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CONDOMÍNIO
REPRESENTAÇÃO
CITAÇÃO
FORMALIDADES
NULIDADE
Sumário
1. O condomínio enquanto centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos não sendo dotado de personalidade jurídica, carece para actuar em juízo de estar representado pelo administrador, tal como decorre do estabelecido no artigo 26º do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 1437º, do Código Civil. 2. A representação em juízo das entidades ou massas que não gozam de personalidade jurídica é solucionada nos termos do artigo 12º, do actual Código de Processo Civil, por via da extensão de personalidade judiciária expressa no tocante ao Condomínio na sua al) e) “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem nos poderes do administrador;”. 3. Por seu turno, dispondo o artigo 223º, nº1, do Código de Processo Civil que o condomínio é citado ou notificado na pessoa dos seus representantes legais, significa que a citação do condomínio deverá ser-lhe dirigida, com a indicação- referência do seu administrador e, a carta expedida para o local onde normalmente funciona a administração. 4. Evidenciando-se que o administrador do condomínio é uma sociedade que não se confunde com a parte representada e tem sede em local distinto do prédio, ocorre nulidade por falta de citação- artigo 188º, nº1, al) a) e e) do CPC- desconsiderada a exigência legal de citação através do seu administrador e, uma vez que a pessoa e local constantes da assinatura do aviso de recepção não têm com aquela qualquer correspondência. 6. Mantendo o tribunal dúvida quanto à citação do condomínio, competia-lhe oficiosamente suprir o vício e prover à respectiva sanação, de acordo com o estatuído no artigo 28º, do Código de Processo Civil, incluindo a obtenção de informações ou documentos comprovativos.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.RELATÓRIO
1.Da demanda
F…, S.A., requereu a presente providência cautelar comum, contra CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA …. Lisboa, pedindo que seja determinado ao Requerido que adopte as medidas necessárias e adequadas a reparar a laje do terraço de cobertura da fracção “A”, por se tratar de parte comum do Prédio, e repor a situação de segurança que se impõe, mais se requerendo que, caso o Requerido não cumpra tal determinação, seja a Requerente ou terceiro autorizado a seleccionar entidade idónea que proceda a tal intervenção, a expensas do Requerido. Requer ainda que, se se considerar tratar-se de prestação de facto infungível, seja, após decretamento da providência, fixada sanção pecuniária compulsória por cada dia em que o Requerido não acate a mesma.
Foi ordenada a citação do Requerido para deduzir oposição, conforme ao disposto no artigo 366º, nº1 do Código de Processo Civil.
A citação por via postal foi endereçada nos termos indicados na petição inicial - “Condomínio do Prédio Sito Na R…15”, com morada na Rua …, 1000-177 LISBOA.”[1]
No aviso de recepção da carta de citação consta no local do destinatário - “R..”.
A sentença proferida foi notificada através de carta endereçada e expedida para a mesma morada. [2]
O Requerido não apresentou articulado de oposição.
O Tribunal a quo proferiu decisão final, considerando provados os factos articulados por confissão e julgou o procedimento cautelar procedente com o seguinte dispositivo «a. Condeno a Ré a reparar a laje do terraço de cobertura da fracção “A” do prédio sito no nº…, em Lisboa, devendo iniciar no prazo máximo de quinze dias. b. Decorrido tal prazo, sem que a Ré tenha iniciado a intervenção, autorizo a Autora a seleccionar entidade idónea para proceder à mesma, a expensas da Ré.c. Decreto a inversão do contencioso.»
O Requerido veio aos autos, através de requerimento datado de 13.04.2021, arguir a nulidade de todos os termos do processo, invocando a sua falta de citação.
Para o efeito, alegou em síntese que, a citação do Condomínio é feita na pessoa dos seus legais representantes, que no caso é a Sociedade – … – Administração e Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., com sede na Rua …, nº..., …º - 1000-249 Lisboa, e escritório na Av. …Lisboa, tal como a Requerente tem pleno conhecimento, requerendo que em consequência da nulidade invocada e demais efeitos legais, se proceda à sua citação de acordo com o estabelecido no artigo 229º, nº3 do Código de Processo Civil.
No exercício do contraditório, a Requerente sustentou a regularidade da citação do Requerido.
