PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
ESPECIAL RELAÇÃO COM O CREDOR
PESSOAS ESPECIALMENTE RELACIONADAS COM O DEVEDOR
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário


Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I. A enunciação das circunstâncias que constituem a especial relação com o credor causadoras da subordinação do crédito é taxativa e não meramente exemplificativa.
II. Não podem considerar-se pessoas especialmente relacionadas com o devedor, o irmão e cunhada de alguém que foi administrador da insolvente (antes da transformação em sociedade por quotas) mais de 2 anos antes do início do processo de insolvência.
III. Igualmente não podem considerar-se pessoas especialmente relacionadas com o devedor, o irmão e cunhada de alguém que foi sócio de uma sociedade por quotas que veio a ser declarada insolvente, na medida em que a responsabilidade de tal sócio não é pessoal e ilimitada, não respeita à generalidade das dívidas da pessoa colectiva insolvente e não tem como fonte a própria lei.

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

Por sentença de 06.11.2014, transitada em julgado em 01.12.2014, conforme Insc. 15 Ap. 5/20150311, cópia da certidão do registo comercial de ..., a fs. 461, foi declarada a insolvência de A. R., Unipessoal, Lda., (que foi, anteriormente, A. R., SA, e A. R., Lda.) com sede na Rua ..., n.° …, ... ou em instalações arrendadas, na Praceta …, Lote …, freguesia de …, Viana do Castelo (fs. 452/470 e 775).
Cumprindo o ordenado em tal decisão, procedeu o Ex.mo Administrador à apreensão, entre outros e no que aqui interessa, dos seguintes bens, conforme auto a fs. 914/922 v.º (III volume do apenso G) da reclamação de créditos:
VERBA N.° 18
Fração autónoma, designada pela letra "O", composta por habitação do tipo T4, sita na Rua ..., Lugar ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° ..., inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias de ..., ... e ... sob o art.° 2260, com o valor patrimonial de ……. ............ € 108.620,00;
VERBA N.° 22
Fração autónoma, designada pelas letras "BB", composta por loja para comércio, sita na Rua ..., Bl. …D, freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° ..., inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias de Vila Nova de Famalicão e ... sob o art.° ..., com o valor patrimonial de........................................................................................... € 68.850,00;
VERBA 54-C
Fracção "C", correspondente a loja para comércio, no rés do chão, direito, em que faltam todos os acabamentos, e cujo valor de mercado, após conclusão, será de …………………………. € 209.900, 00.

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No prazo legal apresentou o Ex.mo Administrador a lista a que se refere o art. 129.º do CIRE.
Após impugnações e respostas, procedeu-se à legal tentativa de conciliação – fs. 797/800.
Seguiram-se algumas diligências no sentido de se apreenderem 35 fracções do prédio constituído em propriedade horizontal conforme inscrição Ap. 64 de 4.7.2002, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ... – ... e inscrito na matriz sob o artigo …, e documentar nos autos algumas operações com interesse para decisão.
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Após tentativa de conciliação em que foi aceite a justeza do reclamado pelo credor X – n.º 80 – e reconhecido pelo Banco ... ter recebido por conta de seu crédito o valor de 100.000,00 €uros (fls. 799), procedeu-se a algumas diligências destinadas a instruir o processo, vindo depois a ser proferido saneador que julgou reconhecidos os créditos aí identificados e, porque a verificação de alguns créditos dependia de produção de prova, relegou-se para a sentença final a graduação de todos – n.º 7 do art. 136.º CIRE.
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Elaborou-se a matéria assente e temas de prova quanto aos créditos de alguma forma litigados, os n.ºs 2, 16, 19, 22, 32, 40, 45, 53 e 61, sem reclamações.
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Procedeu-se a audiência de julgamento.

Nessa sequência, foi proferida sentença, com a decisão, cujo teor se transcreve:

“Decisão
Vistos os comandos legais citados, os ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais estudados e a factualidade assente,
1) - Nos termos dos n.ºs 2, 3 e 5 do art. 136.º e art. 140.º do CIRE,
a) - Reproduzo aqui a lista dos créditos reconhecidos no saneador, com as correcções dos erros de escrita acima vistos e que são:
A al B de I passa a ter a seguinte redacção:
B – com privilégio mobiliário especial sobre o veículo devedor de IUC – n.º 66 – n.º 3 do art. 22.º do Código do IUC, com última actualização pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro – no valor de 35,96 € sobre a verba n.º 4, veículo de matrícula EQ – fs. 839 v.º, in fine.
O crédito da Fazenda Nacional, no valor de 59,24 €uros, sobre o veículo apreendido como verba 3 – SF – foi reconhecido como comum por ser referente a 2012. É quanto consta da pág. 11 da relação de créditos, fs. 8 do I volume.
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Na parte final da al. D acrescenta-se o esclarecimento do que, no total, é crédito comum e garantido:

D - Com privilégio imobiliário especial: o n.º 66 – crédito da Fazenda por IMI, no valor de 139.657,69 €uros, incidente sobre os imóveis apreendidos sob as verbas n.ºs 18, 19 e 21 a 64, com a distribuição constante de fs. 925 v.º/926 – art. 122.º do CIMI, 744.º, 1 e 751.º do CC; De tal distribuição se vê que do total de 139.657,69 €uros só 38.050,89 é crédito garantido, sendo o restante crédito comum.
b) – Incluo aqui os créditos resultantes do julgamento da matéria de facto:
- O privilégio imobiliário conferido a todos os trabalhadores pela al. b) do n.º 1 do art. 333.º do Código do Trabalho incide sobre as lojas apreendidas sob os n.ºs 59 a 62.
O reclamante 2 - A. P. tem reconhecido o crédito subordinado no total de 5.601,95 €uros.
Os reclamantes 16 - A. B. e R. P. vêem reconhecido o crédito reclamado de 499.594,52 €uros, garantido por direito de retenção sobre as fracções 18 e 54-C.
O Reclamante 19 – BANCO ... – Banco … - mantém intacto o crédito no valor de 127.961,19 €uros, garantido por hipoteca sobre a verba apreendida sob o n.º 55.
O Reclamante 22 – Caixa ... mantém o crédito de 68.946,70 garantido por hipoteca sobre a fracção apreendida sob o n.º 64.
Os Reclamantes 32 – F. M. e esposa D. M. A. vêem reconhecido o crédito comum 377.500,00 €uros.
A Reclamante n.º 40 – I. G. vê reconhecido o crédito de 46.255,34 €uros, garantido por direito de retenção sobre a fracção apreendida sob o n.º 27.
Os Reclamante 45 – J. C. e esposa M. R. vêem reconhecido o crédito de 69.834,73 €uros, garantido por direito de retenção sobre a fracção apreendida sob o n.º 26.
O Reclamante 53 – J. R. vê reconhecido o crédito comum no valor de 52.373,77 €uros.
À Reclamante 61 – M. E. reconheço o crédito comum de 359.000,00 €uros.

2) – E em obediência ao disposto nos art. 136.º n.º 6 e 140.º do CIRE, graduo-os pela forma seguinte:
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A – Pelo produto da venda dos móveis das verbas 1, 2 e 3, bens livres, dar-se-á pagamento:
- em primeiro lugar, aos créditos laborais, em rateio, se necessário – art. 333.º do C. T
- depois, ao crédito privilegiado da Fazenda Nacional por IRC – art. 116.º do CIRC;
- a seguir, obterá pagamento o crédito privilegiado da Segurança Social, no valor em que é privilegiado – art. 204.º do CRCSS;
- de seguida, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, incluindo da Fazenda e da Segurança Social, em rateio se necessário e, por último,
- aos créditos subordinados.
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B – Pelo produto da venda do veículo da verba n.º 4, devedor de IUC, dar-se-á pagamento

- em primeiro lugar aos créditos laborais, em rateio, se necessário, por beneficiários de privilégio mobiliário geral, a graduar à frente dos impostos – 333.º do C.T.;
- de seguida, ao crédito por IUC que beneficia de privilégio mobiliário especial – n.º 3 do art. 22.º do CIUC;
- depois, ao crédito privilegiado da Fazenda Nacional por IRC (n.º 66) no total de 1452,64 € - art. 116.º do CIRC;
- a seguir, obterá pagamento o crédito privilegiado da Segurança Social, no valor de 2.453,05 €uros – art. 204.º do CRCSS;
- de seguida, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, incluindo da Fazenda e da Segurança Social, em rateio se necessário e, por último,
- aos créditos subordinados.
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C - Pelo produto da venda das 1.500 acções da Norgarante empenhadas, dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito n.º 72, garantido por penhor sobre tais acções;
- de seguida, aos laborais, em rateio, se necessário;
- depois, ao crédito privilegiado da Fazenda Nacional por IRC;
- a seguir, obterá pagamento o crédito privilegiado da Segurança Social, no valor em que é privilegiado e ainda em dívida;
- de seguida, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, incluindo da Fazenda e da Segurança Social, em rateio se necessário e, por último,
- aos créditos subordinados.
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D – Pelo produto da venda dos imóveis apreendidos como verbas n.ºs 5 a 17 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito hipotecário da credora Y até ao máximo de 1.850.000,00 €uros de capital, juros de 4,75% ao ano, elevável em mais 4% na mora, e despesas de 74.000,00 €uros – escritura de fs. 80 a 87 e certidão de fs. 89 a 108 – art. 686.º CC.
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado – 116.º do CIRC;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, no valor privilegiado – 205.º do CRCSS - ainda em dívida;
- do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
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E - Pelo produto da venda do imóvel apreendido sob o n.º 18 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI, na parte em que é privilegiado – art. 751.º CC;
- de seguida ao créditos garantido por direito de retenção dos credores A. B. e esposa – 755.º, 1, f) e 759.º, 2, ambos do CC;
- depois, ao crédito hipotecário da credora Y antes identificado;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente do produto da venda desse bem, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados (nomeadamente os juros de créditos comuns), pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respetivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, em caso de insuficiência da massa para o seu pagamento integral – art. 177º, nº 1, do CIRE.
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F - Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 19 – dar-se-á pagamento
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI, na parte em que é privilegiado – art. 751.º CC;
- depois, ao crédito hipotecário da credora Y antes identificado;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social , também privilegiado;
- do remanescente do produto da venda desse bem, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
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G - Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 20 – dar-se-á pagamento
- em primeiro lugar, ao crédito hipotecário da credora Y antes identificado;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social , também privilegiado;
- do remanescente do produto da venda desse bem, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
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H - Pelo produto da venda dos imóveis apreendidos como verbas n.ºs 21 a 23 cujas hipotecas estão canceladas a fs. 885 v.º dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente do produto da venda desse bem, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
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I - Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 24 e 25 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI;
- de seguida ao crédito hipotecário da Caixa ... até ao montante máximo assegurado de 1.428,325,00 €uros, sendo 950.000,00 de capital, juro anual de 11,45%, acrescido de 4% em caso de mora e 39.000,0 de despesas – Ap. 17 de 7.8.2008 – fs, 856 a 860.
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
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J - Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 26 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI, na parte em que é privilegiado – art. 751.º CC;
- de seguida ao crédito garantido por direito de retenção do credor J. C. e esposa – 755.º, 1, f) e 759.º, 2, ambos do CC;
- depois, ao crédito hipotecário da Caixa ... até ao montante máximo assegurado de 1.428,325,00 €uros, sendo 950.000,00 de capital, juro anual de 11,45%, acrescido de 4% em caso de mora e 39.000,0 de despesas – Ap. 17 de 7.8.2008 – fs, 856 a 860.
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados (nomeadamente os juros de créditos comuns), pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respetivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, em caso de insuficiência da massa para o seu pagamento integral – art. 177º, nº 1, do CIRE.
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K - Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 27 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI, na parte em que é privilegiado – art. 751.º CC;
- de seguida ao crédito garantido por direito de retenção da credora I. G. – 755.º, 1, f) e 759.º, 2, ambos do CC;
- depois, ao crédito hipotecário da Caixa ... até ao montante máximo assegurado de 1.428,325,00 €uros, sendo 950.000,00 de capital, juro anual de 11,45%, acrescido de 4% em caso de mora e 39.000,0 de despesas – Ap. 17 de 7.8.2008 – fs, 856 a 860.
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
L - Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 28 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI;
- de seguida ao crédito hipotecário da Caixa ... até ao montante máximo assegurado de 1.428,325,00 €uros, sendo 950.000,00 de capital, juro anual de 11,45%, acrescido de 4% em caso de mora e 39.000,0 de despesas – Ap. 17 de 7.8.2008 – fs, 856 a 860.
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
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M - Os imóveis apreendidos como verbas n.ºs 29 a 46 são bens livres, dado que a hipoteca que sobre eles incidia foi cancelada, como de fs. 885 v.º se vê;
Pelo produto da venda destes bens dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
N – Os bens das verbas n.ºs 47 a 51 são estacionamentos descobertos, afectos a bloco não construído, e sobre eles não incide qualquer onus, salvo o IMI que atinge os bens das verbas 18, 19 e 21 a 64.

