PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
CASO JULGADO
RELAÇÃO PREJUDICIALIDADE
Sumário


Sumário (do relator):

- Quanto à eficácia do caso julgado, a doutrina e a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
- Na referida função negativa, é exigida a identidade de sujeitos, a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir, nos termos do art. 581º do CPC, mas na aludida função positiva, não é exigível essa tríplice identidade.
- A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. RELATÓRIO

A. J. e esposa M. G., N. L. e P. J. e esposa P. A., por apenso ao processo de insolvência de Construções X, Unipessoal, L.da, impugnaram a lista definitiva de créditos reconhecidos apresentada pela Administradora da Insolvência a fls. 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido por uma questão de economia processual, pedindo os primeiros que seja reconhecido o seu crédito no valor de € 215.150,00, a título de restituição em dobro do valor do sinal prestado e juros moratórios, e graduado em 1.º lugar por gozar do direito de retenção sobre a fracção autónoma “E” apreendida para a Massa Insolvente, o segundo que sejam os créditos dos primeiros e terceiros impugnantes reconhecidos como comuns e os terceiros seja reconhecido o seu crédito no valor de € 353.034,52, a título de restituição em dobro do valor do sinal prestado e juros moratórios, e graduado em 1.º lugar por gozar do direito de retenção sobre a fracção autónoma “F” apreendida para a Massa Insolvente.
Para tal, alegaram os primeiros nos termos constantes de fls. 47v-52v, o segundo nos termos constantes de fls. 61v-65 e os terceiros nos termos constantes de fls. 3v-5v, os quais todos aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.

A Credora Caixa ..., C.R.L. respondeu às impugnações dos Credores A. J. e M. G. e dos Credores P. J. e P. A. nos termos constantes de fls. 99v-102 e 104v-107, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.

O Credor N. L. respondeu às impugnações dos Credores A. J. e M. G. e dos Credores P. J. e P. A. nos termos constantes de fls. 109v-112 e 113v-116, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.

A Credora Y – Revestimentos, L.da respondeu às impugnações dos Credores A. J. e M. G. e dos Credores P. J. e P. A. nos termos constantes de fls. 117v, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.

A Credora Serralharia W, L.da respondeu às impugnações dos Credores A. J. e M. G. e dos Credores P. J. e P. A. nos termos constantes de fls. 119-120, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.

Os Credores A. J. e M. G. responderam à impugnação do Credor N. L. nos termos constantes de fls. 121v-125, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.

Os Credores P. J. e P. A. responderam à impugnação do Credor N. L. nos termos constantes de fls. 175v-179, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.

Notificada para esse efeito, a Administradora da Insolvência respondeu às impugnações apresentadas nos termos constantes de fls. 231v-233, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.

Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador onde se reconheceu a validade e a regularidade do processado, se conheceu da excepção de caso julgado invocada pelos Impugnantes A. J. e M. V. e a P. J. e P. A., julgando-a não verificada, se identificou o objecto do litígio, se enunciaram os temas da prova, em moldes que não suscitaram reclamações das partes em litígio, bem como se admitiu a prova requerida, e se declarou a suspensão da instância até decisão definitiva da acção administrativa especial n.º 151/13.1BEMDL, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela e que estava sob recurso no Tribunal Central Administrativo do Norte.

Declarada cessada a suspensão da instância, designou-se dia para a audiência de discussão e julgamento, à qual veio a proceder-se com inteira observância de todo o formalismo legalmente previsto, como consta das respectivas actas.

Foi proferida sentença, na qual se decidiu nos seguintes termos:

- “Por todo o exposto, julgo totalmente improcedentes as impugnações deduzidas pelos Credores A. J. e M. V. e pelos Credores P. J. e P. A. e totalmente procedente a impugnação deduzida pelo Credor N. L. e, por conseguinte:
A) Julgo verificado:
i) como «comum» o crédito de A. J. e M. V. indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o n.º 1 e pelo valor de € 97.500,00;
ii) como «comum» o crédito de P. J. e P. A. indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o n.º 10 e pelo valor de € 160.000,00;
iii) como «comuns» todos os créditos indicados na lista rectificada dos credores reconhecidos sob os n.ºs 2, 4, 5, 6, 8, 11, 12, 13 e 14 e ainda sob o § segundo do n.º 3, conforme reconhecido pela Administradora da Insolvência;
iv) como «privilegiado» o crédito da Fazenda Nacional indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o n.º 7, conforme reconhecido pela Administradora da Insolvência;
v) como «garantido» o crédito da Caixa ..., C.R.L. indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o § primeiro do n.º 3, conforme reconhecido pela Administradora da Insolvência, e pelo valor que deverá ser reduzido/actualizado pela Administradora da Insolvência em face da informação trazida pela Credora sob a ref.ª 1715153 de 19.01.2021;
vi) como «subordinado» o crédito de N. L. indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o n.º 9, conforme reconhecido pela Administradora da Insolvência;

