na situação clássica emergente de uma situação de simples mora a carecer de transformação em incumprimento definitivo, passando antes por determinar se o efeito resolutivo emana, tal como propugnado pelo recorrente, da verificação pura e simples da situação de facto expressamente convencionada pelas partes em cláusula resolutiva expressa, tal como o permite o art. 432º do Código Civil.
Em conformidade com o vertido no n.º 1 da Cláusula Quarta do contrato-promessa, em conjugação com o ponto Quinto do aditamento, as partes assentaram em que o prazo estipulado para a celebração do contrato prometido terminaria no dia 30 de Novembro de 2018.
Simultaneamente, na Cláusula Quinta, n.º 1 consignaram que em caso de incumprimento imputável aos segundos contraentes (promitentes-compradores, aqui recorridos), pela não outorga do contrato definitivo até ao termo do prazo, o primeiro contraente (promitente-vendedor, aqui recorrente), poderá, sem formalidades adicionais, resolver o contrato-promessa, fazendo seu o sinal entregue.
Entende o apelante que está especificado concretamente nesta cláusula que a não outorga do contrato definitivo até o dia 30 de Novembro de 2018, significava que o contrato-promessa deixava de produzir os seus efeitos, tendo como consequência a restituição pelas partes de tudo o que havia sido prestado (divergindo, aqui, daquele que foi o seu entendimento em sede de contestação/reconvenção, onde pugnou pela validade da resolução que comunicou aos autores e pelo direito a fazer sua a quantia entregue).
A fixação de uma cláusula resolutiva expressa, enquanto modo de resolução convencional admitido pelo art. 432º, n.º 1 do Código Civil, exerce, juntamente com a cláusula penal e o sinal, uma função coercitiva no sentido de pressionar o devedor a cumprir as suas obrigações.
Com efeito, a resolução convencional confere às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, a possibilidade de expressamente, por convenção, atribuírem a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado evento, nisto consistindo a cláusula resolutiva expressa.
Porque se baseia no princípio da autonomia privada, quer quanto à inclusão da cláusula no contrato, quer quanto à determinação do seu conteúdo, as partes podem estabelecer diferentes acordos de resolução, com pressupostos e efeitos diversos, sendo que esta diversidade implica que se recorra às regras gerais de interpretação dos negócios jurídicos para determinar o seu sentido (cf. art.ºs 236º e seguintes do Código Civil).
Nos termos do art. 236º, n.º 2 do Código Civil a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário; assim não sucedendo, a declaração valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – cf. art. 236º, n.º 1 do Código Civil.
Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto – cf. art. 238º, n.º 1 do Código Civil. Porém, esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade – cf. art. 238º, n.º 2.
“A interpretação nos negócios jurídicos é a actividade dirigida a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios, segundo as respectivas declarações integradoras. Trata-se de determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações []” – cf. C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, pág. 444 e 445.
Deste modo e em face dos normativos acima referidos, o sentido das declarações negociais das partes será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real[1], salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem prejuízo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida (trata-se da teoria da impressão do destinatário).
No caso dos negócios formais já a declaração valerá desde que tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expressado, salvo se sentido diverso corresponder à vontade real das partes.
Para efeitos de interpretação e fixação do sentido da declaração haverá que atender à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou dela são contemporâneas, às negociações prévias, à finalidade prática visada pelas partes, ao próprio tipo negocial, à lei e aos usos e costumes por ela recebidos e ainda às precedentes relações negociais entre as partes.
Tendo presente estes princípios da interpretação do negócio jurídico, face ao texto da Cláusula Quinta, n.º 1, em conjugação com a Cláusula Quarta (fixação do prazo), atendendo-se ao comportamento posterior das partes, que negociaram um aditamento ao contrato-promessa, alterando esta cláusula e acordando na prorrogação do prazo máximo inicialmente fixado, a que se aduz ainda a circunstância de no n.º 3 da Cláusula Quinta as partes terem estipulado que, em alternativa, o contraente não faltoso poderia optar pelo regime da execução específica[2], torna-se lídimo concluir que tal prazo não era absolutamente essencial, ou seja, que a mera ultrapassagem daquele termo não inquinaria irremediavelmente a utilidade económica do negócio, representando, por vontade dos outorgantes, a perda do interesse no negócio definitivo por parte do contraente fiel.