O Tribunal a quo apreciando a matéria, decidiu não se verificar a invocada nulidade, mantendo os termos do processado, de acordo com a fundamentação que se transcreve na parte relevante «(…) Sucede, porém, que, a arguição da nulidade é um incidente processual que se baseia nos art. 292 a 295 do CPC, pelo que, se compreenderia a junção de outros meios de prova, per si demonstrativos, não só dos eventuais poderes representativos dessa alegada empresa administradora da Requerida, como até, da identificação da pessoa que assinou o A/R como mera condómina ou não. Resultou demonstrado que a Requerida, foi citada por carta regista com A/R remetida para a morada indicada no requerimento inicial, tendo a mesma sido devolvida pelos CTT devidamente assinada. Assim, mostra-se regular e válida a citação realizada. Nestes termos e pelo exposto, não se verifica falta ou nulidade da citação, pelo que julgo improcedente o presente incidente.»
2. Do Recurso
Inconformado, o Requerido interpôs recurso de tal decisão, culminando as alegações com as conclusões seguintes:
«1. Vem o presente recurso interposto do despacho de 10 de Maio de 2021 que julgou improcedente a arguição de nulidade por falta de citação, prevista na alínea a) do art.º 187º e alínea a) do nº 1 do art.º 188º do C.P.C., suscitada pelo Requerido em 13 de Abril de 2021.
2. Em 19/02/2021, a REQUERENTE, …, S.A., proprietária e legítima possuidora da fracção autónoma identificada pela letra “A” do prédio sito na Avenida …, em Lisboa, propôs procedimento cautelar contra o REQUERIDO, CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA …Lisboa, indicando como morada Rua …Lisboa e NIF …
3. Em 22/02/2021 a carta de citação e A/R foram remetidos dirigidos ao Requerido para a morada Rua …Lisboa, tendo este sido devolvido, assinado por “R…”, - conforme documento junto a fls. 69.
4. Em 13/04/2021 o Requerido juntou procuração aos autos e requerimento de arguição de nulidade por falta de citação.
5. Em 28/04/2021 a Requerente deduziu oposição.
6. Em suma, alegou o Requerido arguente que, prescrevendo literal e expressamente o art.º 223º nº1 do CPC que o condomínio é citado na pessoa dos seus legais representantes, estando o Requerente fartíssimo de saber (e como deveria constar sobejamente dos então desconhecidos autos) que a legal representante do condomínio é a sua Administração – …. – Administração e Gestão de Imóveis, Unipessoal, Lda., com sede na Rua ... Lisboa e escritório na Av. …, 1000-015 Lisboa, local onde funciona normalmente a administração, não tendo a administração …, legal representante do condomínio Requerido sido citada, nem tampouco qualquer seu empregado que se encontrasse na sua sede ou escritório, e que teria sido “citada”, pelas informações recolhidas, tão só uma residente numa fracção do prédio sito na Av. .., que não era representante legal do condomínio Requerido, acontecera simplesmente que o Condomínio não fora citado, assim se verificando o vício/nulidade da falta de citação, previsto na alínea a) do art.º 187º e alínea a) do nº 1 do art.º 188º do C.P.C., que tem por consequência a nulidade de tudo o processado depois do requerimento inicial, nos termos de estatuído no art.º 187º do C.P.C.
7 Em suma, alegou o Requerente oponente, reconhecendo que, nos termos e por força do disposto no art.º 223º nº 1 do C.P.C., o condomínio é citado na pessoa dos seus legais representantes, tal disposição legal não possuía o sentido e o alcance que o Requerido lhe pretendia dar, não sendo indicada, para efeitos de citação, a morada da sede do representante, mas antes a do Representado, morada indicada no requerimento inicial, pelo que, tendo em 25/02/2021 o aviso de registo postal sido assinado por R…, a citação se devia considerar por regularmente efectuada, improcedendo a arguição de nulidade.
8. Com todo o respeito, que é muitíssimo, face à nulidade arguida pelo Requerido e à oposição deduzida pela Requerente, entende a ora Recorrente que a Meritíssima Juiz devia ter enunciado as questões que ao tribunal cumpria solucionar, quais sejam: A. O que prescreve a Lei quanto à efectivação da citação do condomínio. B. Se, no concreto caso dos autos, a assinatura do aviso de recepção por R… observou a sobredita prescrição.
