NULIDADE DA DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CASO JULGADO MATERIAL
HERANÇA INDIVISA
PATRIMÓNIO AUTÓNOMO
RESPONSABILIDADE DOS HERDEIROS
Sumário


I- A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
II- E não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie a divergência jurídica carreada para os autos pelas partes, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.
III- Não se verifica a relação de dependência ou prejudicialidade pressuposta pelo instituto do caso julgado material, na sua vertente positiva da autoridade do caso julgado, quando, embora existindo similitude entre uma causa já julgada e outra pendente quanto aos respectivos objectos por se invocarem situações de facto idênticas ou semelhantes, mas mantendo tais situações de facto autonomia e independência (sendo distinta a raiz dos factos concretos e diversos os pedidos).
IV – Enquanto a herança permanecer indivisa o devedor é apenas um, ou seja, é esse património autónomo (art. 2097º do C.Civil), mas, após a partilha, esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, que serão tantos quantos os herdeiros.
V- A medida da responsabilidade dos herdeiros determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança (art. 2098º, nº 1, do mesmo C.Civil), e não por qualquer outro critério, designadamente pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.
VI – Assim sendo e por decorrência, os herdeiros respondem não necessariamente e só com os bens herdados, podendo, até àquela proporção, ser penhorados quaisquer bens do seu património.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. I. e M. F..
Recorrido: J. O..

Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Cível de Guimarães, Juiz 4

Nos presentes autos de inventário, em que é inventariada J. L., as interessadas, A. I. e M. F., foi proferido despacho determinando que o passivo da herança seja pago através da quantia depositada à ordem destes autos, respeitante ao remanescente do produto da venda de determinados bens da herança, e, na parte restante, mediante a sua compensação com o valor das tornas depositadas, na proporção da quota que tenha cabido na herança a cada um dos herdeiros (1/5 para cada herdeiro).

Inconformada com tal decisão, apelam as interessadas A. I. e M. F., e, pugnando pela respectiva revogação, formulam nas suas alegações as seguintes conclusões:

1ª) Vem o presente recurso interposto do despacho de fls...,,
notificado a 18/01/2021, que decide “que o aludido passivo da herança seja pago através da quantia depositada à ordem destes autos, respeitante ao remanescente do produto da venda de determinados bens da herança, e, na parte restante, mediante a sua compensação com o valor das tornas depositadas, na proporção da quota que tenha cabido na herança a cada um dos herdeiros (1/5 para cada herdeiro)”, porquanto a sua prolação constitui violação do caso julgado, por um lado, além de violar o art. 2079º do Código Civil, ao não responsabilizar o cabeça-de-casal pela inexistência de saldo na verba n.º 10, daí extraindo consequências, não podendo manter-se.
2ª) Havendo a recorrente A. I., por requerimento oferecido a 29/10/2020, suscitado a existência de caso julgado, na sequência do requerimento do interessado J. O. a 15/10/2020, cabia ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre a questão levantada.
3ª) Ao escusar-se a tratar da questão levantada, incorreu o despacho recorrido na violação do artigo 608º, n.º 2 do CPC, aplicável aos despachos, por força do disposto no artigo 613º, n.º 3, omissão essa que o faz enfermar de nulidade, sanção essa prescrita pelo artigo 615º, n.º 1, alínea d), 1ª parte do mesmo código, a qual prescreve que “É nula a sentença quando (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
4.ª) A 13/07/2020, o interessado J. O. se pronunciou sobre o pagamento das tornas, alegando que, não havendo saldo suficiente na verba n.º 10, caberia aos demais interessados suportar, por outra via, o referido pagamento até ao limite do que receberam ou, se assim não se entendesse, haveria lugar à compensação entre as tornas a pagar ao cabeça-de-casal e o crédito da herança por si detido, tendo sido decidido pelo Mmo. Julgador decidiu que “(…) o por si alegado no requerimento em apreciação, relativamente a eventuais créditos detidos sobre a herança e/ou o cabeça de casal e ao respectivo pagamento, transcende, por completo, o objecto desta acção (…)”.
5.ª) A 15/10/2020, o interessado J. O. requer que, perante a impossibilidade de satisfazer o seu crédito sobre a herança com recurso ao saldo depositado na verba n.º 10, que a dívida seja paga através da afectação do produto resultante da venda da verba n.º 16 depositado à ordem dos autos e, na parte remanescente, pelas tornas por si devidas e depositadas, decidindo o Tribunal recorrido que a pretensão do interessado J. O. já não “transcende, por completo, o objecto desta acção”, concedendo provimento ao requerido.
6.ª) O despacho em crise constitui uma verdadeira inflexão da posição vertida no despacho de 29/09/2020, sendo ambas as decisões absolutamente contraditórias, sendo certo que versam sobre a mesma questão controvertida.
7.ª) O despacho em crise, ao decidir pela segunda vez sobre questão de Direito anteriormente julgada e transitada em julgado, violou o caso julgado, não podendo, em consequência, manter-se.