B) Decido graduar os créditos reconhecidos em A) da seguinte forma:
i) em primeiro lugar, o crédito privilegiado, relativo a I.M.I. e respectivos juros, indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o n.º 7;
ii) em segundo lugar, o crédito garantido por hipoteca indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o § primeiro do n.º 3;
iii) em terceiro lugar, todos os créditos comuns, na mesma posição, procedendo-se a rateio entre eles, na proporção do respectivo montante, caso seja necessário;
iv) e, em quarto e último lugar, o crédito subordinado indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o n.º 9.”

Inconformados com a sentença proferida dela vieram recorrer A. J. e esposa M. G., formulando as seguintes conclusões:

I. A questão que cumpre decidir - Incorreção da qualificação do crédito que foi reconhecido aos recorrentes pela sentença ora recorrida – um crédito comum no montante de 97.500,00€ - quando os recorrentes reclamaram o seu crédito pelo montante de 215.150,00€, correspondente a 195.000,00€ a título de indemnização por incumprimento relativa à restituição em dobro do sinal prestado, acrescido de 20.150,00€ de juros moratórios; devendo ainda este crédito ser reconhecido e graduado como crédito garantido por direito de retenção sobre o imóvel – Fração E, nos termos da al. f) do nº1 do art. 755º e do art. 759º do C. Civil.

II. Em primeiro lugar, entendem os Recorrentes que a douta sentença recorrida viola – no que respeita à verificação e graduação dos créditos referentes às frações “E” e “F” - a douta sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos da ação executiva n.º 94/14.1TBBGC que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Local Cível de Bragança – Juiz 2 e o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães – 1.ª Secção Cível, proferido nos autos do processo n.º 164/17.4T8BGC-E.G1, que decidiu a verificação e graduação especial de créditos sobre os referidos imóveis, encontrando-se ambas decisões transitadas em julgado.

III. Com efeito, nos autos do processo executivo supra referido, foi penhorado, para além do mais, o imóvel / fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente à habitação, com entrada pela Rua …, formada por um piso abaixo da cota do solo e dois pisos acima da cota do solo, com aproveitamento das águas furtadas, área exterior privativa no logradouro, afecta ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua … e Rua …, n.ºs …, união das freguesias de .., … e …, concelho de Bragança, descrita na Conservatória do Registro Predial de … sob o n.º … e inscrita na respetiva matriz sob o n.º ..., entretanto apreendido para a massa insolvente, na sequência da declaração de insolvência da devedora “Construções X – Sociedade Unipessoal Lda”.

IV. Tratando-se de penhora de imóvel com garantias reais, foi aberto naquele processo executivo incidente de concurso de credores, nos termos do art.º 788.º do CPC, na sequência do que foram notificados o devedor executado (ora insolvente) e todos os credores com garantias reais registadas sobre o dito imóvel para virem reclamar os seus créditos.

V. No caso concreto do imóvel supra referido (fracção “E”), vieram reclamar créditos a Caixa ... (credor hipotecário), a sociedade “K” (credor exequente) e os aqui Recorrentes (titulares de direito de retenção) que, após terem tomado conhecimento da penhora do imóvel através de edital afixado na porta da sobredita fração, apresentaram reclamação espontânea de créditos.

VI. Quer nos autos da ação executiva quer nos autos da presente ação de insolvência, estes eram e ainda são os únicos credores titulares de garantias reais sobre o imóvel penhorado naqueles autos de execução e apreendido para os presentes autos de insolvência (fração “E”).

VII. Devidamente notificados naqueles autos, os credores titulares de garantias reais e a Executada aqui Insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 789.º do C.P.C., ninguém impugnou o crédito nem a garantia real reclamados pelos ora Recorrentes.

