ROUBO
PENAS PARCELARES
RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO
Sumário


I. Está-se perante seis (6) crimes de roubo, a que foram atribuídas penas entre 2 e 3 anos de prisão cada um. O thema decidendum no presente recurso é exclusivamente de direito e versa sobre o quantum das penas parcelares e da pena única atribuída em cúmulo jurídico (pugnando o Recorrente por uma pena única não superior a cinco anos, que se pretende suspensa na sua execução). Podendo, por isso, ser o recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça (art. 432, n.º 1, al. c) do CPP).
II. O Acórdão uniformizador de jurisprudência deste STJ n.º 5/2017, de 27-04-2017, proferido no Proc. n.º 41/13.8GGVNG-B.S1  parece colocar um termo à questão do conhecimento das penas parcelares como ocorre no caso sub judicio nestes autos. Com efeito, decidiu que:
«A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.»
III. Face à matéria de facto provada, evidencia-se que não há nem violação das regras da experiência nem desproporção das penas atribuídas, sendo assim de manter. Os factos dos diversos crimes parcelares são graves, naturalmente encontram-se tipificados criminalmente, são ilícitos e culposos (a culpa é grave, o dolo direto – cf. 71, n.º 2, als. A9 e b)), suscetíveis de provocar alarme social e por isso convocando exigências de prevenção significativas (art. 71, n.º 1, CP).
IV. Abundantemente ficaram provados factos sobre a gravidade dos contornos da factualidade destes crimes. Os quais, sendo muitos, e acrescentando-se ao historial criminal do arguido, também contribuem para formar uma ideia de uma carreira delitual, de uma tendência delinquente, o que é obviamente relevante para o juízo holístico que a lei impõe na determinação do cúmulo e da pena única. Em suma, reapreciando a medida das penas parcelares, aproximando os factos dos critérios ínsitos no art. 71 do CP, revela-se o iter decisório correto, isento de vícios, e em absoluto conforme aos parâmetros legais, sendo as sanções estabelecidas equilibradas e justas.
V. Para o perfil do Recorrente (relevante para a al. c, d, e e do n.º 2 do art. 71 do CP – e ulteriormente em sede de cúmulo, para o art. 77, n.º 1, in fine), colhe-se dos factos provados alguma adição a drogas, percurso escolar e laboral irregulares, alguns conflitos familiares, mas presente algum apoio da família e da namorada. Os antecedentes criminais do arguido são, porém, vastos (cf. art. 71, n.º 2, al. e)), havendo cometido uma vasta panóplia de crimes.
VI. Não procedendo o que afirma como suficiente para pôr em causa o acerto dos vários enfoques analíticos e judicatórios em questão (v.g. Ac. STJ, Proc. n.º 14/15.6SULSB.L1.S1 - 3.ª Secção, 19-09-2019). O MP neste STJ, assim sintetiza, de forma feliz: “Ora alegar e pedir sem fundamento bastante para tal, acaba por se reconverter num mero exercício de ‘wishful thinking’”. Pelo contrário, a multiplicidade e pluriocasionalidade da comissão de crimes é patente no seguimento do percurso criminal do Recorrente. E constitui, para mais nestes tão exuberantes termos, um fator de profundo alarme social, a requerer prevenção.
VII. Os limites mínimo e máximo da pena única são de 2 e de 14 anos e 6 meses, e não de 15 anos, lapso que, porém, não teve consequências na decisão.
 Como é sabido, a pena única deve determinar-se pela ponderação de fatores do critério que consta do art. 77 n.º 1, in fine, do Código Penal.
Desenvolveu o Acórdão recorrido uma análise e valoração ponderadas, documentadas e criteriosas das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, avaliou a culpa manifestada nas condutas delituais, aquilatou da ilicitude e das exigências de prevenção e sopesou todas as circunstâncias anteriores e ulteriores aos crimes, quer as que depõem a favor do arguido, quer as que lhe são desfavoráveis, como impõe o art. 71, n.º 2, do CP. Ou seja, pautou-se pela estrita obediência aos critérios decorrentes do disposto nos arts 40 e 71, deste diploma. Cf. v.g., o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª secção, de 23-09-2010, Proc.º 1687/04.0GDLLE.E1.S1.
VIII. A pena concretamente atribuída foi de 6 anos de prisão, ou seja, substancialmente abaixo da zona intermédia das penas possíveis. O que, atenta a violência dos atos, a desconformidade do agente com o Direito  pode mesmo considerar-se bastante indulgente já. Assim se acordou acorda em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o Acórdão recorrido.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I
Relatório


1. AA, mais detidamente identificado nos autos, por acórdão proferido em 17 de novembro de 2020, pelo Juízo Central Criminal …. - J ….. - foi condenado pela comissão, em autoria material e na forma consumada, dos seguintes crimes:

a. Um crime de roubo p. e p. pelos artigos 210, n º 1 e 211, ambos do Código Penal - ofendido BB - na pena de 2 anos de prisão;

b. Um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210, n º 1, do Código Penal - ofendido CC - na pena de 2 anos de prisão;

c. Um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210, n º 1, do Código Penal - ofendido DD - na pena de 2 anos de prisão;

d. Um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210, n º 1, do Código Penal - ofendida EE - na pena de 3 anos de prisão;

e. Um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210, n º 1, do Código Penal - ofendido FF - na pena de 3 anos de prisão;

f. Um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210, n º 1, do Código Penal - ofendido GG - pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

Sendo condenado na pena única de 6 anos de prisão.


2. Inconformado, veio o arguido interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça. Extraiu as seguintes Conclusões da motivação das suas alegações:

“a) Interpõe-se recurso do douto Acórdão proferido nos presentes autos, que condenou o arguido na pena única, e, em cúmulo jurídico, de 6 (seis) anos de prisão, pela prática, em autoria material, de 6 (seis) crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal

(doravante, só CP);

b) Entende o arguido, ora recorrente, que, face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, as penas parcelares bem como a pena única encontrada por via da operação do cúmulo jurídico, in casu, revelam-se pouco criteriosas e desequilibradamente doseadas, padecendo, assim, o Douto Acórdão defls., salvo melhorentendimento, do vício de excesso da medida da pena concretamente aplicada;

c) O Douto Acórdão violou, entre outros, os artigos 40º, n.º 2, 50º, 51º, 71º e 77º, n.º 2 do CP, conforme iremos detalhar nesta sede;

d) Compulsado o Douto Acórdão de fls. resultaram provados os seguintes factos (e que supra se transcreveram, dando-se aqui por integralmente reproduzidos, por razões de economia processual);

e) O recorrente discorda da pena aplicada no caso em concreto, porquanto a mesma afigura-se excessiva e desproporcional à gravidade dos factos que praticou e insuscetível de assegurar as finalidades que estão na base da punição;

f) São as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, que justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e sentido às suas reações específicas;

g) A prevenção geral, enquanto prevenção positiva ou de integração, isto é, “como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, assume o primeiro lugar como finalidade da pena;

h) Por outro lado, o princípio da culpa, acolhido no nosso ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa seja condição necessária da aplicação da pena e, simultaneamente, que a medida da pena não possa ultrapassar a medida da culpa;

i) Estes princípios encontram expressão nos n.ºs 1 e 2 do artigo 40º do CP, nos termos dos quais as penas têm como finalidade a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e não podem em caso algum ultrapassar a medida da culpa;

j) E, bem assim, no n.º 1 do artigo 71º do CP, de acordo com o qual a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, operação na qual, e de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, o tribunal terá de atender àquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente;

k) Assim, na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os fatores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam apena concreta aplicável. Aliás, "na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos das penas" – Vide, artigo 71º, n.º 3 CP;

l) Dito de outra forma: A pena concreta é encontrada tendo em consideração as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, conforme resulta dos artigos 40º e 71º do CP;

m) Na esteira de Anabela Rodrigues: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida […] pela exigência de prevenção geral” (…) Depois, […] a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial” (…) “Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena” (in Problemas fundamentais de Direito Penal, Homenagem a Claus Roxin, Lisboa, 2002, p. 208);

n) A dignidade da pessoa humana impede que a pena ultrapasse a culpa, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do CP;

o) Nesta aceção, “a culpa é o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso” (Eduardo Correia, Direito Criminal, Coimbra, reimpressão, 1993 vol. I, pág. 316). A culpa afere-se pelas circunstâncias de facto que rodearam a conduta do arguido;