SEM PREJUÍZO:
8.ª) Não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo no entendimento de que, perante a inexistência de saldo na verba n.º 10, deverá concluir-se pela responsabilidade dos demais herdeiros na proporção dos seus quinhões.
9.ª) Nos termos art. 2079º do Código Civil, é ao cabeça-de-casal que cabe a administração da herança até à sua liquidação e partilha, o que deve fazer com diligência e zelo, como lhe imposto pelo art. 2086º n.º 1 al. b) do Código Civil.
10.ª) A verba n.º 10 estava depositada em conta bancária titulada pelo próprio cabeça-de-casal, não havendo qualquer elemento probatório carreado para os autos que aponte para que as recorrentes tenham tido acesso ao saldo da referida conta ou que tenham tido intervenção no desaparecimento da indicada quantia.
11.ª) Como explica Lopes Cardoso, in “Partilhas Judiciais”, Vol. I, pág 305, “colocado numa situação temporária de administrador de bens em que tem mera parte ideal (e até em que não tem parte alguma), o cabeça-de-casal deverá praticar os actos que sejam indispensáveis à conservação do património da partilha, exercer aquele conjunto de direitos que a lei lhe outorga especificamente com vista a essa conservação e cumprir as tarefas que diplomas vários lhe impõem em atenção à qualidade em que foi investido ou a que tem potencial direito”.
12.ª) Como decide o Tribunal da Relação de Coimbra em Acórdão datado de 10/07/2007, “II – Dispondo o cabeça-de-casal de dinheiro da herança, em proveito próprio ou alheio, tal disposição é havida como coisa alheia, nula entre as partes, e ineficaz em relação ao interessado a quem o dinheiro vier a caber em partilha. III – O cabeça-de-casal é o único responsável perante aquele interessado.”.
13.ª) O despacho recorrido, ao impor que o pagamento da dívida saia dos bens já recebidos pelas recorrentes, na proporção dos seus quinhões hereditários, coloca-as numa situação paralela à do cabeça-de-casal que era, na realidade, responsável pela administração e desaparecimento da quantia, criando uma situação de injustiça.
14.ª) A responsabilização do cabeça-de-casal não beliscaria os interesses do interessado J. O., na qualidade de credor da herança, uma vez que ao cabeça-de-casal foi ainda adjudicada verba n.º 15, na proporção de 1/5, que se mantém em compropriedade com os demais herdeiros, a qual é de valor suficiente para responder pela dívida.
15.ª) Por tudo o exposto, mais não resta que concluir que o despacho recorrido violou os art.os 608º n.º 2, ex art. 613º n.º 3, 615º n.º 1 b), 620 n.º 1, 625º n.º 1 e 628º, todos do Código de Processo Civil, violando ainda os art. 2079º e art. 2086º do Código Civil, pelo que não pode manter-se.

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O Apelado apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência da apelação interposta.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar da existência ou não da excepção dilatória do caso julgado.
- Analisar da existência ou não da nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615, nº 1, al. d), do C.P.C..
- Analisar se perante a inexistência de saldo na verba n.º 10, deverá ou não concluir-se pela responsabilidade dos demais herdeiros na proporção dos seus quinhões.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A- Além do que consta do relatório da presente decisão e com relevância para a decisão da causa, da decisão recorrida constam, designadamente, os seguintes fundamentos de facto e de direito:
(…)
Por despacho proferido em 24/04/2014, determinou-se que o passivo da herança fosse pago através da verba n.º 10, a qual se refere a um direito de crédito resultante da venda do imóvel aí melhor descrito, no valor de € 86.000,00.
Por despacho proferido em 29/09/2020, indeferiu-se a pretensão do interessado J. O. de se proceder “ao apuramento dos saldos existentes nas contas bancárias da herança a fim de saber quais os valores a distribuir pelos interessados, autorizando-se o requerente a depositar as tornas devidas à ordem deste Tribunal, devendo o pagamento das tornas ser feito só depois de apurados os valores existentes nas contas bancárias da herança e se o valor ali existente é suficiente para pagamento ao requerente do valor do seu crédito.” e de, subsidiariamente, se efectuar “a compensação do crédito do requerente e do cabeça-de-casal, sendo certo que o crédito do requerente é superior ao crédito de tornas do cabeça-de-casal.”.
Posteriormente, veio o dito interessado requerer “que o seu crédito, no valor de 25.050,00 €, seja pago, parte pelo valor que o Sr. Agente de Execução tem em seu poder, resultante da venda do prédio da verba 6 e o restante pelo valor das tornas agora depositadas, na proporção de 1/5 por cada um dos herdeiros M. F., A. I., M. O. e J. R..”.
Cumprira, pois, proferir decisão acerca deste último requerimento apresentado pelo dito interessado.
Como dispõe o artigo 1357º, n.º 1, do CPC de 1961, “As dívidas vencidas e aprovadas por todos os interessados têm de ser pagas imediatamente, se o credor exigir o pagamento.”.
O n.º 2 do mesmo preceito legal dispõe que “Não havendo na herança dinheiro suficiente e não acordando os interessados noutra forma de pagamento imediato, procede-se à venda de bens para esse efeito, designando o juiz os que hão-de ser vendidos, quando não haja acordo a tal respeito entre os interessados.”.
Nos termos do n.º 3 do dito normativo, “Se o credor quiser receber em pagamento os bens indicados para a venda, ser-lhe-ão adjudicados pelo preço que se ajustar.”.
Por fim, o n.º 4 do referido preceito legal dispõe que “O que fica disposto é igualmente aplicável às dívidas cuja existência seja verificada pelo juiz, nos termos dos artigos 1355.º e 1356.º, se o respectivo despacho transitar em julgado antes da organização do mapa da partilha.”.
Revertendo ao caso sub judice, temos que, como resulta da documentação junta aos autos, a conta bancária onde deveria estar depositada a quantia relacionada na verba 10 não apresenta qualquer saldo.
Não é, pois, possível proceder ao pagamento da quantia correspondente ao passivo da herança com recurso à verba n.º 10.
Sucede, porém, que se encontra depositada à ordem destes autos a quantia de € 13.549,33, respeitante ao remanescente do produto da venda de determinados bens da herança.
Assim, sendo certo que existe, na herança, algum dinheiro, deverá o mesmo ser utilizado para pagar o respectivo passivo, nos termos requeridos pelo interessado J. O..
Para além disso, temos que o aludido interessado está obrigado a pagar tornas aos demais herdeiros, tendo, inclusivamente, já procedido ao depósito das mesmas à ordem destes autos.
Deste modo, deverá o remanescente do passivo que ainda permaneça por liquidar ser pago através da compensação entre esse montante e o valor das tornas depositadas, na proporção da quota que tenha cabido na herança a cada um dos herdeiros (1/5 para cada herdeiro).
Pelo exposto, determino que o aludido passivo da herança seja pago através da quantia depositada à ordem destes autos, respeitante ao remanescente do produto da venda de determinados bens da herança, e, na parte restante, mediante a sua compensação com o valor das tornas depositadas, na proporção da quota que tenha cabido na herança a cada um dos herdeiros (1/5 para cada herdeiro).
(…)