VIII. Não tendo o crédito e a respetiva garantia real sido impugnados, nos termos do disposto no artigo 791.º, n.º 2, do C.P.C. foi proferida sentença em 29/08/2016 que conheceu da sua existência e graduou o crédito dos aqui Recorrentes com os créditos reclamados por todos os credores titulares de direitos reais de garantia sobre os bens imóveis penhorados naqueles autos de execução e apreendidos para os presentes autos de insolvência,

IX. Tal decisão transitou em julgado sem que qualquer das partes dela tivesse recorrido, incluindo a Executada aqui Insolvente.

X. Entretanto, na sequência da declaração de insolvência da sociedade “Construções X – Sociedade Unipessoal Lda”, executada naqueles autos e aqui insolvente, foi ordenada a apensação do processo aos presentes autos de insolvência, nos termos do art.º n.º 1 do art.º 85.º do CIRE, tendo em consideração que naqueles autos se apreciavam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente – Apenso B dos presentes autos de insolvência.

XI. Sendo a decisão judicial uma sentença que versa sobre a matéria de fundo da ação, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, manifestando-se fora dele, de tal modo que constitui impedimento a que outra ação idêntica (com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir) seja proposta.

XII. O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa: a função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado e a função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (art. 580º, nos 1 e 2, do CPC).

XIII. A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.

XIV. Na verdade, “pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito", enquanto que "a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida” - cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 354. Cfr., e, no mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325º, pp. 49 e ss.

XV. Por conseguinte, a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o art. 581º do CPC, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida [Acs. do STJ de 13.12.2007, proc. 07A3739; de 06.03.2008, proc. 08B402, e de 23.11.2011, proc. 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos em www.dgsi.pt.].

XVI. Ora, nos presentes autos de insolvência, não podendo a Insolvente impugnar os créditos dos aqui Recorrentes, veio fazê-lo, em sua substituição, o seu legal representante, Sr. N. L., num esforço para tentar contornar a eficácia do caso julgado.

XVII. E fê-lo, em articulação com o credor hipotecário CAIXA ... de Bragança e como manobra para tentar contornar a eficácia do caso julgado, já que pressupondo o caso julgado a tríplice identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, e não sendo o Sr. N. L. a entidade insolvente mas sim o seu legal representante, tem legitimidade – pelo menos formalmente – para fazê-lo.

XVIII. Sucede que o Impugnante N. L. é o único sócio e gerente da sociedade unipessoal por quotas aqui Insolvente “Construções X Unipessoal Lda”.

XIX. Conforme ficou demonstrado nos autos, no caso em apreço a “sociedade” confunde-se com a “pessoa”, não obstante a separação de patrimónios decorrente do facto de a sociedade (ainda que unipessoal) constituir um património autónomo.

XX. Sucede, porém, que o Impugnante N. L. é a mesma pessoa que representa a sociedade Insolvente que não impugnou, não reclamou nem recorreu da decisão de graduação de créditos proferida nos autos da ação executiva que se encontra transitada em julgado.

XXI. Sendo certo que, estando perante uma graduação especial de créditos releva apenas a identidade dos sujeitos da relação material controvertida (isto é, credores com garantia real) e não quaisquer outros.

XXII. Com efeito, nem os credores comuns e muito menos os credores subordinados (como é o caso do aqui Impugnante) têm qualquer interesse, direto ou reflexo, na graduação especial de créditos incidentes sobre bens onerados com garantias reais.

XXIII. Pois, conforme é determinado pelo n.º 2 do art.º 140.º do CIRE, tratando-se de bens imóveis, “A graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios”.

XXIV. E, portanto, para efeitos de graduação especial de créditos, os sujeitos da relação material controvertida são os credores que beneficiam de garantias reais sobre o imóvel onerado, e não quaisquer outros que não possuam qualquer crédito garantido ou privilegiado sobre o mesmo.

XXV. Pois, quanto a esses a graduação será geral, no conjunto dos bens apreendidos para a massa insolvente, sendo-lhes indiferente a graduação especial que incida sobre os bens onerados com garantias reais ou privilégios creditórios.

XXVI. De acordo com o disposto no n.º 4 do art.º 47.º do CIRE, são garantidos os créditos que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais.