Prevenindo a sua possível alienação, pelo produto dessa venda dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI – art. 122.º do CIMI e 744.º, 1, do CC.;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
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O – Pelo produto da venda dos bens das verbas 52 e 53, bens livres, dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI – art. 122.º do CIMI e 744.º, 1, do CC.;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
P –
VERBA N.° 54
Prédio urbano, composto por terreno para construção, sito na Rua ..., Estrada Nacional …, Lote …, Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.° .../19980831, inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias de ..., ... e … sob o art.° ..., onde se encontra já implantado edifício de rés do chão e três andares, em fase de acabamentos, que quando em propriedade horizontal será constituído pelas fracções A a R, abaixo identificadas, a que o credor hipotecário (Caixa ...) atribui o valor global de …………………….... € 1.920.000,00.

No tocante a esta verba interessa notar o seguinte:
Sobre este imóvel incide hipoteca voluntária a favor da CAIXA ... – credor n.º 23 - até ao montante máximo de 1.427.602,00 €uros, sendo 1.100.000,00 € de capital, juros a 4,594%, elevável em 4% na mora e 44.000,00 € de despesas – Ap. 2795 de 26.5.2010 – crédito transmitido pelo Banco … à CAIXA ... pelo Averb. - Ap. 546 de 28.7.2011 – fs. 337 e v.º.
Sobre este imóvel da verba n.º 54 incide hipoteca voluntária de 2.º grau a favor dos credores n.º 55 – L. M. e M. P., com o máximo assegurado de 100.000,00 €uros, registada pela Ap. 3700 de 3.2.2012, da CRP de … – fs. 337 v.º.
A CAIXA ... registou hipoteca a seu favor, com o máximo assegurado de 488.252,80 €uros, sendo 280.000,00 de capital e o restante de juros a 20,792 %, elevável em 4% em caso de mora, ampliação da inscrição Ap 2795 de 26.5.2010 – Ap. 2184 de 15.6.2012 da CRP de Viana do Castelo – fs. 338.
Nesta verba estão construídas, em diferentes estados de acabamento, as fracções 54-A a 54-R.
A graduação a que de seguida se procede terá em conta o disposto no art. 6.º do C. R. Predial quanto às hipotecas de 26.5.2010, 3.2.2012 e 15.6.2012, vale para todas as fracções já construídas – art. 691.º do CC – salvo para a fracção 54-C, em relação à qual prevalece o direito de retenção dos credores A. B. e esposa, nos termos dos art. 755.º, 1, f) e 759.º, 2, do CC.

Assim, pelo produto da venda das fracções 54 a 54-B e 54-D a 54-R dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar ao IMI;
- de seguida e pela ordem temporal das apresentações correspondentes, aos créditos hipotecários da CAIXA ..., de L. M. e esposa M. P. e CAIXA ... de 15.6.2012
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
Q - Pelo produto da venda da fracção 54-C dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar ao IMI;
- depois, ao crédito garantido por direito de retenção dos credores n.º 16 A. B. e esposa, nos termos dos art. 755.º, 1, f) e 759.º, 2, do CC.
- de seguida e pela ordem temporal das apresentações correspondentes, aos créditos hipotecários da CAIXA ..., de L. M. e M. P. e CAIXA ... de 15.6.2012
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
R – Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 55 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI;
- de seguida ao crédito hipotecário do BANCO ..., conforme hipoteca registada pela Ap. 2 de 5.12.2003, com o máximo assegurado de 3.312.500,00 €uros – fs. 602 e v.º e 609 – sendo o crédito reconhecido pelo valor de 127.961,19 €uros;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
S - Pelo produto da venda dos imóveis apreendidos como verbas n.º 56 e 57 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI;
- de seguida ao crédito hipotecário do BANCO ..., até ao máximo de 427.729,44
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
T - Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 58 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI;
- de seguida ao crédito hipotecário do BANCO ..., até ao máximo de 141.783,39 € e 74.819,68;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
U – Pelo produto da venda dos bens das verbas 59 a 62 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- Em primeiro lugar, aos créditos dos trabalhadores – art. 333.º, 1, b) e 2, b) do Código do Trabalho e 751.º do CC - pelos montantes apurados no saneador;
- de seguida, dar-se-á pagamento ao crédito hipotecário do BANCO ... até ao montante de 427.729,44 €uros
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
V - Pelo produto da venda do bem da verba 63, bem livre, dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI – art. 122.º do CIMI e 744.º, 1, do CC.;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
X - Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 64 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI;
- de seguida ao crédito hipotecário da Caixa ..., reduzido a 68.946,70 €uros;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
Y – Pelo produto da venda dos bens apreendidos sob as verbas n.ºs 65 a 82 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- Em primeiro lugar, ao crédito hipotecário da Caixa ... até ao montante máximo assegurado de 1.428.325,00 €uros, sendo 950.000,00 de capital, juro anual de 11,5%, acrescido de 4% em caso de mora e 39.000,00 € de despesas, conforme Ap. 17 de 7.8.2008, a fs. 873 a 890;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
Z – Conforme informação do Ex.mo Administrador, a fs. 930 v.º, os bens das verbas n.ºs 83 a 94 não existem fisicamente, o bloco que integrariam não chegou a ser construído.
Como quer que seja, a graduação referente a estes (inexistentes) bens seria exactamente a mesma que agora ficou expressa para os bens das verbas 65 a 82.
*
Como acima ficou dito, o crédito remanescente dos ex-trabalhadores e o crédito do Fundo de Garantia Salarial, resultante de sub-rogação nos valores pagos aos trabalhadores, são graduados a par e na fase dos pagamentos devem ambos ser colocados no mesmo patamar, isto é, no mapa de rateio final do processo de insolvência contemplado no artigo 182º do CIRE devem ambos – Trabalhadores e FGS – nele ser incluídos e contemplados, paritária e proporcionalmente caso tal se revele necessário.
*
As custas são da responsabilidade da massa – art. 304.º CIRE.
Registe e notifique.”
*
Do assim decidido recorreram – no que agora interessa - os credores Y e Caixa ..., defendendo ambos que ao crédito dos reclamantes A. B. e esposa R. P. não deve ser reconhecido o direito de retenção, acrescentando o Banco ... que, por serem estes credores irmão e cunhada do sócio da Insolvente, deve o crédito reclamado ser classificado como crédito subordinado e como tal graduado.

Na apreciação dos recursos interpostos pelos credores Y e Banco ..., este Tribunal da Relação decidiu:
“….
f) anular parcialmente a sentença recorrida, tendo em vista a ampliação da matéria de facto relativamente aos factos acima referenciados (relação de parentesco), quanto à reclamação de créditos de A. B. e R. P., bem como com vista a que seja esclarecida a existência ou não da invocada hipoteca sobre a verba n° 22, e consequentes reflexos na qualificação e graduação efectuada, sendo que a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não está viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto com o fim de evitar contradições, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, quer no recurso da Caixa ..., quer no recurso interposto pela credora Y.”.

Fundamentando o assim decidido, deixou-se escrito:
Face ao que acima ficou exposto, considerando que no que diz respeito à verba n° 22 (existência de hipoteca ou não sobre a mesma), na lista apresentada pelo Sr. AI este meramente faz menção à verba n.° 54 (nada dizendo quanto à verba n° 22), considerando que o documento de fls. 885 referido na sentença, se não refere a qualquer hipoteca da verba em causa, nem a qualquer cancelamento da mesma, e considerando finalmente que não tem este Tribunal da Relação acesso à reclamação apresentada pela apelante ao Sr. AL, importa anular a decisão da primeira instância, apenas quanto a esta factualidade, com vista a que seja esclarecida a existência ou não da invocada hipoteca, e consequentes reflexos na graduação efectuada.
Mais reconhecendo a relevância dos factos referentes à relação de parentesco entre o credor A. B. e sua mulher e o legal representante da insolvente, factos esses que foram alegados na impugnação deduzida ao seu crédito, e sobre os quais a 1ª instância se não pronunciou, mostra-se indispensável a ampliação da matéria de facto no que se refere aos mesmos, tendo em vista todas as soluções plausíveis de direito, nomeadamente para a qualificação do eventual crédito dos referidos A. B. e mulher, considerando o disposto na alínea a) do artigo 48.° do CIRE e, bem assim, nas alíneas b) e c) do n.° 1 e a) e d) do n.° 2 do artigo 49.° do CIRE”.
*
Em cumprimento do assim decidido, e porque tanto a existência de hipoteca como a relação de parentesco e o casamento só podem provar-se por documento – art. 687.º do CC e 3.º, 1, h), do C. R. Predial; art. 1.º, a), b) e d), art. 2.º a 4.º do C. Registo Civil – solicitou a 1ª instância:

a) – ao Ex.mo Conservador do Registo Civil de ... o envio de certidão de registo de nascimento de A. B. e de seu irmão A. P., bem como de casamento de A. B. com R. P.; e
b) - ao Ex.mo Conservador do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão certidão da descrição e de todas as inscrições, ainda que canceladas, referentes à Fração autónoma, designada pelas letras "BB", composta por loja para comércio, sita na Rua ..., Bl. .., freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° ..., inscrita na matriz predial urbana da união das freguesias de … e ... sob o art.° ..., com o valor patrimonial de. € 68.850,00.
Juntas as certidões pedidas – fs. 2042, 2054 a 2063, do registo civil; 2044 a 2056 as do registo predial – foram os então recorrentes notificados para, querendo, alegarem por escrito, atenda a pandemia que assola o país, o que estes fizeram.
*
Foi então proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Decisão
Termos em que, vistas as normas analisadas agora – art. 47.º, b, art. 48.º, primeira parte da al. a), art. 49.º, 2, al. d) e n.º 1, al. b), todos do CIRE – e na sentença recorrida, graduo os créditos incidentes sobre as verbas 22, 18 e 54 – C pela forma seguinte:
I – Pelo produto da venda do imóvel apreendido como verba n.º 22 dar-se-á pagamento:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI;
- depois, ao crédito hipotecário da Caixa ..., até ao máximo assegurado de 121.888,90 €uros;
- de seguida, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do eventual remanescente do produto da venda deste bem, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar insatisfeito dos créditos hipotecário, da Fazenda e da Segurança Social – art. 174.º e 175.º do CIRE; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.2.2018, no Processo 3157/12.4TBPRD-I.P1.S3.
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, aqui incluído o crédito reclamado por A. B. e esposa, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, em caso de insuficiência da massa para o seu pagamento integral – art. 177º, nº 1, do CIRE.
*
II – Pelo produto da venda do imóvel apreendido sob o n.º 18 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI, na parte em que é privilegiado – art. 751.º CC;
- depois, ao crédito hipotecário da credora Y;
- de seguida, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente do produto da venda desse bem, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos hipotecário da Y e privilegiados da Fazenda e da Segurança Social - art. 174.º e 175.º do CIRE; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.2.2018, no Processo 3157/12.4TBPRD-I.P1.S3;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, aqui incluído o crédito reclamado por A. B. e esposa, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, em caso de insuficiência da Massa para o seu pagamento integral – art. 177º, nº 1, do CIRE.
*
III – Pelo produto da venda da fracção 54-C dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar ao IMI;
- de seguida e pela ordem temporal das apresentações correspondentes, aos créditos hipotecários da CAIXA ..., de L. M. e M. P. e CAIXA ... de 15.6.2012
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos hipotecários acima e privilegiados da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, aqui incluído o crédito reclamado por A. B. e esposa, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, em caso de insuficiência da massa para o seu pagamento integral – art. 177º, nº 1, do CIRE.
Custas pela Massa – art. 304.º do CIRE.
Registe e notifique”.
*
Inconformados com esta decisão, vieram os credores reclamantes A. B. e mulher recorrer da mesma, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões que se transcrevem (depois de corrigidas):

“CONCLUSÕES
i) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que graduou os créditos dos aqui Recorrentes – sobre as verbas 18 e 54-C – como subordinados, com o fundamento de que os Recorrentes detinham relações especiais relativamente à devedora A. R. Unipessoal, Lda..
ii) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo incorreu em erro, nomeadamente apreciando matéria de facto que lhe estava vedada, incorrendo, portanto, em excesso de pronúncia.
iii) Além desse motivo, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo não valorou factos que deviam constar da matéria de facto dada como provada, designadamente que, na data da declaração de insolvência da A. R. Unipessoal, Lda. e nos dois anos anteriores a essa declaração, o único sócio da sociedade era A. P..
iv) Também por esse motivo, o Tribunal recorrido, fez uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes e aplicáveis ao caso sub judice.
Vejamos:
v) A insolvência da sociedade comercial A. R., Unipessoal, Lda., foi decretada por sentença proferida em 06.11.2014.
vi) Os aqui Recorrentes, nessa sequência, reclamaram os seus créditos, tendo-lhes sido reconhecido, por sentença proferida em 09.07.2019 (sentença primitiva, referência Citius 163858100) o direito ao crédito reclamado de €499.594,52 (quatrocentos e noventa e nove mil quinhentos e noventa e quatro euros e cinquenta e dois cêntimos), garantido por direito de retenção sobre as fracções 18 e 54-C.
vii) Neste seguimento, foi interposto recurso pelos credores Y e Caixa ..., tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão proferido no dia 10.09.2020 (referência Citius 105599), anulado parcialmente a sentença proferida pelo Tribunal a quo, ordenando a ampliação da matéria de facto no que respeita à relação de parentesco entre os Credores A. B. e mulher e o legal representante da insolvente no momento da declaração de insolvência, A. P..
viii) Porém, o Tribunal a quo foi mais além do que a ampliação mencionada, apreciando matéria nova, conhecendo da relação familiar entre os Apelantes e A. R., sendo certo que, tal matéria não constava dessa dita ampliação.
ix) Por este motivo, e salvo melhor opinião em sentido divergente, a Sentença proferida padece de nulidade por excesso de pronúncia nos termos das disposições conjugadas dos artigos 5.º, 2.ª parte, da al. d), do artigo 615.º e 662.º, n.º 2, al. c), todos do CPC.
x) A única questão de facto de que o Tribunal a quo podia conhecer era a que se reportava à relação de parentesco entre os credores/Recorrentes A. B. e mulher e o legal representante da insolvente no momento da declaração de insolvência, A. P. que é precisamente sobrinho dos Recorrentes.
xi) O Tribunal a quo conheceu, efectivamente, da relação de parentesco entre os aqui Apelantes (tios) e A. P. (sobrinho), concluindo não existir qualquer relação especial.
xii) Porém, decidiu que, em virtude das relações familiares entre os Recorrentes e A. R., o crédito dos primeiros deveria ser reconhecido como subordinado, o que, como já se deixou antever, na esteira do preconizado pelos Recorrentes, acarretará a nulidade da Sentença por excesso de pronúncia nos termos sobreditos (2.ª parte, da al. d), do artigo 615.º, artigo 5.º e artigo 662.º, n.º 2, al. c), todos do CPC).
xiii) A qual desde já se pretende ver declarada, devendo ainda considerar-se expurgada da mesma todas as considerações que vão além da relação de parentesco entre os aqui Recorrentes e o legal representante da Insolvente, A. P. e em consequência ser declarado que os Recorrentes têm direito ao crédito reclamado no montante de €499.594,52, garantido por direito de retenção sobre as fracções 18 e 54-C.
xiv) Tal é o que mui respeitosamente se requer a V.ªs Ex.ªs, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores.
xv) Mas ainda que assim não fosse – e entendendo-se que o Tribunal a quo podia conhecer da matéria que conheceu –, sempre se dirá que não consta da matéria de facto dada como provada todo o historial da sociedade A. R., porquanto o Tribunal a quo olvidou-se de todo o historial societário no período compreendido entre 2009 e 2013.
xvi) Isto porque, não consta da matéria de facto provada (nem tão pouco da não provada) que A. R. já não era sócio da sociedade devedora na data da declaração de insolvência, nem o foi nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, atendendo ao propugnado pelo artigo 49.º, n.º 2, al. a) do CIRE.
xvii) Nesta medida, entendem os Recorrentes que esse facto – o de que A. R. deixou de ser sócio da sociedade em 04.05.2012 – deveria constar do elenco dos factos dados como provados, designadamente entre o facto “6” e o facto “7”.
xviii) Se atentarmos, entre o período temporal constante do facto “6” e facto “7”, existe uma multiplicidade de actos societários, e que constam da certidão permanente da insolvente, designadamente para o que aqui releva, que em 04 de Maio de 2012, o sócio A. R., através de Menção Dep. 281/2012-05-04 21:47:32 UTC – TRANSMISSÃO DE QUOTA(S), transmite a sua quota de valor nominal de 14.574,00 euros, única quota da qual era detentor a essa data, deixando, desse modo, de ser sócio.
xix) Tendo a insolvência da A. R., Unipessoal, Lda. sido decretada em 06 de Novembro de 2014, e deixando A. R. de figurar como sócio desde 04 de Maio de 2012 – há mais de dois anos anteriores ao decretamento da insolvência –, dúvidas não subsistem de que não existe qualquer relação especial entre os Recorrentes e A. R..
xx) Deste modo, deverá ser aditado o facto – por exemplo com a menção 6.1 – à matéria de facto dada como provada, indicando que: “Em 04 de Maio de 2012, o sócio A. R., através da menção Dep. 281/2012-05-04 21:47:32 UTC, deixou de ser sócio da sociedade insolvente, porquanto transmitiu a sua quota de valor nominal de 15.574,00€ (quinze mil quinhentos e setenta e quatro euros)”.
xxi) O que mui doutamente se requer.
xxii) Concluímos, assim, que A. B. não é, igualmente, uma pessoa relacionada com nenhuma das mencionadas nas als. a), b) e c), do n.º 2 e por qualquer das formas referidas no n.º 1, todos do artigo 49.º, do CIRE, pelo que, o seu crédito não pode ser graduado como um crédito subordinado, mas como um crédito garantido, em virtude do direito de retenção que se encontra provado.
xxiii) Por este motivo, além do aditamento solicitado, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em concreto, pois que, a situação visada, trata-se precisamente de uma situação em que a lei mandou atender a um período temporal específico.
xxiv) A entender-se de modo diverso, estaremos perante uma interpretação que colide com o princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
xxv) Daí que a estatuição legal apenas se aplique aos casos em que se possa estabelecer lógica e razoavelmente um nexo temporal que de alguma forma co-envolva ou comprometa a suposta superioridade informativa (ou o aproveitamento feito pelo devedor) com uma futura condição insolvencial, dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
xxvi) Nestes termos, é firme convicção dos Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro ao graduar o seu crédito como subordinado, devendo ser dado como facto provado o enumerado supra, e em consequência ser a sentença revogada e substituída por outra que gradue o crédito dos Credores/Recorrentes como um crédito garantido, atendendo ao direito de retenção invocado e provado nos autos.
xxvii) No entanto, e caso não fosse essa a ratio da lei – momento temporal de dois anos anteriores ao início do processo de insolvência relativamente a ex-sócios – entendem os Recorrentes que a menção constante da al. a), do n.º 2, do artigo 49.º do CIRE – “sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas” apenas se reporta a pessoas colectivas cuja responsabilidade dos membros que a compõem seja ilimitada, conforme decorre do artigo 6.º, n.º 2 do CIRE, o que não se verifica no caso das sociedades por quotas.
xxviii) Os sócios das sociedades por quotas não respondem pessoal e ilimitadamente, sendo a sua responsabilidade limitada à sociedade, salvo no caso de raras excepções, como por exemplo de desconsideração da personalidade jurídica, o que não é o caso dos autos.
xxix) Em suma, e igualmente atendendo à factualidade supra vertida, não poderá ter lugar a interpretação conferida pelo Tribunal a quo na sentença proferida, pelo que, desde já se requer a V.ªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores revoguem a sentença proferida, considerando os créditos dos aqui Recorrentes como garantidos, em virtude do já mencionado direito de retenção.
xxx) Tal é o que mui doutamente se requer a V.ªs Ex.ªs, Colendos Juízes Desembargadores.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência revogar-se a douta SENTENÇA nos termos peticionados, devendo o crédito reclamado e reconhecido aos ora Recorrentes no montante de €499.594,52 ser considerado garantido por direito de retenção sobre as fracções 18 e 54-C;
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA!”.
*
Contra-alegou a Caixa..., terminando com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
CONCLUSÕES

