FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE
ARGUIÇÃO EM SEDE DE INCIDENTE
RECURSO DE REVISÃO
CADUCIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
PRAZO
Sumário


Sumário (do relator):

- O art. 198º do CPC prevê que as nulidades previstas nos artigos 187.º e 194.º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.
- A expressão “em qualquer estado do processo” pressupõe necessariamente que a nulidade em causa é passível de ser conhecida até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à ação.
- Após trânsito em julgado da decisão que ponha termo à acção, a invocação da falta de citação ou de nulidade da mesma só poderá ocorrer em sede de recurso de revisão, nos termos do art. 696º do CPC, não sendo admissível argui-la em sede de incidente suscitado nos autos.
- O prazo de cinco anos previsto no art. 697º, nº 2, do CPC respeita a Constituição, nomeadamente respeita o Estado de Direito, o princípio do contraditório e o direito de defesa, consagrados nos art. 2º e 20º da CRP.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

M. M. e M. B., réus na presente acção, vieram em 11.02.2021 arguir a nulidade da citação ocorrida em 12-5-2010 para os termos da presente ação e das notificações subsequentes.

Alegam para tanto, e em síntese, que só em 03-2-2021 tiveram conhecimento da existência dos presentes autos. Apuraram nessa sequência que a citação da Ré (através de carta registada com aviso de receção), foi assinada e recebida pelo Réu M. M. em 12-5-2010, a qual não chegou a ser entregue à Requerente. Assim sucedeu porque M. M. entregou as cartas sem as chegar a abrir, a J. F. e a M. C., Autores nesse processo, respetivamente, genro e filha destes, por estes lhe ter dito que o fizessem, porque tal carta não tinha qualquer importância. O ora Requerente anuiu nessa entrega atenta a confiança que tinha no genro e filha.
Concluíram que a conduta dos autores impediu os Requerentes de ter conhecimento que estava a correr contra eles a presente ação (processo n.º: 375/10.6TBEPS, extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos).

Regularmente notificados, vieram os autores J. F. e esposa M. C., deduzir oposição ao incidente em apreço, por exceção e por impugnação.
Invocaram a exceção da inadmissibilidade legal do incidente de nulidade por falta de citação após o trânsito em julgado da decisão que põe termo à ação, sob pena de se ver irremediavelmente comprometido o princípio da estabilidade e segurança jurídica que impedem a ofensa do caso julgado. Alegam para o efeito, que a arguição da nulidade de falta de citação pode ser suscitada ou conhecida pelo tribunal em qualquer estado do processo (artigos 198º, n.º 2 e 200.º, n.º 1 do CPC), mas a expressão “em qualquer estado do processo” é necessariamente entendida como passível de ser conhecida até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à ação, visto que depois do trânsito em julgado deixa de ser possível o conhecimento de qualquer questão no âmbito do processo, salvo as situações passíveis de recurso de revisão (neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 31/10/2002, Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 27/11/2014, Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 01/09/2020, entre muitos outros disponíveis em www.dgsi.pt). Mais alegam que, nestes autos, foi proferida sentença em 23/02/2012, a qual foi devidamente notificada aos réus, não tendo sido apresentado recurso da mesma, o que fez com que tivesse transitado em julgado há quase 9 anos., concluindo que o presente incidente é legalmente inadmissível devendo ser indeferido liminarmente. A nulidade de citação só poderia ser questionada mediante recurso de revisão. Nos termos do artigo 696.º do CPC, caso se verificassem os respetivos pressupostos. Sucede que o recurso de revisão também já não é admissível. Nos termos do disposto no artigo 696.º do CPC, a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (...) e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior (...)” Prevê o nº 2 do 697.º do CPC, que “o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias (…).” São os próprios Requerentes quem diz na participação criminal que deu entrada no DIAP de Barcelos, em 11/12/2019, que no dia anterior tiveram conhecimento, através de um print retirado da Conservatória do Registo Predial de Barcelos (que juntam) que os imóveis objeto do contrato-promessa cuja execução específica foi requerida nos presentes autos “estavam em nome” dos aqui AA. (cfr. documento junto aos autos em 24.03.202 - certidão da participação criminal). Resulta dos autos, também, que em 03/06/2020 o pedido de confiança do processo subscrito pelo Ilustre Mandatário que representa os Requerentes nos autos de procedimento cautelar (docs. n.ºs 3 e 4). Assim, os prazos para recorrerem ao mecanismo do recurso de revisão, seja pelo decurso do prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da sentença proferida, seja pelo decurso dos sessenta dias sobre a data do conhecimento dos factos que serviriam de base à revisão (o que facilmente poderia ser atestado através das certidões de registo predial de acesso público).

