PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
ART.º 168.º DO CPT
Sumário

Ao procedimento cautelar de suspensão de eficácia previsto no artigo 168.º do CPT são aplicáveis as normas dos artigos 366.º n.º 6 e 372.º do CPC.
(Elaborado pela relatora)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório

AAA, com domicílio na (…) instaurou contra BBB, com sede na Rua (…), a presente acção sob a forma de processo especial pretendendo a declaração de nulidade das deliberações da assembleia geral extraordinária que teve lugar no dia 10-04-2021, por entender que estão viciadas por violação da Lei e dos Estatutos.
 Pediu que seja imediatamente determinada a suspensão da eficácia de todas as deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária de 10.04.2021 e que, a final, se declare a invalidade das mesmas deliberações por estarem feridas de nulidade por violação da Lei e dos Estatutos.
A 07.05.2021, o Tribunal a quo apreciou a requerida suspensão da eficácia das deliberações tomadas na assembleia geral do Réu de 10.04.2021, nos termos seguintes:
“(…).
O art.º 168.º do CPT estatui que «[s]e na petição inicial o autor requerer a suspensão de eficácia dos atos ou disposições impugnados, demonstrando que da sua execução pode resultar dano apreciável, o juiz pode decretar a suspensão nesse momento ou após a contestação.»
Prevê-se, aqui, um verdadeiro procedimento cautelar enxertado no início desta ação especial com vista a assegurar um maior efeito útil à ação e a evitar os danos que poderão decorrer da produção de efeitos dos atos impugnados.
Como resulta da parte final da norma transcrita, o juiz pode decretar a pretendida suspensão antes da contestação do Réu, pelo que importa considerar indiciados os seguintes factos:
a. No dia 19-03-2021, pela copresidente da mesa da assembleia geral, (…), foi convocada uma assembleia geral extraordinária do BBB para o dia 09-04-2021, com os seguintes pontos da ordem de trabalhos:
«1. Aprovação da alteração estatutária com vista à eleição da 1ª Direção Nacional do (…);
2. Anulação/ratificação das eleições regionais do CDRSI de 07/11/2020 e do respetivo Conselho Fiscal;
3. Marcação da data de eleições para a 1ª Direção Nacional, 40 dias após a aprovação dos novos Estatutos no Boletim de Trabalho e Emprego;
4. Aprovação das contas do Conselho Diretivo Regional do Norte;
5. Apreciação da impugnação das eleições na Zona Norte (CDRN e CF), para o triénio 2021/2023, no cumprimento do art.º 72.º e para os efeitos previstos na alínea e) do art.º 34.º, ambos dos Estatutos;
6. Ações judiciais intentadas e a intentar;
7. Aprovação das contas do BBB, no cumprimento do disposto no art.º 34.º, alínea i) dos Estatutos;
8. Alteração estatutária, cuja proposta, obrigatoriamente aprovada pelo CDN, conforme plasmado no art.º 42.º, al. b) dos Estatutos, seja remetida a todos os associados, com, pelo menos, 20 dias de antecedência, para debate e cumprimento do dever de informação aos associados.»
b. Na dita assembleia geral de 09-04-2021, foram tomadas as deliberações que constam da respetiva ata cuja cópia está junta a fls.27 verso a 29 destes autos e que se dá aqui por reproduzida;
c. Em 20-03-2021, o associado (…), invocando o disposto no art.º 173.º, n.º 3 do Código Civil, convocou uma assembleia geral extraordinária do BBB para o dia 10-04-2021, conforme doc. de fls. 24 verso e 25, com os seguintes pontos da ordem de trabalhos:
«1. Apreciação da impugnação das eleições na Zona Norte (CDRN e CF), para o triénio 2021/2023, no cumprimento do art.º 72.º e para os efeitos previstos na alínea e) do art.º 34.º, ambos dos Estatutos;
2. Ações judiciais intentadas e a intentar;
3. Aprovação das contas do BBB, no cumprimento do disposto no art.º 34.º, alínea i) dos Estatutos;
4. Alteração estatutária, cuja proposta, obrigatoriamente aprovada pelo CDN, conforme plasmado no art.º 42.º, al. b) dos Estatutos, seja remetida a todos os associados, com, pelo menos, 20 dias de antecedência, para debate e cumprimento do dever de informação aos associados.»
d. Na dita assembleia geral extraordinária de 10-04-2021, foram tomadas as deliberadas que  constam da ata n.º 8, cuja cópia se encontra a fls. 29 verso a 31, e que se dá aqui por integralmente reproduzida e na qual foi deliberado, além do mais, o seguinte:
«PONTO UM · Entrou-se de imediato no ponto um da ordem de trabalhos, tendo pedido a palavra os associados … (n.º…), … (n.º …), … (n.º …) e … (n.º…)
Todas as intervenções sobre os recursos/impugnações apresentadas à mesa da Assembleia Eleitoral do Norte, referiram as diversas irregularidades e desconformidades com a lei e os Estatutos, que se encontram melhor exemplificadas nos documentos divulgados com a convocatória da presente Assembleia Geral, e disponibilizados no respetivo sítio oficial do BBB na internet, concluindo pela ilegalidade das eleições e para os órgãos sociais da zona norte do BBB (CDRN e CF).