i. Por sentença transitada em julgado, em 01-12-2014, foi declarada a insolvência de A. R. Unipessoal, Lda. – cfr. fls. dos autos.
ii. No âmbito deste processo, os aqui Apelantes, reclamaram os seus créditos, no montante de 499.594,52€, invocando a natureza garantida destes.
iii. Em 09-07-2019, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, através da qual esses créditos foram verificados como garantidos pelo direito de retenção sobre as fracções 18 e 54-C.
iv. Pelo produto da venda dessas fracções, os créditos reclamados por estes credores seriam pagos, atendendo à natureza do seu crédito – garantido.
v. A aqui Apelada recorreu desta decisão, atendendo às relações familiares existentes entre os Apelantes e o antigo sócio da Insolvente, A. R..
vi. Sobre este recurso, foi proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (cfr. fls. dos autos).
vii. E, face ao teor do mesmo, o Tribunal a quo, depois de diligenciar pelo pedido das certidões de registo civil dos apelantes e do antigo sócio da insolvente (o A. R.), concluiu que este é irmão do apelante e cunhado da apelante.
viii. Assim, decidiu, quanto à natureza dos créditos reclamados pelos Apelantes, que: “… o crédito aqui reclamado e reconhecido aos reclamantes A. B. e esposa é um crédito subordinado, por imposição do disposto na primeira parte da al. a) do art. 48.º do CIRE”
ix. Os Apelantes recorreram agora dessa decisão alegando, além do mais, o excesso de pronúncia do Tribunal a quo relativamente à ampliação da matéria de facto ordenada pelo Tribunal ad quem.
x. Excesso esse que a ora Apelada entende não se verificar, conforme supra exposto.
xi. Consequentemente, a sentença não poderá ser declarada nula com base nesse argumento.
xii. Por outro lado, os apelantes alegam que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não tomou em consideração o lapso temporal referido no artigo 49º do CIRE (dois anos anteriores ao início do processo de insolvência), tentando assim demonstrar que o A. R. não era sócio da sociedade insolvente desde 04 de maio de 2012,
xiii. Ora, ao contrário do que os apelantes tentam fazer crer, o A. R., irmão e cunhado dos aqui Apelantes, foi sócio da sociedade insolvente até 04 de maio de 2012 – ou seja, apenas três meses antes da apresentação do pedido de insolvência apresentado pela sociedade (que data de 31 de agosto de 2012).
xiv. Pelo que, o Tribunal a quo esteve bem ao decidir que “… o crédito aqui reclamado e reconhecido aos reclamantes A. B. e esposa é um crédito subordinado…”.
xv. Assim, a tese dos apelantes não é admissível pois é manifesta a falta de fundamento fáctico e legal das alegações apresentadas, carecendo de qualquer justificação.
Nestes termos em que no mais de direito V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso apresentado e a douta sentença recorrida ser confirmada pelo também Vosso Douto Acórdão a proferir, com o que será feita, como sempre, a melhor e a mais sã JUSTIÇA!”.
*
Também Y, S.A. apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“CONCLUSÕES

1.Os Credores A. B. e R. P. vieram interpor recurso de apelação da Douta Sentença que considerou o respetivo crédito reclamado e reconhecido como crédito subordinado nos termos do disposto na primeira parte da al. a) do artigo 48.º do CIRE.
2.A Credora Y, S.A. entende que o recurso interposto pelos Credores carece de fundamento, porquanto o Tribunal a quo, no que diz respeito às questões suscitadas pelos mesmos no respectivo recurso, decidiu corretamente a matéria de facto e de direito sujeita a apreciação.
3.A 31 de agosto de 2012, a sociedade comercial A. R., Lda. apresentou requerimento a comunicar a sua intenção de iniciar negociações tendentes à aprovação de um plano de recuperação através do procedimento especial de revitalização, tendo sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório da referida devedora A. R., Lda.
4.A 6 de novembro de 2014, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade comercial A. R., S.A. face à não aprovação e homologação do plano de recuperação.
5.A Credora Y, S.A. reclamou créditos, os quais vieram a ser reconhecidos e os quais se encontram garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre as verbas 5 a 20 do auto de apreensão, sendo que ao Recorrente A. B. e R. P. foi reconhecido um crédito um crédito no valor de € 499.594,52, garantido por direito de retenção sobre as verbas n.º 18 e 54-C.
6.Os Credores Y, S.A. e Caixa ... apresentaram recurso da sentença de verificação e graduação, nomeadamente quanto à natureza do crédito titulado pelos Recorrentes, tendo sido proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães que entendeu ser necessária a ampliação da matéria de facto para apurar a relação de parentesco entre o credor A. B. e sua mulher e o legal representante da insolvente.
7.Após a junção aos autos de vários elementos, o Douto Tribunal a quo entendeu que o crédito reclamado e reconhecido pelos Recorrentes A. B. e esposa deve ser considerado como crédito subordinado por imposição do disposto na primeira parte da al. a) do art. 48.º do CIRE, “sendo o credor contratante/reclamante A. B. irmão do A. R., contratante /representante da sociedade A. R., SA, seu presidente do Conselho de Administração, depois sócio maioritário da sociedade A. R., Limitada, em que era titular de uma quota de 417.500,00 €uros, conforme Ap. 6/20090205, e, mais tarde, da quota de 174.888,00 €uros, conforme Ap. 2/20091117 (…)”.
8.Os Recorrentes A. B. e R. P. invocam a nulidade da sentença recorrida, por excesso de pronúncia, dado que, em seu entendimento, a única questão que o Tribunal podia conhecer era a relação de parentesco entre o credor A. B. e o atual legal representante da sociedade comercial insolvente, A. P..
9.A matéria de facto foi ampliada pelo Tribunal da Relação de forma a aferir se o crédito reclamado e reconhecido aos Recorrentes podia ser classificado como crédito subordinado face à eventual relação de parentesco com o legal representante da sociedade comercial insolvente.
10.O facto da relação de parentesco não se estabelecer entre o atual legal representante da sociedade insolvente (A. P.), mas com o anterior legal representante da sociedade comercial insolvente (A. R.), não determina que o Tribunal a quo tenha conhecido de matérias que não podia conhecer.
11.Acresce que A. R., irmão do Recorrente A. B., foi sócio da sociedade comercial insolvente até maio de 2012, quando o procedimento especial de revitalização deu entrada em agosto de 2012.
12.Não se verifica qualquer nulidade da sentença ora recorrida por alegado excesso de pronúncia quanto à relação de parentesco entre o Recorrente A. B. e A. R., a qual deverá ser julgada improcedente.
13.Os Recorrentes alegam que a sentença recorrida omite uma parte relevante do historial da sociedade comercial A. R., nomeadamente quanto ao facto de A. R. ter deixado de figurar como sócio da sociedade comercial insolvente desde maio de 2012 quando a declaração de insolvência é de 6 de novembro de 2014.
14.Os Recorrentes defendem que, para existir relação especial entre A. B. e A. R., era necessário que este último fosse sócio da insolvente nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, o que não se verifica.
15.Os Recorrentes fazem tábua rasa de todo o historial dos presentes autos, cujo início remonta a agosto de 2012, data em que a sociedade comercial A. R. deu entrada da petição inicial pedindo o início das negociações tendentes à aprovação de um plano de recuperação no âmbito do procedimento especial de revitalização, o qual não veio a ser aprovado nem homologado, o que determinou a declaração de insolvência em novembro de 2014.
16.O início dos presentes autos remonta a agosto de 2012, sendo que A. R., irmão do Recorrente A. B., foi sócio da sociedade comercial insolvente até maio de 2012, ou seja, três meses antes do início do processo.
17.O regime ínsito no artigo 49.º do CIRE tem total aplicação ao caso em apreço face à relação de parentesco existente entre o Recorrente A. B. e A. R., legal representante da sociedade comercial insolvente até maio de 2012, ou seja, três meses antes do início do processo de insolvência
18.Para além de não suscitar qualquer dúvida o alegado lapso temporal entre o momento em que A. R. deixa de ser sócio da A. R. e o momento em que o presente processo se inicia, também se mostra comprovada a relação de parentesco com o Recorrente A. B..
19.O Recorrente A. B. nasceu em 25 de Fevereiro de 1944, sendo filho de A. G. e de O. B., neto paterno de M. G. e de R. S. e neto materno de M. B. e de A. T..
20. A. P. nasceu em -.2.1976, sendo filho de A. R. e de P. P., neto paterno de A. G. e de O. B. e neto materno de António e R. M..
21.O Recorrente A. B. é irmão de A. R., o qual foi sócio da sociedade comercial insolvente até maio de 2012 e o qual assinou, em sua representação, o contrato promessa de compra e venda dado como provado.
22.Nos termos da al. a) do artigo 48.º do CIRE, consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
23.O artigo 49.º do CIRE define as pessoas especialmente relacionadas com o devedor, sendo que, nos termos das als. b) e c) do n.º 1 e a) e d) do n.º 2, o Recorrente A. B. é pessoa especialmente relacionada com a sociedade comercial insolvente e, nessa medida, o respetivo crédito deve ser considerado como subordinado, pelo que nenhum reparo deve ser feito à sentença recorrida.
24. O Recorrente A. B. é irmão de A. R., tendo sido este último a assinar o contrato promessa, em representação da sociedade comercial insolvente, e tendo sido sócio da mesma até maio de 2012, sendo que o presente processo teve o seu início em agosto de 2012.
25.Por todo o exposto, deverá manter-se a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo, porquanto as questões suscitadas nas alegações de recurso apresentadas pelos Recorrentes não têm qualquer provimento.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exªs melhor suprirão, não deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser mantida a douta decisão recorrida, decidindo deste modo, farão V. Exªs, como sempre JUSTIÇA”.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

O âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC),– ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.

No caso dos autos as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
1. Da invocada nulidade da sentença;
2. Da reapreciação da matéria de facto;
3. Da alteração da matéria de direito.
*
III. Fundamentação de facto.