9. Seja ou não o condomínio pessoa colectiva, é incontestável, unânime e pacífico que, após o DL 329-A/95, e nos hialinos termos do actual nº1 do art.º 223º do C.P.C., o condomínio é citado na pessoa dos seus representantes legais.
10. Tal como é pacífico, estendida a personalidade judiciária ao condomínio pela alínea e) do art.º 12º do C.P.C., que o condomínio é naturalmente representado pelo administrador, enquanto representante orgânico do condomínio (cf. art.º 1437º nº 2 do Código Civil, conjugado com o art.º 26º do C.P.C.), com plena legitimidade processual passiva.
11. No seu requerimento de 13/04/21 o Requerido não arguiu a nulidade da citação por inobservância de qualquer das formalidades prescritas na lei, de que trata o nº 1 do art.º 191º do C.P.C. mas antes a falta de citação, por o acto ter sido completamente omitido, conforme precisa previsão da alínea a) do nº 1 art.º 188º do C.P.C.
12. O que o Requerente devia e podia ter feito no requerimento inicial do procedimento cautelar era ter identificado a … como a entidade administradora e representante legal do condomínio, indicando claramente a sua sede, para aí ser devidamente citada, conforme imperativa determinação do nº 1 do art.º 223º do C.P.C.
13. Mas, ao invés, por esperta omissão ou deliberada má-fé, limitou-se inviamente a indicar como Requerido o Condomínio do prédio sito na R. … Lisboa, com óbvia morada no mesmo.
14. Temos então que o despacho recorrido exibe como fundamentação, para entender como regular e válida a citação realizada e julgar improcedente o incidente, por não se verificar falta ou nulidade da citação, apenas os penúltimo e antepenúltimo parágrafos da última página do mesmo (vd. fls. 109 dos autos). “Sucede, porém, que, a arguição de nulidade é um incidente processual que se baseia nos art.ºs 292º a 295º do C.P.C., pelo que se compreenderia a junção de outros meios de prova, por si demonstrativos, não só dos eventuais poderes representativos dessa alegada empresa administradora da Requerida, como até, da identificação da pessoa que assinou o A/R como mera condómina ou não.” “Resultou demonstrado que a Requerida, foi citada por carta registada com A/R remetida para a morada indicada no requerimento inicial, tendo a mesma sido devolvida pelos CTT devidamente assinada.”
15. Não obstante, quanto ao primeiro objecto da incompreendida junção de meios de prova (dos eventuais poderes representativos dessa alegada empresa administradora do Requerido), não pode restar qualquer dúvida de que existe nos autos abundantíssima prova mais que suficiente, diríamos até ad nauseam! 16. Prova documental oferecida pelo próprio Requerente nos documentos 3,4,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15 e 16 juntos ao seu requerimento inicial de 19/02/21 e nos documentos 1,3,4,5 e 6 juntos à sua oposição de 28/04/21.
17. E, por todos, o ponto 3 da acta nº59, da assembleia de 26/01/21 (referido doc.14, “Foi reeleita para administrar o condomínio no ano em curso a empresa…, Lda., representada pela sua sócia gerente …” e o excerto do email do mandatário do Requerente de 11/12/20 – 00h40m enviado para Geral …pt “À Administração do Condomínio do Prédio sito na Av. …em Lisboa … Na qualidade de advogado da …F, SA., proprietária da fracção autónoma identificada pela letra “A” do prédio em causa … venho, pois, em representação da m/Constituinte interpelar o Condomínio, por vós representado …” (vd. DOC. 3 junto ao requerimento inicial – fls. 18v dos autos)!!!
18. Também quanto ao segundo objecto da incompreendida junção de meios de prova (identificação da pessoa que assinou o A/R como mera condómina ou não), sublinhe-se que o Requerido, quando em 13/04/21 arguiu a referida nulidade, desconhecia absolutamente o conteúdo dos autos, e só pelo teor do ponto 6 da oposição do Requerente de 28/04/21 lhe foi sumariamente indicado que o A/R fora assinado por Rita Mata, quando naturalmente recaía sobre o oponente Requerente o ónus de provar que tal indicada pessoa era representante legal da administração …, Lda. ou, pelo menos, sua empregada!
