CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
REVOGAÇÃO SENTENÇA ABSOLUTÓRIA
CONDENAÇÃO DO ARGUIDO
Sumário


I- arguido foi encontrado no interior do seu veículo automóvel, no lugar do condutor, com o cinto de segurança colocado, com o motor e as luzes do veículo ligados (quando até nem precisava, uma vez que era de dia, isto é cerca das 15 horas e 30 minutos), prostrado sobre o volante do veículo, encontrando-se o veículo parado, num entroncamento, em plena faixa de rodagem, dificultando a normal circulação rodoviária.
II- Apesar disso, tendo o tribunal recorrido considerando ser a prova (direta) insuficiente, invocando o princípio do in dubio pro reo, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, porquanto a conjugação da prova direta e indireta, impõe que se considere como provado que o arguido conduzida o veículo automóvel.
III- Efetivamente, face à inverosimilhança da explicação dada pelo arguido, a afirmação de que o arguido se encontrava a conduzir o veículo automóvel apresenta-se como a única explicação lógica e razoável, segundo as regras da experiência comum para ter sido encontrado no interior do veículo nas circunstâncias descritas.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo abreviado nº 250/20.3GEVCT, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Castelo, Juízo Local Criminal de Viana do Castelo – Juiz 1, em que é arguido C. A., com os demais sinais nos autos, por sentença proferida e depositada em 09.04.2021, foi o arguido absolvido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º n.º 1 e 69º n.º 1 al. a) do Código Penal de que havia sido acusado pelo M.P..
2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o M.P., extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1. O arguido foi acusado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º n.º 1 e 69º n.º 1 al. a) do Código Penal.
2. Acontece que o Tribunal a quo deu como não provado que o arguido, no dia 10.11.2020, cerca das 15h30, na Rua ... (via pública), em Viana do Castelo, tivesse conduzido o veículo automóvel de matrícula ZE.
3. Salvo o devido respeito, neste tocante, o Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
4. Com base na prova documental e testemunhal produzida, conjugada com as regras da experiência, o Tribunal a quo deveria tê-lo condenado, não obstante ninguém o tivesse visto conduzir.
5. Ao invés, o Tribunal a quo, em nosso modesto entender, sobrevalorizou o depoimento do arguido prestado em audiência de julgamento, o qual, sublinhe-se, até admitiu que havia ingerido bebidas alcoólicas pois era o aniversário da sua progenitora mas não havia conduzido, estando, aquando da abordagem, estacionado e a descansar por saber que não estava em condições para o exercício da condução, tendo sido um amigo (não identificado e não indicado sequer como sua testemunha) quem havia conduzido até ali pois teria que apanhar o comboio, situando-se uma das estações nas imediações.
6. Salvo o devido respeito, é exactamente neste ponto, ou seja, nesta versão trazida para os autos pelo arguido e nas circunstâncias em que na realidade foi abordado que em nosso modesto entender a sentença recorrida incorreu em erro notório na apreciação da prova (cfr. artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do C.P.P.).
7. Com efeito, o arguido foi surpreendido em plena via pública, no lugar do condutor, com cinto colocado, motor e luzes ligados, debruçado sobre o volante, perturbando a circulação automóvel no local.
8. Perante este cenário, a pergunta que o Tribunal a quo deveria ter colocado era a de saber como é que ele ali chegou e, ponderando devidamente os depoimentos das testemunhas inquiridas, desconstruir a sua versão.
9. Relembrando o depoimento das testemunhas inquiridas, a saber, M. C., D. V. e M. N., estas disseram, entre outras coisas, o seguinte:
O senhor estava dentro do carro, um Citröen C4 preto, estava com as luzes ligadas, o motor accionado, ele não desligou o motor, com o cinto colocado perfeitamente e estava debruçado sobre o volante (02:20m) (..) Ele obstruía a passagem. Ele estava no entroncamento, em plena via, na faixa de rodagem (03:04) Se fosse fora da faixa de rodagem, vai-me desculpar mas até tirei estas fotografias porque sabia que vinha a Tribunal e presumi logo que a pergunta lógica fosse esta, se estava no exercício da condução ou não (03:23)
(…) Em plena faixa de rodagem causando transtorno para a circulação (03:36 a 03:46).
(…) Uma pessoa quando estaciona, estaciona num local próprio, não é no meio de um entroncamento (02:22m a 02:24m)
Estava parado (01:55m)
Não, não, não estava estacionado. (…) Imaginemos que isto é um largo e o carro estava estacionado, parado no meio da via. Naquela via circulavam carros. Sim, é uma via de circulação. É a via de acesso à estação de ... e a um lote de casas (01:57m a 02:20m)
(…) Ele estava mesmo no meio da estrada no sentido horizontal (03:18m a 03:20m)
Imaginemos tem aqui uma bifurcação não é. Vai um caminho para a estação e vai um caminho ali para o loteamento.(…) Ele estava no meio da via. Não estava virado para a estação (03:22m a 03:35m)
Não podia estar a descansar ali porque aquilo é via pública. Ali é via circulação. Ele tinha que saber que ali era via pública. Nós condutores temos que saber quando é via pública. Tinha que saber (04:40m) (…) Era impeditivo. Ele estava no meio. Eu passava se fizesse uma manobra. (05:56m)
Eu tive que passar pela frente do carro (06:30m) Aquilo chamava a atenção (06:55m)
10. Considerando estes depoimentos, não se compreende como o Tribunal a quo não desconstruiu a versão apresentada pelo arguido pois se estava a descansar e se havia sido conduzido pelo “amigo” até ali porque não estava estacionado em lugar que não perturbasse a circulação automóvel? E porque não estava no lugar do pendura? E por que tinha o veículo com as luzes e o motor ligado?
11. Esta versão, em nosso entender, considerando as circunstâncias em que na realidade o arguido foi encontrado e abordado contraria claramente as regras da experiência comum e do normal acontecer.
12. Revemo-nos em Paulo de Sousa Mendes quando concluiu que: “as regras da experiência servem para produzir prova de primeira aparência, na medida em que desencadeiam presunções judiciais simples, naturais, de homem, de facto ou de experiência, que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas na experiência de vida”.