Em resposta os Requerentes pugnaram, além do mais, pela improcedência da invoca inadmissibilidade do presente incidente.

Foi proferida decisão na qual se decidiu indeferir o presente incidente por legalmente inadmissível.

Inconformados com tal decisão dela vieram recorrer os Réus/Requerentes.

Houve contra-alegações nelas se pugnando pela rejeição do recurso ou pelo convite ao aperfeiçoamento das conclusões dos Recorrentes e ainda pela improcedência da apelação e pela confirmação da decisão recorrida.

Por se ter entendido que as conclusões do recurso não cumpriam os requisitos legais previstos no art. 639º, nº 1, do CPC, foram os Recorrentes convidados para aperfeiçoarem as mesmas, ao abrigo do nº 3 do citado artigo.

Nessa sequência desse convite, os Recorrentes apresentaram requerimento em que formulam as seguintes conclusões:


Os recorrentes arguiram nos arts. 1.º a 37.º , inclusive, da Contestação/Reconvenção ( cujo teor aqui se deixa reproduzido na integra ) , quer a nulidade das citações datadas de 12-5-2010 , quer a nulidade das notificações subsequentes a 12-5-2010 .

2.º
Nessa arguição de nulidade das notificações subsequentes a 12-5-2010 inclui-se a nulidade das notificações da sentença de fls. 238 a 246 aos aqui Recorrentes.

3.º
Em face dessa arguição de nulidade das notificações da referida sentença aos aqui Recorrentes, a mesma não transitou em julgado, no que concerne a estes.

4.º Acarretando tal que é inaplicável, in casu, o disposto no art. 696.º do C.P.C. .

5.º Sendo que, a decisão do Tribunal a quo sobre as questões suscitadas da nulidade das citações e das notificações subsequentes , dependia de produção de prova, dado que , o Tribunal a quo não dispunha de elementos suficientes para decidir , como decidiu , em face da matéria fáctica ( que consubstancia o modus operandi dos Autores ) alegada nos arts. 6.º , 7.º, 8.º, 9.º, 10.º , 11.º e 12.º da Contestação /Reconvenção ( cujo teor , dada a sua relevância e imprescindibilidade para a descoberta da verdade material e boa decisão da presente causa , aqui se deixa reproduzido na integra ).

6.º
Cumpria ao Tribunal a quo para decidir, fundamentadamente, sobre as questões suscitadas da nulidade das citações e das notificações subsequentes, ordenar a produção de prova:

a) Quer relativamente á matéria fáctica vertida no art. 12.º da Contestação /Reconvenção (que respeita á nulidade das notificações aos aqui Recorrentes da sentença de fls. 238 a 246 ) , já que , a mesma influi na decisão da causa ( cfr. art. 195.º , do C.P.C. e 200.º , n.º 3 do mesmo C.P.C.);
b) Quer relativamente á matéria fáctica vertida nos arts. 6.º , 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º da Contestação /Reconvenção ( que respeita á nulidade das citações datadas de 12-5-2010 ).

7.º
Como o Tribunal a quo não o fez devem os Autos prosseguir os ulteriores termos.