XXVII. Conforme já se referiu, nos autos do processo de execução n.º 94/14.1TBBGC, foi nomeado à penhora o imóvel sobre o qual incide o direito de garantia dos Recorrentes, na sequência do que todos os credores com garantia real sobre o mesmo reclamaram os seus créditos, tendo sido proferida douta sentença que procedeu à verificação e graduação especial de créditos sobre os imóveis penhorados naqueles autos.

XXVIII. A sobredita decisão judicial (de graduação especial de créditos) não foi objecto de recurso, nem pela Executada aqui Insolvente nem por nenhum credor garantido, tendo transitado em julgado em 05/10/2016.

XXIX. Pelo que, relativamente aos imóveis penhorados naqueles autos e apreendidos para a massa insolvente nestes autos, o concurso de credores já se encontra definitivamente encerrado por decisão judicial definitiva e com eficácia de caso julgado material, nos termos do art.º 619.º do CPC.

XXX. Donde resulta que, tratando-se de graduação especial nos termos do art.º 140.º, n.º 2 do CIRE, e não estando perante nenhuma das situações de exceção referidas no n.º 3 do mesmo normativo legal, não podem os mesmos credores com garantia real sobre os mesmos imóveis pretender discutir, de novo, noutra execução (ainda que universal) aquilo que já foi discutido e decidido definitivamente em processo anterior de concurso de credores, com os mesmos sujeitos, causa de pedir e pedido.

XXXI.É o que determina o douto Acórdão desta Relação de Guimarães proferido no âmbito do presente processo, na sequência do recurso interposto pelo credor CAIXA ... de Bragança do douto despacho proferido pela Mª. Juiz a quo (Refª 20609455) de 28/09/2017, que rejeitou liminarmente, por inadmissível, a sua impugnação contra a inclusão dos créditos reclamados pelos aqui Recorrentes.

XXXII. Do mesmo salienta-se a clareza e simplicidade mas cabal esclarecimento sobre a excepção de caso julgado e autoridade de caso julgado, donde resulta que estava vedado ao credor hipotecário, impugnar os créditos dos Recorrentes, nomeadamente invocando defesa que na acção executiva não expendeu.

XXXIII. Acresce que, o legal representante da Insolvente, N. L., aqui “nas vestes” de Impugnante em representação da Insolvente, não veio alegar na sua impugnação nenhum facto novo ou de que não tivesse conhecimento na data em que foi notificado da reclamação de créditos apresentada pelos aqui Recorrentes nos autos da ação executiva.

XXXIV. Com efeito, todos os factos que vem agora alegar nestes autos de insolvência eram já do seu conhecimento naquela data e, como se não bastasse ter ocultado esses factos dos Recorrentes aquando da marcação da escritura pública de compra e venda, continuou a sonegar esses factos já em sede judicial, na pendência dos autos da ação executiva onde os créditos foram reconhecidos e graduados.

XXXV. Por conseguinte, se pretendia deduzir esses factos como meio da sua defesa e não o fez sibi imputet, não podendo deduzir posteriormente aquilo que podia e devia ter deduzido quando foi chamado a fazê-lo, conforme tão bem salientou o douto acórdão desta Relação a este respeito.

XXXVI. Ora, conforme decorre da matéria de facto provada e resulta da prova produzida nos autos, a Câmara Municipal de... foi citada nos autos da ação administrativa especial n.º 151/13.1BEMDL que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 03.05.2013, tendo o legal representante da Insolvente, aqui Impugnante, sido notificado por aquela edilidade em 05.06.2013 de que por causa da pendência dessa ação, decidira suspender a emissão da licença de utilização e aguardar o trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida na referida ação administrativa.

XXXVII. E o encerramento da discussão nos autos da ação executiva, com prolação da douta sentença de verificação e graduação de créditos, ocorreu em Agosto de 2016.

XXXVIII. Donde resulta que a Insolvente e o seu legal representante, ora Impugnante, podiam e deviam ter invocado todos os seus meios de defesa naquele processo, pois tratam-se de factos anteriores à data de encerramento da discussão.

XXXIX. É certo que a eficácia do caso julgado tem limites subjetivos, apenas vinculando as partes na ação. Porém, no caso sub judice, as partes são as mesmas já que para além de se tratar de graduação especial de créditos, quem tinha conhecimento dos factos era justamente o legal representante da sociedade insolvente e não esta propriamente dita.