13. Se é certo que a livre apreciação significa ausência de critérios legais préfixados, não pode o juiz olvidar que tem o dever de perseguir a chamada verdade material e se para tal carecer do recorrer às regras de experiência para de um facto que não percepcionou chegar ao facto conhecido, deve fazê-lo, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo.
14. A presunção judicial é admissível em processo penal e traduz-se em o tribunal, partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica, um facto desconhecido.
15. No caso dos autos, o Tribunal a quo, ao invés, agarrando-se a uma convicção subjectiva e emocional atendeu apenas ao alegado pelo arguido, não se questionando como é que, atentas as circunstâncias de facto apuradas e, até, dadas como provadas (com excepção do acto da condução), como é que o mesmo ali chegou.
16. Se apenas a prova direta servisse para a condenação, estar-se-ia a abrir caminho à criação de amplos espaços de impunidade, o que, o Ministério Público, com todo o respeito pelo Tribunal a quo, não o pode permitir.
17. Por isso que a chamada prova indireta tem hoje um papel fundamental e já ninguém lhe nega virtualidade incriminatória para afastar a presunção de inocência.
18. Com efeito, quer a prova direta, quer a prova indireta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum: pela primeira via ou método, “a percepção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal”, ao passo que na segunda “a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção”.
19. Uma vez que em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do C.P.P.), delas (das provas admissíveis) não pode ser excluída a prova por presunções (prevista, como noção geral, no artigo 349.º do Código Civil, mas prestável e válida como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos no processo penal) em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante, que funciona como indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro.
20. Na verdade, apesar das reservas e objeções que, infelizmente, ainda, lhe são opostas, está consolidado o entendimento de que, para a prova dos factos em processo penal, é perfeitamente legítimo o recurso à prova indireta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial.
21. Aliás, o sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, para certos factos, como sejam os relativos aos elementos subjetivos do tipo (doloso ou negligente), não havendo confissão, a sua comprovação não poderá fazer-se senão por meio de prova indireta.
22. Assim, ao absolver o arguido, o Tribunal a quo violou o princípio da livre apreciação da prova, nos termos decorrentes do disposto no art.º 127.º do C.P.P. porquanto o resultado probatório a que chegou não é processualmente válido, nem aceitável.
23. Face à prova globalmente produzida, numa análise interpretativa, críticoreflexiva e à luz da experiência comum e do normal acontecer, impunha-se que fosse dado como provado que o arguido conduziu, sendo inócuo apurar há quanto tempo ali se encontrava parado, sendo certo e considerando que este havia almoçado e depois se dirigido ali para deixar um amigo que ira apanhar o comboio que iria para Barcelos (cujos horários são fixos e acessíveis numa simples pesquisa feita online no sitio da CP, no qual se verifica que às 14h09m e 15h24m partem comboios daquela estação), não teria mediado entre o almoço e a hora de abordagem, pouco mais de 03h.
24. Assim, de acordo com o disposto no artigo 431.º, alínea b) do Código de Processo Penal, deve ser alterada a decisão do Tribunal recorrido de forma a ser dado como provado que No dia 10.11.2020, a hora não apurada mas anterior às 15h30m, na Rua ... (via pública), em Viana do Castelo, o arguido conduziu o veículo automóvel de matrícula 51-68 ZE até que, ao chegar ao entroncamento com a Estrada Nacional, o imobilizou e adormeceu sobre o volante, apresentando uma taxa de alcoolemia no sangue (TAS) de 2,16 g/l.” .
25. O Tribunal a quo ancorou-se ainda no princípio in dubio pro reo porquanto não logrou apurar, aquando da abordagem, há quanto o arguido ali se encontrava, caso tivesse conduzido, bem como se a taxa de álcool registada era aquela ou outra.
26. O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto.
27. Este princípio, para além de ser uma garantia subjectiva, é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
28. Estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável.
29. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética.
30. No caso dos presentes autos, saber há quanto tempo o arguido ali se encontrava, se há 1 minuto, se há 1 hora ou mais, perante as circunstâncias em que foi encontrado, relembre-se, no lugar do condutor, com cinto colocado, com o motor e as luzes ligadas e em plena via de circulação automóvel, com uma TAS registada de 2,73 g/l, reduzida depois a 2,16 g/l, parece-nos inócuo na medida em que bastando-se na presunção de facto fundamentada nas regras da lógica e experiência comum a dúvida seria aparente.
31. A TAS que lhe foi registada é um facto objectivo, documentalmente provado, sendo, portanto, indiferente o hiato de tempo que mediou entre a ingestão pelo mesmo de bebidas alcoólicas e a abordagem da GNR com a sua sujeição ao teste.
32. Portanto, salvo o devido respeito por melhor entendimento, também nesta parte entendemos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo é censurável pois a dúvida que alega é aparente, infundada, incoerente e irrazoável perante o cenário apurado e as regras da lógica e da experiência comum.
33. Assim e em suma, o Tribunal a quo, ao absolver o arguido, violou, pelo menos, o disposto nos artigos 32º da CRP e 127º e 410° n.° 2 al. c) do Código de Processo Penal, isto é, quer o princípio da livre apreciação da prova, quer o princípio do in dubio pro reo porquanto o resultado probatório a que chegou não é processualmente válido, nem aceitável na medida em que as regras da experiência e do normal acontecer impunham a condenação do arguido.
Nestes termos, deverá ser dado como provado o facto que o Tribunal a quo deu como não provado, julgando-se totalmente procedente, por provada, a acusação pública e revogando-se a sentença recorrida (por violação das disposições conjugadas dos artigos 32º da CRP e 127º e 410° n.º 2 al. C9 do C.P.P.) a qual deverá ser substituída por Acórdão de Vossas Excelências, VENERANDOS DESEMBARGADORES, que condene o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º n.º 1 e 69º n.º 1 al. a) do Código Penal.
De todo o modo, VENERANDOS DESEMBARGADORES, com o muito que Vossas Excelências hão-de suprir, sopesando adequadamente a matéria submetida à apreciação, há-de ser encontrada a decisão mais conforme ao DIREITO e à JUSTIÇA.