19. Só após o conhecimento pelo Requerido do conteúdo dos autos, operado em 18/05/21, é que agora lhe é possível (embora não seja seu ónus e se trate de prova de facto negativo) esclarecer a identificação de Rita Mata.
20. Trata-se de R…, cartão de cidadão……, conforme, ex abundante, certidão de nascimento (Doc.5).
21. Trata-se assim da filha dos condóminos proprietários da fracção..., correspondente ao quinto andar esquerdo, do prédio em causa, conforme certidão da CRP (Doc.6).
22. Temos assim que, por grave omissão exclusivamente imputável ao Requerente, após despacho judicial para audiência do Requerido (art.º 366º nº 1 do CPC), a secretaria remeteu a carta de citação para a simples morada do condomínio – R….– 1000-177 Lisboa, e o distribuidor do serviço postal funcionário dos CTT (sem qualquer indicação de a quem e em que fracção a devia entregar e assinar o A/R) porventura depois de o ter tentado fazer em qualquer das outras dez fracções autónomas, acabou por encontrar quem o atendesse no quinto andar esquerdo, na pessoa de R…
23. Assim, não tendo sido citada na sua sede ou local onde funcione normalmente a administração da K-42, Lda., na pessoa de M.… verifica-se que foi “citada” a R.… na fracção J, quinto andar esquerdo do prédio sito na Av. … em Lisboa.
24. Ao invés do que se afirma naquele penúltimo parágrafo da última página do despacho recorrido, não resultou demonstrado que o Requerido foi citado e o A/R devolvido dos CTT, devidamente assinado.
25. O facto de a carta de citação com A/R ter sido remetida para a morada indicada no requerimento inicial e devolvido o A/R assinado por R…, não demonstra que o Requerido Condomínio tenha sido citado, mas, pelo contrário, demonstra que a carta de citação não foi remetida para a sede do representante legal do condomínio e que o A/R foi assinado por pessoa que não era representante legal ou empregado deste.
26. Refulge assim, hialina e incontestavelmente, que o Requerido condomínio não foi citado!
27. Verifica-se assim a nulidade arguida por falta de citação do Requerido, o que determina a anulação de tudo o processado posterior ao requerimento inicial do procedimento cautelar.
28. O despacho recorrido, julgando improcedente a arguição de nulidade por falta de citação, violou os art.º 223º nº1, 187º alínea a) e art.º 188º nº1 alínea a) do C.P.C., bem como o direito de acesso aos tribunais, consagrado no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, impedindo gravosamente o Requerido de deduzir oposição à providência requerida. Termos em que, e nos demais de Direito, deve ser dado provimento à presente Apelação, reconhecendo-se a nulidade arguida, consequentemente se anulando tudo o processado posterior ao requerimento inicial e ordenando-se a citação do Requerido condomínio na pessoa do seu representante legal …, Administração …, Unipessoal, Lda., com o que farão V. Exas. inteira Justiça!»
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O Requerente apresentou contra-alegações, refutando o argumentário do apelante e defendeu o acerto da decisão recorrida.
O recurso foi regularmente admitido com efeito devolutivo.
Corridos os Vistos, nada obsta ao conhecimento de mérito.
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3.O Objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), cumpre decidir, se o Requerido foi regularmente citado nos autos.
O tema decisório convoca a apreciação dos seguintes tópicos:
- As partes comuns do prédio em propriedade horizontal e os poderes deveres da administração;
- A natureza jurídica do Condomínio e,a representação em juízo pela administração/administrador;
- A carta de citação enviada; nulidade/falta de citação.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A. Os Factos
A matéria factual a considerar consta do Relatório.
B. Enquadramento Jurídico
1.Propriedade horizontal; administração das partes comuns do prédio
A discordância do Recorrente radica na premissa nuclear, qual seja, a de que não foi citado nos autos para deduzir oposição à providência, conforme ordenado em despacho inicial, e, por conseguinte, frustrada a oportunidade de exercer o contraditório nos autos de providência cautelar em que foi demandado.