Em reforço deste sentido, há que ter presente que, ao contrário do afirmado pelo réu, deste não era desconhecida a circunstância de os autores estarem em processo de venda de fracção da sua titularidade, que, a ter lugar a breve trecho, poderia até antecipar a data da realização da escritura de compra e venda, o que revela que o produto dessa venda teria ou poderia ter influência na concretização do negócio definitivo (cf. Cláusula Quarta, n.º 2, parte final) e justificar, como aliás parece ter justificado, uma prorrogação do prazo inicialmente fixado pelas partes.
Aliás, depõe ainda no sentido da não essencialidade do prazo e da não estipulação na Cláusula Quinta de uma previsão contratual expressa de dissolução do vínculo pela singela ultrapassagem do termo final (30 de Novembro de 2018), a circunstância de as partes não terem abdicado da necessidade de imputar o concreto incumprimento dessa prestação contratual a culpa dos contraentes, o que revela que o mero decurso do tempo não bastaria para accionar o direito de resolução, havendo que apurar a responsabilidade pela não outorga do contrato definitivo nesse prazo.
Por outro lado, a natureza da prestação – compra e venda de um imóvel – não permite conferir à estipulação do prazo uma essencialidade objectiva, nem esta emerge da finalidade do contrato, pois que não é possível afirmar, à luz do conteúdo contratual, que tal prazo tenha sido ponderado por referência à finalidade da prestação, sendo certo que o cumprimento desta era realizável (por qualquer das partes), material e juridicamente, mesmo após a data aprazada para o efeito (pelo menos enquanto não teve lugar a venda do imóvel a terceiro).
Por sua vez, nada aponta para um caso de termo subjectivo essencial absoluto, cuja inobservância se traduzisse no incumprimento definitivo da obrigação, pois que tal não ficou reflectido quer no texto da Cláusula Quarta, quer no da Cláusula Quinta.
Note-se que o próprio réu, na sua contestação (cf. artigo 22º), não se reporta sequer a um incumprimento definitivo, mas tão-somente à situação de mora em que os autores se encontravam à data de 30 de Novembro de 2018, sendo seguro que a cláusula em referência menciona uma situação de incumprimento sem qualquer alusão à mora.
Assim, à partida, considerando a economia do contrato e as regras de experiência comum é de entender que embora tenha sido fixado um prazo inicial para a outorga da escritura do contrato definitivo, as partes não quiseram atribuir-lhe a natureza de fatal, devendo antes ser tido como um prazo fixo usual, relativo ou simples – cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-04-2015, relator Sebastião Póvoas, processo n.º 2733/10.4TBLLE.E1.S1; e do Tribunal da Relação de Guimarães de 2-03-2017, relator Pedro Alexandre Damião e Cunha, processo n.º 980/13.6TJVNF.G1[3].
Em matéria de direito privado prevalece, é certo (como referido na decisão recorrida), a vontade contratual, mas a produção de um efeito tão gravoso, como é a resolução do contrato-promessa e suas consequências, implica que se detecte uma inequívoca cláusula convencional, que pelo seus teor e contexto associe à verificação de um concreto evento previsto pelas partes o efeito resolutivo. Tal não se verifica quando, não estando demonstrada a essencialidade do prazo e dependendo a possibilidade da resolução da imputação de culpa pelo não cumprimento da obrigação, se associa esse efeito, tão somente, à mera ultrapassagem do prazo fixado para a outorga da escritura, sem que se tenha identificado qual o tipo de violação, qual a atitude ou comportamento das partes, que, em concreto, legitimam a rescisão.
Na verdade, como refere Pedro Romano Martinez[4], a cláusula resolutiva permite que uma das partes resolva o contrato sem necessidade de demonstrar a gravidade do incumprimento e independentemente da actuação culposa do inadimplente, sendo que muitas vezes a esse incumprimento está indirectamente associada a fixação de um termo essencial para a realização de uma prestação, de modo a que se evite a delonga decorrente da transformação da mora em incumprimento definitivo.