3. O arguido respondeu ao recurso interposto pelo M.P., tendo concluído nos seguintes termos:
1. A decisão de facto do Tribunal recorrido, por correta, acertada e legal não merece qualquer reparo ou censura.
2. O Tribunal recorrido não incorreu em erro na apreciação da prova.
3. O Tribunal recorrido não violou o princípio do in dúbio pro reo.
4. Ao julgar que não se provou que o arguido/recorrido, no dia 10.11.2020, cerca das 15hrs e 30m, na Rua ... (via pública), ..., em Viana do Castelo, tivesse conduzido o veículo automóvel de matrícula ZE, julgou em conformidade com a prova produzida nos autos, tendo efectuado uma correcta apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
5. E ao julgar, consequentemente, absolver o arguido do crime por que estava acusado, julgou com JUSTIÇA e
Em conformidade, por douto acórdão, julgando improcedente o recurso e mantendo a douta sentença, FARÃO JUSTIÇA.
4. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá merecer integral provimento.
5. Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP e o arguido respondeu, pugnando pela manutenção da decisão de absolvição.
6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso(1) do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º, e 412º, nº 1 do CPP.

Assim, as questões a decidir no presente recurso, tal como se encontram delimitadas pelas respetivas conclusões, reconduzem ao seguinte:
- Impugnação ampla da matéria de facto, com recurso à prova gravada, por forma a considerar-se como provado o único ponto da sentença recorrida considerado como não provado; e
- Vício de erro notório na apreciação da prova da al. c) do nº 2 do artigo 410º do CPP.