XL. Conforme se diz no douto acórdão desta Relação acima referido “(…) entende-se que o caso julgado apenas vincula as partes da acção, ou seja, apenas vincula as pessoas que, como tal, nela intervieram, inicial ou sucessivamente. Precisa-se porém, que “a identidade dos sujeitos relevante para o caso julgado não é tanto a simples identidade física, como entidade jurídica”, conforme decorre do art. 581º, nº 2 do C.P.C. (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 721-2).
“Esta regra coaduna-se perfeitamente com as exigências do contraditório, segundo o qual as pessoas que não podem defender os seus interesses num processo, por não terem interesse directo em demandar ou contradizer, ou por não serem os titulares da relação material controvertida, não podem ser abrangidos pelo caso julgado formando neste processo”. Evita-se, assim, que “terceiros sejam prejudicados na consistência jurídica ou no conteúdo do seu direito, sem eles terem oportunidade de se defender” (J. P. Remédios Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, Dezembro de 2009, p. 667-8, com bold apócrifo.”

XLI. Ora, tendo por base o exposto, a nenhum dos demais credores da insolvência (incluindo ao aqui impugnante, credor subordinado) a sentença causou prejuízo, já que não veio mexer com a existência ou validade dos seus direitos, na medida em que nenhum desses credores podia ou pode invocar o reconhecimento de um crédito com base em direito de retenção e, consequentemente, ver esse crédito graduado em 1º lugar.

XLII. Nas palavras do Prof. Antunes Varela o Impugnante e demais credores são, para este efeito, terceiros juridicamente indiferentes.

XLIII. A regra da eficácia do caso julgado tem por fim evitar que terceiros sejam prejudicados na consistência ou conteúdo do seu direito, sem terem tido a possibilidade de se defender, conforme tem vindo a ser defendido pela jurisprudência, vejam-se entre outros o Ac. RC de 22/11/05 – Proc. 3050/05.dgsi.net e Ac. RC de 27/9/2005 - Proc. 1970/05.dgsi.net.

XLIV. Assim, a sentença transitada impõe-se aos credores da insolvência, incluindo ao aqui Impugnante, pois não lhes causa prejuízo e deixa intacta a consistência jurídica dos seus direitos, constituindo caso julgado.

XLV. No caso sub judice, o Impugnante N. L. é um terceiro juridicamente indiferente já que, para além de ser o próprio legal representante da Insolvente (que não aparece como Impugnante para tentar contornar a eficácia do caso julgado) a procedência ou não da impugnação da graduação de créditos é-lhe indiferente na medida em que assumindo a identidade de credor subordinado, o produto da venda das frações aqui em crise (sobre as quais incidem diversos direitos reais de garantia) é-lhe inócuo. Não o sendo, porém, para a CAIXA ... de Bragança, sua mandante, e que já viu negada por esta Relação a sua pretensão recursiva.

XLVI. Sucede que, nos termos do art.º 799º, n.º 2 do Código Civil, “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.

XLVII. O devedor (Executado e, após, Insolvente) não fez prova, nem na ação executiva nem na ação insolvencial, de que a falta de cumprimento do contrato promessa não procedeu de culpa sua, sendo que não compareceu na escritura, não justificou a sua falta, não impugnou a reclamação de créditos na ação executiva, não recorreu da sentença de verificação e graduação de créditos e não impugnou a lista de credores reconhecidos nos autos do processo de insolvência.

XLVIII. Não tendo o devedor feito prova, como lhe competia, de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, tentou agora e só agora, não o devedor mas sim o seu legal representante, impugnar a qualificação do crédito dos Recorrentes, invocando factos que podia e devia ter já alegado anteriormente, quer em sede extrajudicial, quer em sede judicial.

XLIX. Impugnação essa feita em manifesto conluio com o credor hipotecário CAIXA ... de Bragança, destinando-se apenas a obstar aos efeitos do caso julgado material da sentença de verificação e graduação de créditos proferida na ação executiva, para assim favorecer a posição processual do credor CAIXA ....

L. Ora, admitir que os legais representantes de devedores que sejam pessoas coletivas possam ter o direito de vir discutir, pela segunda vez, em substituição do próprio devedor, os efeitos consolidados de uma decisão judicial transitada em julgado atenta contra os mais elementares princípios da certeza e segurança jurídica e representaria, na prática, o direito a um segundo julgamento sempre que o devedor fosse uma pessoa coletiva, o que não é admissível.