Nessa situação, o critério de avaliação dos pressupostos da extinção da relação contratual, nomeadamente da perda de interesse na manutenção do contrato, gerador do direito à resolução, independentemente de qualquer acto ou interpelação, está, então, predeterminado e prefixado pelas partes, através da manifestação de vontade consubstanciada na cláusula resolutiva, de sorte que, verificados os pressupostos do respectivo funcionamento, não há que fazer apelo ao critério legal fundante do direito à resolução previsto no art. 808º do Código Civil. Haverá sim que aferir da valoração feita pelas partes ao momento da celebração do contrato, para avaliar se ajuizaram a gravidade do incumprimento escolhido e a respectiva indispensabilidade para a subsistência do vínculo, em conformidade com as normas da boa fé e o prosseguimento do fim contratual, não convencionando um “incumprimento insignificante ou de alcance diminuto no contexto contratual”. Nestes casos, o poder de apreciação e intervenção do tribunal na valoração da gravidade do inadimplemento fica, se não, as mais das vezes, excluído, pelo menos fortemente limitado, sob pena de negação dos próprios princípios de autonomia de vontade e de liberdade contratual – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-01-2012, relator Alves Velho, processo n.º STJ Alves Velho 17-01-2012.
Ora, a redacção das normas supra transcritas, em conjugação com o percurso negocial e com as alterações introduzidas no contrato-promessa, afastam, como se referiu, a essencialidade do termo aposto, que os factos apurados também não revelam, acompanhando-se a sentença recorrida quando refere que um declaratário normal não poderia extrair do seu conteúdo que a mera ultrapassagem do prazo conferiria à contraparte o direito à imediata resolução, posto que essa ultrapassagem foi associada a um inadimplemento culpável, sem que tenha sido delineada uma qualquer situação concreta de falta/recusa/impossibilidade que se traduza no mencionado incumprimento e que as partes tenham assumido como bastante para o imputar a uma delas.
Com efeito, a generalidade da doutrina acompanha, precisamente, o entendimento de que não constitui uma verdadeira cláusula de resolução a remissão para um regime legal de resolução ou a mera referência de que se confere o direito de resolver o contrato nos termos gerais, salvo se as regras para que se remete, com soluções diversas das que resultam do regime supletivo legal, não se aplicasse àquela relação contratual.
Além disso, a cláusula de resolução deve ser suficientemente explícita quanto à intenção das partes, não bastando uma mera referência genérica, por exemplo, ao incumprimento de prestações[5].
É que, como esclarece A. Pinto Monteiro, “as partes devem precisar, com o mínimo de certeza e de rigor, quais as obrigações cujo inadimplemento funda a resolução, que tipos de violações justificam tal medida, que atitudes ou comportamentos, enfim (a que por acordo se atribui especial importância ou gravidade), legitimam a rescisão do contrato.”[6]
No mesmo sentido se pronuncia João Calvão da Silva[7]:
“[…] as partes não podem dar à cláusula resolutiva expressa um conteúdo meramente genérico, referindo-se, por exemplo, ao incumprimento de todas as obrigações contratuais. Têm de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dá direito a resolução, identificando-as. […]
Esta limitação à liberdade contratual das partes radica na própria razão de ser e função da cláusula resolutiva. Se as partes valoram elas mesmas, no momento em que estipulam a cláusula, as obrigações e modalidades de incumprimento que conferem o direito de resolução, impõe-se que o façam conscientemente, e com pleno conhecimento de causa – o que só acontece se especificarem e determinarem as obrigações e as modalidades do inadimplemento (definitivo, defeituoso, moroso). Quando se limitem a fazer uma mera referência genérica, em branco, à violação de (qualquer uma das) obrigações nascentes do contrato, a estipulação não passará de uma cláusula de estilo, mero rappel do regime jurídico da chamada condição resolutiva tácita, já que não houve uma prévia vontade contratual (bilateral) que de facto valorasse especificamente a gravidade da inadimplência.”
Neste caso, se as partes identificaram a violação da obrigação de outorgar o contrato definitivo até ao termo do prazo fixado como o incumprimento susceptível de originar o direito de resolução (o que, em termos gerais, sempre originaria essa possibilidade, posto que convertida a mora em incumprimento definitivo – cf. art. 808º do Código Civil), seguro é, como se viu, que nada resulta do clausulado ou dos factos apurados no sentido de as partes terem reconhecido a essencialidade do prazo para a utilidade do negócio e, mais do que isso, nada apontaram quanto à modalidade de incumprimento que originaria o direito à resolução pela contraparte, ou seja, não identificaram se bastaria o mero retardamento na prestação para originar a possibilidade de imediata resolução, como pretende o recorrente, sendo inviável extrair do texto da Cláusula Quinta, n.º 2 qual a atitude inadimplente a que as partes, concretamente, conferiram a gravidade bastante para determinar a resolução do contrato.