2. A Decisão recorrida

1. Na sentença recorrida foram considerados como provados e não provados os seguintes factos (factos extraídos da gravação da sentença proferida):

Factos provados
1. No dia 10.11.2020, cerca das 15h30, na Rua ... (via pública), em Viana do Castelo, o arguido encontrava-se no interior do veículo automóvel de matrícula ZE e submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, apresentou uma TAS de pelo menos 2,16g/l.
2. O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos com motor, na via pública, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l e sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade tal que lhe determinariam uma taxa superior ao legalmente permitido
3. Atuou da forma que atuou e agiu de forma livre, deliberada e consciente e sabia proibida e punida por lei a condução de veículos em estado de embriaguez.
4. O arguido não tem antecedentes criminais.
5. É casado e exerce a profissão de cortador de carnes, auferindo cerca de € 1 100,00 mensais.
6. Tem dois filhos, uma filha maior mas ainda a estudar e um filho menor.
7. Vivem em casa própria adquirida com recurso ao crédito bancário pagando cerca de € 600,00 mensais.
8. Tem o 9º ano.
9. Na altura da circunstância em que o arguido se encontrava no interior do veículo, o mesmo estava parado nesta via pública e com o motor ligado.

Facto não provado
Que o arguido nas circunstâncias acima referidas, ou seja, no dia 10.11.2020, cerca das 15h30, na Rua ... (via pública), em Viana do Castelo, conduzisse este veículo automóvel.

3- Apreciação do recurso

3.1- O recorrente suscita a ocorrência de erro de julgamento, com fundamento na prova gravada, pretendendo a alteração da sentença recorrida no que concerne ao ponto único da matéria de facto considerada não provada.
O erro de julgamento em matéria de facto ocorre, designadamente, quando o tribunal dá como provado um facto sem que se tenha feito prova do mesmo, ou quando dá como não provado um facto que deveria, em face da prova produzida, ter sido considerado como provado.
O artigo 412º, nº 3, aI. a) e b), do CPP é claro ao estabelecer que quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, assim como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
É propósito do legislador com a referida norma delimitar claramente o âmbito do recurso interposto sobre a decisão a matéria de facto, em termos de o permitir apenas nos casos em que haja uma identificação do concreto erro de julgamento ocorrido, bem como dos específicos meios de provas que concretamente o demonstram.
Por outro lado, o nº4 do artigo 412 do CPP dá concretização naquela norma, estabelecendo que no caso de as provas terem sido gravadas, as especificações previstas na aI. b) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 3 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Neste sentido, veja-se o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 03/2012, publicado no Diário da Republica, I Série, nº 77, a 18 de Março de 2012 «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/ excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações».
Conforme entendimento consolidado na jurisprudência (2) e aceite pacificamente na doutrina (3), o recurso da matéria de facto visa a deteção do erro de julgamento em matéria de facto, constituindo um remédio jurídico e não um segundo julgamento como se não tivesse ocorrido um julgamento anterior.
Por isso, “a segunda instância em matéria de facto não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exatamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas tão só apreciar se a convicção expressa pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.” (4)
Por conseguinte, ao tribunal da relação, em sede recurso da matéria de facto, compete apenas sindicar a prova produzida em primeira instância, por forma a averiguar da ocorrência de erro de julgamento, mas sempre segundo o objeto do recurso definido pelo recorrente nas respetivas conclusões.
No caso em apreço, o cerne da impugnação da matéria de facto situa-se na valoração na prova indireta ou indiciária, pois que, efetivamente, inexiste prova direta de que, nas circunstâncias descritas nos factos provados, o arguido conduzia o veículo automóvel no interior do qual se encontrava.