B- Assumem ainda relevância para o presente recurso os requerimentos apresentados pelo recorrido, a 13 de Julho de 2020 e a 15 de Outubro de 2020, bem como os despachos proferidos respectivamente nos dias 29 de Setembro de 2020 e 15 de Janeiro de 2021, sobre os pedidos formulados pelo recorrido em cada um daqueles requerimentos.

- O recorrido no requerimento que apresentou no dia 13 de Julho de 2020 disse:
1
O requerente foi notificado para proceder ao depósito das tornas devidas aos restantes interessados.
2
Ocorre que, o requerente é credor da herança da quantia correspondente às verbas 1 e 2 do passivo, no valor total de 25.050,00 €.
3
O requerente tem também a parte que lhe cabe nas verbas 7, 8, 9 e 14 da relação de bens.
4
O requerente tem ainda a receber a quota parte que lhe cabe no valor resultante da venda das verbas 1, 13 e 15 da relação de bens.
5
O valor existente nas contas bancárias da herança já não é suficiente para o pagamento do crédito que o requerente detém sobre a herança.
6
Sendo o crédito do requerente uma dívida da herança é a herança ou no caso de esta já estar partilhada os herdeiros quem responde por essa dívida, sendo que, no caso dos herdeiros, a sua responsabilidade está limitada àquilo que receberam.
7
O requerente tem receio que, depois de pagas as tornas aos restantes herdeiros, a herança já não disponha de meios para que o requerente veja o seu crédito satisfeito.
8
A herança também já não dispõe de saldo nas contas bancárias que permita que o requerente receba as quantias que lhe cabem das verbas com os n.ºs 7, 8, 9 e 14 da relação de bens.
9
Sendo assim, o requerente pretende depositar as tornas que são devidas aos restantes herdeiros à ordem deste Tribunal, depois de apurados quais os valores existentes nas contas bancárias da herança e se o valor ali existente é suficiente para pagamento ao requerente do valor do seu crédito.
10
O requerente é credor da herança, pelo que deve ser a herança a pagar ao requerente o seu crédito.
11
Se a herança já não puder pagar essa dívida, serão os herdeiros, a responder por essa dívida até ao valor que já receberam.
12
Pelo que a determinação do saldo ainda existente nas contas bancárias da herança interessa a todos os interessados.
Caso assim se não entenda,
13
A responsabilidade da administração da herança cabe ao cabeça-de-casal.
14
A herança dispunha de contas bancárias onde se encontravam depositados valores suficientes para o pagamento do crédito do requerente.
15
Se esses valores já não existem, a responsabilidade é do cabeça-de-casal.
16
Sendo o cabeça-de-casal responsável por esses pagamentos, o requerente é credor do cabeça-de-casal de tais quantias.
17
Existem assim créditos recíprocos.
18
O requerente pretende a compensação desses créditos.
5.
O recorrido concluiu pedindo:

Nestes termos, requer se proceda ao apuramento dos saldos existentes nas contas bancárias da herança a fim de saber quais os valores a distribuir pelo interessados, autorizando-se o requerente a depositar as tornas devidas à ordem deste Tribunal, devendo o pagamento das tornas ser feito só depois de apurados os valores existentes nas contas bancárias da herança e se o valor ali existente é suficiente para pagamento ao requerente do valor do seu crédito.
Caso assim se não entenda deve efectuar-se a compensação do crédito do requerente e do cabeça-de-casal, sendo certo que o crédito do requerente é superior ao crédito de tornas do cabeça-de-casal.
6.
Neste requerimento, o recorrido não requereu o pagamento do seu crédito, apenas pediu que fossem apurados os valores existentes em contas bancárias da herança para se verificar se a herança ainda dispunha de meios para pagar aquele crédito.
O recorrido fez ainda um pedido subsidiário, que consistiu no pedido de compensação do seu crédito com o crédito de tornas do cabeça-de-casal.
7.
- O despacho de 29 de Setembro de 2020 indeferiu os pedidos formulados do recorrido e determinou que este procedesse ao depósito das tornas devidas.
8.
O recorrido no requerimento que apresentou no dia 15 de Outubro de 2020 disse:
1.
O aqui Requerente procedeu ao depósito das tornas devidas aos interessados M. F., A. I. e M. O. (doc. 1, 2 e 3).
2.
O Requerente depositou ainda a quantia de 6.128,25 € correspondente a parte do valor das tornas devidas ao interessado J. R. (doc. 4).
3.
A quantia de 7.966,25 €, correspondente ao restante valor das tornas devidas ao interessado J. R. foi entregue ao Sr. Agente de Execução C. A. no processo n.512/20.0T8GMR do Juízo de Execução de Guimarães - Juiz 1, no cumprimento do despacho de 13/2/2020, com a referência 9712619 (doc. 5).
Posto isto,
4.
O Requerente é credor da herança da quantia de 25.050,00 €.
5.
O crédito do Requerente foi reconhecido e consta do mapa de partilha.
6.
O Requerente requer, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1357.º do Código de Processo Civil de 1961, o pagamento imediato daquela quantia.
7.
O pagamento daquela quantia ao Requerente deve ser feito pelo valor correspondente à verba 10 da relação de bens, conforme despacho de 18/9/2019.
8.
No entanto, como consta já dos autos, a conta bancária a que respeita a verba 10 não dispõe, neste momento, de saldo que permita satisfazer o crédito do Requerente.
9.
Para confirmar o que é alegado no ponto anterior deve o cabeça-de-casal ser notificado para juntar aos autos extracto da conta bancária onde deveria estar depositada a quantia relacionada na verba 10.
10.
O crédito do Requerente é um crédito sobre a herança.
11.
Os bens da herança foram já objecto de partilha e adjudicados aos interessados.
12.
O Requerente corre o risco de não ver satisfeito o seu crédito pelo facto da herança não dispor de forças para o fazer.
13.
Confirmando-se que a conta não tem qualquer saldo, resta apenas a quantia que resultou da venda do prédio da verba 6, a qual se encontra na posse do Sr. Agente de Execução encarregado da venda.
14.
O preço dos bens alienados faz parte da herança (artigo 2069.º, al. c) do Código Civil).
15.
A quantia que se encontra em poder do Sr. Agente de Execução pertence assim à herança e deve ser utilizada para pagar ao único credor da herança, o aqui Requerente.
16.
O Sr. Agente de Execução deve por isso ser notificado para entregar ao aqui Requerente a quantia de que tem em seu poder.
17.
Esta quantia não é suficiente para que o Requerente tenha o seu crédito integralmente satisfeito.
18.
Como a herança já não dispõe de outros bens, pelas dívidas da herança respondem os herdeiros em função da quota subjectiva que lhes coube na herança (artigo 2098.º do Código Civil).
19.
Os herdeiros são assim responsáveis, na proporção de 1/5 para cada um, pelo pagamento ao aqui Requerente valor que ficar em dívida depois de lhe ser entregue a quantia que o Sr. Agente de Execução encarregado da venda tem em seu poder.
20.
Sendo o aqui Requerente simultaneamente credor da herança e, enquanto herdeiro, também responsável pelo pagamento, extinguem-se a dívida e o crédito desse 1/5 do Requerente por confusão (artigo 870.º do Código Civil).
21.
Os restantes 4/5 são devidos ao Requerente pelos restantes herdeiros, M. F., A. I., M. O. e J. R., na proporção de 1/5 por cada um.
22.
Esse valor deve ser pago ao Requerente pelo valor das tornas agora depositadas.
9.
O recorrido concluiu pedindo:
Nestes termos requer que o seu crédito, no valor de 25.050,00 €, seja pago, parte pelo valor que o Sr. Agente de Execução tem em seu poder, resultante da venda do prédio da verba 6 e o restante pelo valor das tornas agora depositadas, na proporção de 1/5 por cada um dos herdeiros M. F., A. I., M. O. e J. R..
(…)

Fundamentação de direito.
Vieram os Recorrentes invocar a existência da excepção de caso julgado alegando como fundamento e em síntese que, “a 13/07/2020, o interessado J. O. se pronunciou sobre o pagamento das tornas, alegando que, não havendo saldo suficiente na verba n.º 10, caberia aos demais interessados suportar, por outra via, o referido pagamento até ao limite do que receberam ou, se assim não se entendesse, haveria lugar à compensação entre as tornas a pagar ao cabeça-de-casal e o crédito da herança por si detido, tendo sido decidido pelo Mmo. Julgador decidiu que “(…) o por si alegado no requerimento em apreciação, relativamente a eventuais créditos detidos sobre a herança e/ou o cabeça de casal e ao respectivo pagamento, transcende, por completo, o objecto desta acção (…)”.

Mais alegam que, a 15/10/2020, o interessado J. O. requer que, perante a impossibilidade de satisfazer o seu crédito sobre a herança com recurso ao saldo depositado na verba n.º 10, que a dívida seja paga através da afectação do produto resultante da venda da verba n.º 16 depositado à ordem dos autos e, na parte remanescente, pelas tornas por si devidas e depositadas, decidindo o Tribunal recorrido que a pretensão do interessado J. O. já não “transcende, por completo, o objecto desta acção”, concedendo provimento ao requerido”.

E assim sendo, em seu entendimento, o despacho em crise constitui uma verdadeira inflexão da posição vertida no despacho de 29/09/2020, sendo ambas as decisões absolutamente contraditórias, sendo certo que versam sobre a mesma questão controvertida, razão pela qual, o despacho em crise, ao decidir pela segunda vez sobre questão de Direito anteriormente julgada e transitada em julgado, violou o caso julgado, não podendo, em consequência, manter-se.

Como é sabido, esta questão tem precedência lógica sobre as demais, impondo-se o seu conhecimento prévio a todas elas.

Isto assente, como é consabido, o caso julgado (1) material pode valer como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção do caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente (2).

Enquanto na excepção (do caso julgado) o caso julgado material garante “não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica’, tendo por fim ‘obstar que o órgão jurisdicional da acção subsequente seja colocado perante a situação de contradizer ou de repetir a decisão transitada’, representado para o tribunal comando imperativo de não proferir decisão idêntica ou diversa da decisão transitada (comando de omissão que lhe estabelece o não proferimento de decisão idêntica ou diversa da anterior (3) e implica a absolvição dos réus da instância), na autoridade do caso julgado o instituto representa ‘o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (4).

Os efeitos do caso julgado material projectam-se em processo subsequente quer como excepção de caso julgado, quando “a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior, quer como autoridade de caso julgado material, quando o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão do distinto objecto posterior” (5).