8.º Deve , para tanto , a decisão em crise ser revogada e substituída por outra ( Acórdão deste Tribunal ) que ordene ( no que concerne ás questões suscitadas da nulidade das citações de 12-5-2010 e das notificações subsequentes a 12-5-2010 ) a produção de prova, conforme requerido no Requerimento Probatório ( Requerimento referência n.º 38015449, datado de 11-2-2021 ) , relativamente á matéria fáctica alegada na Contestação /Reconvenção vertida nos arts. 1.º , 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da Contestação /Reconvenção , o que se requer.

9.º
Por outro lado , e sem prescindir , deve , ainda , a decisão recorrida ser revogada, porquanto,

10.º
É inconstitucional a norma do art. 696.º do C.P.C.,

11.º
Quando interpretada no sentido , em que o fez o Tribunal a quo , de que o prazo de 5 anos , contados desde o trânsito em julgado ( a existir no presente caso, o que não se concede), para a interposição de recurso de revisão, é absolutamente peremptório, está ferida a mesma de inconstitucionalidade:
a) Quer porque viola o principio constitucional do contraditório no âmbito do processo civil , que deriva do principio do estado de direito e da garantia de acesso à justiça e aos tribunais consagrados, respectivamente, nos arts. 2.º e 20.º da C.R.P.
b) Quer porque ofende o principio da proibição do indefeso, consagrado no art. 20.º da C.R.P. , que consiste na limitação (em cinco anos) do direito de defesa dos aqui Recorrentes perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que dizem respeito aos Recorrentes e suscitadas por estes nos presentes Autos na Contestação/Reconvenção.

12.º
Sendo inconstitucional a norma do art. 696.º do C.P.C. isso acarreta a nulidade, também, da decisão recorrida, e, por conseguinte, a revogação da mesma, o que se requer.

Termos em que, com o Douto suprimento de V.ªs Excelências e no demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se procedentes as conclusões 1.º a 12.º, inclusive, e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida, o que se requer.

Notificados destas conclusões, os Recorridos continuam a pugnar pela rejeição do recurso, com fundamento na falta de síntese das conclusões.

O recurso foi admitido por esta Relação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar:

- Se é legalmente admissível o incidente da nulidade da citação e das notificações subsequentes;
- Se se verificam as apontadas inconstitucionalidades sobre o art. 696º do Código de Processo Civil.
- Se se verifica a alegada nulidade da citação e das notificações subsequentes ou se é caso de o tribunal a quo produzir prova sobre esta matéria.

III-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para além dos factos constantes do relatório supra, há a considerar os seguintes Factos:

- Nos presentes autos são Autores:
- M. C., estado civil: Casado, domicílio: Rua …
- J. F., estado civil: Casado, domicílio: Rua …;

E são Réus:
- S. E., filho(a) de , estado civil: Casado, domicílio: Rua …;
- J. G., filho(a) de , estado civil: Casado, domicílio: Rua …;
- M. B., estado civil: Casado, domicílio: Lugar …;
- M. M., estado civil: Casado, domicílio: Lugar ….

- Nesta acção, os Autores demandaram os Réus, pedindo, no final, que seja reconhecido aos autores o direito à execução específica do contrato-promessa de compra e venda celebrado com os réus, proferindo-se, em conformidade, sentença que produza os efeitos das declarações negociais dos faltosos, dos primeiros e segundos réus.

- Em 11.05.2010 foram enviadas cartas para citação da ré M. B. e do réu M. M., para a morada de ambos: Lugar ….

- Em 18.05.2010 foi enviada carta à referida ré com os seguintes dizeres:
“Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa.
Nos termos do disposto no art.º 241.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais.”

- Em 23.02.2012 foi proferida sentença nos autos, a qual não foi objecto de qualquer recurso.

- Antes da sentença não foi apresentada nos autos qualquer contestação.

- Na sentença foi proferida decisão nos seguintes termos:
- Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, termos em que, suprindo a falta de declaração dos réus, declaro, através da presente sentença, a venda pelos réus aos autores dos prédios elencados na alínea a) dos factos assentes, através da contrapartida do preço já recebido pelos réus e pelo remanescente do mesmo depositado à ordem dos presentes autos, que lhes deverá ser entregue após o trânsito da presente sentença.