Isto porque, segundo sustenta, a sua citação, na qualidade de Condomínio, deverá ser feita na pessoa do seu representante legal, no caso a empresa nomeada administradora e na sua sede /filial e na morada onde funcionam os seus serviços, e não através da carta remetida para o endereço do prédio, e a qual foi recebida e assinada por familiar de um condómino que reside numa das fracções.
O Tribunal a quo considerou o Requerido regularmente citado, ao que se compreende, por se encontrar conforme às regras previstas para a citação das pessoas colectivas, ao que acresce não ter o Requerido juntado a prova da nomeação da referida sociedade como sua administradora e a identificação da pessoa que assinou o aviso de recepção.
Importa, então, centrar a questão na qualidade do Requerido e na previsão normativa acerca da demanda e citação do Condomínio de prédio urbano em regime de propriedade horizontal.
De acordo com a petição inicial, a Requerente, proprietária da fracção A. do prédio em regime de propriedade horizontal, pretende afirmar perante o Condomínio/Requerido a sua responsabilidade pela reparação da laje /terraço de cobertura- parte comum- cujas infiltrações ameaçam a segurança e causaram danos na sua fracção.
No domínio de imóvel em propriedade horizontal dispõe o artigo 1430º, nº1, do Código Civil, que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e ao administrador. [3]
Ou seja, todos os interesses respeitantes às partes comuns do edifício se compreendem no condomínio e seus respectivos órgãos de administração.
Atribuição funcional de competência que implica, além do mais, o dever de promover a vigilância e conservação das partes comuns para que se mantenham aptas para os fins para que foram constituídas; caso contrário, se daí resultarem danos para os próprios condóminos ou terceiros, o Condomínio, pode ser obrigado a repará-los, verificados os pressupostos gerais da responsabilidade civil (artigo 483.º, n.º 1 e 492º do Código Civil).
Seguro se mostra então concluir que na providência cautelar dos autos, atendendo à causa de pedir e ao pedido, filiadas no âmbito dos poderes de actuação do administrador do condomínio, o Condomínio foi adequadamente demandado como parte/requerido.
2. Representação em juízo do Condomínio; administrador
Deixando à margem o debate associado à indagação da natureza jurídica do Condomínio do prédio urbano em propriedade horizontal ,[4] temos por pacífico que a lei lhe atribuiu expressamente personalidade judiciária, reconhecendo a possibilidade de ser parte passiva ou activa em juízo.[5]
Na verdade, a representação em juízo das entidades ou massas que não gozam de personalidade jurídica é solucionada nos termos do artigo 12º do actual Código de Processo Civil, estabelecendo o regime de extensão de personalidade judiciária prevenida no que respeita ao Condomínio na sua al) e) - “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem nos poderes do administrador;”.[6]
Abreviando razões, o condomínio enquanto centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos não sendo dotado de personalidade jurídica, carece para actuar em juízo de estar representado pelo administrador, tal como decorre do estabelecido no artigo 26º do Código de Processo Civil em conjugação com o artigo 1437º do Código Civil.
Por seu turno, estabelece o artigo 223º, nº1, do Código de Processo Civil que o condomínio (entre outros) é citado ou notificado na pessoa dos seus representantes legais.
Refere Gonçalo Oliveira Magalhães ao debruçar-se sobre a temática da personalidade judiciária e da representação em juízo do Condomínio –-«(..) no artigo 1437º do Código Civil o legislador não trata da legitimidade processual, no sentido da legitimidade ad causam, até porque a legitimidade, que consiste no interesse directo em demandar ou contradizer é um pressuposto processual que só em concreto pode ser determinado. A norma em apreço respeita à legitimatio ad processum, ou seja, à capacidade processual, dizendo-nos apenas que a representação do condomínio em juízo cabe ao administrador. Assim sendo, a propositura de acção inserida no âmbito dos poderes do administrador por quem não o seja configura um caso de irregularidade de representação, sanável mediante a intervenção do titular do órgão executivo do condomínio, sem que daí derive qualquer modificação subjectiva da instância, certo como é que «parte é quem o é e não quem o representa.».[7]
Miguel Mesquita, discorrendo em torno da interpretação do artigo 1437º, nº 2 do Código Civil, refere «Ao contrário do que a epígrafe do preceito enuncia, o administrador não tem legitimidade alguma, mas, antes, poderes de representação da parte, que é o condomínio. A legitimidade, ou seja, a susceptibilidade de ser a parte certa, pertence ao condomínio e não ao administrador. (…) O administrador limita-se a representar o condomínio em juízo, a ser, no fundo, a “voz do condomínio”, e isto porque este, naturalmente, não pode estar por si só em juízo(..).»[8].