Desta forma, “quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; quando a apreciação do objecto processualmente antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior. Ou seja, a diversidade entre os objectos adjectivos torna prevalecente um efeito vinculativo, a autoridade de caso julgado material, e a identidade entre os objectos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a excepção do caso julgado. Aquela diversidade e esta identidade são os critérios para o estabelecimento da distinção entre o efeito vinculativo, a vinculação dos sujeitos à repetição e à não contradição da decisão transitada, e o efeito impeditivo, o impedimento dos sujeitos à repetição e à contradição da decisão transitada: a vinculação das partes à decisão transitada em processo subsequente com distinto objecto é assegurada pela vinculação à repetição e à não contradição do acto decisório e o impedimento à reapreciação do acto decisório transitado em processo subsequente com idêntico objecto é garantido pelo impedimento dos sujeitos à contradição e à repetição da decisão” (6).

A delimitação entre estas duas figuras pode estabelecer-se, grosso modo, da seguinte forma: se no processo subsequente, nada de novo há a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, nenhuma franja tendo deixado de ser jurisdicionalmente valorada), verifica-se a excepção de caso julgado; se pelo contrário, o objecto do processo precedente não abarca esgotantemente o objecto do processo subsequente, e neste existe extensão não abrangida no objecto do processo precedente (e por isso não jurisdicionalmente valorada e, logo, não decidida), ocorrendo porém uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois distintos objectos, verifica-se a autoridade do caso julgado.

A força ou autoridade de caso julgado desenvolve uma função positiva, tornando a solução do julgado vinculativa para outros casos que venham a ser decididos, inserindo-se a decisão tomada, como questão prejudicial, no objecto da segunda acção (assentando tal função positiva na dependência do objecto da segunda acção ao objecto da primeira); pressupondo diversidade de objectos entre as causas e surgindo o objecto da primeira como pressuposto da apreciação do objecto da segunda, é dispensada a verificação da tríplice identidade pressuposta pela excepção do caso julgado (e da litispendência – arts. 580º e 581º do CPC), requerendo-se apenas, para lá da identidade subjectiva, uma relação de prejudicialidade ou dependência entre as causas (7).

A “autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa” (8).

Como resulta dos arts. 580º e 581º do CPC, os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos da acção na qual foi proferida a sentença transitada: as partes, o pedido e a causa de pedir, ou mais rigorosamente, ‘pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo’ (9).

No que aos limites subjectivos do caso julgado material concerne, o princípio fundamental é o da sua eficácia relativa – a sentença só tem força de caso julgado entre as partes, tomadas estas não no sentido da estrita identidade física, mas antes da sua qualidade jurídica (eadem conditio personarum) (10).

O princípio da mera eficácia relativa do caso julgado (art. 581º, nº 2 do CPC), com raízes no direito romano e reconhecido no comum dos sistemas processuais vigentes, é um reflexo do princípio do contraditório (art. 3º do CPC), pois quem não pôde defender os seus interesses num processo pendente, não pode ser afectado pela decisão que nele foi proferida – os terceiros não podem ser nem prejudicados, nem beneficiados pelo caso julgado de uma decisão proferida numa acção em que não participaram nem foram chamados a intervir (11).

A autoridade do caso julgado impõe (efeito positivo) o acatamento de decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa – a autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, efeito que assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (12). (13)

Ora, no que concerne a este aspecto, temos que, como e em nosso entender correctamente expende o Recorrido, no requerimento apresentado a 13 de Julho de 2020, não requereu o pagamento do seu crédito, tendo apenas pedido que fossem apurados os valores existentes em contas bancárias da herança para se verificar se a herança ainda dispunha de meios para pagar aquele crédito.

O recorrido fez ainda um pedido subsidiário, que consistiu no pedido de compensação do seu crédito com o crédito de tornas do cabeça-de-casal, sendo que o despacho de 29 de Setembro de 2020 indeferiu os pedidos formulados pelo recorrido e determinou que este procedesse ao depósito das tornas devidas.

E como igualmente salienta, no requerimento que apresentou no dia 15 de Outubro, o recorrido requereu o pagamento imediato do seu crédito nos termos do disposto n.º 1 do artigo 1357.º do Código de Processo Civil de 1961, sendo que, quanto a este requerimento determinou o Tribunal no despacho sob recurso que o crédito do recorrido deve ser pago pelo dinheiro ainda existente na herança que são 13.549,33 € depositados à ordem dos autos, sendo que, como este valor não é suficiente para satisfazer integralmente o crédito do recorrido, o restante será pago “através de compensação entre esse montante e o valor das tornas depositadas, na proporção da quota que tenha cabido na herança a cada um dos herdeiros (1/5 para cada herdeiro).”

Ora à luz de tudo o exposto, resulta com linear clareza que o Tribunal recorrido deixou bem claro no despacho recorrido que não há caso julgado, pois que, neste último despacho relativo ao requerimento apresentado no dia 13 de Julho foi indeferida a pretensão do interessado J. O. de se proceder ao apuramento dos saldos existentes nas contas bancárias da herança a fim de saber quais os valores a distribuir pelos interessados, autorizando-se o requerente a depositar as tornas devidas à ordem deste Tribunal, devendo o pagamento das tornas ser feito só depois de apurados os valores existentes nas contas bancárias da herança, se o valor ali existente é suficiente para pagamento ao requerente do valor do seu crédito, e de, subsidiariamente, se efectuar “a compensação do crédito do requerente e do cabeça-de-casal, sendo certo que o crédito do requerente é superior ao crédito de tornas do cabeça-de-casal.”.

Mais se refere nesse mesmo despacho que o interessado/recorrido, no requerimento de 15 de Outubro de 2020, requereu “que o seu crédito, no valor de 25.050,00 €, seja pago, parte pelo valor que o Sr. Agente de Execução tem em seu poder, resultante da venda do prédio da verba 6 e o restante pelo valor das tornas agora depositadas, na proporção de 1/5 por cada um dos herdeiros M. F., A. I., M. O. e J. R..”.