p) Em face dos crimes por que foi condenado o arguido (ou seja: por seis crimes de roubo, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 210º do CP), descortina-se que a moldura penal abstrata, por cada um deles, é de 1 (um) a 8 (oito) anos de prisão;

q) Neste conspecto, e atentos os factos dados como provados, e a esses teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo - e por outro lado, atender às necessidades de prevenção (Cf., artigo 71º do CP);

r)  Ora, é neste específico ponto que o segmento decisório proferido pelo Tribunal a quo não merece a concordância por parte do Arguido, que considera a pena aí aplicada injusta, porquanto, e salvo o devido respeito, é desproporcionada, por excessiva, por incorreta e imprecisa aplicação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 71º do CP;

s) Considerando os factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática dos crimes, cumpre-nos assinalar que as quantias monetárias em apreço (10,00 €, 20,00 €), visaram prover aos consumos aditivos do arguido, à altura, consumidor de substâncias estupefacientes;

t) Na presente data, e conforme resulta do relatório social junto aos autos a fls., o mesmo encontra-se em abstinência (tal situação remonta-se à sua entrada no estabelecimento prisional);

u) Há que frisar, outrossim, que o arguido tem um relacionamento amoroso no exterior do estabelecimento, estando a sua namorada disponível para lhe prestar todo o apoio moral, económico e emocional;

v) Por fim, sempre se dirá que a idade do arguido (34 anos) é um fator que merecia e deveria ter sido objeto de valoração por parte do Tribunal de 1ª Instância;

w) Tais circunstâncias poderiam e deveriam ter sido ponderadas por banda do Tribunal a quo para efeitos de determinação da medida concreta das penas parcelares, o que não sucedeu;

x) Aliás, caso as preditas circunstâncias tivessem sido objeto de valoração pelo Tribunal a quo, este certamente teria aplicado penas parcelares inferiores às fixadas, dando, assim, uma última e derradeira oportunidade ao arguido de arrepiar caminho no sentido de conduzir a sua vida em conformidade com o direito;

y) Concretizando: relativamente à medida concreta das penas de prisão a aplicar a cada um dos crimes, entendemos que se revelem adequadas e proporcionais ao presente caso, salvo melhor entendimento, as seguintes;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º 1 e 211.º do Código Penal, na pessoa de BB [inquérito n.º 68/20…….] na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa de CC [inquérito n.º 98/20……] na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de DD [inquérito n.º 121/20…..] na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de EE [inquérito n.º 223/20…..] na pena de 2 anos de prisão;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de FF [inquérito n.º 223/20…..] na pena de 2 anos de prisão;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de GG [inquérito n.º 207/20…..] na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.

z) Procedendo-se, agora, ao cúmulo jurídico das penas parcelares acima encontradas (de molde a encontrar a pena única que se revele adequada e proporcional aos factos dados como provados), teremos de considerar que a sua punição, em termos concretos, será encontrada numa moldura abstrata que tem no seu limite mínimo a pena de 2 anos de prisão, correspondente à mais elevada das penas concretamente aplicadas, e no seu limite máximo a pena 10 anos e 3 meses, correspondente à soma de todas as penas parcelares aplicadas (Cf., artigo 77º, n.º 2 do CP);

aa) No entanto, antes de ser encontrada a pena única adequada e proporcional ao caso (atendendo à molura penal abstrata acima referida), impõe-se salientar que o tribunal a quo, não procedeu corretamente à operação do cúmulo jurídico, porquanto, o mesmo considerou como moldura penal abstrata no seu limite mínimo a pena de 3 anos de prisão e no seu limite máximo a pena de 15 anos;

bb) O tribunal a quo considerou como limite máximo (correspondente à soma de todas as penas parcelares aplicadas) a pena de 15 anos de prisão, ao invés de 14 anos e 6 meses, que corresponde à soma das penas parcelares a que chegou o tribunal (2 anos + 2 anos + 2 anos + 3 anos + 3 anos + 2 anos e seis meses = 14 anos e 6 meses);

cc) Revertendo ao caso, em concreto, para efeitos de determinação da pena única a aplicar ao arguido: atendendo às circunstâncias acima referenciadas, e operando o cúmulo jurídico das penas parcelares encontradas, o Tribunal a quo deveria ter aplicado ao arguido uma pena única nunca superior a 5 anos de prisão;

dd) Por outro lado, e acolhendo o prescrito no trecho precedente, deveria o Tribunal ponderar suspender a execução da pena de prisão aplicada ao ora recorrente, como veremos de seguida;

ee) Sobre esta temática reza o artigo 50º n.º 1 do CP que: “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à dua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”;

ff) Pode, ainda, o Tribunal, se julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, e/ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, nos termos do n.º 2 do citado artigo;

gg) O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos;

hh) O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;

ii) As finalidades da punição, a que se alude no artigo 50.º, n.º 1 do CP, são a já alegada proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (V., o n.º 1 do artigo 40º do Código Penal);

jj) Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaçada pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido (cf., por exemplo, o Acórdão do TRP de 10-11-2010, Processo n.º 94/10.0TCPRT.P1 e o Acórdão do TRC de 15-09-2010, Processo n.º 68/07.9TAFZZ.C1, disponíveis in www.dgsi.pt);

kk) Mais: ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 51.º do CP, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime;

ll) As regras de conduta, por seu turno, previstas no artigo 52.º do CP, visam promover a “reintegração” do agente na sociedade, pelo que a sua adequação deve ser aferida apenas sob a perspetiva de prevenção especial de socialização do agente (Cf., PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in “Comentário do Código Penal”, nota 1 ao artigo 52.º do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, p. 197”);

mm) No presente caso, atenta a pena única que julgamos adequada e proporcional em face do acima exposto (e que damos aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos), ou seja, uma pena não superior a 5 anos, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se preenchido;

nn) Relativamente à verificação do pressuposto material de aplicação da pena de substituição, importa ponderar, em favor do arguido o seguinte: é jovem, tem uma vida pela frente, tem uma companheira, no exterior, disponível para lhe prestar todo o apoio que o mesmo necessita; acresce, ainda, que o arguido se encontra em abstinência do consumo de estupefacientes;

oo) Desta forma, entendemos que, em termos de reabilitação e ressocialização do arguido, o cumprimento efetivo da pena única, não trará uma especial vantagem ao arguido, tendo em conta que este passou grande parte da sua vida privado de liberdade, sendo o propósito do mesmo endireitar a sua vida e constituir família;

pp) Na nossa modesta opinião, a pena de prisão suspensa na sua execução, mediante a ameaça sobre o arguido de cumprimento da prisão efetiva, ainda que sujeita a eventual regime de prova, seria uma alternativa suscetível de produzir melhores resultados de ressocialização do arguido, incentivando-o a adotar padrões de comportamento conformes ao direito;

qq) No mais, acreditamos que a suspensão da pena única de prisão acima referida, condicionada eventualmente a regime de prova, garante adequadamente a satisfação das finalidades das penas, permitindo efetuar um juízo de prognose favorável no sentido de que o arguido, daqui em diante, conduzirá a sua vida em consonância com a normatividade;

rr) Já que, tendo em conta o fim educativo que a pena deve ter, no sentido de demover o Arguido da prática de novos crimes, bem como a sua reintegração e ressocialização, no futuro, a pena aplicada ao arguido, é demasiado severa;

ss) Ante o aqui espelhado, é forçoso concluir que o Tribunal a quo, ao condenar o arguido em 6 anos de prisão efetiva pela prática dos crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do CP, violou, por conseguinte, o disposto nos artigos 40º, 50º, 51º, 71º e 77º, n.º 2, todos do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa e desproporcionada, tendo em conta o que aqui foi relatado.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas.

doutamente suprirão, deverá o Douto Acórdão ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.


3. A Digna Magistrada do Ministério Público na 1.ª Instância terminou a sua resposta com as seguintes Conclusões:

“1

Nos presentes autos, vem o arguido condenado numa pena única de 6 anos de prisão.

2

Insurge-se o recorrente quanto à circunstância de no texto do douto acórdão se ter consignado que o limite máximo da moldura legal da pena única era de 15 anos de prisão, quando efectivamente são 14 anos e 6 meses.

3

Ora, em nosso entender, tal trata-se de um mero e manifesto lapso de escrita, conforme fácil e claramente se alcança pela leitura integral do douto acórdão, o que somente demandaria a correcção daquele segmento daquela douta decisão, nos termos do art. 380.º, n. 1, al. b), do CPP.