Após as intervenções dos associados supramencionados a Mesa recebeu as seguintes propostas:
I - Foi proposto pela associada n.º … (…):
Dar provimento aos respetivos recursos/impugnações e anular as eleições para os órgãos sociais da zona norte do BBB, nos termos do art.º 72º, dos Estatutos do BBB, e admitir à eleição para o CDRN e Conselho Fiscal da zona norte do BBB, a Lista B, afastando-se a Lista A do ato eleitoral, por os seus constituintes se encontrarem suspensos de toda atividade sindical conforme informação prestada aos associados aqui presentes.
Colocada a votação esta proposta foi a mesma aprovada por unanimidade.
[...]
III - Foi proposto pelo associado n.º …, …:
1- Marcação do ato eleitoral para os órgãos sociais da zona norte do BBB, o Conselho Diretivo Regional do Norte, doravante CDRN e o Conselho Fiscal, para o dia 22 de Maio de 2021.
2- Face à vacatura de lugares no CDRN e à inoperacionalidade do mesmo e sendo impossível a sua substituição, o processo eleitoral deve ser preparado e executado pelo CDN, legalmente constituído.
Colocada a votação esta proposta foi a mesma aprovada por unanimidade.»
*
Os factos supra, resultam indiciados com base na análise dos documentos juntos aos autos com a petição inicial.
*
A convocatória de 20-03-2021, subsequente realização da assembleia geral em 10-04-2021 e as deliberações nela tomadas violam, manifestamente, os estatutos e a lei.
Isto porque:
A convocatória de assembleias gerais extraordinárias incumbe, por força do art.º 36.º dos Estatutos do BBB:
- Aos presidentes da mesa da assembleia geral;
- Ao conselho diretivo nacional;
- Aos conselhos diretivos regionais;
- A dez por cento ou duzentos associados.
Esta assembleia de 10-04-2021 foi convocada por um único associado que não exerce nenhum dos cargos acima referidos.
O associado … invocou o disposto no art.º 173.º, n.º 3 do Código Civil, louvando-se no facto de em 10-03-2021 “um conjunto de associados”, incluindo ele, ter requerido aos membros dos órgãos elencados no art.º 36.º dos Estatutos do BBB, a convocação de uma assembleia geral extraordinária no prazo de 72 horas e, como até ao dia 20-03-2021, tal convocatória não tinha sido feita, arrogou-se no direito de a convocar em nome individual.
O n.º 3 do art.º 173.º do Código Civil, prescreve que: «Se a administração não convocar a assembleia nos casos em que deve fazê-lo, a qualquer associado é lícito efetuar a convocação.»
Em primeiro lugar, o n.º 3 do art.º 173.º do Código Civil não é aplicável às associações sindicais por existir uma norma especial que regula os casos em que os órgãos próprios não convocam as assembleias gerais: o art.º 163.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, o processo especial de convocação de assembleia geral ou órgão equivalente de associação sindical destina-se a evitar que não seja convocada e a realizada uma assembleia geral apesar de a mesma ter sido requerida pelo modo e pelas razões previstas na lei ou nos estatutos.
Ou seja, nos termos do art.º 163.º do CPT, o associado convocador, se entendesse que os órgãos estatutários estavam a violar os estatutos ao não convocar a assembleia geral (o que nem sequer foi o caso), teria de deitar mão do processo especial previsto nesta norma, e, caso o Tribunal considerasse estarem preenchidos os pressupostos, notificaria a entidade competente para proceder a tal convocação.
Se, mesmo assim, não fosse marcada a assembleia geral, então caberia ao próprio juiz determinar a realização da assembleia, a qual seria convocada através do Tribunal, mas a expensas do sindicato.
Esta norma afasta a possibilidade de um qualquer associado, sozinho, sem recurso ao Tribunal, convocar uma assembleia geral de um sindicato.
Em segundo lugar, mesmo que o associado Luís Soares pudesse ter agido sozinho, o referido conjunto de associados não tem qualquer legitimidade para impor um prazo perentório de 72 horas para resposta ao seu requerimento. A pretensão foi acolhida, e a copresidente da mesa assembleia geral fez a convocatória em 19-03-2021, ou seja, 9 dias depois do requerimento de “um conjunto de associados” (admitindo, para este efeito, que representavam 10% ou duzentos associados).