E assim sendo, tal como linearmente decorre do próprio conteúdo dos requerimentos apresentados, claro resulta igualmente do conteúdo deste último despacho que o tribunal considerou e são, de facto, diversos os pedidos formulados pelo recorrido nos dois requerimentos que apresentou, inexistindo, assim, e por decorrência, falta de identidade de pedidos, e logo também de caso julgado.

Na verdade, enquanto no primeiro requerimento se pede:
Nestes termos, requer se proceda ao apuramento dos saldos existentes nas contas bancárias da herança a fim de saber quais os valores a distribuir pelo interessados, autorizando-se o requerente a depositar as tornas devidas à ordem deste Tribunal, devendo o pagamento das tornas ser feito só depois de apurados os valores existentes nas contas bancárias da herança e se o valor ali existente é suficiente para pagamento ao requerente do valor do seu crédito.
Caso assim se não entenda deve efectuar-se a compensação do crédito do requerente e do cabeça-de-casal, sendo certo que o crédito do requerente é superior ao crédito de tornas do cabeça-de-casal.

No segundo requerimento é efectuado o seguinte pedido:
“Nestes termos requer que o seu crédito, no valor de 25.050,00 €, seja pago, parte pelo valor que o Sr. Agente de Execução tem em seu poder, resultante da venda do prédio da verba 6 e o restante pelo valor das tornas agora depositadas, na proporção de 1/5 por cada um dos herdeiros M. F., A. I., M. O. e J. R.”.

E assim sendo, como inelutável resulta a conclusão de que no caso dos autos não existe qualquer relação de dependência ou de prejudicialidade entre a situação jurídica das partes no despacho anterior e o objecto decidido no despacho recorrido (não constituindo a decisão ali proferida questão prejudicial nesta, pressuposto necessário à decisão de mérito a proferir na presente), pese embora esteja em causa a resolução de uma mesma questão de fundo nas duas situações.

Destarte e por tudo o exposto, é para nós incontornável concluir pela inexistência de caso julgado, e por decorrência, pela improcedência, nesta parte, da presenta apelação.

Invocam ainda as Recorrentes a existência de nulidade por omissão de pronúncia, alegando como fundamento que a decisão recorrida não se pronunciou sobre uma questão que foi cometida a julgamento.

Como é sabido, a omissão de conhecimento consiste no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do disposto no art. 608º, nº 2 do C.P.C..

Daí que se possa afirmar que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

A segunda das referidas hipóteses, a prevista na alínea d) – a do conhecimento indevido ou excesso de pronúncia –, verifica-se em todos aqueles casos em que sejam conhecidas e apreciadas questões que na sentença não podiam ser tratadas ou julgadas, por não terem sido colocadas em causa por qualquer das partes e não serem de conhecimento oficioso.

Este tipo de nulidade, tal como a omissão de pronúncia, está também directamente relacionada com o comando legal fixado no nº 2, do artº 608º, do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Esta norma suscita o problema de se saber qual o sentido exacto da expressão «questões» nele empregue, sendo elucidativos os ensinamentos de Alberto dos Reis, o qual refere que “(…) assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (…) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado”.

E assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá de ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado.

De tudo decorre, assim, que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie a divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.

Destarte e, sintetizando, está, por um lado, defeso ao Juiz ocupar-se de questões não suscitadas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, e, por outro, omitir decisão de questão que devia ser conhecida nessa peça processual, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras, a nulidade da decisão por omissão pronúncia, constituindo hipótese inversa à do excesso de pronúncia ou conhecimento indevido, apenas ocorre nos casos em que na decisão não conhece questão de que não se podia deixar de tomar conhecimento.

Aqui chegados, vejamos então se a decisão recorrida enferma ou não do apontado vício, ou seja, se deixou se pronunciar sobre a aludida materialidade, ou seja, de qualquer questão de que não pudesse deixar de conhecer, como pretende o Recorrente.

Como é consabido, a doutrina e a jurisprudência distinguem, por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” e, concluem que só a falta de apreciação das primeiras – das "questões” – integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões.

Efectivamente, sabemos que o objecto da acção é o pedido (petitum) formulado na petição inicial (artigo 552º nº 1 e) do C.P.C.), já que este tem, como objecto imediato, a obtenção de uma prestação jurisdicional, consubstanciada na sentença que, através do processo, actua o direito objectivo a um caso concreto.

Assim, o consagrar este regime de nulidades visou a lei abranger todas aquelas situações em que a construção ou elaboração da sentença se encontra viciada por virtude de os fundamentos nela omitidos e/ou mencionados conduzirem, inelutavelmente, a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, daquela que foi tomada, encontrando-se fora do âmbito deste vício a errada subsunção dos factos à norma jurídica, bem como, a errada interpretação dela, que configuram o erro de julgamento (14).