LI. No caso sub judice com a agravante de que o devedor é uma sociedade unipessoal por quotas cujo sócio e gerente únicos são a mesma pessoa, o aqui Impugnante N. L..

LII. Por isso é que, para além dos princípios gerais do ónus de alegação e prova no momento processual próprio, a lei reforça com outros princípios, nomeadamente o da boa-fé contratual, o princípio da proibição do abuso de direito e do respeito pelo caso julgado.

LIII. Sendo que, apesar de lamentavelmente ser prática comum, os processos de insolvência não podem servir para branquear ou fazer “reset” dos direitos já discutidos, julgados e decididos em anteriores processos judiciais com os mesmos sujeitos e sobre os mesmos factos.

LIV. E, por fim, dado que a Impugnação não assenta em nenhum dos fundamentos dos arts. 729º e 730º do CPC, únicas situações em que se poderia basear a impugnação, a mesma terá necessariamente de soçobrar.

LV. Por conseguinte, bem concluiu o douto acórdão desta Relação acima citado afirmando que tendo a sentença proferida nos Autos de Execução conhecido do mérito da causa possui “força de caso julgado material entre as respectivas partes, nomeadamente impedindo-as de, noutra acção, e com os mesmos fundamentos, virem a discutir de novo os direitos por ela definidos”.

LVI. Assim sendo, como é, deve declarar-se que a decisão judicial de verificação e graduação de créditos proferida nos autos da ação executiva n.º 94/14.1TBBGC que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Local Cível de Bragança – Juiz 2 e confirmada pelo douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães – 1.ª Secção Cível, proferido nos autos do processo n.º 164/17.4T8BGC-E.G1, constitui caso julgado material e, em consequência, deve ser revogada a douta sentença recorrida e mantida a douta sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos da ação executiva, na parte referente aos bens imóveis penhorados naqueles autos e apreendidos para estes autos, sobre os quais incidem os direitos reais de garantia reclamados em ambos processos pelos mesmos credores com garantias reais.

LVII. Por outro lado, o presente recurso versa sobre a matéria dada como provada, pretendendo os Recorrentes a reapreciação da prova, porquanto a Meritíssima Juiz a quo errou no julgamento da matéria de facto por si levado a cabo, quanto aos pontos 18, 35 e 36 dos factos provados e bem assim os pontos 4 e 5 dos factos não provados.

LVIII. Nesta análise, desde logo, deve ter-se em consideração, os pontos 20, 21, 22, 23, 27, 28, 30 e 31 dados como provados.

LIX. E assim, quanto ao ponto Ponto 18 – à data, [da entrega das chaves] as obras da fracção E estavam concluídas, encontrando-se a mesma em plenas condições de habitabilidade, importa desde já salientar que os Recorrentes não põem em causa que a fracção detenha condições de habitabilidade.

LX. Na verdade, ali residem desde a Páscoa de 2013. Muito menos têm, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, intenção de usar este argumento para indiciar que a escritura não se realizou por falta delas.

LXI. No entanto, e em abono da verdade, as obras não estão concluídas de acordo com o caderno de encargos e não pode aceitar-se a convicção do Tribunal nesse sentido atendendo ao depoimento das testemunhas e das próprias partes.

LXII. Tal é assumido, por diversas vezes, ao longo do depoimento do Recorrente A. J. Vaz, prestou depoimento na Sessão de 18/01/2021 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:28:40) refere “…entretanto havia lá ainda imensas coisas por fazer, por exemplo não tínhamos ar condicionado, (00:03:00) aspiração central não existe… comprometeu-se o empreiteiro a fazer uma série de coisas que não fez (…)” – pág. 65 da transcrição. Mais à frente, reitera “(…) Porque eu não tenho o ar condicionado, por exemplo, no quarto das miúdas, não funciona e precisa de ter, não é? Não tenho a aspiração central a funcionar e queria a obra pronta, queria que me saíssem de casa e depois ele houve uma altura que ia indo lá, ia fazer uma coisinha, depois ia indo lá e fazia outra e há imensa coisa que está por afinar, (00:18:00) por terminar, nomeadamente as portas de correr e mais uma série… as caixilharias exteriores também.” (…) pág. 79 da transcrição

LXIII. Também o Promitente-comprador P. J., prestado na Sessão de 18/01/2021 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:23:10), referindo que a casa ainda tem algumas coisas por concluir, nomeadamente, “A aspiração central ainda não está e o ar condicionado também não está feito”. pág. 93 da transcrição

LXIV. Situação confirmada por várias testemunhas, como A. O., ouvido na sessão de 18/01/2021 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:03:55), J. B., que prestou depoimento na sessão de 18/01/2021 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:06:56) e V. R., ouvido igualmente na sessão de 18/01/2021 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:08:02), conforme depoimentos supra transcritos.