3.2- Na apreciação crítica da prova produzida, a efetuar nos termos do disposto no nº 2 do artigo 374º do CPP, deve o tribunal ter em conta não apenas a prova direta dos factos, mas também a chamada prova indireta ou através de presunções simples ou máximas de experiência, conforme é hoje entendimento pacífico, nomeadamente doutrina (5) e na jurisprudência (6).
A prova direta refere-se imediatamente aos factos a provar, ao tema da prova, enquanto a prova indireta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova (7).
Em processo penal de acordo com o disposto no artigo 125º do CPP, são admissíveis as provas que não forem proibidas, pelo que é legitimo o julgador tirar ilações de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, cfr. artigo 349º do C. Civil.
Na formação da convicção, não está o juiz impedido de usar presunções baseadas em regras da experiência, ou seja, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos. Ensina Vaz Serra (8) que “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência”.
Todavia, como se salienta no Ac. STJ de 06.10.2010, processo 936/08.JAPRT, disponível em www.dgsi.pt “a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável”.
A lei não define as regras pelas quais se deve reger a prova indireta. No entanto, por um lado, importa distinguir a prova dos factos indiciantes ou indícios e, por outro, a dedução lógica, o juízo de relação necessária que há-de existir entre esse ou esses factos e o facto consequência que se pretende demonstrar.
Acresce que os factos indiciantes ou indícios deverão ser graves, precisos e concordantes, sendo que «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, direta e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar» (cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207) (9).

Numa síntese possível, e pese embora seja sempre necessário ter em atenção às especificidades de cada caso, podemos afirmar que no âmbito da prova indireta importa ter em consideração que:
- Os factos indiciantes ou indícios devem ser graves, precisos e concordantes, podendo ser apenas um (nesse caso terá de ser determinante) ou vários;
- Os factos indiciantes ou indícios devem obtidos através de prova direta credível, qualquer que ela seja, testemunhal, pericial, etc;
- No caso de serem vários os factos indiciantes ou indícios devem estar inter-relacionados de forma a reforçar o juízo de inferência, devendo ainda ser contemporâneos do facto a provar.
- O juízo de inferência terá de ser racional e objetivo, de acordo com as regras da experiência comum ou, sendo caso disso, dos conhecimentos pacíficos da técnica e da ciência;
- A decisão judicial, em sede motivação de facto, deverá refletir, por forma a que possa ser entendido, como foi efetuado o juízo de inferência (10).

Com decorre da sua natureza, as exigências de fundamentação da decisão judicial proferia com recurso a prova indireta são acrescidas, pois que a força persuasiva dos indícios deve ser claramente demonstrada. Talvez por isso, já Cavaleiro Ferreira (11) defendia que a apreciação da prova indireta exige “grande capacidade e bom senso do julgador”.