Em terceiro lugar, quando a convocatória individual foi levada a cabo, em 20-03-2021, já a assembleia geral havia sido convocada no dia anterior por órgão legitimado pelos estatutos.
Em quarto lugar, quando se realizou a assembleia de 10-04-2021, já se havia realizado em 09-04- 2021 a assembleia geral extraordinária que deliberara sobre os tais pontos que o “conjunto de associados” pretendia ver discutidos, como se alcança pela similitude dos pontos das ordens de trabalho.
Ora, as deliberações contrárias à lei ou aos estatutos, designadamente, em virtude de irregularidades cometidas na convocação dos associados, como foi o caso, são anuláveis no prazo de seis meses a pedido de qualquer associado que não tenha votado essas deliberações – cf. Art.ºs 177.º e 178.º do Código Civil, aplicáveis por força do disposto no art.º 441.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
Por outro lado, uma das deliberações saídas da assembleia geral de 10-04-2021, ia no sentido de marcar um ato eleitoral para os órgãos sociais (Conselho Diretivo Regional do Norte e o Conselho Fiscal) da zona norte do BBB para o dia 22 de maio de 2021, na sequência de a mesma assembleia ter deliberado anular as eleições para os órgãos sociais para essa zona norte.
Ora, atenta a proximidade da data dessas eleições e o óbvio impacto danoso que terão umas eleições marcadas por uma assembleia geral convocada, como se indicia nesta fase processual, à revelia da lei e dos estatutos, temos de concluir que está verificado o pressuposto específico desta providência, ou seja, que da execução das deliberações em causa pode resultar dano apreciável.
Pelo exposto, DETERMINO A SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE TODAS AS DELIBERAÇÕES TOMADAS NA ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS REGISTOS E NOTARIADO DE 10 DE ABRIL DE 2021.
*
Notifique a Autora e cite o Réu, dando-lhe notícia do despacho supra, bem como para, querendo e em dez dias, contestar, nos termos do art.º 162.º do CPT.
(…).”
O Réu contestou a acção, arguiu a nulidade do despacho e recorreu sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:
(…)
A Autora contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
(…)
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade do despacho nos seguintes termos:
“(…)
“Nos termos do art.º 617.º, n.º 1 do CPC, aplicável por força do art.º 77.º do CPT, se a nulidade da sentença ou do despacho (art.º 613.º, n.º 3 do CPC) for suscitada no âmbito de um recurso deles interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
Assim,
Da Alegada Nulidade do Despacho de Suspensão da Eficácia das Deliberações por Falta de Fundamentação
Alega o recorrente que houve falta de fundamentação relativamente à apreciação do requisito “dano apreciável”, quanto às deliberações tomadas ao abrigo dos pontos 2. e 4.
A recorrida, por seu turno, interpreta a decisão impugnada no sentido de o dano apreciável ter sido ponderado relativamente a todas as deliberações tomadas na assembleia de 10-04-2021.
Vejamos.
Estatui o art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, que:
«1 - É nula a sentença quando:
(…);
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;»
A jurisprudência é pacífica e praticamente unânime no sentido de que a falta de especificação dos fundamentos da decisão só terá o efeito previsto no art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, desde que a falta de fundamentação seja absoluta.
Só este argumento chega para se considerar improcedente a invocada nulidade, pois o recorrente refere-se a um ponto específico da fundamentação que, no seu entender, está em falta.
Mesmo assim, nem quanto a esse ponto lhe assiste razão.
O recorrente transcreveu apenas os dois últimos parágrafos da fundamentação, quando, como refere a recorrida, eles surgem na sequência dos parágrafos que os antecedem e, portanto, devem ser lidos como um todo.
Ademais, o dano para o sindicato afigura-se-nos apreciável, quase implícito e só evitável desta forma, quando apenas um associado convoca uma Assembleia-Geral Extraordinária para deliberar sobre temas de suma importância para a vida da coletividade, de forma que se indicia ter sido ilegal, pois a vida pacífica e frutífera das organizações não se alcança através de uma espécie de “Coup d’Etad”.
Não se verifica, pois, a alegada nulidade por falta de fundamentação.
Da Alegada Nulidade por Excesso de Pronúncia
O Recorrente alega que não teve oportunidade de se pronunciar sobre a suspensão da eficácia das deliberações, nem antes, nem depois do despacho que a determinou.
Ora, pese embora não o diga expressamente, a preterição da audição prévia, apesar de ser uma nulidade processual, a mesma é consumida pela nulidade da decisão, por excesso de pronúncia.
Estatui o art.º 615.º, n.º 1, al. d), in fine, do CPC, que:
«1 - É nula a sentença quando:
(…);
d) O juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;»
Esta nulidade abarca as decisões que se pronunciam sobre dada questão, sem que tenha sido dada a oportunidade às partes (em especial aquela contra a qual a decisão é tomada) de sobre ela tomarem posição.