4

Tal rectificação – que aliás pode ser efectuada oficiosamente tanto pelo Tribunal a quo como pelo ad quem, nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP - não importa modificação essencial, quer no que tange à decisão, quer no que concerne à fundamentação, pois não determina qualquer intromissão no conteúdo do julgado, estando o douto acórdão devidamente fundamentado e sem que se vislumbre qualquer contradição – mas tão-somente um evidente lapso de escrita.

5

Sendo evidente o percurso lógico que levou o Tribunal a fixar a pena única em 6 anos de prisão, atendendo à exaustiva fundamentação constante do acórdão, nada se vislumbra merecedor de censura quanto ao raciocínio ali explanado de forma clara e coerente.

6

Posto isto, o recorrente revela uma personalidade com relativa propensão para a prática de crimes contra o património, à qual não repugna o uso da violência para levar a cabo os seus intentos, e a quem não serviram de suficientes estímulo e “aviso” as anteriores condenações em pena de prisão, revelando assim manifesta incapacidade para compreender a oportunidade de ressocialização, assim que foi colocado em liberdade em virtude de condenação prévia.

7

Não é, portanto, viável a formulação de um juízo de prognose favorável ao recorrente, no sentido de que a simples censura do facto e ameaça da prisão bastarão para assegurar, de forma adequada e suficiente, as exigências de prevenção.

8

Sem embargo e atendendo:

- aos antecedentes criminais do arguido;

- ao relatório social do arguido;

- às necessidades de prevenção geral e especial que in casu se fazem sentir,

- bem como à culpa do arguido;

desde já se afirma dever ser mantido o douto acórdão recorrido, nos seus exactos termos.

Pelo que assim V.ªs Ex.ªs farão

JUSTIÇA!”


4. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto igualmente se pronunciou pela improcedência do recurso, em fundamentado e direto parecer, que rematou do seguinte modo:

“De todo o modo, a reapreciação da pena única, dado que o recurso vem interposto pelo arguido, terá que respeitar a proibição da reformatio in pejus, a qual não ficará minimamente posta em causa, se o STJ, ponderando os 14 anos e 6 meses, como o limite máximo da pena, entender, porventura, manter a pena única fixada. Aliás, nessa hipótese, quer-nos parecer que o factor de compressão implícito, se mostra perfeitamente consentâneo com a imagem global do facto enquanto expressão da personalidade do agente.

Somos assim de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente.”


6. Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2 do CPP, não tendo havido resposta.

Sem vistos, dada a presente situação pandémica, cumpre apreciar e decidir em conferência.


II

Do Acórdão recorrido


Particularmente relevantes se afigura o seguinte segmento fáctico do Acórdão recorrido, sem prejuízo, como é óbvio, da atenção que merece a integralidade do mesmo. Por motivos logísticos informáticos, as notas de rodapé aparecem intercaladas no texto, mas devidamente assinaladas:

“2. Fundamentação de facto

2.1 Factos provados

2.1.1. Da acusação

Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

A. Inquérito n.º 67/20…….

1. No dia ... de fevereiro de 2020, pelas 19h25m, o arguido AA deslocou-se às Galerias …., sitas na Avenida …….

2. O arguido entrou no estabelecimento comercial ….. e disse a HH, que ali se encontrava a trabalhar, que mandasse sair um cliente que ali se encontrava, o que aquela recusou.

3. De imediato, o arguido disse a HH que «tinha acabado de sair da prisão onde tinha estado durante sete anos»,

B. Inquérito n.º 68/20……

4. No dia ... de fevereiro de 2020, pelas 21h30m, o arguido AA deslocou-se ao estabelecimento de restauração e bebidas ….., sito em …...

5. Com o intuito de se apropriar das quantias monetárias depositadas naquele local, o arguido pediu a BB, que ali se encontrava a trabalhar, que lhe servisse um café e disse-lhe que pretendia pagar com uma nota de € 20,00, solicitando a entrega do troco correspondente, sem, no entanto, a entregar àquele.

6. BB tirou da caixa registadora a quantia de € 19,35, transportou-se consigo e dirigiu-se ao arguido, ao que este tirou-lha da mão e tentou abandonar o local, sendo de imediato seguido pelo primeiro.

7. Nessa sequência, o arguido apontou um x-ato a BB, que continuou a segui-lo, para evitar a sua fuga.

8. O arguido apontou, então, a BB, objecto não concretamente apurado, pelo que este o deixou fugir, temendo ser agredido fisicamente ou morto pelo mesmo.

9. O arguido abandonou o local na posse da aludida quantia, fazendo-a sua.

10. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de se apropriar do dinheiro que se encontrava na posse de BB, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu proprietário.

11. Para tanto, o arguido apontou um x-ato e objecto não concretamente determinado em direção ao corpo de BB, com vista a impedir que o mesmo resistisse e se tentasse defender ou pedir ajuda.


*

C. Inquérito n.º 130/20……..

12. No dia ... de fevereiro de 2020, pelas 13h30m, duas pessoas cuja identidade não se apurou encontravam-se junto ao centro comercial …., sitas na Avenida …...

13. Ao avistar II, que seguia apeado na ponte sobre  …., aquelas pessoas abeiraram-se do mesmo, agarram-no pelas costas, seguram-lhe os braços e desferiram-lhe vários murros no abdómen e na cara, fazendo-o cair no chão.

14. Depois, aquelas pessoas tiraram a II a carteira cujo valor era de cerca de €20,00 e um maço de cigarros que o mesmo guardava nos bolsos das calças e, na posse de tais objetos, abandonaram o local, fazendo-os seus.

15. Essas pessoas agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços com o mencionado indivíduo, com o propósito concretizado de se apropriar do dinheiro e do tabaco que se encontrava na posse de II, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu proprietário.

16. Para tanto, aquelas pessoas agarraram e seguraram os braços de II e desferiu-lhe murros, com vista a impedir que o mesmo resistisse e se tentasse defender ou pedir ajuda.


*

D. Inquérito n.º 98/20…….

17. No dia ... de fevereiro de 2020, pelas 22h40m, o arguido AA deslocou-se à receção do hotel …., situado na Rua …..

18. Com o intuito de se apropriar das quantias monetárias depositadas naquele local, o arguido AA pediu a CC, que ali se encontrava a trabalhar, que lhe desse troco de uma nota de € 50,00, ao que o mesmo respondeu que não tinha.

19. De imediato, o arguido AA disse a CC que «tinha acabado de sair da prisão onde tinha estado durante sete anos», que «precisava de dinheiro» e que «se fosse preciso fazer mal a alguém, fazia».

20. Temendo ser agredido fisicamente ou morto pelo arguido AA, CC tirou a quantia de € 30,00 da caixa registadora e entregou-a ao mesmo, o qual abandonou o local na posse do aludido montante, fazendo-o seu.

21. O arguido AA agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de se apropriar do dinheiro que se encontrava na posse de CC, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu proprietário.

22. Para tanto, o arguido AA dirigiu a CC as expressões acima transcritas com vista a amedrontá-lo e a forçá-lo a entregar o dinheiro que tivesse na sua posse.


*

E. Inquérito n.º 121/20……

23. No dia ... de fevereiro de 2020, pelas 01h20m, o arguido AA deslocou-se ao estabelecimento de restauração e bebidas ….., situado na Rua ….

24. Com o intuito de se apropriar das quantias monetárias depositadas naquele local, o arguido AA disse a DD, que ali se encontrava a trabalhar, que «tinha acabado de sair da prisão onde tinha estado durante treze anos por assalto à mão armada e sequestro», que «precisava de dinheiro para se deslocar para  …..», e que «se fosse preciso voltava à vida de criminalidade».

25. Temendo ser agredido fisicamente ou morto pelo arguido AA, DD tirou a quantia de € 20,00 da caixa registadora e entregou-a ao mesmo, o qual abandonou o local na posse do aludido montante, fazendo-o seu.

26. O arguido AA agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de se apropriar do dinheiro que se encontrava na posse de DD, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu proprietário.

27. Para tanto, o arguido AA dirigiu a DD as expressões acima transcritas [maxime ponto “24”] com vista a amedrontá-lo e a forçá-lo a entregar o dinheiro que tivesse na sua posse.