É que se as partes aludiram a um “incumprimento imputável aos segundos outorgantes”, não esclareceram sobre se se trata de um incumprimento definitivo, de simples mora ou de cumprimento defeituoso, para além do que de tal cláusula nada resulta que se distinga dos efeitos próprios de um incumprimento definitivo imputável à contraparte (cf. art.ºs 808º, 801º e 432º do Código Civil).
E se, como se disse, é pacífico que a cláusula resolutiva deve ser redigida em termos claros e precisos e não de forma meramente genérica ou imprecisa, sendo relevante o concreto conteúdo nela vertido, é também importante para a sua eficácia, conforme refere José Carlos Brandão Proença[8], “que a cláusula tenha uma redacção que reflicta o inequívoco desejo das partes de não ficarem sujeitas, total ou parcialmente, à aplicação do regime legal resolutivo”, o que, no caso, não ocorre.
Na verdade, face à vacuidade da referência a “incumprimento imputável”, tomando como certo que, além da “alusão ao tipo de incumprimento considerado (mora? incumprimento definitivo? recusa categórica de cumprimento? cumprimento defeituoso?) e à sua vertente causal (incumprimento imputável ou não imputável), devem […] estar previstos um ou mais fundamentos concretos […]”[9], tal concretização não se mostra patenteada na Cláusula Quinta, n.º 1, pois que não explicita em que circunstâncias a não outorga da escritura se tem por imputável aos segundos contraentes, como sucederia se indicasse uma falta de comparência em data marcada ou a falta de agendamento da escritura até uma determinada data (sendo certo que, neste caso, o agendamento nem sequer estava a cargo dos promitentes-compradores (cf. Cláusula Quarta, n.º 2).
É que a cláusula resolutiva apenas se pode ter como expressa, e não genérica, se associar de modo incontornável um determinado incumprimento como dando causa à resolução, pois que apenas nessa circunstância será possível, sem quaisquer dúvidas, identificar que concreto incumprimento foi considerado pelas partes como sendo grave e constituinte de fundamento de resolução, a ponto de o subtrair a uma eventual apreciação do juiz.
E contra este entendimento não colhe a jurisprudência invocada pelo recorrente, que aprecia situação distinta, conforme resulta desde logo da transcrição efectuada, pois que no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2017, relator Oliveira Vasconcelos, processo 2302/12.4TBALM.L1.S1 está em causa uma condição resolutiva do contrato e não uma cláusula resolutiva expressa, verificando-se aquela quando as partes subordinam a extinção dos efeitos do negócio jurídico a uma cláusula acessória (art. 270º do Código Civil), caso em que aquele se extingue automaticamente pela ocorrência desse facto futuro e incerto, de tal modo que se estará perante uma situação de cessação do vínculo correspondente à caducidade, embora a lei remeta para o regime da resolução. Nesses casos, verificada a condição resolutiva prevista pelas partes, o contrato-promessa considera-se extinto, automaticamente, independentemente de declaração da parte contraente, nisto consistindo, precisamente, a diferença entre a condição resolutiva e a resolução contratual[10], não estando, no caso em apreço, prevista a imediata destruição da relação contratual por via da verificação do evento.
Em abono da tese perfilhada, para além dos acórdãos mencionados na decisão recorrida, encontram-se, entre outros, os seguintes:
ü Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-05-2013, relator Hélder Roque, processo n.º 13/09.7TVPRT.P2.S1, em que, em situação muito similar à destes autos, se refere: “a situação em análise, em que não comparecendo a autora na escritura, na data que foi designada pela ré, “esta poderá declarar à autora, através de uma simples notificação, que houve por parte desta, incumprimento do contrato-promessa, com as devidas consequências legais”, não consente a conclusão de que, através da aludida cláusula, ainda que recíproca, as partes tenham ponderado e “valorado previamente a gravidade da inadimplência a que voluntariamente atribuíram carácter de essencialidade e fundamento de resolução”, em termos tais que se reconheceram a faculdade de o resolver, sem se discutir a gravidade do incumprimento e a culpa do seu autor. Com efeito, da cláusula resolutiva expressa genérica do incumprimento, perante a não comparência da autora à escritura, independentemente da modalidade que este pudesse assumir, não pode, automaticamente, resultar a consequência da resolução do contrato”;