Trata-se das chamadas decisões-surpresa.
Porém, só há violação do contraditório prévio, nos casos em que ele tem de ser concedido.
Casos há, em que a urgência e eficácia da decisão não se alcança se for concedido o exercício prévio do contraditório.
Por essa razão é que há normas, como a do art.º 168.º do CPT, que permitem que o juiz profira uma decisão provisória e sem antes ouvir o réu.
Não há, pois, qualquer nulidade, uma vez que a decisão em causa, com preterição do contraditório prévio, encontra respaldo no art.º 168.º do CPT.
Quanto ao contraditório posterior, embora não constitua uma nulidade da decisão, sempre se diga, a latere, que se o réu entendia que a contestação e a possibilidade de interpor recurso não eram suficientes para o assegurar, designadamente, à luz da Constituição, não foi o Tribunal quem o impediu de apresentar Oposição em modos semelhantes aos previstos para as providências cautelares, nem a indeferiu, pela simples razão de que a mesma nunca foi apresentada. Razão pela qual, também, nunca tomámos posição sobre a sua admissibilidade.
Não há, pois, qualquer nulidade de excesso de pronúncia por violação do contraditório prévio.”
O recurso foi admitido.
Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.
Notificadas as partes do teor do mencionado parecer, não apresentaram resposta.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação daquelas que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC).
Assim, no presente recurso importa apreciar as seguintes questões:
1.ª- Se o despacho é nulo por falta de fundamentação (al.b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC) relativamente aos pontos dois e quatro da ordem de trabalhos da assembleia geral extraordinária do Réu de 10.04.2021.
2.ª- Se caducou o direito da Autora intentar a acção.
3.ª-Se a norma vertida no artigo 168.º do CPT, na parte em que permite ao juiz suspender “nesse momento”, isto é, em face da mera apresentação da petição inicial e documentos anexos, a eficácia de deliberações, desacompanhada da imposição ao tribunal que ordene a citação do sujeito passivo para deduzir oposição à decisão e assim interpretada, como foi pelo Tribunal a quo, viola o princípio do contraditório consagrado nos artigos 20.º da CRP, 6.º da CEDH e 3.º n.º 3 do CPC.
4.ª- Se inexistem factos que densifiquem o conceito de “dano apreciável” no que respeita aos pontos dois e quatro da ordem de trabalhos.
5.ª Se o despacho recorrido aplicou incorrectamente o artigo 163.º do CPT e violou os artigos 55.º, n.º 1, alínea c) da CRP, 173.º, n.º 3 do Código Civil e 77.º dos Estatutos do BBB.
Fundamentação de facto
Os factos com interesse para a decisão são os que resultam do relatório supra.
Fundamentação de direito
Comecemos, então, por analisar se o despacho é nulo por falta de fundamentação (al.b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC) relativamente aos pontos dois e quatro da ordem de trabalhos da assembleia geral extrordinária do Réu de 10.04.2021.
Nesta sede invoca o Recorrente, muito sumariamente, que, nos termos do artigo 168.º do CPT, apenas se podem suspender deliberações relativamente às quais se tenham provado factos que integrem o fundamento legal “dano apreciável” e que o Tribunal a quo apreciou a verificação de tal fundamento apenas relativamente ao ponto um da ordem de trabalhos da Assembleia Geral. Não obstante, também suspendeu a eficácia das deliberações tomadas ao abrigo dos pontos dois e quatro da ordem de trabalhos, o que fez sem apreciar aquele requisito quanto a elas, pelo que, quanto a estas deliberações, inexiste qualquer fundamentação de facto e de direito, o que integra a nulidade prevista na al.b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Vejamos:
O artigo 615.º do CPC, aplicável ao caso ex vi do artigo 1.º n.º 2 al.a) do CPT, enumera taxativamente as nulidades da sentença.
E por força do artigo 613.º n.º 3 do CPC, o disposto no artigo 615.º aplica-se, com as necessárias adaptações, aos despachos.
Estatui a al.b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que a sentença é nula quanto “ Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
Esta causa de nulidade prende-se directamente com a norma do artigo 154.º do CPC que consagra o dever de fundamentar a decisão e com o disposto no n.º 3 do artigo 607.º do CPC, segundo o qual, na elaboração da sentença, devem ser enunciados os fundamentos da decisão, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Ou seja, a lei impõe ao juiz que fundamente de facto e de direito as suas decisões.
Assim, como escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª Edição, Almedina, pags. 735 e 736, “ Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art.607-3). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (…).”
Também sobre esta nulidade, reportando-se ao então n.º 2 do artigo 668.º do CPC, ensina o Professor Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil anotado “, Volume V,  (Reimpressão), Coimbra Editora, LIM, pag.139 e 140: (...)”Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas, é uma peça sem base.
(…).
Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao valor legal. Este deriva, como já assinalámos, do poder de jurisdição de que o juiz está investido.
Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação insuficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação, deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º.”
Ora, analisado o despacho recorrido, logo ressalta que está fundamentado quer de facto, quer de direito, posto que o Tribunal a quo identificou os factos que considerou indiciariamente provados, bem como indicou as normas jurídicas que, no seu entender, foram violadas com a prolação das deliberações emanadas da assembleia geral extraordinária do Réu.
Aliás, o Recorrente invoca uma falta de fundamentação do despacho que não será absoluta, como exigido pela al.b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC mas, tão só, relativa na medida em que restrita a uma parte da decisão – a referente aos pontos dois e quatro da ordem de trabalhos da assembleia geral extraordinária do Réu de 10.04.2021.
E tanto bastava para se concluir, como concluiu o Tribunal a quo quando se pronunciou sobre a arguida causa de nulidade, que esta não ocorre.
 A par, constata-se, ainda, que o despacho recorrido, logo “à cabeça”, começa por referir que “A convocatória de 20-03-2021, subsequente realização da assembleia geral em 10-04-2021 e as deliberações nela tomadas violam, manifestamente, os estatutos e a lei.” Ou seja, entendeu o Tribunal a quo, por um lado, que a convocatória, a realização da assembleia geral extraordinária do dia 10.4.2021 e todas as deliberações nela tomadas (incluindo, assim, as relativas aos pontos dois e quatro da ordem de trabalhos), violam os estatutos e a lei.
E, de seguida, o Tribunal a quo indica os motivos determinantes dessa conclusão, debruçando-se sobre as normas legais relativas à convocatória de assembleias gerais extraordinárias e esclarecendo as razões que o levam a afirmar ter sido violada a Lei e os Estatutos quanto à convocação da assembleia geral extraordinária do Réu e que, no seu juízo, viciaram as deliberações então tomadas.
Mais entendeu que: “Por outro lado, uma das deliberações saídas da assembleia geral de 10-04-2021, ia no sentido de marcar um ato eleitoral para os órgãos sociais (Conselho Diretivo Regional do Norte e o Conselho Fiscal) da zona norte do BBB para o dia 22 de maio de 2021, na sequência de a mesma assembleia ter deliberado anular as eleições para os órgãos sociais para essa zona norte.”
Depois remata, relativamente a todas as deliberações tomadas na dita assembleia geral, dizendo o seguinte: “Ora, atenta a proximidade da data dessas eleições e o óbvio impacto danoso que terão umas eleições marcadas por uma assembleia geral convocada, como se indicia nesta fase processual, à revelia da lei e dos estatutos, temos de concluir que está verificado o pressuposto específico desta providência, ou seja, que da execução das deliberações em causa pode resultar dano apreciável.”
Donde, é perfeitamente perceptível a razão invocada pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão no sentido de que das deliberações em causa pode resultar dano apreciável.
Consequentemente, resta concluir que não ocorre a invocada nulidade do despacho por falta de fundamentação.
Questão diversa será a de saber se as razões e os factos invocados pelo Tribunal a quo preenchem o conceito “dano apreciável”, pressuposto necessário ao decretamento da providência cautelar em causa. Contudo, tal apreciação respeita a eventual erro de julgamento e não à nulidade da sentença, a qual, como já dissemos, não se verifica.
Nestes termos, improcede a arguida nulidade da sentença.
*
Analisemos, agora, se caducou o direito da Autora intentar a acção.
Invoca o Recorrente, em síntese, que o despacho recorrido violou, por desaplicação, o disposto no artigo 164.º n.º 2 do CPT que consagra um prazo de caducidade, que a assembleia geral extraordinária deliberou sobre o recurso apresentado por um associado que impugnou o acto eleitoral realizado na Zona Norte e que, julgando-o procedente, anulou as eleições realizadas para o CDRN e o CF da Zona Norte, tratando-se, pois, de deliberação relativa a eleição de corpos gerentes tomada no dia 10.04.2021 e que, assim, tendo a acção dado entrada em juízo em 03.05.2021, já tinha caducado o direito da Autora intentar a acção, caducidade que se verificou em 26.04.2021.
Conclui afirmando que a decisão impugnada, na parte em que suspendeu as deliberações relativas à anulação das eleições e marcação de novas eleições para o CDRN e CF da Zona Norte, violou o disposto no n.º 2 do artigo 164.º do CPT.
Ora, percorrendo o despacho recorrido, consta-se que nada é dito sobre a eventual caducidade do direito da Autora intentar a acção.
O Recorrente também não arguiu a nulidade do despacho com fundamento em omissão de pronúncia (art.º615.º n.º 1 al.d), 1.ª parte, do CPC), limitando-se a alegar que o Tribunal a quo violou, por desaplicação, o disposto no artigo 164.º, n.º 2 do CPT.