*

F. Inquérito n.º 223/20…….

28. No dia ... de abril de 2020, o arguido AA abeirou-se de EE e FF, quando estes se encontravam à entrada da sua residência, sita na Rua …., e, com o intuito de se apropriar das quantias monetárias que os mesmos tivessem na sua posse, disse-lhes que «tinha acabado de sair da prisão» e que «precisava de dinheiro».

29. EE entregou-lhe comida, perante o que o arguido AA lhe exigiu que lhe desse dinheiro.

30. Temendo ser agredida fisicamente pelo arguido AA, EE entregou-lhe a quantia de € 10,00.

31. De imediato, o arguido AA exibiu um canivete e exigiu a EE e a FF que lhes dessem mais dinheiro, dizendo: «vocês têm dinheiro porque recebem ao dia 8; deem-me mais dinheiro; isto pode correr bem ou pode correr mal».

32. Temendo ser fisicamente agredidos ou mortos pelo arguido AA, FF deslocou-se à ATM mais próxima e levantou o montante de € 20,00.

33. O arguido permaneceu junto de EE e, exibindo o mencionado canivete, disse: «não chamem ninguém porque eu sei bem onde moram».

34. Após receber de FF a mencionada quantia, o arguido AA abandonou o local, fazendo seu o dinheiro entregue por aquele e por EE.

35. O arguido AA agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de se apropriar do dinheiro que se encontrava na posse de EE e FF, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade dos seus proprietários.

36. Para tanto, o arguido AA exibiu um canivete com vista a impedir que EE e FF resistissem e se tentassem defender ou pedir ajuda e para os forçar a entregar o dinheiro que tivessem na sua posse.


*

G. Inquérito n.º 207/20……

37. No dia ... de maio de 2020, pelas 05h40m, o arguido AA, ao avistar GG junto do supermercado …, situado na Rua …., abeirou-se do mesmo e exigiu-lhe que o acompanhasse até ao multibanco mais próximo e que lhe desse a quantia de € 20,00, que após lhe transferia via MBway.

38. Perante a recusa de GG, o arguido AA agarrou a gola do casaco que o mesmo envergava e disse-lhe: «Já me estou a passar, já estive sete anos preso na prisão escola, não me obrigues a puxar pela naifa».

39. Temendo ser agredido fisicamente ou morto pelo arguido AA, GG seguiu-o até à caixa multibanco mais próxima, levantou a quantia de € 20,00 e entregou-lha.

40. Na posse do referido montante, o arguido AA abandonou o local, fazendo-o seu.

41. O arguido AA agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de se apropriar de dinheiro pertencente a GG, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade do seu proprietário.

42. Para tanto, o arguido exerceu força física sobre GG e dirigiu-lhe as expressões acima transcritas para impedir que o mesmo resistisse e se tentasse defender ou pedir ajuda, e para o forçar a entregar-lhe dinheiro.

2.1.2. Condições pessoais do arguido

Consta do relatório social atinente ao arguido que:

43. Anteriormente à prisão, AA, de 33 anos de idade, estava desempregado desde novembro de 2019, altura em que trabalhou, durante cerca de um mês, como empregado de …. numa ….., sita em …...

44. Na altura esteve a trabalhar à experiência, tendo, após esse período, os seus serviços sido dispensados.

45. Posteriormente, segundo afirma, conseguira um emprego, na zona  …., por conta de uma empresa que de dedica à …, que não chegou a iniciar por ter sido preso preventivamente, a 14/05/2020.

46. Nos últimos quatro anos apresenta um percurso profissional irregular, alternando períodos em que executou alguns trabalhos, à tarefa, sem vínculo contratual, com períodos de inatividade, durante os quais exerceu a atividade  …...

47. O arguido tem como habilitações académicas o 9º ano de escolaridade obtido durante o cumprimento de anterior pena de prisão (esteve recluído de .../02/2005 a .../12/2011).

48. Ainda frequentou curso que lhe daria equivalência ao 12º ano, que não concluiu.

49. A nível profissional o arguido não apresenta competências especificas, tendo apenas executado trabalhos indiferenciados.

50. Afirma estar inscrito na Sociedade Portuguesa de Autores como …. e ter desenvolvido atividade dessa natureza, quer realizando …., quer …. nos canais que se dedicam a essa divulgação, referindo ser economicamente compensado com a visualização dessas postagens.

51. Declara auferir o rendimento de €450,00 por trimestre.

52. Anteriormente à prisão, o arguido mantinha um relacionamento de namoro com JJ com quem refere viver em união de facto.

53. Esta afirma que efetivamente mantem um relacionamento amoroso com o arguido há alguns meses e que este pernoitava às vezes pernoitava em sua casa, mas não assume um relacionamento de união de facto.

54. Na zona  …., onde residiu nos últimos anos, AA tem uma imagem social negativa, com sentimentos de rejeição, sinalizado por protagonizar uma conduta de desvio social no seu quotidiano.

55. Segundo JJ esta situação tem contribuído para dificultar a inserção social e laboral do arguido.

56. Atualmente AA encontra-se preso preventivamente à ordem do processo n.º 98/20….., no qual se encontra acusado da prática de crimes de roubo.

57. Relativamente ao presente processo, o arguido não manifesta particular apreensão com o seu desfecho, mas em termos abstratos, revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade.

58. Relativamente ao seu relacionamento com a família de origem, o arguido refere que atualmente mantem contactos telefónicos regulares com a mãe, embora esta não tenha capacidade para o visitar no Estabelecimento Prisional dado residir na zona  ….. de onde o arguido é natural.

59. A mãe do arguido afirma que os seus contactos com o filho têm sido escassos o ocorrem a solicitação dele, sobretudo quando se encontra em situação problemática.

60. Afirma que o arguido, ao longo da vida tem apresentado dificuldades de manter um percurso adaptado, sendo o único elemento da família que apresenta um estilo de vida socialmente ajustado e contactos com o Sistema de Justiça.

61. Manifesta disponibilidade para lhe prestar algum apoio e, desde que o arguido se encontra em reclusão, tem enviado algumas quantias em dinheiro de forma ao arguido fazer face a algumas despesas pessoais, nomeadamente com as comunicações, mas afirma que não tem condições para o acolher na sua residência.

62. Refere que a postura do arguido no seio familiar nem sempre foi correta, tendo, no passado apresentado comportamentos de agressividade para com ela e o padrasto, pelo que este se opõe a acolher o arguido em sua casa.

63. Na sua opinião, os comportamentos desajustados do arguido estão associados aos consumos de estupefacientes que este protagonizava e que tiveram início na adolescência, com predomínio das substâncias – haxixe e cocaína.

64. Aquando da prisão, referiu que estava em fase ativa do consumo de estupefacientes.

65. Em contexto prisional, aparenta encontrar-se abstinente.

66. A nível comportamental, AA apresenta comportamento tendencialmente de acordo com as normas institucionais, registando apenas uma infração disciplinar, datada de 19/05/2020, ainda em fase de averiguações.

67. Como projeto de vida futuro, o arguido pretende fixar residência junto da namorada que manifesta disponibilidade em lhe prestar algum apoio e inserir-se profissionalmente, embora não disponha de trabalho assegurado.

2.1.3. Antecedentes criminais do arguido

Resulta do CRC1 do arguido que:

O arguido AA iniciou ou seu percurso criminógeno com a condenação no âmbito dos autos n.º 4/04….., tendo sido condenado pela prática de crime de roubo, praticado em 21.06.2004, apresentando desde ai e em diante, múltiplas condenações pela prática de ilícitos de distinta natureza, donde, violando bens jurídicos inerentemente diversos.

Assinala-se dentre os abundantes antecedentes criminais a decisão cumulatória, proferida no âmbito dos autos PCC, … VARA, n.º 227/05……, datado de 2008/11/26, e oportunamente transitado em julgado em 2008/12/15, englobando a comissão de: 1 crime de furto qualificado, praticado em 2005/10/05; 9 crimes de roubo praticados em 2005/10/05; 1 crime de roubo na forma tentada praticado em 2005/10/05; 11 crime de condução sem habilitação praticados em 2005/10/05; 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário, praticado em 2005/10/05; crime de sequestro tendo sido condenado na pena de 12 [ doze ] anos de prisão, pena essa extinta em 2017/05/19.2

Regista-se a comissão em 31.03.2015 de crime de violência doméstica, p.p. pelo art. 152.º -A do CP na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.3

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1 Constante da ref.ª ….