Na esteira da posição exposta e que seguimos, com ampla consagração na jurisprudência, assevera-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007 - « O artigo 1437º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele, nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (artigo 1436º), ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que, em qualquer dos casos, as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns. (…) Ao conferir ao administrador a possibilidade de actuar em juízo, o art. 1437º do CC mais não faz do que concretizar uma aplicação do disposto no art. 22º do CPC – que estatui sobre a representação das entidades que careçam de personalidade jurídica – eliminando possíveis dúvidas sobre se aquele poderia, no exercício das suas atribuições, recorrer à via judicial.(…) O art. 1437º não resolve, pois, o problema da legitimidade do administrador, que, aliás, não se coloca, porque este age, em juízo, enquanto órgão do condomínio e, portanto, em representação deste. Do que, no fundo, se trata é de atribuir ao administrador legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos.»[9]
No mesmo alinhamento , propugna o Supremo Tribunal de Justiça no recente Acórdão de 10.05.2021- «(…) o art. 1437º do CCivil satisfaz a necessidade prática de, no âmbito das funções de administração que lhe pertencem ou que lhe sejam permitidas mediante deliberação da assembleia de condóminos, fazer representar a propriedade horizontal (o condomínio) em juízo sem chamar todos os condóminos à ação.»[10]
3. Nulidade –falta de citação
Do exposto resulta que a citação do condomínio deverá ser-lhe dirigida com a indicação- referência do seu administrador e expedida para o local onde normalmente funciona a administração.
Nos autos a citação por via postal foi efectuada nos termos constantes de fls.59, para a morada- número de polícia do prédio – e, o aviso de recepção assinado por “Rita Mata”, ocupante /residente de uma das fracções (antevendo-se por ser quem abriu a porta ou correspondeu ao toque da campainha do funcionário dos CTT).
Ora, resulta do requerimento do ora apelante, que o administrador nomeado pelo Condomínio é a referida sociedade K-42, Administração e Gestão de Imóveis., Unipessoal, Lda., cuja identificação e morada não se confundem com a própria parte – o condomínio – e a qual tem morada/sede distinta do prédio para onde seguiu a carta de citação.
Admitindo que na prática os demandantes aligeiram a identificação completa e correcta do administrador do prédio, porventura fruto da tradição, em desuso, do administrador nomeado ser um condómino residente do prédio, e que tal circunstância irregular nem sempre dê azo a intercorrência anormal no decurso da lide, não foi manifestamente o que sucedeu nos autos!
Na verdade, o Requerido demandado não apresentou oposição no prazo definido na carta de citação, vindo aos autos denunciar a ocorrência. Alegou e demonstrou em suficiência, que a pessoa que assinou o aviso no prédio nada tem que ver com o administrador e identificou a sociedade encarregue da administração.
Tanto bastaria, em nosso entender, para que o tribunal a quo concluísse que a representação/citação do Requerido não fora realizada em consonância com os termos legais exigidos.
Acresce que, caso o tribunal mantivesse dúvida para retirar a conclusão da irregularidade cometida na citação do Requerido, ao contrário do que afirma na decisão recorrida, competia-lhe oficiosamente suprir o vício e prover à respectiva sanação, tal como estatuído no artigo 28º do Código de Processo Civil, incluindo a obtenção de outras informações ou documentos comprovativos, v.g. a acta de assembleia de condóminos que elegeu a administradora do condomínio.