Na primeira sentença proferida, consta, quanto à factualidade provada e que aqui releva, o seguinte:
Reclamantes 16 - A. B. e R. P.
1 - Por contrato de permuta celebrado no dia 8 de outubro de 2008, entre M. E., na qualidade de dona e legitima proprietária do referido lote 11, e "A. R., S.A.", enquanto construtor, aquela deu à dita sociedade o aí referido lote n.º .., sito em ..., Matosinhos, em troca das fracções a construir, conforme cópia de fs. 471/472 e posterior escritura de 19.6.2009, copiada a fs. 935/936 e planta anexa.
2 - Na sequência desse contrato de permuta, foi apresentado junto da Câmara Municipal de …, em 5 de dezembro de 2008, uma comunicação prévia de obras de construção relativamente ao lote em causa, conforme fs. 473 e ss,
3 - pedido esse que foi efectuado em nome da dita M. E., representada por A. P., em virtude de aquela ser a proprietária e a sociedade A. R. SA não dispor ainda de título bastante.
4 - Foi a sociedade A. R., SA, quem diligenciou e obteve todos os documentos necessários para apresentar a comunicação prévia.
5 - A tal comunicação prévia foi dado inicialmente o número 4894/08GU – fs. 473 -, tendo sido posteriormente alterado para o processo n° 5052/08GU,
6 - razão pela qual foi referido esse número no contrato promessa copiado a fs. 938 v.º/939.
7 - Em 18.12.2008, a sociedade A. R., S.A., como primeira outorgante e promitente vendedora, e os ora reclamantes A. B. e esposa como segundos outorgantes e promitentes compradores, outorgaram o contrato promessa de compra e venda vertido no documento copiado a fs. 938 v.º/939.
8 - Nos termos da cláusula primeira de tal contrato, A Promitente Vendedora, disse ser dona e legítima proprietária do condomínio fechado em construção, em regime de propriedade horizontal, sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrita na respectiva matriz Predial de ... sob o artigo n.° … e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° ..., a que corresponde o processo de obras n.° 180/2003 da Câmara Municipal de ... e do prédio em construção, designado por Lote n.° .., com a área de 551,00 m2, na Rua ..., Lote .., ..., da freguesia de ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.° 0.../310898 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n.° …, com o Processo de Obras n.° 4894/08 da Câmara Municipal de ….
9 - Nos termos da cláusula SEGUNDA, Os Promitentes Compradores aceitam a compra e a Promitente Vendedora, pelo seu lado, aceita a venda das fracções autónomas, uma correspondente à moradia n.° .. sita no Lugar ..., ..., ..., e outra correspondente à Loja situada no … do Lote .. em ..., identificadas na cláusula anterior.
10 - Conforme cláusula TERCEIRA, A transacção é prometida pelo preço global de euros: 400.000,00 (Quatrocentas mil euros), tendo cada fracção o valor de 200.000,00 (Duzentos mil euros).
11 - Ainda nos termos da cláusula terceira, os Segundos Outorgantes entregaram à Primeira Outorgante 300.000,00 €uros na data do contrato promessa, como sinal e princípio de pagamento,
12 - quantia de que a promitente vendedora deu completa quitação.
13 - Os promitentes compradores obrigaram-se a pagar os restantes 100.000,00 €uros até final do mês de Junho de 2009.
14 - A ora Insolvente entregou aos reclamantes A. B. e esposa as chaves da moradia n.º 13 e da loja de Matosinhos em Junho de 2012.
15 - A partir dessa data, os ora reclamantes passaram a habitar ocasionalmente e a receber amigos e familiares na moradia,
16 - o que fizeram sempre à vista e com conhecimento de toda a gente,
17 - sem oposição de quem quer que seja,
18 - e passaram a colocar objectos no interior da loja,
19 - usando-a como bem o entendem,
20 - procedendo a limpezas da mesma,
21 - o que também fazem à vista de toda a gente,
22 - sem oposição de quem quer que seja.
23 - Os requerentes sempre exerceram essa posse na convicção de que exercem sobre os imóveis em causa o direito de propriedade.
24 - Os requerentes pagaram o preço total do contrato, conforme consta da contabilidade da insolvente.
25 - Em 25.12.2012 o prédio implantado sobre o lote 11 ainda se encontrava em construção.
26 - Ainda hoje não existe licenciamento da construção nem propriedade horizontal.”.
*
Na sentença ora sob recurso, consideraram-se como provados, com relevo para a decisão a proferir, os seguintes factos:

“Mostram-se assentes, além dos considerados na sentença anterior, os seguintes factos:

1 – A. B. nasceu em - de Fevereiro de 1944, filho de A. G. e de O. B., neto paterno de M. G. e de R. S. e neto materno de M. B. e de A. T..
Casou com R. P. em 14.2.1971 - certidão do Assento de Nascimento a fs. 2059 e averbamentos 1 e 2, a fs. 2059 v.º, e certidão do Assento de casamento, a fs. 2063.
2 – A. P. nasceu em -.2.1976, filho de A. R. e de P. P., neto paterno de A. G. e de O. B. e neto materno de António e R. M..
Casou com I. G. em -.8.2011 – certidão do Assento de Nascimento a fs. 2061 e averbamento n.º 1 a fs. 2061 v.º.
3 – Em 11.2.2009 foi matriculada na Conservatória do Registo Predial/Comercial de ..., sob o n.º ….., a sociedade por quotas com a firma A. R. LIMITADA – fs. 2070;
4 - Pela Inscrição 7 – Ap. 6/20090205 foi registada a transformação em sociedade por quotas desta sociedade, ficando assim distribuído o capital social:
- A. R., casado com P. P. na separação de bens, com uma quota de 417.500,00 €uros;
- A. P., solteiro, com uma quota de 164.350,00 €uros;
- L. R., solteiro, com uma quota de 141.850,00 €uros;
- P. P., casada com o AB., com uma quota de 2.500,00 €uros;
- M. J., com uma quota de 2.500,00 €uros.
5 – A gerência ficou a cargo de L. R. e de A. P. - ibidem
6 – Pela Insc. 10 – Ap. 2/20091117, foi registada alteração ao contrato de sociedade por forma a que o A. R. ficou com uma quota de 174.888,00 e o A. P. ficou titula de quota de igual valor, de 174.888,00 €uros; a gerência ficou a cargo de A. P. – fs. 2072 e v.º.
7 – Pela Insc. 14 - Ap. 1/20130620 foi registada nova alteração do contrato de sociedade, transformada agora em Sociedade Unipessoal por quotas sob a firma A. R., UNIPESSOAL, LIMITADA, com uma quota de 728.700,00 pertencente a A. P. como bem próprio – fs. 2073.
8 – Esta sociedade unipessoal por quotas é a aqui insolvente, como tal declarada por sentença de 6.11.2014.”.
*
Da consulta electrónica dos autos, há ainda a considerar, com relevo para a decisão a proferir:

- a 31 de Agosto de 2012 A. R., lda, com sede na Rua ... nº …, freguesia de ..., ..., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 17º-A e 17º-B do Código de Insolvência e de Recuperação de empresas e com a anuência da sua credora R. & Irmão, Lda., comunicar ao Tribunal que pretende iniciar negociações tendentes à aprovação de um plano de recuperação através de procedimento especial de revitalização.
- por decisão de 10/03/2014, foi decidido não homologar o plano de recuperação de A. R., Lda., apresentado em 18 de Abril de 2013.
- por sentença de 06/11/2014, foi declarada a insolvência de A. R., lda., com sede na Rua ... nº …, freguesia de ..., ... ao abrigo do disposto no art.º 17º G nº 3 do CIRE.
- a 22 de Abril de 1986 foi constituída a sociedade A. R., S.A., sendo A. R. o seu Presidente do Conselho de Administração, cargo no qual foi reconduzido a 27 de Março de 2007.
*
IV. Fundamentação de direito.

1. Da invocada nulidade da sentença.
Invocam os apelantes que a sentença é nula, por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1 al. d) do CPC.
No âmbito do processo de insolvência, o regime das nulidades da sentença obedece ao critério do art. 615º do CPC, por remissão do art. 17º CIRE.
Vejamos então.
A omissão de pronúncia sobre questões que o juiz devesse apreciar ou o conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento constitui um dos fundamentos de nulidade da sentença, previsto no art. 615º nº1 al. d) CPC.
Esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Tal norma reporta-se à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada, conforme tem vindo a decidir uniformemente a nossa jurisprudência.
Daí que possa afirmar-se que a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. nomeadamente Acs. da Relação de Lisboa de 10.2.2004, e de 6.3.2012, acessíveis em www.dgsi.pt).
No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do artigo 615º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objecto do litígio.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2012, disponível em www.dgsi.pt, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada.
Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia susceptível de integrar nulidade (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, disponível em www.dgsi.pt).
A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença.
Ora, entendem os apelantes que este Tribunal da Relação de Guimarães decidiu “anular parcialmente a sentença recorrida, tendo em vista a ampliação da matéria de facto relativamente aos factos acima referenciados (relação de parentesco)” tendo reconhecido, apenas e tão-só “relevância dos factos referentes à relação de parentesco entre o credor A. B. e sua mulher e o legal representante da insolvente”, e não a quaisquer outros factos.
Assim, consideram os apelantes que a única questão de facto de que o Tribunal a quo podia conhecer era apenas e tão-só aquela que se reportasse à relação de parentesco entre os credores/recorrentes A. B. e mulher e o legal representante da insolvente no momento da declaração de insolvência, A. P. que é precisamente o sobrinho dos recorrentes, e que, ao abrigo do artigo 49.º do CIRE não permite que seja graduado o crédito como comum.
E o Tribunal a quo efectivamente conheceu desta questão, tendo decidido que, “A. P. é sobrinho do credor A. B., excluído, pois do n.º 1 para que remete a al. d) do n.º 2 do art. 49.º do CIRE”, entendendo que não existe qualquer relação especial entre os credores/recorrentes e o legal representante da insolvente.
Porém, no entender dos apelantes, o Tribunal a quo foi mais longe, decidindo que em virtude das relações familiares entre os recorrentes e A. R., o crédito dos primeiros deveria ser reconhecido como subordinado.
Consideram assim os apelantes que tal configura uma questão ex novo, atendendo a que a relação entre A. R. e os recorrentes não se encontrava a ser discutida nestes autos, tanto para mais, que A. R. não era sócio da sociedade devedora à data da declaração de insolvência, nem tão pouco nos dois anos anteriores a essa mesma declaração.
Nessa medida pedem que seja declarada a nulidade da Sentença por excesso de pronúncia.
As recorridas, nas suas contra-alegações, entendem não se verificar tal nulidade.
Cumpre decidir.
Não cabe razão aos apelantes.
E desde logo, porque o que foi escrito no anterior Acórdão, não foi apenas o que estes transcreveram.