2. PROCESSOS CÚMULO: TRIBUNAL ….. - VARAS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA … VARA N.º PROCESSO: 81/05…..

TRIBUNAL ….. - TRIBUNAL JUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA … JUÍZO CRIMINAL N.º PROCESSO: 127/05……

TRIBUNAL …. - TRIBUNAL JUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA … JUÍZO CRIMINAL N.º PROCESSO: 708/04…..

TRIBUNAL …. - TRIBUNAL JUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA … JUÍZO COMPETÊNCIA CRIMINAL N.º PROCESSO: 4/04…….

TRIBUNAL …. - TRIBUNAL JUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA … JUÍZO CRIMINAL N.º PROCESSO: 1455/04…..

TRIBUNAL …… - VARA COMP. MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA VARA COMPETÊNCIA MISTA - … SECÇÃO N.º PROCESSO: 2856/04….

TRIBUNAL …. - VARAS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA … VARA N.º PROCESSO: 929/04……

TRIBUNAL …… - VARAS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA … VARA N.º PROCESSO: 909/04……

TRIBUNAL ….. - VARAS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA … VARA N.º PROCESSO: 801/05……

DECISÃO/PENA: MULTA

MOTIVO DA PENA:

DURAÇÃO PENA: 0 ANO(S) 0 MÊS(ES) 0 DIA(S)

DESCRIÇÃO: 350 DIAS DE MULTA, À TAXA DIÁRIA DE 3,00, QUE PERFAZ O TOTAL DE 1.050,00 EUROS

INFORMAÇÃO ADICIONAL: DATA DE EXTINÇÃO: 2009/11/29

3. P 191/15…..

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Regista-se a comissão, em 02.04.2019, de crime de desobediência, p.p. pelo art. 348.º do CP e de crime de injúria agravada, p.p. pelo art. 181.º e 184.º do CP na pena de 11 meses de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.

2.2 Factos não provados

Da instrução e discussão da causa [considerando o objecto do processo tal como surge nos autos recortado pela acusação] resultaram não provados os seguintes factos:

A. Inquérito n.º 67/20……

1. Que após iniciar conversa com HH o arguido AA tenha dito que «precisava de dinheiro», que «se fosse preciso fazer mal a alguém, fazia» e que «se não lhe dessem dinheiro seria obrigado a assaltar alguém».

2. Que perante a recusa de HH em dar-lhe dinheiro, e em face da presença de outras pessoas no interior do estabelecimento, o arguido abandonou o mesmo.

3. Que após, ao aperceber-se que LL se encontrava a levantar dinheiro numa ATM existente no interior das Galerias …., o arguido abeirou-se do mesmo, com o propósito de lhe retirar e fazer suas aquelas quantias.

4. Temendo ser fisicamente agredido pelo arguido, LL colocou-se em fuga, tendo sido seguido alguns metros por aquele, que não conseguiu alcançá-lo.

5. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de se apropriar de dinheiro pertencente a HH e a LL, bem sabendo que o dinheiro não lhe pertencia e que atuava contra a vontade dos seus proprietários.

6. Para tanto, o arguido dirigiu a HH as expressões acima transcritas e abeirou-se e seguiu LL, com vista a amedrontá-los e a forçá-los a entregar o dinheiro que tivessem na sua posse.

7. O arguido não logrou alcançar os seus desideratos por razões alheias à sua vontade.


*

B. Inquérito n.º 68/20……

1. Que na sequência dos factos descritos de “4” a “11” dos Factos provados o arguido AA, tenha empunhado e dirigido na direcção de BB uma navalha.

C. Inquérito n.º 130/20……

1. Que nos factos assentes por provados nos pontos “12” a “16” o arguido tenha tido qualquer intervenção.

2. Que tenha agido de forma livre deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida porque proibida por lei.”


III

Fundamentação

A

Questões Processuais Prévias



1. Não se vislumbram quaisquer motivos que impeçam o conhecimento do recurso por este Supremo Tribunal de Justiça.

2. É consensual que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certas questões legalmente determinadas – arts. 379, n.º 2 e 410, n.º 2 e 3 do CPP – é pelas Conclusões apresentadas em recurso que se recorta ou delimita o âmbito ou objeto do mesmo (cf., v.g., art. 412, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, p. 316; jurisprudência do STJ apud Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Relator: Conselheiro Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Relator: Conselheiro Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Relator: Conselheiro Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos).


3. No ponto y) das suas Conclusões, o Recorrente avança alternativas às concretamente decididas, nos termos seguintes:

“Concretizando: relativamente à medida concreta das penas de prisão a aplicar a cada um dos crimes, entendemos que se revelem adequadas e proporcionais ao presente caso, salvo melhor entendimento, as seguintes;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º 1 e 211.º do Código Penal, na pessoa de BB [inquérito n.º 68/20……] na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa de CC [inquérito n.º 98/20……] na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de DD [inquérito n.º 121/20…….] na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de EE [inquérito n.º 223/20…..] na pena de 2 anos de prisão;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de FF [inquérito n.º 223/20……] na pena de 2 anos de prisão;

- Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de GG [inquérito n.º 207/20…..] na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.”

Porém, a apreciação deste pedido pareceria, prima facie, esbarrar liminarmente com a Lei: numa leitura mais literal e imediata desta, não poderiam ser conhecidas deste Tribunal as penas parcelares, todas inferiores a 5 anos de prisão (art. 432, n.º 1, al. c), a contrario, do CPP).

Contudo, sendo o recurso per saltum, o direito ao recurso (art. 32, n.º 1 CRP) destas penas parcelares ficaria nessa situação comprimido, já que o Recorrente não teve direito a nenhum recurso das mesmas. A literalidade da lei: Art. 432, n.º 1, al. c) a contrario, como foi dito, consentirá, porém, outra interpretação?

 Um recente lugar paralelo (tendo em conta o decidido nos Acs. do Tribunal Constitucional proferidos no Proc. n.º 140/17 - acórdão n.º 524/2021, Proc. n.º 1465/17 – e acórdão n.º 525/2021, Proc. n.º 258/19 - acórdão n.º 523/2021 pode encontrar-se no Ac. deste STJ, 3.ª Secção, de 08-09-2021, proferido no Proc.º n.º 1134/10.9TAVFX.L1.S1 (Relatora: Conselheira Ana Barata de Brito). No âmbito deste recurso se exarou esta doutrina geral, que acolhemos, como princípio:

“III. O afastamento da norma legal expressa que estatui a irrecorribilidade da decisão num caso como o presente (afastamento da norma que veda o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça ao arguido condenado pela primeira vez em 2.a instância em pena não privativa da liberdade) teria de justificar-se ou à luz de norma de direito internacional que o impusesse (e que obrigasse o Estado Português) ou à luz da Constituição.

IV. E cumprindo sempre proferir decisão dentro do sistema, justificando-a à luz da lei, da Constituição e da CEDH, na interpretação destes diplomas não pode deixar de relevar a jurisprudência do Tribunal Constitucional e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

V. Em três acórdãos do Pleno do Tribunal Constitucional, todos de 13 de Julho de 2021, este Tribunal acaba de pronunciar-se, por três vezes, no sentido da conformidade constitucional da tese da irrecorribilidade, seguida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

VI. Assim, reconhecendo-se a restrição do direito ao recurso do arguido na situação sub judice, considera-se que no estádio actual da lei e da jurisprudência há que aceitar tal restrição como ainda razoável e proporcional, não se vislumbrando fundamento bastante para contrariar a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça.”.

Com efeito, os três acórdãos do Tribunal Constitucional referidos, em situações não idênticas, mas lugares paralelos (cf., enquadramento metodológico in Ac. STJ, de 04-05-2011, proferido no Proc.º n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1), vão no sentido de não considerar inconstitucionais várias situações que poderiam prima facie ser consideradas como tais, por aparente compressão desse direito ao recurso.

Na linha do Ac. desta mesma secção do STJ, de 08-09-2021, proferido no Proc.º n.º 1134/10.9TAVFX.L1.S1, crendo que a unidade de julgados contribui para a unidade do sistema jurídico e esta é fator de segurança jurídica, poder-se-ia pensar em seguir essa linha, apesar das reticências que a ela se colocam (cf. as diferentes posições v.g. no Ac. e declaração de voto proferido em 06-11-2011 por este STJ no Proc.º n.º 62/11.5JACBR. S1, Relatora: Conselheira Isabel Pais Martins).