Na verdade, não deve confundir-se tal nulidade com o erro na de subsunção dos factos à norma jurídica, ou seja, quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade. (15)

Como fundamento da nulidade que invocam, alegam a Recorrentes, em síntese, que havendo a recorrente A. I., por requerimento oferecido a 29/10/2020, suscitado a existência de caso julgado, na sequência do requerimento do interessado J. O. a 15/10/2020, cabia ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre a questão levantada, sendo que, ao escusar-se a tratar da questão levantada, incorreu o despacho recorrido na violação do artigo 608º, n.º 2 do CPC, aplicável aos despachos, por força do disposto no artigo 613º, n.º 3, omissão essa que o faz enfermar de nulidade, sanção essa prescrita pelo artigo 615º, n.º 1, alínea d), 1ª parte do mesmo código, a qual prescreve que “É nula a sentença quando (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

Ora, salvo o muito e devido respeito, não se nos afigura que a questão suscitada possa ser configurada como nulidade por omissão de pronúncia, pois que, como e bem salienta o Recorrido, pese embora a invocação da omissão de pronúncia, o certo é que como expressamente decorre do despacho recorrido, isso assim não sucedeu, pois que, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre a questão suscitada, deixando bem claro no despacho sob recurso que não há caso julgado uma vez que neste despacho e quanto ao requerimento que o recorrido apresentou no dia 13 de Julho de 2020, foi dito que se indeferiu “a pretensão do interessado J. O. de se proceder“ ao apuramento dos saldos existentes nas contas bancárias da herança a fim de saber quais os valores a distribuir pelos interessados, autorizando-se o requerente a depositar as tornas devidas à ordem deste Tribunal, devendo o pagamento das tornas ser feito só depois de apurados os valores existentes nas contas bancárias da herança e se o valor ali existente é suficiente para pagamento ao requerente do valor do seu crédito” e de, subsidiariamente, se efectuar “a compensação do crédito do requerente e do cabeça-de-casal, sendo certo que o crédito do requerente é superior ao crédito de tornas do cabeça-de-casal”.

E assim sendo, nunca poderá falar-se da existência de uma nulidade por “omissão de pronúncia”, pois houve conhecimento na questão suscitada, efectuado de modo fundado e esclarecedor, e por isso, perfeitamente legitimo e conforme com poderes de gestão processual atribuídos ao juiz, que de modo assertivo ou não, deixou bem clara a posição do tribunal sobre a questão em apreço.

Inexiste, por isso, a invocada nulidade.

Por último alegam as Recorrentes que não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo no entendimento de que, perante a inexistência de saldo na verba n.º 10, deverá concluir-se pela responsabilidade dos demais herdeiros na proporção dos seus quinhões, pois que, nos termos art. 2079º do Código Civil, é ao cabeça-de-casal que cabe a administração da herança até à sua liquidação e partilha, o que deve fazer com diligência e zelo, como lhe imposto pelo art. 2086º n.º 1 al. b) do Código Civil.

Ora, a verba n.º 10 estava depositada em conta bancária titulada pelo próprio cabeça-de-casal, não havendo qualquer elemento probatório carreado para os autos que aponte para que as recorrentes tenham tido acesso ao saldo da referida conta ou que tenham tido intervenção no desaparecimento da indicada quantia.

Entendem, assim, que dispondo o cabeça-de-casal de dinheiro da herança, em proveito próprio ou alheio, tal disposição é havida como coisa alheia, nula entre as partes, e ineficaz em relação ao interessado a quem o dinheiro vier a caber em partilha, sendo o cabeça-de-casal o único responsável perante aquele interessado.

E assim sendo, em seu entendimento, o despacho recorrido, ao impor que o pagamento da dívida saia dos bens já recebidos pelas recorrentes, na proporção dos seus quinhões hereditários, coloca-as numa situação paralela à do cabeça-de-casal que era, na realidade, responsável pela administração e desaparecimento da quantia, criando uma situação de injustiça.

Por outro lado, a responsabilização do cabeça-de-casal não beliscaria os interesses do interessado J. O., na qualidade de credor da herança, uma vez que ao cabeça-de-casal foi ainda adjudicada verba n.º 15, na proporção de 1/5, que se mantém em compropriedade com os demais herdeiros, a qual é de valor suficiente para responder pela dívida.

Colocados os termos da controvérsia, e estando-se perante uma dívida da herança, cumpre então esclarecer o regime da responsabilidade da responsabilidade por estas dívidas que, como é sabido, é diferente, conforme a herança permaneça indivisa, em que o devedor é apenas um, ou seja, é esse património autónomo (art. 2097º do C.Civil), ou, após a partilha, em que esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros, determinando-se a medida da responsabilidade destes pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança (art. 2098º, nº 1, do mesmo C.Civil).

Na verdade, como se refere no acórdão da Relação Coimbra, de 5/07/2018 (16), “Decorre do art. 2097º do C.Civil que os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos, sendo certo que, de acordo com o art. 2068º do mesmo normativo, são encargos da herança, as despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, os encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, o pagamento das dívidas do falecido e o cumprimento dos legados.
Preceitua, por sua vez, o nº1 do art. 2098º, ainda do mesmo C.Civil que, efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
Quanto a este último particular, esclarece o art. 2017º também do C.Civil, sob a epígrafe “responsabilidade do herdeiro”, que:
- “Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.
- Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos”.

Do vindo de expor resulta que, determinados os herdeiros, se devem liquidar os respectivos encargos, sendo que aqui tem de se distinguir dois momentos:
- Antes da partilha, os bens respondem colectivamente pela sua satisfação (art. 2097°);
- Depois da partilha, cada herdeiro responde só pelos encargos na proporção da quota que lhe couber na herança, podendo até os herdeiros deliberar sobre a forma de efectuar esse pagamento (art. 2 098°). (17)

E isto assim é, uma vez que a herança indivisa constitui um património autónomo ao qual a própria a lei [artº 6º, al. a) do CPC] atribui personalidade judiciária, enquanto a herança já partilhada deixou de existir como património autónomo, dissolveu-se ou diluiu-se nos patrimónios dos herdeiros, passando cada um dos bens que a integraram a confundir-se com os demais bens do herdeiro a quem foi adjudicado.

Após a partilha deixa de fazer sentido aludir a bens da herança, pois cada um desses bens entrou na esfera jurídica patrimonial do herdeiro a quem coube, perdendo qualquer ligação à herança que, enquanto património autónomo, deixou de ter existência jurídica, e logo, desaparece enquanto devedor, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros, cuja medida da responsabilidade se determina pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente, pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.