Com efeito, consta do mesmo o seguinte:
Por outro lado, invoca ainda esta apelante que os credores A. B. e R. P. reclamaram um crédito sobre a Insolvente, no montante global de € 499.594,52, emergente de um contrato promessa de compra e venda, tendo para o efeito requerido o reconhecimento do direito de retenção sobre os bens objecto do contrato, em particular sobre a fracção designada pela letra “C”, composta por loja para comércio, do prédio urbano sito na Rua ..., Estrada Nacional 107, Lote .., Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....º – Verba n.º 54-C do Auto de Apreensão de Bens.
E tal foi-lhes reconhecido (como lhes foi reconhecido relativamente à verba posta em causa no recurso interposto pela apelante Y).
Contudo, em consonância com a alínea a) do artigo 48.º do CIRE e, bem assim, com as alíneas b) e c) do n.º 1 e a) e d) do n.º 2 do artigo 49.º do CIRE, é forçoso concluir que os credores A. B. e R. P. consubstanciam pessoas especialmente relacionadas com a Insolvente, porquanto são, respectivamente, irmão e cunhada do Sócio da Insolvente, pelo que o crédito de que arrogam deveria ter sido graduado pelo Tribunal a quo como crédito subordinado, tal como prescreve a alínea b) do n.º 4 do artigo 47.º CIRE.
Quanto a esta matéria, nas suas contra-alegações, defendem os apelados que tais relações especiais entre recorridos e sociedade insolvente não foi alegada ao longo de todo o processo, sendo que, apenas em sede de recurso vem invocada tal matéria, a qual, não sendo de conhecimento oficioso, deveria ter sido alegada e provada.
Parece-nos não caber razão aos apelados nesta matéria.
Com efeito, basta ler a impugnação apresentada pelos credores R. A., C. S., I. C., J. R., M. C., M. L., L. M. e M. P., apresentada a 05 de Maio de 2015 (fls. 324 e ss. dos autos), para constatar que no seu art. 48º, é invocado que o aqui apelado A. B. é irmão de A. R., que foi sócio gerente da insolvente e posteriormente seu procurador.
E a ser assim, como de facto é, temos que o Tribunal a quo se não pronunciou sobre tal matéria, na factualidade que deu como provada e como não provada, sendo a mesma imprescindível para a qualificação do eventual crédito dos referidos A. B. e mulher, considerando o disposto na alínea a) do artigo 48.º do CIRE e, bem assim, nas alíneas b) e c) do n.º 1 e a) e d) do n.º 2 do artigo 49.º do CIRE.

Mais reconhecendo a relevância dos factos referentes à relação de parentesco entre o credor A. B. e sua mulher e o legal representante da insolvente, factos esses que foram alegados na impugnação deduzida ao seu crédito, e sobre os quais a 1ª instância se não pronunciou, mostra-se indispensável a ampliação da matéria de facto no que se refere aos mesmos, tendo em vista todas as soluções plausíveis de direito, nomeadamente para a qualificação do eventual crédito dos referidos A. B. e mulher, considerando o disposto na alínea a) do artigo 48.º do CIRE e, bem assim, nas alíneas b) e c) do n.º 1 e a) e d) do n.º 2 do artigo 49.º do CIRE.”
Face a tal, verifica-se que, contrariamente ao alegado pelos apelantes, este Tribunal da Relação não reconheceu apenas e tão-só relevância dos factos referentes à relação de parentesco entre o credor A. B. e sua mulher e o legal representante da insolvente.
De facto, era a relação entre A. R. e os recorrentes que se encontrava a ser discutida nestes autos, pois que foi esta a invocada pelos credores R. A., C. S., I. C., J. R., M. C., M. L., L. M. e M. P., na impugnação apresentada a 05 de Maio de 2015 (fls. 324 e ss. dos autos), no seu art. 48º (onde foi invocado que o aqui apelante A. B. é irmão de A. R., que foi sócio gerente da insolvente e posteriormente seu procurador).
E foi dito expressamente por este Tribunal da Relação que o Tribunal a quo se não pronunciou sobre tal matéria, na factualidade que deu como provada e como não provada, sendo a mesma imprescindível para a qualificação do eventual crédito dos referidos A. B. e mulher, considerando o disposto na alínea a) do artigo 48.º do CIRE e, bem assim, nas alíneas b) e c) do n.º 1 e a) e d) do n.º 2 do artigo 49.º do CIRE.
Nesta medida, não houve qualquer excesso de pronúncia do Tribunal a quo.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
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2. Da impugnação da matéria de facto.

Pretendem os apelantes que seja aditado aos factos dados como provados o seguinte:
6.1 – Em 04 de Maio de 2012, o sócio A. R., através de Menção Dep. 281/2012-05-04 21:47:32 UTC – TRANSMISSÃO DE QUOTA(S), transmite a sua quota de valor nominal de 14.574,00 euros, motivo pelo qual deixa de figurar como sócio na sociedade A. R., Lda.”.
Para tal invocam que tal factualidade consta da certidão do registo comercial da sociedade insolvente.
Nenhuma das recorridas impugna tal matéria.
Considerando que a mesma resulta de prova documental dos autos (com excepção da menção “motivo pelo qual deixa de figurar como sócio na sociedade A. R., Lda.”, que para além do mais é conclusiva), decide-se aditar aos factos provados o seguinte:
“6.1 – Em 04 de Maio de 2012, o sócio A. R., através de Menção Dep. 281/2012-05-04 21:47:32 UTC – TRANSMISSÃO DE QUOTA(S), transmite a sua quota de valor nominal de 14.574,00 euros”.
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3. Do direito.

Entendem os apelantes que:
- não sendo o A. R. já sócio da sociedade insolvente desde 04 de Maio de 2012;
- tendo a insolvência da empresa sido decretada em 06 de Novembro de 2014;
- e resultando do artigo 49.º do CIRE que apenas haverá relações especiais, no tocante aos irmãos dos sócios da devedora, ou ex-sócios que tenham tido essa qualidade nos dois anos anteriores, relativamente ao momento em que foi decretada a insolvência;
- dúvidas não restam que, em momento algum, poderia ter sido declarada a relação especial entre os credores, aqui recorrentes, e A. R., porquanto, apesar de estarmos perante o irmão e cunhada, A. R. não era sócio da devedora nem no momento da declaração da insolvência nem nos dois anos anteriores à sua declaração.
A não ser considerado esse prazo de 2 anos, entendem os apelantes que estaríamos perante uma violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Nas suas contra-alegações, entende a apelada Caixa que não podem os apelantes apontar a data de início do processo de insolvência à data em que foi decretada a sentença de declaração de insolvência, ou seja, 06 de Novembro de 2012.
Isto porque, o artigo 49 nº 2 al. a) do CIRE manda atender de forma expressa aos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e não ao encerramento da actividade da empresa, nem à data da sentença de declaração de insolvência (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-07-2015, processo 849/12.1TBLMG-B.C1). A menção que é feita ao início do processo de insolvência deve ser entendida como referência à data em que a petição inicial dá entrada na secretaria do tribunal, tendo esta dado entrada a 31 de Agosto de 2012.
Conclui assim esta apelada que o lapso temporal balizado pelo artigo 49º do CIRE não se encontra aqui observado, já que, o sócio A. R. deixou de ser sócio da insolvente apenas três meses antes - 31 de agosto de 2012 - da apresentação do pedido de insolvência apresentado pela própria sociedade.
Também a apelada Y entende que os apelantes fazem tábua rasa de todo o historial dos presentes autos, cujo início remonta a Agosto de 2012, data em que a sociedade comercial A. R. deu entrada da petição inicial pedindo o início das negociações tendentes à aprovação de um plano de recuperação no âmbito do procedimento especial de revitalização. Considerando que o referido plano de recuperação não foi aprovado e homologado, o processo prosseguiu os seus termos com a prolação da sentença de declaração de insolvência em Novembro de 2014.
Assim, tendo o processo tido início em Agosto de 2012, tendo sido A. R. - irmão do recorrente A. B. - sócio da sociedade comercial insolvente até Maio de 2012 (ou seja, três meses antes do início do processo), ao contrário do que suscitam os recorrentes, o regime ínsito no artigo 49.º do CIRE tem total aplicação ao caso em apreço face à relação de parentesco existente entre o recorrente A. B. e A. R., legal representante da sociedade comercial insolvente até Maio de 2012, ou seja, três meses antes do início do processo de insolvência.
Mais entendem os apelantes que se apreciarmos conjuntamente o estatuído no art. 6.º do CIRE, com a menção constante do número 2, alínea a) – “sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas”, lograríamos obter a conclusão de que os credores aqui recorrentes não podem ser consideradas como pessoas especialmente relacionadas com a devedora, atendendo a que, o preceito da lei apenas se reporta a pessoas colectivas cuja responsabilidade dos membros que a compõem seja ilimitada, conforme decorre do artigo 6.º, n.º 2 do CIRE, o que não é o caso das sociedades por quotas.
Quanto a esta matéria não se pronunciaram as apeladas.
Vejamos.

Dispõe o artigo 48º do CIRE:
Consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência:

a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência (…)”.

E o art. 49º do CIRE, sob a epígrafe “Pessoas especialmente relacionadas com o devedor” que:

“1 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular:
a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;
c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor;
d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva:
a) Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
d) As pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1.

A razão de ser dos créditos subordinados vem explicada no preâmbulo do Decreto-lei nº 53/2004, de 18.3., onde se afirmou que:
“A consideração da diversidade de situações em que podem encontrar-se os titulares de créditos sobre o insolvente, e a necessidade de lhes dispensar um tratamento adequado, aconselha a sua repartição em quatro classes: os credores da insolvência garantidos, privilegiados, comuns e subordinados.
(…) É inteiramente nova entre nós a figura dos créditos subordinados.
Trata-se de créditos cujo pagamento tem lugar apenas depois de integralmente pagos os créditos comuns. Tal graduação deve-se à consideração, por exemplo, do carácter meramente acessório do crédito (é o caso dos juros), ou de ser assimilável a capital social (é o que sucede com os créditos por suprimentos), ou ainda de se apresentar desprovido de contrapartida por parte do credor.
A categoria dos créditos subordinados abrange ainda, em particular, aqueles cujos titulares sejam ‘pessoas especialmente relacionadas com o devedor’ (seja ele pessoa singular ou coletiva, ou património autónomo), as quais são criteriosamente indicadas no artigo 49.º do diploma. Não se afigura desproporcionada, situando-nos na perspetiva de tais pessoas, a sujeição dos seus créditos ao regime de subordinação, face à situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor, relativamente aos demais credores.
O combate a uma fonte frequente de frustração das finalidades do processo de insolvência, qual seja a de aproveitamento, por parte do devedor, de relações orgânicas ou de grupo, de parentesco, especial proximidade, dependência ou outras, para praticar atos prejudicais aos credores é prosseguido no âmbito da resolução de atos em benefício da massa insolvente, pois presume-se aí a má fé das pessoas especialmente relacionadas com o devedor que hajam participado ou tenham retirado proveito de atos deste, ainda que a relação especial não existisse à data do ato.”.
Tal elemento teleológico é decisivo na interpretação da lei, uma vez que clarifica a sua finalidade.
É que, quer na doutrina, quer na jurisprudência discute-se se a enumeração das pessoas especialmente relacionadas com o credor é taxativa (entre outros, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, 232 defendem-na e Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, 112 nega-a).
De acordo com o que foi seguido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/2014, entendemos que é de concluir que a enunciação das circunstâncias que constituem a especial relação com o credor causadoras da subordinação do crédito é taxativa e não meramente exemplificativa: “a taxatividade evidencia-se na lei - neste sentido, veja-se o preâmbulo do Decreto-Lei que aprova o Código quando refere que as "pessoas especialmente relacionadas com o devedor são "criteriosamente indicadas no artigo 49.º", entendimento corroborado pela doutrina: veja-se também o que foi mencionado no já citado Código da Insolvência Anotado, pág. 234. Aceita-se, por conseguinte, a orientação no sentido da taxatividade, pois, para além das razões de segurança e de certeza que se justificam tendo em vista reconhecer como créditos subordinados aqueles que são "detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor", sucede que a lei não exclui que outras situações concretas da vida permitam ao administrador da insolvência resolver o contrato por má fé do terceiro que não seja pessoa especialmente relacionada com o insolvente.”
De facto, a letra da lei não permite que se entenda que estamos perante presunções ilidíveis, considerando a sua taxatividade ao determinar a verificação do conceito previsto na alínea a) do artigo 48º do CIRE com o preenchimento de qualquer uma das alíneas do artigo 49º do mesmo diploma legal.
A tal acresce que, é amplamente aceite pela doutrina que as previsões aqui em causa constituem presunções inilidíveis, bem como por parte da jurisprudência, nomeadamente pelo Acórdão de Uniformização da Jurisprudência supra mencionado.
Temos por certo que a norma que institui a presunção é susceptível de interpretação, como aliás imperativamente o são todas as normas jurídicas, mas a própria natureza da presunção induz a uma interpretação declarativa da norma, no entendimento em que um dos seus sentidos literais exprime aquilo que, definitivamente, a norma pretende exprimir (cf. Prof. Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 2ª ed., pg. 377).
Tendo em conta estes considerandos, bem como a factualidade que se deu por assente nos autos, vejamos então se os aqui apelantes podem ser considerados como pessoas especialmente relacionadas com o devedor.