Mas o Acórdão uniformizador de jurisprudência deste STJ n.º 5/2017, de 27-04-2017, proferido no Proc. n.º 41/13.8GGVNG-B.S1 (Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos) parece colocar um termo à questão, permitindo o conhecimento das penas parcelares. Com efeito, decidiu que: 

«A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.»


4.O thema decidendum no presente recurso é exclusivamente de direito e versa sobre o quantum das penas parcelares e da pena única atribuída em cúmulo jurídico (pugnando o Recorrente por uma pena única não superior a cinco anos, que se pretende suspensa na sua execução). Podendo, por isso, ser o recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça (art. 432, n.º 1, al. c) do CPP).



B

Parâmetros Fundamentais de Apreciação



1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal sublinha que a sua intervenção no controle da proporcionalidade com que há que pesar os crimes e as penas não é ilimitada e que o quantum da pena se deve manter quando se revele, em geral, o acerto dos vários enfoques analíticos e judicatórios em questão (v.g. Ac. STJ, Proc. n.º 14/15.6SULSB.L1.S1 - 3.ª Secção, 19-09-2019). É o que ocorre no presente caso.

2. No respeitante à fixação concreta da pena, a intervenção deste STJ  tem de ser necessariamente parcimoniosa, jamais ad libitum, ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cf. Acs. de 09-11-2000, Proc. n.º 2693/00 - 5.ª; de 23-11-2000, Proc. n.º 2766/00 - 5.ª; de 30-11-2000, Proc. n.º 2808/00 - 5.ª; de 28-06-2001, Procs. n.ºs 1674/01 - 5.ª, 1169/01 - 5.ª e 1552/01 - 5.ª; de 30-08-2001, Proc. n.º 2806/01 - 5.ª; de 15-11-2001, Proc. n.º 2622/01 - 5.ª; de 06-12-2001, Proc. n.º 3340/01 - 5.ª; de 17-01-2002, Proc. n.º 2132/01 - 5.ª; de 09-05-2002, Proc. n.º 628/02 - 5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, Proc. n.º 585/02 - 5.ª; de 23-05-2002, Proc. n.º 1205/02 - 5.ª; de 26-09-2002, Proc. n.º 2360/02 - 5.ª; de 14-11-2002, Proc. n.º 3316/02 - 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, Proc. n.º 3399/03 - 5.ª; de 04-03-2004, Proc. n.º 456/04 - 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, Proc. n.º 3182/04 - 5.ª; de 23-06-2005, Proc. n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, Proc. n.º 2521/05 - 5.ª; de 03-11-2005, Proc. n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, Proc. n.º 2555/06 - 3.ª; de 14-02-2007, Proc. n.º 249/07 - 3.ª; de 08-03-2007, Proc. n.º 4590/06 - 5.ª; de 12-04-2007, Proc. n.º 1228/07 - 5.ª; de 19-04-2007, Proc. n.º 445/07 - 5.ª; de 10-05-2007, Proc. n.º 1500/07 - 5.ª; de 14-06-2007, Proc. n.º 1580/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, Proc. n.º 1775/07 - 3.ª; de 05-07-2007, Proc. n.º 1766/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, Proc. n.º 3321/07 - 3.ª; de 10-01-2008, Proc. n.º 907/07 - 5.ª; de 16-01-2008, Proc. n.º 4571/07 - 3.ª; de 20-02-2008, Procs. n.ºs 4639/07 - 3.ª e 4832/07 - 3.ª; de 05-03-2008, Proc. n.º 437/08 - 3.ª; de 02-04-2008, Proc. n.º 4730/07 - 3.ª; de 03-04-2008, Proc. n.º 3228/07 - 5.ª; de 09-04-2008, Proc. n.º 1491/07 - 5.ª e Proc. n.º 999/08 - 3.ª; de 17-04-2008, Procs. n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, Proc. n.º 4723/07 - 3.ª; de 21-05-2008, Procs. n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, Proc. n.º 1001/08 - 5.ª; de 03-09-2008, no Proc. n.º 3982/07 - 3.ª; de 10-09-2008, Proc. n.º 2506/08 - 3.ª; de 08-10-2008, nos Procs. n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, Proc. n.º 1964/08 - 3.ª; de 29-10-2008, Proc. n.º 1309/08 - 3.ª; de 21-01-2009, Proc. n.º 2387/08 - 3.ª; de 27-05-2009, Proc. n.º 484/09 - 3.ª; de 18-06-2009, Proc. n.º 8523/06.1TDLSB - 3.ª; de 01-10-2009, Proc. n.º 185/06.2SULSB.L1.S1 - 3.ª; de 25-11-2009, Proc. n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1 - 3.ª; de 03-12-2009, Proc. n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1 - 3.ª; e de 28-04-2010, Proc. n.º 126/07.0PCPRT.S1” (cf. Acórdão deste STJ de 2010-09-23, proferido no Proc.º n.º 10/08.0GAMGL.C1.S1).



C

Das Penas



1. Sobre as penas parcelares, na 1.ª Instância considerou-se, com acerto, depois de considerações mais teóricas e de enquadramento com plena pertinência, que:

“Ao crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º 1, e 211.º do Código Penal cabe pena de prisão, donde, será esta a pena a aplicar em todos os casos considerados.

No que concerne às penas parcelares a aplicar pondera-se a gravidade objectiva dosfactos globalmente praticados decorrendo esta do modo de execução dos mesmos e das molduras penais abstractamente cominadas, de elevada gravidade, admitindo-se a aplicação de pena de prisão até 8 [oito] anos.

O arguido agiu com dolo directo e culpa muito intensa, em todos os casos considerados e dados como provados.

O arguido AA iniciou ou seu percurso criminógeno com a condenação no âmbito dos autos n.º 4/04….., tendo sido condenado pela prática de crime de roubo, praticado em 21.06.2004, apresentando desde ai e em diante, múltiplas  condenações pela prática de ilícitos de distinta natureza, donde, violando bens jurídicos inerentemente diversos.

Assinala-se dentre os abundantes antecedentes criminais a decisão cumulatória, proferida no âmbito dos autos PCC, …. VARA, n.º 227/05……, datado de 2008/11/26, e oportunamente transitado em julgado em 2008/12/15, englobando a comissão de: 1 crime de furto qualificado, praticado em 2005/10/05; 9 crimes de roubo praticados em 2005/10/05; 1 crime de roubo na forma tentada praticado em 2005/10/05; 11 crime de condução sem habilitação praticados em 2005/10/05; 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário, praticado em 2005/10/05; crime de sequestro tendo sido condenado na pena de 12 [doze] anos de prisão, pena essa extinta em 2017/05/19.20

Regista-se a comissão em 31.03.2015 de crime de violência doméstica, p.p. pelo art. 152.º -A do CP na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.21

Regista-se a comissão, em 02.04.2019, de crime de desobediência, p.p. pelo art. 348.º do CP e de crime de injúria agravada, p.p. pelo art. 181.º e 184.º do CP na pena de 11 meses de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Destarte, surgem reforçadas as exigências de prevenção especial, posto que as sucessivas sanções em que o arguido foi condenado não o dissuadiram da prática de ilícitos.


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20. PROCESSOS CÚMULO: TRIBUNAL ….. - VARAS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA … VARA N.º PROCESSO: 81/05…..

TRIBUNAL …. - TRIBUNAL JUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA … JUÍZO CRIMINAL N.º PROCESSO: 127/05……

TRIBUNAL … - TRIBUNAL JUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA … JUÍZO CRIMINAL N.º PROCESSO: 708/04…..

TRIBUNAL ….. - TRIBUNAL JUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA … JUÍZO COMPETÊNCIA CRIMINAL N.º PROCESSO: 4/04…..

TRIBUNAL ….. - TRIBUNAL JUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA … JUÍZO CRIMINAL N.º PROCESSO: 1455/04……

TRIBUNAL …. - VARA COMP. MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA VARA COMPETÊNCIA MISTA - … SECÇÃO N.º PROCESSO: 2856/04……

TRIBUNAL …. - VARAS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA … VARA N.º PROCESSO: 929/04……

TRIBUNAL ….. – VARAS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA … VARA N.º PROCESSO: 909/04…..

TRIBUNAL ….. - VARAS CRIMINAIS UNIDADE ORGÂNICA … VARA N.º PROCESSO: 801/05…..