Com efeito, e como se refere igualmente no citado aresto de 5/07/2018, “as quotas que a cada um dos herdeiros caibam na partilha não têm de ser necessariamente preenchidas com bens, podendo, por exemplo, ser adjudicados todos os bens a um único herdeiro, pagando este as tornas devidas aos demais. Nesse caso, é óbvio que o herdeiro a quem foram adjudicados todos os bens não fica – a não ser que isso tenha sido acordado, como permite o artº 2098º, nºs 2 e 3 – responsável pela totalidade dos encargos, antes respondendo apenas na proporção da sua quota na herança. Mas com todo o seu património e não necessariamente e só com os bens herdados.

E os restantes herdeiros, que não receberam qualquer bem da herança, não ficam, na proporção das suas quotas, desonerados do pagamento dos respectivos encargos, por eles respondendo, na dita proporção, com todo o seu património.
As obrigações dos herdeiros da herança partilhada perante os credores não são solidárias, pois nada na lei impõe tal solidariedade (artºs 513º e 2098º). Por isso, não é ao credor permitido exigir a cada herdeiro mais do que a proporção da sua quota na herança, nem assiste ao herdeiro que porventura pague mais do que aquela proporção direito de regresso contra os demais herdeiros (artº 524º).

Consumada a partilha e integrados os bens herdados nos patrimónios de cada um dos herdeiros a quem foram adjudicados, deixa de poder falar-se em bens da herança. E os herdeiros respondem pelos encargos em proporção das quotas que lhes tenham cabido na herança, mas não necessariamente e só com os bens herdados, podendo, até àquela proporção, ser penhorados quaisquer bens do seu património”. (18)

Ora à luz de tudo o acabado de expender mais não resta do que concluir, como e em nosso entender, assertivamente faz o Recorrido, pois que, a conta da verba 10 pela qual devia ser pago o crédito do recorrido não dispõe de saldo, uma vez que, de acordo com a informação do banco, a conta apresenta há mais de 12 meses um saldo de zero euros e a herança não dispõe de outros bens que possam satisfazer o crédito do recorrido.

E assim sendo, efectivamente, quando tal acontece os herdeiros passam a responder pelas dívidas da herança em função da quota subjectiva que lhes coube nessa herança (artigo 2098.º do Código Civil), não cabendo essa responsabilidade apenas ao cabeça-de-casal, como pretendem as Recorrentes, por ser quem administra a herança, pois que, sendo certo que o cabeça-de-casal responde perante todos os herdeiros pela má administração da herança, quem responde pelas dívidas da herança, estando esta indivisa, é a herança (artigos 2068.º e 2097.º do Código Civil ) ou, após a partilha, os herdeiros, em função da quota subjectiva que lhes coube na herança (artigo 2098.º do Código Civil).

E na presente situação a herança encontra-se partilhada, tendo inclusive sido já depositadas pelo recorrido as tornas que eram devidas, impendendo assim sobre os herdeiros a responsabilidade pela restante parte do crédito do recorrido ainda em dívida em função da quota subjectiva que lhes coube na herança.

Destarte, e por tudo o exposto, improcede a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelantes.
Guimarães, 23/ 09/ 2021.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.



1. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, p. 567.
2. Miguel Teixeira de Sousa, O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual), in BMJ, nº 325, p. 178.
3. Autor e obra citados, p. 176.
4. Autor e obra citados, a p. 179.
5. Autor e obra citados, p. 168 (itálicos da nossa responsabilidade).
6. Autor e obra citados, pp. 171 e 172 (itálicos da nossa responsabilidade).
7. P. ex., o acórdão do S.T.J. de 6/11/2018 (Maria João Vaz Tomé), no sítio www.dgsi.pt/jtsj. Refira-se que se vem já evidenciando que a excepção do caso julgado se desprende da tríplice identidade prevista nos artigos 580º e 581º do CPC – o ‘âmbito da excepção do caso julgado é definido pelo disposto no art. 580º, nº 2 (e, portanto pela proibição de contradição e pela proibição de repetição), não pela repetição de acções a que se refere o art. 581º, nº 1. Esta repetição é apenas uma das situações em que opera a excepção de caso julgado, nada impedindo que essa excepção também possa relevar em situações em que o objecto das duas acções seja distinto’ [Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e caso julgado, p. 18 - Paper (199) publicado em 3/05/2016 no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com)].
8. Acórdão do STJ de 8/11/2018 (Tomé Gomes), no sítio www.dgsi.pt/jtsj.
9. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 309.
10. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, Vol. III, p. 385; Manuel de Andrade, obra citada, pp. 309 e 310.
11. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 588. No mesmo sentido, afirmando que a inoponibilidade do caso julgado a terceiros representa um mero corolário do princípio do contraditório, Antunes Varela e outros, obra citada, pp. 720 e 721.
12. Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª edição, 2008, p. 354, apud acórdão do STJ de 30/03/2017 (Tomé Gomes).
13. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 24/10/2019, proferido no processo nº 3339/10.3TBVCT-AC.G1, in www.dgsi.pt
14. Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 56.
15. Cfr. Lebre de Freitas CPC anotado, 2008, vol II, pag. 704.
16. Cfr. acórdão da Relação Coimbra, de 5/07/2018, proferido no processo nº 208/15.4T8GRD-C.C1, in www.dgsi.pt
17. Cfr. neste sentido, o acórdão do T. Rel. do Porto de 13/01/2003, no proc. nº 0252518, acessível em www.dgsi.pt
18. Cfr. acórdão do T. Rel. de Coimbra de 12/09/2006, proferido no proc. nº 365-B/1998.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc”.