3.3- No caso vertente, em que, como dissemos, inexiste prova direta de que o arguido conduzia o veículo automóvel, o tribunal recorrido, após ter procedido à análise crítica da prova, concluiu que a prova (direta) era insuficiente e, por isso, fazendo apelo ao princípio do in dubio pro reo, considerou tal facto não provado e, consequentemente, absolveu o arguido.
Contudo, argumenta o recorrente, aduzindo, nomeadamente, considerando os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em audiência de julgamento que indica e transcreve “… não se compreende como o Tribunal a quo não desconstruiu a versão apresentada pelo arguido!
Se estava a descansar e se havia sido conduzido pelo “amigo” até ali porque não estava estacionado em lugar que não perturbasse a circulação automóvel? E porque não estava no lugar do pendura? E por que tinha o veículo com as luzes e o motor ligado?
Esta versão, em nosso entender, considerando as circunstâncias em que na realidade o arguido foi encontrado e abordado contraria claramente as regras da experiência comum e do normal acontecer.”
A questão essencial é saber se a prova produzida impõe a conclusão de que, nas circunstâncias descritas nos factos considerados como provados, o arguido conduzia o veículo automóvel.
Os factos indiciantes ou factos base, que o recorrente sustenta estarem demonstrados - diga-se através de prova direta - encontram-se efetivamente demonstrados, sendo que o próprio arguido nem sequer os questionou, reportam-se às circunstâncias em que o arguido foi encontrado no interior do veículo automóvel, ou seja, no lugar do condutor, com o cinto de segurança colocado, com o motor e as luzes do veículo ligados, prostrado sobre o volante do veículo, encontrando-se o veículo parado, num entroncamento, em plena faixa de rodagem, dificultando a normal circulação rodoviária. Uma vez submetido a exame de pesquisa de álcool, o arguido apresentou uma taxa de álcool elevada.
As três testemunhas inquiridas em audiência de julgamento confirmaram as descritas circunstancias em que o arguido foi encontrado no interior do veículo, tendo, porém, todas esclarecido que não viram o arguido a conduzir o veículo (não presenciaram o veículo automóvel em movimento, com o arguido ao volante).
Perante a negação do arguido de que tivesse conduzido o veículo e a explicação por ele dada para o facto de ter sido encontrado no interior do veículo no quadro descrito pelas testemunhas, o tribunal recorrido considerou não provado que o arguido tenha conduzido o veículo automóvel.
Porém, os indícios existentes que apontam no sentido de que o arguido conduzia o veículo automóvel são fortes e convergentes.
Acresce que a explicação dada pelo arguido não convence minimamente, contrariando mesmo as regras da experiência comum.
De forma que os aspetos evidenciados pelo recorrente, tem a virtualidade de impor uma decisão diversa da decisão recorrida, nos termos do disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 412º do C.P.Penal.
Na verdade, ouvida a gravação da prova, designadamente as declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos efetuados pelas três testemunhas inquiridas, em conformidade com o disposto no artigo 412º nº6 do CPP, constata-se que o tribunal recorrido olvidou por completo a prova indireta produzida, formando a sua convicção apenas com base na prova direta, segundo o princípio da livre apreciação da prova.
Este princípio encontra-se previsto no artigo art.127.º do CPP, o qual estabelece que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
Este princípio assume particular relevo na fase de julgamento. Se é certo que a convicção do juiz não pode ser puramente subjetiva, imotivável e por isso, o art.374.º n.º2 do C.P.Penal exige que a sentença contenha “uma exposição tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação do exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal” também não se pode esquecer que a decisão do juiz é sempre uma convicção pessoal, «até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais» in Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, edição 1974, pág.204.
Ao princípio da livre apreciação da prova, estão intimamente associados os princípios da imediação e da oralidade. Na verdade, o juiz, mercê do contacto direto com a testemunha, ao valorar o seu depoimento tem de atender a vários aspetos que têm a ver, designadamente, com a razão de ciência, a imparcialidade, a espontaneidade do depoimento, as hesitações, as contradições, os gestos, etc.
As provas indicadas pelo recorrente impõem decisão diversa quando, confrontadas com as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, seja claro que outra teria necessariamente de ter sido a decisão, por ter sido violado o princípio da livre apreciação da prova. Isto é, que a decisão recorrida não respeitou os limites de tal princípio (12), designadamente, porque afronta manifestamente as regras da experiência comum, quer porque assenta em prova ilegal ou proibida ou no valor de determinados documentos. Mas já não assim se as provas indicadas pelo recorrente demonstrem apenas ser possível outra decisão.
Assim, no caso vertente, a afirmação de que o arguido se encontrava a conduzir o veículo automóvel apresenta-se como a única explicação lógica e razoável, segundo as regras da experiência comum, para o arguido ter sido encontrado no interior do veículo nas circunstâncias apuradas.
Com efeito, que outra explicação credível poderíamos encontrar para o arguido ter sido encontrado no interior do veículo automóvel, no lugar do condutor, com o cinto de segurança colocado, com o motor e as luzes do veículo ligados (quando até nem precisava, uma vez que era de dia, isto é cerca das 15 horas e 30 minutos), prostrado sobre o volante do veículo, encontrando-se o veículo parado, num entroncamento, em plena faixa de rodagem, dificultando a normal circulação rodoviária?
Nenhuma explicação existe, ou seja, o arguido encontrava-se a conduzir, pelo que as declarações prestadas pelo arguido são inverosímeis, não têm qualquer consistência, como é salientado pelo recorrente.
Efetivamente, as declarações prestadas pelo arguido não explicam, segundo as regras da experiência comum, as circunstâncias descritas em que foi encontrado no interior do veículo. Se o seu amigo o tivesse transportado até à estação, como referiu, tendo deixado o veículo estacionado para que ele pudesse a descansar, pois tinha ingerido bebidas alcoólicas, seguramente não o teria deixado num cruzamento em plena faixa de rodagem, conforme o mais referido, mas sim noutro local, designadamente, na berma da estrada, ainda que em local impróprio para estacionar.
A circunstância referida na sentença de se não ter apurado há quanto tempo o arguido se encontrava no interior do veículo nas circunstâncias em que foi encontrado é irrelevante para a questão de saber se estava a conduzir, uma vez que o local fica nas imediações da estação da CP, ou seja, um local de fluente circulação pessoas e veículos, tendo sido encontrado cerca das 15 h e 30 m, sendo certo que o arguido referiu que tinha ingerido bebidas alcoólicas ao almoço, por ser aniversário da sua mãe. Acresce que a demora na realização do exame de pesquisa de álcool apenas beneficia o arguido, uma vez que, como é sabido, o decurso do tempo faz baixar a respetiva taxa de alcoolemia.
Por conseguinte, o tribunal recorrido, tendo omitido a prova indireta, considerando ser a prova (direta) insuficiente incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, sendo que a conjugação da prova direta e indireta, impõe que se considere como provado que o arguido conduzida o veículo automóvel nas circunstâncias consideradas como provadas.
Acresce dizer que não tem cabimento a invocação do principio do in dubio pro reo, uma vez que, numa análise racional, objetiva e criteriosa da prova, não se impunha que o juiz tivesse dúvidas inultrapassáveis sobre o facto de o arguido estar ou não a conduzir.
Por outro lado, importa acentuar que “A verdade processual que se busca em processo penal não se confunde com a verdade ontológica. A verdade processual é o resultado probatório processualmente válido, isto é, a convicção de que certa alegação singular de facto é justificavelmente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtida por meios processualmente válidos. A verdade processual não é absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida”, cfr. Ac STJ de 03.10.2002, proc. n.º 45.931 - 5.ª Secção, relator Pereira Madeira.
Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no artigo 431º, al. b) do CPP, impõe-se proceder à alteração da matéria de facto da sentença recorrida, considerando como provado o facto dela constante considerado como não provado, ou seja, que o arguido nas circunstâncias descritas nos factos provados conduzia o veículo automóvel.
Em consequência do assim decidido, fica prejudicado o conhecimento do vício de erro notório na apreciação da prova da al. c) do nº 2 do artigo 410º do CPP, cujo conhecimento, como decorre expressamente do texto da lei, teria de decorrer com base apenas na decisão por si só ou por forma conjugada com as regras da experiência comum.
Acresce que, uma vez que o processo contém todos os elementos necessários para a decisão, importa dar cumprimento ao AFJ nº 4/2016, Diário da República n.º 36/2016, Série I de 2016-02-22, segundo o qual «Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.»
Ao arguido vem imputada a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 do C. Penal.
Em face da factualidade dada como provada, não há dúvida de que o arguido cometeu o referido crime.
De facto, sabendo o arguido que a condução de veículos motorizados sob o efeito do álcool, a partir de certos limites, é proibida e punida por lei, foi encontrado a conduzir um veículo automóvel com uma TAS de 2,16 g/l. Ao assim proceder, o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punível com pena de prisão de 30 dias a um ano ou pena de multa de 10 a 120 dias e com proibição de conduzir veículos a motor de 3 meses a 3 anos – artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1 al. a) do C. Penal
Tendo presente o comando do artigo 70º do C. Penal “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa ou pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidade da punição".
Às finalidades da punição refere-se o artigo 40º, n.º 1 do C. Penal, que estatui "A aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".