DECISÃO/PENA: MULTA

MOTIVO DA PENA:

DURAÇÃO PENA: 0 ANO(S) 0 MÊS(ES) 0 DIA(S)

DESCRIÇÃO: 350 DIAS DE MULTA, À TAXA DIÁRIA DE 3,00, QUE PERFAZ O TOTAL DE 1.050,00 EUROS

INFORMAÇÃO ADICIONAL: DATA DE EXTINÇÃO: 2009/11/29


21. P 191/15……..

_____

São prementes as exigências de prevenção geral no sentido de reafirmar junto da comunidade jurídica a validade e eficácia das normas violadas.

Assinala-se ainda a personalidade do arguido documentada nos factos por si praticados, personalidade esta que emerge recortada do relatório social aos autos junto, como revertendo para um indivíduo desprovido de uma escala de valores morais, posto que se assinala a prática recorrente de tipos de ilícito de natureza distinta.

No que concerne à medida concreta das penas de prisão a aplicar entendem-se adequadas e proporcionais as seguintes penas de prisão:

a) Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º 1 e 211.º do Código Penal, na pessoa de BB [inquérito n.º 68/20…… a pena de 2 [dois] anos de prisão;

b) Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa de CC [inquérito n.º 98/20…….] a pena de 2 [dois] anos de prisão;

c) Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de DD [inquérito n.º 121/20…..] a pena de 2 [dois] anos de prisão;

d) Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de EE [inquérito n.º 223/20…..] a pena de 3 [três] anos de prisão;

e) Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de FF [inquérito n.º 223/20……] a pena de 3 [três] anos de prisão;

f) Pela prática em autoria material de um crime de roubo, previsto e punido pelos art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pessoa de GG [inquérito n.º 207/20…..] a pena de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão; “


Face à matéria de facto provada, evidencia-se que não há nem violação das regras da experiência nem desproporção das penas atribuídas, sendo assim de manter.

2. Os factos dos diversos crimes são graves, naturalmente encontram-se tipificados criminalmente, são ilícitos e culposos (a culpa é grave, o dolo direto – cf. 71, n.º 2, als. A9 e b)), suscetíveis de provocar alarme social e por isso convocando exigências de prevenção significativas (art. 71, n.º 1, CP). Trata-se de seis (6) crimes de roubo, a que foram atribuídas penas entre 2 e 3 anos de prisão cada um.

Sendo o roubo um daqueles crimes mais clássicos (sem poder afirmar-se sem temeridade e perentoriamente que seja um desses crimes “naturais”, intuitivos, ou sociologicamente universais, certo é que tem tido universalmente, em geral, uma muito grande “dignidade penal”) e por isso alvo de múltipla reflexão, é inabarcável hoje a doutrina e a jurisprudência sobre o tema (cf., por todos, Jorge de Figueiredo Dias (dir.), Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 158 ss.; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3.ª ed., Lx., UCP, 2015, p. 824 ss. e bibliografia neles citada), mas perpassa pelas fontes compulsáveis, antes de mais, a óbvia complexidade dos bens jurídicos violados, quer de caráter patrimonial, quer de caráter pessoal. Avulta, além da subtração de um quid alheio, tópicos como força, violência (física ou psicológica), coação, constrangimento, e é, evidentemente, um crime com um tipo legal doloso. Tudo isso está presente nos crimes perpetrados pelo arguido, em que várias vítimas assinalam a sua situação de temor…

3. Abundantemente ficaram provados factos sobre a gravidade dos contornos da factualidade destes crimes. Os quais, sendo muitos, e acrescentando-se ao historial criminal do arguido, também contribuem para formar uma ideia de uma carreira delitual, de uma tendência delinquente, o que é obviamente relevante para o juízo holístico que a lei impõe na determinação do cúmulo e da pena única.

4. Para o perfil do Recorrente (relevante para a al. c, d, e e do n.º 2 do art. 71 do CP – e ulteriormente em sede de cúmulo, para o art. 77, n.º 1, in fine), colhe-se dos factos provados, nomeadamente:

No momento da detenção, e segundo a mãe desde o início da adolescência, encontrava-se a consumir substâncias estupefacientes, com predomínio de haxixe e cocaína. Em meio prisional aparentemente tem-se mantido delas abstinente, e com um comportamento em geral normativo – salvo infração disciplinar, datada de 19/05/2020, ainda em fase de averiguações.

Um percurso laboral acidentado e em grande medida omisso. Refere-se, por exemplo, que estava desempregado desde novembro de 2019, altura em que trabalhou, mas apenas durante cerca de um mês, como ….. numa ….... Tendo sido um trabalho à experiência: findo o período de prova, foi dispensado. Afirma ter conseguido novo emprego, em que não chegou a ingressar, por ter sido preso preventivamente em 14/05/2020. Registem-se a irregularidade laboral, avultando trabalhos à tarefa, sem vínculo contratual, alternados com períodos de inatividade, em que foi …... Não tem profissionalmente competências especificas, tendo apenas executado trabalhos indiferenciados.

Academicamente, concluiu o 9.º ano de escolaridade durante o cumprimento de anterior pena de prisão (esteve recluído de 15/02/2005 a 22/12/2011). Não conclui curso que lhe daria equivalência ao 12.º ano.

A pessoa com quem mantinha “um relacionamento de namoro” admite que este pernoitava às vezes em sua casa, mas não assume um relacionamento de união de facto. Contudo, está disponível para o ajudar futuramente. O mesmo se diga da mãe (com quem contacta à distância, dado residir na ……, e que lhe envia algumas somas de dinheiro), que contudo o não acolherá em casa, por diferendos anteriores, nomeadamente com o padrasto.

Na zona  …., onde residiu nos últimos anos, “tem uma imagem social negativa, com sentimentos de rejeição, sinalizado por protagonizar uma conduta de desvio social no seu quotidiano”. Esta reputação andará certamente associada a um sentimento agora não concreto mas difuso de temor, a requerer prevenção especial.

Não manifesta particular apreensão com o desfecho do presente processo, mas revela, em abstrato, capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade. Espera futuramente residir junto da namorada e encontrar emprego.

5. Os antecedentes criminais do arguido são, porém, vastos (cf. art. 71, n.º 2, al. e)).

Iniciando-se com a condenação no âmbito dos autos n.º 4/04….., tendo sido condenado pela prática de crime de roubo, praticado em 21.06.2004, apresentando desde ai e em diante, múltiplas condenações pela prática de ilícitos de diversa natureza.

Refira-se, de entre “abundantes antecedentes criminais” a decisão cumulatória, proferida no âmbito dos autos PCC, …. Vara, n.º 227/05….., datado de 2008/11/26, e oportunamente transitado em julgado em 2008/12/15, englobando a comissão de: 1 crime de furto qualificado, praticado em 2005/10/05; 9 crimes de roubo praticados em 2005/10/05; 1 crime de roubo na forma tentada praticado em 2005/10/05; 11 crime de condução sem habilitação praticados em 2005/10/05; 1 crime de resistência e coação sobre funcionário, praticado em 2005/10/05; crime de sequestro tendo sido condenado na pena de 12 [doze] anos de prisão, pena essa extinta em 2017/05/19.2

Regista-se ainda a comissão em 31.03.2015 de crime de violência doméstica, p.p. pelo art. 152.º-A do CP na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.3

Regista-se por último a comissão, em 02.04.2019, de crime de desobediência, p.p. pelo art. 348.º do CP e de crime de injúria agravada, p.p. pelo art. 181.º e 184.º do CP na pena de 11 meses de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.

6. É abundante a doutrina e a jurisprudência, em alguns casos convocada pelo Recorrente, mas importa aproximá-la do caso concreto.

Se na alegação em prol da diminuição das penas parcelares o Recorrente chega a propor penas alternativas, já em contrapartida não vem carrear argumentação concreta suscetível de sustentar um iter judicatório alternativo, e capaz de afastar o seguido pelo Tribunal a quo. Não procedendo o que afirma como suficiente para pôr em causa o acerto dos vários enfoques analíticos e judicatórios em questão (v.g. Ac. STJ, Proc. n.º 14/15.6SULSB.L1.S1 - 3.ª Secção, 19-09-2019). O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, neste STJ, assim sintetiza, de forma feliz: “Ora alegar e pedir sem fundamento bastante para tal, acaba por se reconverter num mero exercício de ‘wishful thinking’”.