Ora, as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, não são de conhecimento oficioso, pelo que não pode este Tribunal da Relação apreciar da sua existência.
Mas o certo é que, mesmo que a Recorrente tivesse invocado a nulidade do despacho com esse fundamento, a verdade é que não se verifica a dita nulidade na medida em que o Tribunal a quo não podia conhecer oficiosamente da caducidade do direito da Autora intentar a acção. E a causa de nulidade da sentença derivada da omissão de pronúncia apenas ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer, sejam as suscitadas pelas partes, sejam as de conhecimento oficioso.
Senão, vejamos:
Dispõe o artigo 164.º do CPT sob a epígrafe a Ação de declaração de nulidade:
“1 - As deliberações e outros atos de órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos podem ser declarados inválidos em ação intentada por quem tenha interesse legítimo, salvo se dos mesmos couber recurso.
2 - A ação deve ser intentada no prazo de 20 dias, a contar da data em que o interessado teve conhecimento da deliberação, mas antes de passados 5 anos sobre esta; se, porém, a ação tiver por fim a impugnação de deliberações relativas à eleição dos corpos gerentes, o prazo é de 15 dias e conta-se sempre a partir da data da sessão em que tenham sido tomadas essas deliberações.
3 - A petição inicial da ação deve ser acompanhada de documento comprovativo do teor da deliberação ou, não sendo possível, do oferecimento da prova que o requerente possuir a esse respeito.
Do confronto desta norma com o disposto no n.º 2 do artigo 298.º do Código Civil, tal como entende o Recorrente, também nós entendemos que o prazo de propositura da presente acção é um prazo de caducidade.
E como estatui o artigo 333.º do Código Civil sob a epígrafe Apreciação oficiosa da caducidade:
“1. A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.
2. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.”
No caso, a caducidade foi estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes pelo que, nos termos do artigo 303.º do Código Civil, estava vedado ao tribunal a quo apreciá-la oficiosamente, necessitando, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.
É certo que o Réu invocou a caducidade. Mas tal sucedeu apenas no recurso, configurando esta questão uma questão nova.
Como escrevem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3.º, Coimbra Editora, pag.5: “ Os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse a primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.
É, por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la. Os tribunais de recurso podem, porém, conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso, por exemplo, das questões de inconstitucionalidade de normas suscitadas nas alegações de recurso ou da caducidade de conhecimento oficioso.”
Como já vimos, trata-se de um prazo de caducidade que não é de conhecimento oficioso, do que resulta que este Tribunal não pode apreciar a questão da caducidade do direito da Autora intentar a acção, sendo certo que, no caso, o conhecimento da caducidade do direito de acção dependia da sua alegação pelo Réu, num primeiro passo, perante o Tribunal a quo, o que não se verificou.
 Em consequência, não se aprecia a alegada caducidade do direito da Autora intentar a acção.
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Apuremos, agora, se a norma vertida no artigo 168.º do CPT, na parte em que permite ao juiz suspender “nesse momento”, isto é, em face da mera apresentação da petição inicial e documentos anexos, a eficácia de deliberações, desacompanhada da imposição ao tribunal que ordene a citação do sujeito passivo para deduzir oposição à decisão e assim interpretada, como foi pelo Tribunal a quo, viola o princípio do contraditório consagrado nos artigos 20.º da CRP, 6.º da CEDH e 3.º n.º 3 do CPC.
Sustenta o Recorrente, em resumo, que: o princípio do contraditório está consagrado no artigo 20.º da CRP, no artigo 6.º da CEDH e no artigo 3.º n.º 3 do CPC e que, mesmo nos casos excepcionais em que a providência é decretada sem audiência prévia do requerido, a lei impõe que este seja citado para deduzir oposição; no presente caso, a lei não prevê tal e que tanto assim é que o Tribunal a quo ordenou a citação do Réu apenas para contestar a acção e quanto ao despacho recorrido apenas ordenou que se lhe desse “notícia do mesmo; na economia dos princípios gerais do direito processual, é apenas a necessidade de dar eficácia à providência que permite o diferimento do contraditório e só, mas que no sistema do artigo 168.º do CPT não são estas considerações que devem presidir à decisão do juiz mas a conclusão que a execução pode causar dano apreciável-pressuposto comum da tutela cautelar -; o que está em causa no artigo 168.º do CPT é a possibilidade de o juiz decretar a suspensão da execução da deliberação apenas à vista da petição inicial e documentos que a acompanham, desarticulada da imposição de determinar que seja facultada a oposição posterior ao sujeito passivo, regime este que foi aplicado pelo Tribunal a quo; a possibilidade de interpor recurso não realiza plenamente o contraditório; e que a redacção do artigo 168º do CPT é a que resulta do CPT de 1963, de uma ordem jurídica corporativa e autoritária que já não é vigente e que é incompatível com a CRP.