A propósito desta norma a Prof. Fernanda Palma, in Jornadas Sobre a Revisão do Código Penal, AAFDL, ed. 1998, pág. 26, escreveu:
“O artigo 40°, norma sem paralelo no Código de 1982, traça as finalidades da punição: a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
A proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva).
A proteção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial.
Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena.
E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos”.
Aplicação da pena de prisão deverá ser uma última ratio, apenas sendo de aplicar quando efetivamente seja necessária. Sobre esta matéria vide F. Di­as, A pena de multa de substituição, R.L.J., ano 125º, pág. 202).
No caso em apreço, não obstante a TAS ser elevada, a verdade é que o arguido é primário e encontra-se inserido em termos sociais e profissionais. Por isso, julgamos que a pena de multa satisfaz as exigências de prevenção (geral e especial) que se fazem sentir, optando-se, consequentemente, pela aplicação deste tipo de pena.
Feita a opção pela pena de multa, há que determinar agora a medida da pena de multa e da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor de acordo com os parâmetros fixados pelo artigo 71º, nº1 e 2 do C. Penal.
Na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, o tribunal atenderá à culpa do agente e às exigências de prevenção bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele (artigo 71.°, n.ºs 1 e 2, do CP).
Logo, num primeiro momento, a medida da pena há de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos, no caso concreto, traduzindo a ideia de prevenção geral positiva, enquanto «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida» (13).
Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura assim encontrada, que as considerações de prevenção geral, quer positiva ou de integração, quer negativa ou de intimidação, não podem ultrapassar.
Por último, devem atuar considerações de prevenção especial, de socialização ou de suficiente advertência.
Os concretos fatores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º2 do artigo 71.° do CP, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.

No caso concreto, deverá ter-se em conta:
- A culpa do arguido (agiu com dolo direto - artigos 14º, nº 1 do C. Penal) que é a suposta para o tipo de crime em presença;
- O grau de ilicitude dos factos, que é elevado atenta a TAS apresentada;
- Não se fazem sentir especiais exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido é primário. Por outro lado, são conhe­cidas as particulares necessidades de pre­venção geral relativamente a este tipo de ilí­cito, atento o elevadíssimo número de casos de condução com álcool que continuam a ocorrer.