As referências gerais, doutrinais e jurisprudenciais, por excelentes que sejam (e são-no, em si mesmas) não chegam para sustentar argumentos sem uma subsunção ou qualquer aproximação da teoria ao caso concreto. No mesmo sentido, encontramos o seguinte passo, neste caso, do parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto: “Todavia, para além de considerações doutrinais gerais, não se mostra, a nosso ver, trazido fundamento, maxime retirado do modo como as operações de determinação das referidas penas foram efectuadas, que justifique tais pretensões processuais.”

7. A multiplicidade e pluriocasionalidade da comissão de crimes é patente no seguimento do percurso criminal do Recorrente. E constitui, para mais nestes tão exuberantes termos, um fator de profundo alarme social, a requerer prevenção. É de ponderar a tese de Jean-Louis Vuillerme, La fin de la justice pénale, “Archives de philosophie du droit”, XXVIII, p. 165, exagerada quanto à vítima (porque há empatias profundas por vezes), mas provavelmente certa no demais: “A comunidade, pouco sensível aos sentimentos da vítima, é em contrapartida tocada (com razão) pela possibilidade da recidiva. É nessa consequência que confere à pena um papel de intimidação e de correção” (trad. nossa).

8. Em suma, reapreciando a medida das penas parcelares, aproximando os factos dos critérios ínsitos no art. 71 do CP, revela-se o iter decisório correto, isento de vícios, e em absoluto conforme aos parâmetros legais, sendo as sanções estabelecidas equilibradas e justas.

9. Relativamente ao cúmulo jurídico, em geral.

Os limites mínimo e máximo da pena única são de 2 e de 14 anos e 6 meses, e não de 15 anos, lapso que, porém, não teve consequências na decisão.

 Como é sabido, a pena única deve determinar-se pela ponderação de fatores do critério que consta do art. 77 n.º 1, in fine, do Código Penal:

  “1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”


10. Como assinala o Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (e vária jurisprudência com ele é concorde), há o que se poderá chamar um critério holístico na escolha da medida da pena única. O que decorre, de resto, de uma interpretação do texto da lei penal, já citado: “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (art. 77. n.º 1 CP). Assim,

“(…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” (Jorge de Figueiredo Dias. Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, p. 291).          

O que no plano prático bem parece complementar-se com esta tese do Acórdão deste STJ de 05-12-2012 (Relator: Conselheiro Pires da Graça):

“VII - Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.”

Recordem-se ainda as aportações de dois Acórdãos mais:

Desde logo, a síntese do nosso sistema de penas no caso de pluralidade de infrações constante do Acórdão deste STJ de 11-03-2020, proferido no Proc. n.º 996/14.5GAVNG-K.S1 - 3.ª Secção (Relatora: Conselheira Teresa Féria):

“I - Em caso de pluralidade de infrações a lei penal vigente – art. 77.º do CP - aderiu à fixação de uma pena conjunta em função de um princípio de cumulação normativa de várias penas parcelares, de molde a aplicar uma única pena pela prática de vários crimes.

II - A determinação da medida concreta de uma pena única em função do referido método de cumulação normativa desenrola-se em duas fases, numa primeira há que estabelecer a moldura penal aplicável “in casu”, a qual tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares e como limite máximo a soma aritmética dessas mesmas penas – art. 77.º, n.º 2, CP. Estabelecida a moldura penal haverá que, numa segunda fase, proceder a uma valoração conjunta de todos os factos e da personalidade do/a agente dos crimes – art. 77.º, n.º 1, do CP.

III – (…) De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização».

Veja-se ainda o Sumário do Acórdão deste STJ de 11-03-2020, proferido no Proc. n.º 8832/19.0T8LRS.S1 - 3.ª Secção (relator: Conselheiro Gabriel Catarino):

“I - A operação/formação da pena conjunta constitui-se, malgrado as tentativas de encontrar uma formulação minimamente arrimada a factores de estabilização (de feição e pendor aritmético) das variantes intervenientes no equilíbrio legal-funcional da determinação judicial das penas, um crisol de apriorismos lógico-racionais que se cristalizaram na prática judiciária e que vão ditando o ajuizamento de um ensejo e procura de justiça material que se pretende e almeja, com este instituto jurídico-penal.

II - Não concitando a possibilidade de encontrar para a composição da pena conjunta soluções de acomodamento aritmético e de operações lógico-categoriais num campo (escorregadio, volúvel e dúctil) como é aquele que está estabelecido para a determinação da pena (parcelar) e com mais acutilância e vinco conceptual na construção da pena conjunta, deverão fazer-se intervir factores de ponderação prudencial, razoabilidade e mundividência equânime, pragmatismo, sensibilidade e senso sociocultural e pessoal que possibilitarão/fornecerão os vectores de razoamento que permitirão constituir, parametrizar e sedimentar o acrisolamento lógico-conceptual de uma pena compósita e em que, por vezes, integram diversos tipos de ilícito.

Não parecem colher, ponderadamente, nem sequer eventuais regularidades que viessem a encontrar-se através de uma rigorosa sociometria jurisprudencial neste âmbito. Cada caso é um caso, e a gravidade deste necessita de um tratamento a ela adequado.”

11. Os limites mínimo e máximo da pena única são de 2 e de 14 anos e 6 meses.

A pena concretamente atribuída foi de 6 anos de prisão, ou seja, substancialmente abaixo da zona intermédia das penas possíveis. O que, atenta a violência dos atos, a desconformidade do agente com o Direito (ele próprio apregoa que vem de cumprir uma pena de 7 anos, e fá-lo recorrentemente junto de várias vítimas, como ameaça de alguém que aparenta uma situação de “desespero” e por isso capaz até, v.g., de puxar de uma “naifa” (num dos casos), pode mesmo considerar-se bastante indulgente já.

12. Sopesados  todos os elementos pertinentes reunidos nos autos, em conformidade com o disposto no art. 77 do CP, e tendo em consideração que a medida da tutela dos bens jurídicos, correspondente à finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, tem um horizonte “válvula de segurança” consentido pela medida da culpa do agente e um limite mínimo, barreira intransponível, que é o ainda suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma e a prevalência dos bens jurídicos (violados com a prática do crime), cumpre decidir, com a referida integração holística dos elementos já referidos.

13. Sempre se referindo detalhadamente aos vários Inquéritos, considerando nomeadamente as declarações das testemunhas, as declarações prestadas pelo arguido, ora Recorrente, e operando as subsunções, aproximações e conclusões lógicas que se impunham, e ponderando com critério (sem deixar de fundamentar legal, doutrinal e jurisprudencialmente os passos do seu raciocínio), não pode senão concluir-se que a decisão recorrida procedeu devidamente.

Desenvolveu a uma análise e valoração ponderadas, documentadas e criteriosas das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, avaliou a culpa manifestada nas condutas delituais, aquilatou da ilicitude e das exigências de prevenção e sopesou todas as circunstâncias anteriores e ulteriores aos crimes, quer as que depõem a favor do arguido, quer as que lhe são desfavoráveis, como impõe o art. 71, n.º 2, do CP. Ou seja, pautou-se pela estrita obediência aos critérios decorrentes do disposto nos arts 40 e 71, deste diploma.

Recorde-se também (last but not the least), v.g., o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª secção, de 23-09-2010, Proc.º 1687/04.0GDLLE.E1.S1 (Relator: Conselheiro Pires da Graça), que aglutina, em síntese, os elementos aqui também ponderados:

“IX - Nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 3, do CP, valorando o ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, tendo em conta a natureza e gravidade dos factos integrantes dos ilícitos, o tempo em que ocorreram, a personalidade do arguido projectada nos factos e revelado por estes, que dá conta da propensão do arguido para delinquir, as exigências de prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização, sem prejuízo do limite da culpa que é intensa, e tendo ainda em conta o efeito previsível da pena no comportamento futuro do arguido, e os limites mínimo e máximo da pena do cúmulo  (...).” – assinala, no respetivo Sumário.

Tudo isso foi ponderado e agora reponderado, considerando-se que não deve haver qualquer reformatio in mellius, antes se devendo confirmar o Acórdão recorrido.



IV

Dispositivo


Termos em que, decidindo em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o Acórdão recorrido.     

Custas pelo Recorrente.

Taxa de Justiça:  6 UCs

Supremo Tribunal de Justiça, 29 de setembro de 2021

Ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator atesta o voto de conformidade da Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida.

Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator)

Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)