ü Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2-11-2017, relator Abrantes Geraldes, processo n.º 27768/15.7T8LSB.L1.S1, onde, a propósito de cláusula com algumas semelhanças com a destes autos se refere que “não deve confundir-se uma tal cláusula resolutiva, a que normalmente subjaz um interesse objectivo ou subjectivo que se esgota com a ocorrência do evento previsto, com cláusulas gerais, mais ou menos tabelares ou de estilo, como aquela que as partes convencionaram in casu. […] Se é certo que no contrato-promessa de permuta as partes fixaram o dia 15-8-15 como data-limite para a celebração do contrato definitivo, também é verdade que o fizeram em termos que não apresentam aquela taxatividade que pudesse ser imposta a qualquer delas. Cada uma ficou a saber que essa era a data que deveria ser respeitada. Todavia, sem qualquer outro ingrediente proporcionado pelo contrato ou pela matéria de facto indiciadora dos motivos de tal fixação, não é possível afirmar que cada uma das partes, ou ambas, pretendesse atribuir à cláusula de termo o sentido rigorista que os AA. lhe atribuíram”;
ü Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2015, relator Manuel Capelo, processo n.º 3007/12.1TJCBR.C1 – “Ainda que possa parecer óbvio que os contraentes tenham pretendido considerar o incumprimento de uma obrigação como causa de resolução expressa do contrato (v.g. o não fornecimento de produto por parte da fornecedora ou a não aquisição e pagamento do produto por parte da revendedora), julgamos que a exigência de expressamente reportar esse incumprimento dando causa à resolução deve ter-se por incontornável para a admissibilidade de aceitar a cláusula resolutiva como expressa. É que só assim será possível, sem quaisquer dúvidas, identificar que concreto incumprimento foi considerado pelas partes grave e constituinte de fundamento de resolução, a ponto de o subtrair a uma eventual apreciação do juiz”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2-03-2011, relator Barateiro Martins, processo n.º 357/09.8TBCBR.C1;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-02-2012, relator Barateiro Martins, processo n.º 1324/09.7TBMGR.C1;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-05-2015, relator Barateiro Martins, processon.º887/13.7TBLSA.C1;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-12-2016, relator Luís Cravo, processo n.º 195/13.3TBPCV-A.C1;
ü Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-09-2019, relatora Ana Cristina Duarte, processo n.º 7170/18.0T8GMR.G1.
Veja-se, perante cláusula resolutiva estipulada com a minúcia suficiente para identificar os concretos comportamentos das partes que originariam o direito à resolução imediata, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-11-2017, relator Abrantes Geraldes, processo n.º 768/08.6TBPVZ.P2.S1 e de 17-11-2015, relator Fernandes do Vale, processo n.º 7582/13.5TBCSC-A.L1.S1, onde se consignou que a mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a sessenta dias conferia o direito a resolver o contrato.
Em face do que se deixa expendido, impõe-se concordar com a decisão recorrida quando concluiu pela configuração genérica da Cláusula Quinta, n.º 1 do contrato-promessa e, como tal, insusceptível de ser qualificada como cláusula resolutiva expressa, inviabilizando a mera comunicação da resolução por parte do réu/recorrente, nos termos por este propugnados.
Sendo esta a única questão a apreciar e não tendo as demais questões apreciadas pelo tribunal recorrido sido objecto de recurso, que assim se consideram transitadas em julgado (cf. art. 635º do CPC), impõe-se confirmar a decisão recorrida, que se mantém inalterada.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O apelante decai em toda a extensão quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo do apelante.
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Lisboa, 28 de Setembro de 2021[11] Micaela Marisa da Silva Sousa Cristina Silva Maximiano Amélia Alves Ribeiro
_______________________________________________________ [1] Atende-se “ao real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável” – cf. Mota Pinto, op. cit., pág. 447. [2] O direito à execução específica de contrato-promessa só é possível de ser exercido em situação de mora e não quando já se verificou o incumprimento definitivo pelo promitente demandado, pois que apenas na primeira situação o credor mantém o interesse na prestação; se não mantivesse, naturalmente que não exerceria o seu direito a ela. [3] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem. [4]In Da Cessação do Contrato, 2017, 3ª Edição, pp. 82-83. [5] Cf. Pedro Romano Martinez, op. cit., pp. 163-164. [6] Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1999, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 133º, N.º 3917, pág. 241. [7]Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra 1987, pág. 322. [8]In A Cláusula Resolutiva Expressa como Síntese da Autonomia e da Heteronomia (Considerações a partir de uma decisão judicial), pág.16, acessível em https://parc.ipp.pt/index.php/rebules/article/view/988/448, consultado em 18 de Setembro de2021. [9] Idem, pp. 14-15. [10] Cf. Pedro Romano Martinez, op. cit., pp. 165-166. [11] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.