Conclui que a norma vertida no artigo 168.º do CPT, na parte em que permite ao juiz suspender “nesse momento”, isto é, em face da mera apresentação da petição inicial e documentos anexos, a eficácia das deliberações, desacompanhada da imposição ao tribunal que ordene a citação do sujeito passivo para deduzir oposição à decisão, viola o disposto nos artigos 20.º da CRP e 6.º da CEDH e o princípio do contraditório pelo que, nos termos do disposto no artigo 204.º da CRP deve a dita norma assim interpretada pelo Tribunal a quo ser desaplicada e revogada a decisão de suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral de 10.04.2021.
Vejamos:
Estatui o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa:
“1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”
Por seu turno, o Artigo 6.º n.º 1 da CEDH dispõe:
“1.Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.”
Por fim, o artigo 3.º n.º 3 do CPC consagra o princípio do contraditório assim:
“O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Proíbe-se, assim, quer no ordenamento nacional, quer no ordenamento internacional, as denominadas decisões surpresa, constituindo a falta de audição das partes nulidade processual que, no caso, por decorrer do próprio despacho, sempre seria arguida em sede de recurso e não por via do artigo 195.º do CPC. 
A presente acção está prevista no TÍTULO VI (Acções Especiais), CAPÍTULO IV do CPT relativo ao Processo do contencioso de instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores.
Nos termos do artigo 162.º do CPT, na redacção da Lei n.º 107/2019, de 9 de Setembro, que entrou em vigor em 9 de Outubro de 2019,
“1 - Os processos do contencioso de instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores seguem os termos do processo comum previsto neste Código, salvo o disposto nos artigos seguintes.
2 - Nos processos referidos no número anterior não há lugar a audiência prévia.”
Por seu turno, o artigo 164.º do CPT regula a acção de declaração de nulidade das deliberações e outros actos de órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos.
Nos termos do artigo 165.º do CPT, o juiz manda citar o réu e ordena que este apresente os documentos relativos à situação objecto de impugnação que ainda não tenham sido juntos aos autos, podendo o Réu contestar no prazo de 10 dias e, mesmo que não conteste, deve enviar ao tribunal os documentos referidos no número anterior.
Por sua vez, o artigo 168.º do CPT que manteve a redacção do DL n.º 295/2009 de 13 de Outubro, estatui:
“Se na petição inicial o autor requerer a suspensão de eficácia dos atos ou disposições impugnados, demonstrando que da sua execução pode resultar dano apreciável, o juiz pode decretar a suspensão nesse momento ou após a contestação.”
Consagra esta norma o poder do juiz decretar a suspensão dos actos ou disposições impugnadas sem antes ouvir o réu.
Em anotação a este artigo, escreve Abílio Neto, no Código de Processo do Trabalho Anotado, 5.ª Edição Actualizada e Ampliada, Janeiro de 2011, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda, Lisboa, pag.414: “ A suspensão de eficácia, prevista neste artigo, assume a natureza de providência cautelar conservatória uma vez que mantém o status quo ante.”
Também o Tribunal a quo perfilhou o entendimento de que a referida norma consagra “um verdadeiro procedimento cautelar”, entendimento que não é posto em causa pelo Réu e que também merece a nossa concordância.
Assim, à luz do artigo 168.º do CT se, na petição inicial for requerida a suspensão da eficácia dos actos ou disposições impugnados, demonstrando o Autor que da execução desses actos ou disposições pode resultar dano apreciável, o juiz pode decretar a suspensão nesse momento, o que sucedeu nos presentes autos.
Visa, pois, esta norma evitar que da execução de determinados actos ou disposições impugnados resulte dano apreciável.
Sucede, porém, que a norma do artigo 168.º do CPT, nem as que se lhe seguem ou antecedem no capítulo onde está inserida, regulam os trâmites posteriores ao decretamento da providência.
Ou seja, o artigo 168.º do CPT limita-se a atribuir ao juiz o poder de decretar uma providência cautelar sem a audiência prévia do Réu, o que, como se sabe, não representa qualquer novidade no nosso ordenamento jurídico, pois que outros procedimentos cautelares existem em que o legislador, deliberadamente, optou por não dar voz ao requerido antes de ser decretada a providência cautelar, como por exemplo no caso dos procedimentos cautelares de arresto (393.º do CPC), restituição provisória de posse (art.378.º do CPC) e no procedimento cautelar comum quando se constate que a audiência põe em risco sério o fim ou a eficácia da providência (art.366.º n.º 1 do CPC).
Porém, nestes casos excepcionais de não audiência prévia do requerido, a verdade é que a lei, em momento ulterior e ainda no âmbito do procedimento cautelar, sempre concede ao requerido a faculdade de exercer o contraditório.