- Todas as notificações subsequentes às cartas de citação dos réus aqui recorrentes, inclusive, as notificações da sentença, foram enviadas para a referida morada dos mesmos.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Questão prévia

Tendo os Recorrentes acedido ao convite ao aperfeiçoamento das respectivas conclusões do recurso, pelas razões por nós aduzidas no despacho proferido em 23.06.2021, vieram os mesmos apresentar novas conclusões.
Da análise das “novas” conclusões apresentadas verifica-se que as mesmas, não obstante o esforço dos Recorrentes em colaborar no seu aperfeiçoamento, estão ainda aquém dos requisitos legais exigidos pelo art. 639º do CPC.
Todavia, considerando o labor revelado pelos Recorrentes em corresponder a tal aperfeiçoamento e ponderando a preponderância do interesse em conhecer-se nos autos a verdade material em detrimento da formal, iremos conhecer do objecto do recurso.

Da admissibilidade legal do incidente da nulidade da citação e das notificações subsequentes

A primeira questão a apreciar no recurso prende-se em saber se é admissível arguição incidental da nulidade da citação dos Recorrentes.
Alegam para o efeito os Recorrentes que é inaplicável in casu o disposto no art. 696.º do Código de Processo Civil, porquanto a sentença proferida nos autos não transitou em julgado, no que concerne aos mesmos (RR. M. M. e M. B.), na medida em que, no seu entender, ocorre nulidade das citações dos mesmos e das subsequentes notificações. Pugnam, assim, pela admissibilidade legal da arguição incidental das referidas nulidades.
Este entendimento dos Recorrentes não merece acolhimento.
Vejamos.
Na decisão recorrida o tribunal a quo entendeu que a invocação das apontadas nulidades das citações por via incidental é extemporânea, na medida em que foi suscitada após o trânsito em julgado da sentença já proferida nos autos, sendo que a única possibilidade de reagir a tal nulidade seria através do recurso de revisão.
Todavia, entendeu a 1ª instância que no presente caso não se justifica a convolação de tal incidente em recurso de revisão, porquanto o direito do Requerentes à revisão da sentença caducou. E concluiu, por isso, não ser viável tal recurso nem admissível o incidente deduzido pelos Requerentes, por erro do meio processual adoptado, pelo que indeferiu o presente incidente.
Esta solução jurídica a que se chegou na decisão recorrida afigura-se-nos acertada.
Em primeiro lugar, há a considerar que a sentença considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, conforme dispõe o art. 628º do CPC.
Isto posto, cumpre referir que não restam dúvidas que a sentença proferida nos autos em 23.02.2012, não foi objecto de qualquer recurso ou de reclamação.
Assim sendo, vejamos se é legalmente admissível arguir incidentalmente a nulidade da citação.
O art. 198º do CPC prevê que as nulidades previstas nos artigos 187.º e 194.º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas (sublinhado nosso). Este normativo corresponde, de resto, ao anterior art. 204º do CPC, versão em vigor à data em que os autos foram instaurados e na data da respectiva sentença. Note-se que a lei exige que esta nulidade de falta de citação, quando suscitada pelo citando, como é o caso vertente, seja arguida logo que este tenha a 1.ª intervenção no processo, sob pena de se considerar sanada (art.º 189.º - que corresponde ao anterior art. 196º, “Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.”).
Conforme bem se assinala na decisão recorrida, a expressão “em qualquer estado do processo” pressupõe necessariamente que a nulidade em causa é passível de ser conhecida até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à ação.
De modo que, após trânsito em julgado da decisão que ponha termo à acção, a invocação da falta de citação ou de nulidade da mesma só poderá ocorrer em sede de recurso de revisão, não sendo admissível argui-la em sede de incidente suscitado nos autos.
Assim sendo, no caso vertente, tendo transitado em julgado no ano de 2012 a sentença proferida, está vedado aos Recorrentes suscitar a apontada nulidade por via incidental nos autos, como questão prévia à contestação agora apresentada.
Restaria lançar mão do recurso de revisão, que no caso a tal se chegaria convolando-se para o efeito o requerimento em que se arguidas as nulidades, ao abrigo do disposto no art. 193º do CPC.