No âmbito dos crimes de circulação rodoviária, as exigências de prevenção geral são muito importantes, quer pela sua excessiva frequência, quer pela gravidade das suas consequências, devendo assinalar-se às penas, por esses crimes, um efeito de prevenção geral de intimidação;
Assim, ponderando o circunstancialismo dos autos, bem assim, tendo em conta o disposto no artigo 47º, nº 2 do C. Penal, a situação económica e financeira do arguido e a moldura penal da norma incriminadora, julga-se adequado condená-lo na pena de oitenta dias de multa, à taxa diária de seis euros e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de cinco meses, esta de acordo com o previsto no artigo 69º, nº 1 al. a) do CP.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo M.P., revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, procedendo-se à alteração da matéria de facto, decide-se:

1) Eliminar dos factos não provados da sentença recorrida o único facto aí considerado como não provado, com a seguinte redação:
“Que o arguido nas circunstâncias acima referidas, ou seja, no dia 10.11.2020, cerca das 15h30, na Rua ... (via pública), em Viana do Castelo, conduzisse este veículo automóvel.”
2) O ponto 1 dos factos provados da sentença recorrida passa a ter a seguinte redação:
“No dia 10.11.2020, cerca das 15h30m, na Rua ... (via pública), em Viana do Castelo, o arguido conduzia o veículo automóvel de matrícula ZE e submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue apresentou uma TAS de pelo menos 2,16g/l.”
3) Julgar provada e procedente a acusação deduzida pelo M.P. e, consequentemente, decide-se:
a) Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 (seis) euros;
b) Condenar o arguido na pena acessória de inibição conduzir veículos a motor, pelo período de cinco meses, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1 al. a) do C. Penal;
c) Condenar o arguido nas custas do processo, com duas Ucs de taxa de justiça, bem assim nos demais encargos nos termos do disposto nas disposições conjugadas do artigo 513º do C. P. Penal e artigo 8º, nº 9 e 10 do R.C.P. e tabela III, anexa a este último diploma.

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Após trânsito, comunique, enviando certidão deste acórdão ao IMTT e
remeta boletim à D.S.I.C..
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No prazo de 10 dias contados do trânsito em julgado deste acórdão deverá o arguido proceder à entrega da sua carta de condução na secretaria do tribunal de primeira instância ou em qualquer posto policial, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 3 do C. Penal.
Sem custas do recurso.
Notifique.
(Texto integralmente elaborado pelo relator, revisto e assinado eletronicamente por ambos os signatários - artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal).
Guimarães, 27.09.2021

(Armando da Rocha Azevedo - Relator)
(Mário Fernando Teixeira Lopes da Silva - Adjunto)



1. Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, disponíveis em www.dgsi.pt.
3. Segundo o Prof. Germano Marques da Silva “o recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância” Forum Justitiae, Maio 99. Em sentido idêntico sustenta Damião Cunha ao afirmar que os recursos “…são entendidos como juízos de censura crítica « e não como «novos julgamentos», in O Caso Julgado Parcial, Publicações Universidade Católica, 2002, pág. 37.
4. Cfr. Ac RE, de 03.05.2007, processo 80/07-3, disponível em www.dgsi.pt.
5. Cfr., v.g. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, Lisboa, Verbo, 5ª Edição, Revista e atualizada, pág. 144 e segs..
6. Cfr., entre outros, Acs. STJ de 09.02.12, processo 1/09.3FAHRT.L1.S1, de 17.03.2016, processo 849/12.1JACBR.C1.S1, de 11.07.2007 e de 12.09.2007, respetivamente, processos 07P1416 e 07P4588; Ac. RP de 09.09.2015, processo 2/13.7GCETR.P1; e Ac. RP de 10.05.2017, processo 135/14.2GAVFR.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Na jurisprudência espanhola, vide Euclides Dâmaso, Prova Indiciária (Contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente), Julgar nº 2, 2007.
7. Cfr. Germano Marque da Silva, ob. e loc. cit.
8. Direito Probatório Material – BMJ 112/190.
9. Citado no Ac. STJ de 17.03.2004, processo 03P2612, disponível em www.dgsi.pt
10. Para maiores desenvolvimentos vide Santos Cabral, Prova Indiciária e as Novas Formas de Criminalidade, Julgar, nº 17, ano 2012
11. In Curso de Processo penal, II, pág. 292.
12. Acerca dos limites do princípio da livre apreciação da prova, vide Simas Santos e Leal – Henriques, Noções de Processo Penal, Rei do Livros, 2ª edição, 2011, pág. 52 e 53.
13. F. Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 72-73.