Assim, refere o artigo 366.º n.º 6 do CPC, que quando o requerido não for ouvido e vier a ser decretada a providência, após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação.
E na sequência dessa notificação, o requerido pode, em alternativa, recorrer nos termos gerais ou deduzir oposição (art.372.º do CPC).
Extrai-se deste regime que foi preocupação do legislador possibilitar o contraditório ao requerido, mesmo depois de a providência estar decretada, acautelando, assim, a possibilidade de, em 1ª instância, o requerido poder ver alterada a decisão que decretou a providência cautelar.
Revertendo ao artigo 168.º do CPT, tem razão o Recorrente quando afirma que esta norma não contempla a imposição de se cumprir o contraditório após o decretamento da suspensão da eficácia das deliberações; nada se extrai da letra do preceito nesse sentido. Mas, salvo o devido respeito, essa constatação não significa, necessariamente, que a norma em causa proíbe ou inviabiliza, de alguma forma, o contraditório do requerido após ter sido decretada a providência cautelar.
E, por isso, não podemos acompanhar a afirmação do Recorrente no sentido de que o artigo 168.º do CPC viola os artigos 20.º da CRP e 6.º da CEDH e, assim, o princípio do contraditório.
O que, em nosso entender, se nota nesta norma, que nem foi alterada pela recente Lei n.º107/2019, de 9 de Setembro, é uma omissão relativamente aos trâmites a seguir posteriormente ao decretamento da providência e que pode e deve ser suprida nos termos estabelecidos pelo CPT.
Ora, dispõe o artigo 1.º do CPT que o processo do trabalho é regulado pelo presente Código. E o n.º 2 do mesmo artigo indica a legislação, a regulamentação e os princípios a que sucessivamente se impõe recorrer nos casos omissos.
De outra banda, o CPT, regula os procedimentos cautelares nos artigos 32.º a 47.º, dispondo o n.º 1 do artigo 32.º que aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum, incluindo no que respeita à inversão do contencioso prevista nesse diploma, com as especialidades que enumera.
E o artigo 33.º (aplicação subsidiária) refere no seu n.º 1 que o disposto no artigo 32.º é aplicável aos procedimentos cautelares previstos na secção seguinte (procedimentos cautelares especificados) em tudo quanto nesta se não encontre especialmente regulado.
Consequentemente, é de concluir que as normas estabelecidas no CPC para o procedimento cautelar comum, onde se inserem os artigos 366.º e 372.º são aplicáveis ao procedimento cautelar previsto no artigo 168.º do CPT. Por outras palavras, no presente caso, relativamente ao despacho recorrido, deveria ter sido cumprido o disposto nos artigos 366º n.º 6 e notificado o Réu para efeitos do disposto no artigo 372.º do CPC.
Contudo, não foi essa a interpretação do Tribunal a quo relativamente à norma do artigo 168.º do CT, posto que na parte final do despacho recorrido apenas é dito:
“Notifique a Autora e cite o Réu, dando-lhe notícia do despacho supra, bem como para, querendo e em dez dias, contestar, nos termos do art.º 162.º do CPT.”
E na sequência de tal determinação, em 07.05.2021 foi endereçada ao Réu carta registada com aviso de recepção citando-o para, “no prazo de 10 dias, contestar a acção, nos termos do artigo 165.º do CPT.”
Na mesma carta fez-se constar que se remetiam os duplicados, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 54.º do CPT e cópia do despacho proferido, dando-se, desta forma, “notícia” ao Réu do despacho que suspendeu a eficácia das deliberações da AG de 10.04.2021.
Ou seja, no acto de citação, nada foi comunicado ao Réu, como se impunha, no sentido de, querendo, deduzir oposição à mencionada decisão, preterindo-se, assim, o seu direito de exercer o contraditório relativamente à providência cautelar decretada.
Concluindo, uma vez que foi vedado ao Réu exercer o direito ao contraditório após o decretamento da providência, impõe-se facultar-lhe o exercício desse direito, o que não implica a revogação do despacho recorrido em toda a sua extensão, como pretende o Recorrente, mas, tão só, o segmento que determina a citação do Réu, dando-lhe notícia do despacho supra, que deverá ser substituído por outro que ordene a notificação do Réu nos termos do artigo 366.º n.º 6 e para efeitos do disposto no artigo 372.º do CPC, com a subsequente tramitação legal.
Nesta sequência, prejudicado fica o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido no segmento que determina a citação do Réu, dando-lhe notícia do despacho supra, que deverá ser substituído por outro que ordene a notificação do Réu nos termos do artigo 366.º n.º 6 e para efeitos do disposto no artigo 372.º do CPC.
Custas do recurso pelo Recorrente na proporção do decaimento.
Registe e notifique.

Lisboa, 29 de Setembro de 2021
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Filomena Maria Moreira Manso