Este artigo dispõe sobre o erro na forma do processo ou no meio processual utilizado, prevendo o seu nº 3 que o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os ermos processuais adequados. Neste sentido se sumariou, entre outros, no acórdão desta Relação, de 07.03.2019 (processo n.º 2305/17.2T8VNF-A.G1, integralmente disponível em www.dgsi.pt):
«1 – Ocorrendo erro no meio processual utilizado pela parte impõe-se a convolação, oficiosa, para os termos processuais adequados - cf. n.º 3, do art. 193.º, do CPC. 2 – Tal convolação, com os limites naturais – pois que não pode operar caso existam obstáculos intransponíveis, como é o caso de ter já decorrido o prazo previsto para o ato convolado –, visa evitar que, por meras razões de índole formal, deixe de ser apreciada uma pretensão deduzida em juízo, em prejuízo da justa composição dos litígios. (…) 5 – Arguida a nulidade da citação num verdadeiro e próprio articulado de oposição à execução, por embargos de executado, com invocação de fundamentos para tal, a arguição da nulidade não pode ser apagada e esquecida, a pretexto da existência destes, sempre tendo de ser apreciada, para o que, na parte respetiva e na medida do necessário à correção do erro no meio processual empregue, se opera a referida convolação; 6 – Não se revelaria legítimo nem equitativo deixar de apreciar a reclamação, sempre podendo o Tribunal ultrapassar entraves formais e, para a tramitar, efetuar as necessárias adequações formais (como seja ordenar a extração de cópias do articulado em causa para serem juntas à execução e aí ser, tão só, apreciada a reclamação da nulidade da citação).»

No que tange ao recurso de revisão, sob a epígrafe Fundamentos do recurso, o art. 696º do CPC dispõe o seguinte:
- “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.
h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.”

Relativamente ao regime do recurso de revisão, prevê o art. 697º, nº 2, do CPC que “o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:

a) No caso da alínea a) do artigo 696.º, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;
b) No caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado;
c) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.”

Dos referidos artigos resulta que, ao contrário do entendimento dos Recorrentes, a alegada falta de citação ou nulidade da citação dos mesmos não obsta ao trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, constituindo essa falta de citação ou nulidade da mesma, precisamente, um dos fundamentos para a interposição do recurso de revisão (cfr. art. 696º, al. e) do CPC), o qual, como vimos, pressupõe a existência de trânsito em julgado.
Por outro lado, resulta também do citado art. 697º nº 2 do C.P.C. a existência de dois prazos de caducidade para a interposição do recurso de revisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade: a) o prazo máximo de cinco anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão a rever; e, sem prejuízo deste prazo, b) o prazo de 60 dias contados, no caso do fundamento previsto na al. c) do art. 696º do C.P.C., desde que o recorrente obteve o documento que serve de base à revisão.

No presente caso, a sentença a rever transitou em julgado no ano de 2012, pelo que, à data em que foi suscitado o incidente em apreço (11.02.2021), mostrava-se integralmente decorrido o referido prazo legal de cinco anos de caducidade.
Deste modo, é aqui inviável lançar mão do recurso de revisão, atenta a ocorrência da caducidade para a interposição do mesmo.
Assim sendo, bem entendeu o tribunal a quo ao considerar que não se justifica a convolação do requerimento em que suscitaram as nulidades em recurso de revisão, porquanto o direito dos Requerentes à revisão da sentença caducou.