Quanto a tal, na sentença apelada escreveu-se o seguinte:
Revendo os factos fixados na sentença primitiva e mantidos pela Relação, temos que o contrato promessa gerador do crédito aqui em causa foi celebrado entre a sociedade A. R., S.A. e os credores A. B. e esposa em 18.12.2008, com entrega das chaves em Junho de 2012.
Quem, em representação da sociedade A. R., S.A., assinou o documento em que foi vertido o contrato promessa gerador do crédito aqui reclamado e litigado foi, precisamente, o seu Presidente do Conselho de Administração A. R., irmão do A. B., como se vê do documento junto a fs. 938 v.º/939, transcrito nos factos 7 a 13, na parte da sentença recorrida atinente aos credores A. B. e esposa.
Ora, sendo o credor contratante/reclamante A. B. irmão do A. R., contratante/representante da sociedade A. R., SA, seu presidente do Conselho de Administração, depois sócio maioritário da sociedade A. R., Limitada, em que era titular de uma quota de 417.500,00 €uros, conforme Ap. 6/20090205, e, mais tarde, da quota de 174.888,00 €uros, conforme Ap. 2/20091117, é certo serem os credores A. B. e esposa pessoas especialmente relacionadas com a pessoa colectiva ora Insolvente, nos termos das disposições conjugadas do n.º 2, al. d) e al. b) do n.º 1, ambos do art. 49.º do CIRE”.
Salvo o devido respeito, entendemos que tal conclusão não é possível.
É que, as normas invocadas na decisão apelada, são apenas o n.º 2, al. d) e al. b) do n.º 1, ambos do art. 49.º do CIRE.
Ora, nada há a obstar à indicação da al. b) do nº 1 do art. 49º do CIRE (onde se prevê que são havidos como especialmente relacionados com o devedor entre outros, os irmãos deste). Havendo contudo a acrescentar também a al.c) do mesmo nº 1 (os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor), para que a apelante mulher pudesse estar também abrangida.
Contudo, a indicação da al. d) do nº 2 do art. 49º do CIRE, é manifestamente insuficiente.
É que, tal norma remete para as alíneas anteriores do mesmo nº 2 (as pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1).

Ou seja, para que os ora apelantes pudessem ser considerados como pessoas especialmente relacionadas com a sociedade devedora, e no que para o caso dos autos releva, teriam de ser irmão e cunhada de:
- sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, ou pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
- administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Ora, não resulta da factualidade assente que tal se verifique (e isto independentemente de se considerar a data em que se iniciou o processo, ou a data em que foi proferida a sentença de insolvência).

Com efeito, o que temos como provado é o seguinte (por ordem cronológica):
a) a 22 de Abril de 1986 foi constituída a sociedade A. R., S.A., sendo A. R. o seu Presidente do Conselho de Administração, cargo no qual foi reconduzido a 27 de Março de 2007.
b) pela Inscrição 7 – Ap. 6/20090205 foi registada a transformação em sociedade por quotas desta sociedade, ficando assim distribuído o capital social:
- A. R., casado com P. P. na separação de bens, com uma quota de 417.500,00 €uros;
- A. P., solteiro, com uma quota de 164.350,00 €uros;
- L. R., solteiro, com uma quota de 141.850,00 €uros;
- P. P., casada com o AB., com uma quota de 2.500,00 €uros;
- M. J., com uma quota de 2.500,00 €uros.
c) a gerência ficou a cargo de L. R. e de A. P..
d) pela Insc. 10 – Ap. 2/20091117, foi registada alteração ao contrato de sociedade por forma a que o A. R. ficou com uma quota de 174.888,00 e o A. P. ficou titular de quota de igual valor, de 174.888,00 €uros; e a gerência ficou a cargo de A. P..
e) em 04 de Maio de 2012, o sócio A. R., através de Menção Dep. 281/2012-05-04 21:47:32 UTC – TRANSMISSÃO DE QUOTA(S), transmite a sua quota de valor nominal de 14.574,00 euros.
f) pela Insc. 14 - Ap. 1/20130620 foi registada nova alteração do contrato de sociedade, transformada agora em Sociedade Unipessoal por quotas sob a firma A. R., UNIPESSOAL, LIMITADA, com uma quota de 728.700,00 pertencente a A. P. como bem próprio.
Temos assim que A. R., irmão e cunhado dos ora apelantes, foi Presidente do Conselho de Administração da sociedade devedora até à sua transformação em sociedade por quotas, o que sucedeu em Fevereiro de 2009.
Ou seja, o irmão e cunhado dos ora apelantes não era administrador, de direito ou de facto, da sociedade devedora nem o havia sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência (quer se considere o momento do início do processo - Agosto de 2012 -, quer da prolação da sentença – Novembro de 2014).
Por outro lado, esse mesmo irmão e cunhado dos ora apelantes não era sócio, associado ou membro que responda legalmente pelas suas dívidas, ou pessoa que tenha tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Efectivamente, como nos dizem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, Quid Iuris, pág. 233):
“Assim, quanto à alínea a) cabe dizer que os sócios, associados ou membros abrangidos são apenas aqueles cuja responsabilidades, sendo pessoal e ilimitada, respeite à generalidade das dívidas da pessoa colectiva insolvente e tenha como fonte a própria lei. Estão, por isso excluídos aqueles que, embora nos limites da lei, tenham assumido responsabilidade pessoal e ilimitada por virtude de negócio ou acto jurídico específico. É isto que resulta do cotejo do preceito com o n.º 2 do artigo 6.º que faculta a noção legal de responsável pelas dívidas do insolvente para efeitos deste código”.

Neste sentido também se pronunciou este Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 7 de Fevereiro de 2019, disponível in www.dgsi.pt, em que a aqui relatora foi 2ª adjunta, nos seguintes termos:
1.a) a alínea a) do nº 2 do artigo 49º do CIRE: Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
Quanto a esta alínea afirmam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, vol I, 2005, p. 235: “Assim, quanto à alínea a) cabe dizer que os sócios, associados ou membros abrangidos são apenas aqueles cuja responsabilidade, sendo pessoal e ilimitada, respeite à generalidade das dívidas da pessoa coletiva insolvente e tenha como fonte a própria lei. Estão, por isso excluídos que, embora nos limites da lei, tenham assumido responsabilidade pessoal e ilimitada por virtude de negócio ou ato jurídico especifico. É isto que resulta do cotejo do preceito com o nº 2 do artigo 6º que faculta a noção legal de responsável pelas dívidas do insolvente para os efeitos deste código.”
Ou seja, é exigível que o sócio responda ilimitadamente pelas dívidas da sociedade em função dessa qualidade para que o seu crédito seja subordinado por força desta alínea.

Com efeito, esta norma tem que ser lida em conjugação com o artigo 6º nº 2 do CIRE que estipula que “são considerados responsáveis legais as pessoas que, nos termos da lei, respondam pessoal e ilimitadamente pela generalidade das dívidas do insolvente, ainda que a título subsidiário.”
É sabido que a responsabilidade dos sócios das sociedades por quotas é limitada.
Assim sendo, ainda que o irmão e cunhado dos ora apelantes tenha sido sócio da sociedade insolvente (uma sociedade por quotas) até 4 de Maio de 2012, a verdade é que este, nessa qualidade de sócio, não respondia legalmente pelas dívidas dessa sociedade, pois que não respondia pessoal e ilimitadamente pela generalidade das dívidas da insolvente, nos termos acima descritos.
Donde se conclui que não podem os ora apelantes ser considerados como pessoas especialmente relacionadas com a devedora, não podendo em consequência o seu crédito ser considerado como subordinado.
Nos termos do disposto pelo artigo 755º n.º 1 al. f) do C. Civil, goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º.
O direito de retenção em benefício do promitente-comprador, no caso de ter havido tradição da coisa, objecto do contrato promessa, decorrente do crédito pelo incumprimento, foi consagrado pelo legislador no artigo 442.º, n.º 3 através do Dec.-Lei n.º 236/80 de 18.07 por se ter entendido, na altura, que os interessados em habitação própria mereciam, face à conjuntura da época, uma tutela diferente e acrescida.
No Dec.-Lei n.º 379/86 de 11.11, questionou-se se era de manter tal garantia, tendo o legislador respondido afirmativamente por ter reconhecido que a tradição antecipada do imóvel cria legitimamente ao beneficiário da promessa uma confiança mais forte na estabilização ou concretização do negócio, tendo sido transferida a norma para o local sistematicamente mais adequado, ou seja, no regime jurídico do direito de retenção - art. 755.º, n.º 1, al. f) do C.Civil.
Ponderou-se o conflito de interesses resultante do direito de retenção concedido ao promitente-comprador prejudicar o reembolso dos empréstimos concedidos pelas instituições bancárias às empresas construtoras e optou-se por atribuir prioridade à tutela dos particulares, na lógica da defesa do consumidor.
Aliás, resulta do próprio preâmbulo (ponto 4), que um tal direito foi suportado pelo legislador exclusivamente no propósito de fortalecer (garantia acessória) os direitos do beneficiário (consumidor) da promessa de transmissão ou constituição de direito real.
Diz-nos Calvão da Silva (Sinal e Contrato-Promessa, 14ª ed., p. 166) que “(…) o direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real. Vale dizer, por outras pa...s, que está em causa o crédito (dobro do sinal, valor da coisa, indemnização convencionada nos termos do nº 4 do art. 442º) derivado do incumprimento definitivo (…), de que o direito de retenção constitui garantia acessória”.
De facto, em nome da defesa do consumidor, o legislador de 1996, atribuiu o direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato-prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento, imputável à outra parte, nos termos do art. 442 – cf. art.755 f) CC.
Daqui resulta, em primeiro lugar, que goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato-prometido.
Assim, o titular do direito de retenção é o beneficiário de qualquer contrato promessa com traditio rei – coisa móvel ou imóvel, rústica ou urbana, para habitação, comércio, indústria, etc. – e não só do contrato-promessa previsto no art. 410º nº3 CC.
Por seu lado, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014 de 20/03/2014 interpretou o artigo 755.º, n.º 1, al. f) do C.Civil da seguinte forma: “No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil”.
Tem vindo a ser entendido, sobre esta questão, que o conceito de consumidor deve ser aquele que se encontra consagrado na Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31.07) e no Dec.-Lei n.º 24/2014 de 14.02, que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25.10.2011.
O artigo 2.º, n.º 1 da Lei de Defesa do Consumidor considera consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
E, segundo a mencionada Directiva, transposta pelo Dec.-Lei n.º 24/2014 de 14.02, consumidor é qualquer pessoa singular que actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal.
No âmbito da insolvência, para efeito de reconhecimento do direito de retenção ao promitente-comprador, o Acórdão do STJ, de 13/07/2017 (Disponível em www.dgsi.pt; v. ainda sobre o conceito de consumidor a resenha feita no Ac. STJ de 16/02/2016 e ainda os Acs. STJ de 29/05/2014, 16/02/2016 e 05/07/2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt.), definiu como consumidor aquele que adquiriu bens ou serviços para satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) e para outros fins que não se integrem numa actividade económica levada a cabo de forma continuada, regular e estável.
O conceito tem assim subjacente a necessidade de protecção da parte débil economicamente ou menos preparada tecnicamente.

No Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães (relator Alcides Rodrigues), de 2.5.2019, disponível in www.dgsi.pt sumariou-se o seguinte:

I – São três os pressupostos do reconhecimento do direito de retenção previsto no art. 755º, n.º 1, al. f) do Código Civil:
a) – a existência de promessa de transmissão ou de constituição de um direito real;
b) – a entrega ou tradição da coisa objeto do contrato-promessa;
c) – a titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa.
II – A tradição exigida para que se constitua o direito de retenção nos termos do art. 755º, n.º 1, al. f) do CC reclama apenas a detenção material lícita da coisa, não se confundindo com a posse e podendo existir sem esta.
III - A não conclusão da construção não é causa de impedimento ou impossibilidade da tradição do andar.
IV - Segundo o acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, de 20.03.2014, no âmbito da graduação de créditos em insolvência, o promitente-comprador apenas goza do direito de retenção, previsto no art. 755º, n.º 1, al. f), do CC, caso detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor.
V - Tomando como referencial para tal efeito a noção de consumidor prevista no n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31/07, relevante é que o promitente-comprador destine o imóvel a uso particular, no sentido de não o comprar para revenda, nem o afetar a uma atividade profissional ou lucrativa.
VI – O momento relevante a que se deve reportar a determinação do uso a dar ao bem ou serviço é o da celebração do contrato.
VII – Sendo os promitentes-compradores pessoas singulares e destinando a fração por eles pretendida adquirir a sua habitação própria, devem os mesmos ser considerados consumidores, nos termos e para os fins do disposto no art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 24/96.”

E o nosso Supremo Tribunal tem adoptado, em geral, o conceito restrito de consumidor.
Será assim consumidor aquele que adquirir bens ou serviços para satisfação de necessidades pessoais e familiares (uso privado) e para outros fins que não se integrem numa actividade económica.
É certo que o AUJ 4/2019, veio definir o conceito de consumidor para o efeito aqui considerado. Contudo, as reclamações de créditos apresentadas nos presentes autos datam do início do ano de 2015, e mesmo a sentença inicialmente proferida, é de data anterior ao referido AUJ 4/2019. Nessa medida, considerando que os AUJ, não são fonte de direito, que nunca nos autos o mesmo foi considerado (por inexistente à data), e que nas alegações de recurso, nenhum dos recorrentes invocou tal questão (que sempre seria nova), não terá este Tribunal em consideração a definição de consumidor aí fixada.
Como se disse já, o direito de retenção em benefício do promitente-comprador, no caso de ter havido tradição da coisa, objecto do contrato promessa, decorrente do crédito pelo incumprimento, foi consagrado pelo legislador no artigo 442.º, n.º 3 através do Dec.-Lei n.º 236/80 de 18.07 por se ter entendido, na altura, que os interessados em habitação própria mereciam, face à conjuntura da época, uma tutela diferente e acrescida.
Este direito não surgia vinculado ao crédito decorrente do regime do sinal ou do valor da coisa. Por isso, parece que era de entender que o direito de retenção garantia também créditos emergentes do incumprimento da promessa para além dos decorrentes do regime do sinal.
No Dec.-Lei n.º 379/86 de 11.11, questionou-se se era de manter tal garantia, tendo o legislador respondido afirmativamente por ter reconhecido que a tradição antecipada do imóvel cria legitimamente ao beneficiário da promessa uma confiança mais forte na estabilização ou concretização do negócio, tendo sido transferida a norma para o local sistematicamente mais adequado, ou seja, no regime jurídico do direito de retenção - art. 755.º, n.º 1, al. f) do C.Civil.
Por outro lado, a remissão da alínea f) do nº 1 do art. 755º é feita para o artigo 442º, e não especificamente para o respetivo nº 2 (e seria neste nº 2 que se poderia ancorar a tese de que o sinal funcionaria como conditio sine qua non do direito de retenção).

Ora, no art. 442º admitem-se três tipos de créditos pecuniários emergentes do incumprimento da contraparte do beneficiário do direito de retenção:
- (i) o do sinal em dobro (nº 2),
- (ii) o do valor da coisa ou do direito (idem nº 2) e
- (iii) o da indemnização para além do sinal (nº 4).
O primeiro destes créditos pressupõe obviamente a constituição de sinal.
Já o segundo crédito parece que não pressupõe necessariamente a constituição de sinal (cfr. neste sentido Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 155 e Januário Gomes, em Tema de Contrato-promessa, pp. 15 e 61 e seguintes).
Quanto ao terceiro dos créditos acima referidos o sinal não tem implicação.
Tal reforça a ideia de que o sinal não pode ser considerado como pressuposto indispensável da actuação do direito de retenção.
Assim, diz-nos Ana Prata (O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, p. 888) que “O direito de retenção supõe necessariamente a tradição da coisa e parece garantir qualquer crédito indemnizatório, seja o do sinal, o do valor da coisa ou o da pena convencional estipulada pelas partes. É que a existência de sinal, como facto constitutivo do direito de retenção, não obstante a remissão do artigo 755º, nº 1-f), para o artigo 442º, não parece indispensável, pois (…) nem dele depende o direito de indemnização calculada no valor da coisa a que se refere o artigo 442º, nem a ele faz referência o artigo 755º, nº 1-f), o que significa, dado o necessário pressuposto da traditio rei, que o direito de retenção, garantindo sempre o direito indemnizatório de que esta é requisito, garantirá qualquer outro crédito indemnizatório fundado no incumprimento, seja ele o da indemnização calculada nos termos gerais, seja o da pena convencional, seja mesmo o de indemnização de benfeitorias realizadas pelo accipiens na coisa”.
No mesmo sentido vão Calvão da Silva (Sinal e Contrato-Promessa, 14ª ed., p. 166) e Gravato Morais (Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, pp. 233 e 234).
Na jurisprudência, direccionam-se em igual sentido os acórdãos da Relação de Lisboa de 14 de Dezembro de 2006 (processo nº 7796/2006-8, relatora Carla Mendes, disponível em www.dgsi.pt) e da Relação do Porto de 26 de Outubro de 2006 (processo nº 0634127, relatora Deolinda Varão, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, no que aos apelantes diz respeito, temos que estes fizeram prova cabal da outorga do contrato promessa de compra e venda da moradia n.º 13 da urbanização da ..., ... e da loja sita no rés-do-chão direito do lote .., em ..., verbas apreendidas para a Massa sob os n.ºs 18 e 54 (C), pelo preço de 200.000,00 € cada – factos 7 a 10.
Pagaram o sinal de 200.000,00 € – factos 11 e 12 – e receberam as chaves da moradia e da loja em Junho de 2012 – facto 14 - e, como consta da contabilidade da Insolvente, pagaram os restantes 200.000,00 € – facto 24.
Desde que receberam as chaves de ambas as fracções passaram a comportar-se, em relação a ambas, como faz qualquer proprietário: habitam ocasionalmente (são emigrantes no Canadá) a moradia, aí recebendo familiares e amigos, limpam casa e loja, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e com animus possidendi – factos 14 a 23.
Estes reclamantes pedem a devolução – com juros - do que pagaram, crédito este garantido por direito de retenção sobre as fracções 18 e 54(C).
Assim, vistos os factos e o disposto nos art. 410.º, 442.º e 755.º, 1, f), do CC, interpretado este pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014, de 19.05, podemos concluir que se trata de consumidores promitentes-compradores em contrato com eficácia meramente obrigacional, devidamente sinalizado, que obteve licitamente a traditio dos imóveis prometidos vender e a quem o Administrador de Insolvência recusou outorgar o contrato prometido.

Têm, pois, direito ao crédito reclamado de 499.594,52 €, garantido por direito de retenção sobre as fracções 18 e 54-C.
Procede, pois, a apelação.
*
V. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação interposta, em consequência do que se reconhece aos apelantes o direito ao crédito reclamado de 499.594,52 €, garantido por direito de retenção sobre as fracções 18 e 54-C.
Mais se altera a graduação dos créditos, no que à verba 18 diz respeito, nos seguintes termos:
– Pelo produto da venda do imóvel apreendido sob o n.º 18 dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar, ao crédito por IMI, na parte em que é privilegiado – art. 751.º CC;
- de seguida ao créditos garantido por direito de retenção dos credores A. B. e esposa – 755.º, 1, f) e 759.º, 2, ambos do CC;
- depois, ao crédito hipotecário da credora Y antes identificado;
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente do produto da venda desse bem, dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados (nomeadamente os juros de créditos comuns), pela ordem prevista no art. 48º do CIRE, na proporção dos espectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, em caso de insuficiência da massa para o seu pagamento integral – art. 177º, nº 1, do CIRE.
*
Igualmente se altera a graduação dos créditos, no que à verba 54-C diz respeito, nos seguintes termos:

– Pelo produto da venda da fracção 54-C dar-se-á pagamento pela forma seguinte:
- em primeiro lugar ao IMI;
- depois, ao crédito garantido por direito de retenção dos credores n.º 16 A. B. e esposa, nos termos dos art. 755.º, 1, f) e 759.º, 2, do CC.
- de seguida e pela ordem temporal das apresentações correspondentes, aos créditos hipotecários da CAIXA ..., de L. M. e M. P. e CAIXA ... de 15.6.2012
- depois, ao que restar do crédito fiscal por IRC, privilegiado;
- a seguir, o restante do crédito da Segurança Social, também privilegiado;
- do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns, nestes se incluindo o que restar dos créditos da Fazenda e da Segurança Social;
- por último, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados.
*
Custas pelas apeladas.
*
Guimarães, 23 de Setembro de 2021

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)