A tal propósito refere Lebre de Freitas- «Quando a parte seja um incapaz ou um ente com personalidade meramente judiciária (arts. 12 e 13), há também que indicar, identificando-o, o seu representante, dado o disposto nos arts. 16-1, 26 e 223-1 (…).»[11]
Teixeira de Sousa elucida em igual sentido - « Este ónus de indicar o representante legal do réu incapaz que é imposto ao autor é uma decorrência do ónus de preenchimento dos pressupostos processuais: como lhe incumbe assegurar todos esses pressupostos, cabe-lhe indicar o representante da parte passiva.»[12]
Cabe ainda dar nota de que se porventura a identificação e morada ou sede do administrador de um condomínio pode apresentar-se como dado desconhecido ou de difícil obtenção por terceiros,[13] já não se compreende que o Requerente e proprietário da fracção A do prédio, se revele alheio a tais elementos[14]; ou seja, ao Requerente seria exigível a diligência de requerer a citação do Requerido através do administrador correctamente identificado e na morada de funcionamento .
Sublinha-se que, o tribunal deverá ser particularmente rigoroso na aferição da regularidade de acto de citação de importância capital na tutela do direito de defesa, em ordem a evitar a restrição ou supressão efectiva do respectivo exercício, como se indicia nos autos.
Em suma, desconsiderada a exigência legal de citação do Requerido através do seu administrador e, uma vez que a pessoa e local constantes do aviso de recepção não têm com ele qualquer correspondência, forçoso é concluir que o Requerido não foi citado.
Consubstanciando a falta de citação a nulidade tipificada no artigo no artigo 188º, nº1, al a) e e) do Código de Processo Civil, visto o estatuído no artigo 187º, nº1 al) a) do mesmo diploma legal, impõe-se a anulação de todo o processado posterior à petição inicial.
III.DECISÃO
De acordo com a fundamentação que antecede, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação, e em consequência, decidem:
a) Revogar a decisão recorrida;
b) Determinando a anulação do processado posterior à petição;
c) E, que se proceda a citação do Requerido na pessoa da sua Administração e respectiva morada.
*
As custas do recurso são a cargo da apelada que nele decaiu.
Lisboa, 28 de Setembro de 2021
ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDRA
CRISTINA COELHO
_______________________________________________________ [1] Conforme consta a fls.69 dos autos. [2] Conforme consta a fls.79 dos autos. [3] A assembleia é o órgão colegial formado pelos condóminos, que decide sobre a administração das partes comuns do edifício, através de deliberações; o administrador, por seu turno corresponde ao órgão executivo do condomínio. [4] Apesar do ordenamento jurídico não atribuir personalidade jurídica ao Condomínio, admite que o mesmo seja sujeito de relações jurídicas, enquanto forma orgânica de desenvolvimento da vida do colectivo dos condóminos. [5] Cfr. a propósito A. Geraldes, C. Pimenta e Luís de Sousa in CPC anotado, I, 2ªedição, pág. 47 em anotação ao artigo 12º. Os condomínios passaram a integrar o conjunto dos entes a que foi estendida a personalidade judiciária (formal) a partir da reforma de 1995 do CPC. [6] Para além do critério geral definido no artº 11º, nº2do CPC, a lei consagrou critérios de atribuição da personalidade judiciária, tendentes à sua extensão a quem não goza de personalidade jurídica –“‘uma forma expedita de acautelar a defesa judiciária de legítimos interesses em crise, nos casos em que haja qualquer situação de carência em relação à titularidade dos respectivos direitos (ou dos deveres correlativos” Cfr, Sampaio da Nora, Miguel Beleza e Manuel de Andrade in Manual de Processo Civil 2ª edição, pág.110/11. Com interesse na matéria da personalidade judiciária e dos critérios de atribuição, cfr. Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 136. [7] In A Personalidade Judiciária do Condomínio e a sua Representação em Juízo in Revista Julgar, n.º 23, 2014, pág. 61. [8] In A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, Cadernos de Direito Privado, nº 35, Julho/Setembro 2011, pág. 41 [9] Proferido no Procº 7B1875; em alinhamento, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/11/2017, Proc n.º 822/17.3T8VFR.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [10] No Proc. 90/19.2T8LLE.E1.S1. ,in www.dgsi.pt [11] In A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 45, nota 21. [12] In Estudos sobre o novo CPC, Lex, 1997, 2ª edição, págs. 148-150. [13] Tendo em conta, que tal dado não carece de ser registado ou comunicado ao RNPC. [14] O administrador é nomeado para o cargo em assembleia de condóminos.