*
Da inconstitucionalidade do prazo peremptório previsto no art. 696º do CPC

Vêm os Recorrentes alegar que a interpretação do art. 696.º do C.P.C. no sentido de que se trata de um prazo absolutamente peremptório de cinco anos para a interposição do recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado, viola o principio constitucional do contraditório no âmbito do processo civil, que deriva do principio do Estado de Direito e da garantia de acesso à justiça e aos Tribunais consagrados, respectivamente, nos arts. 2.º e 20.º da C.R.P.; que esse art. 696.º é efectivamente inconstitucional por ofensa do principio da proibição do indefeso, consagrado no art. 20.º da C.R.P., que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular ( in casu dos aqui RR. ) perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito. O que acarreta a inconstitucionalidade do art. 696.º do C.P.C., e, por isso, a revogação da decisão recorrida.
No caso que nos ocupa, atendendo aos interesses em presença, ou seja, face aos valores em causa numa acção em que se peticiona a execução específica de um contrato e cuja sentença decide pela procedência do pedido, ou seja, em que se discute e decide somente interesses patrimoniais, não se nos afigura como uma intolerável restrição dos direitos decorrentes do art. 2º e 20º do Constituição da República Portuguesa, nomeadamente do princípio do contraditório e o direito de defesa.
O sentido do estabelecimento de um prazo limite à possibilidade de revogação ou ultrapassagem do caso julgado tem como desiderato impedir que a latência de um hipotético recurso de revisão projecte, para além de determinado período, algum tipo de incerteza quanto ao conteúdo do direito declarado pela decisão judicial transitada. Cuida-se aqui de reafirmar a essência teleológica do instituto do caso julgado, também com ele com protecção constitucional.
A norma do art. 697º, nº 2, do CPC, que tem que ver com a matéria de revisão de sentenças, insere-se, em termos constitucionais, no quadro mais amplo da função jurisdicional no âmbito do Estado de Direito. E no quadro do Estado de Direito, a função jurisdicional caracteriza-se pela estabilidade e definitividade das suas decisões, o que implica que as decisões jurisdicionais não possam, em princípio, ser postas em causa - visando a certeza e a segurança, ínsitos naquele, na regulação definitiva das relações jurídicas entre as pessoas. Porém, porque a manifestação da função jurisdicional do Estado não se encontra imune ao erro, a lei prevê institutos jurídicos destinados à reparação dos efeitos do mesmo, como é o caso, entre outros, da revisão de sentença.
Conforme se sustenta no Ac. do TC nº 680/2015, DR de 28.04.2016, (…) “ao direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais para «defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos» consagrado no artigo 20.º da Constituição compreende, além do mais, o «direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável [...]» (cf. n.º 4, 1.ª parte) - e tal «decisão» judicial, na concretização pelo legislador ordinário, reporta-se expressamente a uma decisão judicial «que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo [...]» (cf. artigo 2.º, n.º 1, do NCPC, que corresponde ao mesmo artigo e número do anterior CPC).
O Tribunal Constitucional por diversas vezes reconheceu a proteção constitucional do caso julgado, alicerçando-a, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídicas, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da Constituição). Como, a este propósito, se lê no Acórdão n.º 301/2006, «[a] estabilidade das decisões judiciais exprime o valor do Direito e a subordinação do Estado e da sociedade ao seu Direito, diferentemente do que caracteriza o Estado autoritário que historicamente sempre concebeu instrumentos de anulação das sentenças (cf., por exemplo, FRIEDRICH CHRISTIAN SCHROEDER, Strafprozessrecht, 2.ª ed., 1997, p. 217)».”
E no Ac. do TC nº 151/2015 afirma-se que (…)«O princípio da segurança e certeza jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, no âmbito dos atos jurisdicionais, justifica o instituto do caso julgado, o qual se baseia na necessidade da estabilidade definitiva das decisões judiciais transitadas em julgado. Daí que seja reconhecida, enquanto subprincípio, a intangibilidade do caso julgado, revelado em preceitos constitucionais como o artigo 29.º, n.º 4, e 282.º, n.º 3, [...]»
Decorrendo o princípio da intangibilidade do caso julgado do princípio da segurança e certeza jurídica inerente ao Estado de Direito, o mesmo não afasta, excepcionalmente, a revisibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado.
Ora, o recurso extraordinário de revisão de sentença constitui uma limitação ao caso julgado, ao permitir, em certos termos, a revisibilidade de decisões judiciais transitadas em julgado. Assim se compreende que o legislador, na conformação normativa deste tipo de recurso (aqui apenas relevando o recurso de revisão em matéria cível), estabeleça fundamentos precisos e taxativos para a respetiva interposição (assim o artigo 771.º, do anterior CPC) e limites temporais para o respetivo exercício (assim o artigo 772.º, idem), de modo a respeitar, na essência, o princípio da imodificabilidade das decisões dos tribunais insuscetíveis de recurso ordinário.”
De modo que, cinco anos contados do trânsito em julgado da sentença revidenda, não deixam de expressar uma solução de equilíbrio entre interesses contraditórios, todos eles relevantes de um ponto de vista constitucional.
De resto, neste sentido entendeu o Tribunal Constitucional, no Ac. de nº 310/2005, DR n.º 151/2005, Série II de 2005-08-08, num caso semelhante, em que estavam em causa somente interesses patrimoniais, ao decidir “Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 772.º, n.º 2, do CPC, na parte em que refere não poder ser interposto recurso de revisão se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, quando esteja em causa o caso julgado formado por uma sentença homologatória de partilha, num inventário para separação de meações, que tenha corrido à revelia do requerente da revisão e este alegue a falta ou nulidade da citação para esse inventário, nos termos do artigo 771.º, n.º 1, alínea f), do CPC”.
Note-se que as referências feitas nesse acórdão aos art. 772º, nº 2, e 771º, nº 1, al. f), correspondem aos actuais art. 696º, al. e) e 697º, nº 2, do CPC.
Assim sendo, considera-se que não é constitucionalmente exigida, face aos diversos valores em presença, a “eliminação” do limite temporal absoluto previsto no artigo 697º, n.º 2, do CPC. O prazo de caducidade aí previsto respeita a Constituição.
Finalmente, podemos adiantar que mesmo que a questão da nulidade da citação fosse processualmente admissível, isto é, fosse de apreciar, sempre diríamos, como na decisão recorrida, que não se verifica a alegada falta de citação ou nulidade da mesma.
Com efeito, o que vem alegado é que o Réu M. M. em 12-5-2010, recepcionou as cartas registadas de citação postal, não tendo entregue a destinada à Requerente. Outrossim, entregou ambas as cartas, sem abrir, a J. F. e a M. C., Autores nos autos, respetivamente, genro e filha destes, por lhe terem dito que o fizessem, posto que tais cartas não tinham qualquer importância, tendo o Réu M. M. anuído nessa entrega atenta a confiança que tinha no genro e filha.
Donde se conclui que o Requerente não entregou a carta de citação à Requerente esposa, sendo-lhe directamente imputável tal omissão, e além disso, sem abrir aquela e a que lhe era destinada entregou-as aos autores. Ou seja, as citações postais foram corretamente efectuadas, para as respectivas moradas constantes dos autos, simplesmente o Requerente, alegadamente, decidiu entregar ambas as cartas sem abrir à filha e genro. Os Recorrentes alegaram que tomaram a decisão de não abrirem as cartas que lhes foram endereçadas e que recepcionaram.
As citações assim efectuadas cumpriram as exigências do anterior art. 236º do CPC, actual 228º do CPC.
Acresce ainda que resulta dos autos, sem necessidade de produção de qualquer prova, que todas as notificações dos Recorrentes posteriores à citação foram enviadas para a respectiva morada de ambos, inclusive, as notificações da sentença, com observância do disposto nos então art. 255º e 254º do CPC, actual art. 249º do CPC.
Pelo exposto, necessariamente se conclui que inexiste qualquer falta de citação ou nulidade da citação, à luz do disposto nos art. 187º, 188º e 191º do CPC, ou quaisquer outras nulidades decorrentes de omissão de notificações aos Requerentes.
Em suma, improcedem todas as conclusões do recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.
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DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso apresentado, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 23.09.2021

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Conceição Bucho
Jorge Teixeira