LXV. Deste modo, do depoimento das partes e das testemunhas fica absolutamente claro que a questão das obras nada tem que ver com a alegação de eventual incumprimento do empreiteiro.

LXVI. Esta ilação do Tribunal a quo não tem qualquer suporte factual mas é, de facto, uma frase adequada para sustentar a putativa concertação dos promitentes- compradores, o que não se aceita e repudia veementemente!

LXVII. Porém, não pode manter-se no Ponto 18 – à data, (da entrega das chaves) as obras da fracção E estavam concluídas, encontrando-se a mesma em plenas condições de habitabilidade, antes sim, e apenas devendo manter-se no que “à data, a fracção E estava em condições de habitabilidade”.

LXVIII. No que respeita aos pontos 31, 35 e 36 na medida em que entroncam com os pontos 3, 4 e 5 dos factos não provados, devem ser analisados em conjunto.

LXIX. Conforme se retira das declarações prestadas pelo Recorrente A. J. – minuto 00:09:00, pgs. 71 - o representante da Insolvente “nunca lhe disse que tinha entrado uma ação no Tribunal Administrativo; isso foi uma coisa que ele sempre ocultou”.

LXX. Questionado se até Agosto de 2014 promoveu, se esteve debruçado, está preocupado em celebrar a escritura, respondeu – minuto 00:17:00 – pgs. 79.

LXXI. O Tribunal a quo também não valorou o empréstimo que os Recorrentes fizeram para o adiantamento de sinal, conforme depoimento, vide min. 00:02:30 e ss. – Págs. 65 e 66 da transcrição.

LXXII. Sendo que o Recorrente explicou cabalmente ao Tribunal o motivo da carta da resolução, que se prende com a prorrogação do empréstimo de adiantamento para sinal que celebrou com a Caixa ... – min. 00:23:46 – pág. 84 da Transcrição.

LXXIII. No depoimento de parte do Promitente-Comprador P. J., págs. 91 da transcrição, o depoente declarou que fez um reforço de sinal em Junho de 2013, sendo que o mesmo não estava previsto, como afirmou ao min. 00:11:00, pgs. 100.

LXXIV. Igualmente, negou que o Sr. L. tenha informado da existência de um processo no Tribunal Administrativo que envolvia a Câmara e que poderia impedir a licença de utilização – min. 00:12:00, pgs. 100.

LXXV. Sendo certo que foi peremptório em afirmar que se o Sr. L. lhe tivesse feito referência a esta questão da existência de um processo e de eventuais problemas com o projeto de arquitectura, não tinha reforçado o sinal – min. 00:13:03, pgs 101 da transcrição.

LXXVI. Ora, tendo em consideração os pontos 29 e 30 dos factos provados, é evidente que a partir de 05.06.2013, a Insolvente sabia perfeitamente que não era possível realizar as escrituras das frações E e F,

LXXVII. mas não se coibiu de solicitar ao Impugnante P. J. em 12.06.2013 um reforço de sinal de 30.000,00€!

LXXVIII. Ocultando propositadamente a existência da ação administrativa e a impossibilidade de realizar qualquer escritura de compra e venda, afirmando mesmo que “estamos próximos de celebrar a escritura” – min. 00:11:00! “Estou a tratar a papelada junto da Câmara” – min- 00:08:02, pgs. 97.

LXXIX. Assim, e em Junho de 2013, os recorrentes não só desconheciam a existência da ação administrativa (pois não foram notificados) como foram informados da proximidade da realização das escrituras, tendo o representante da insolvente convencido o Impugnante P. J. a reforçar o sinal em mais 30.000,00€.

LXXX. Ao contrário do que é defendido pelo Tribunal a quo, a acção administrativa não era um facto público, pois não só os promitentes-compradores desconheciam a acção como também outras pessoas do meio.

LXXXI.A este respeito, questionada se nunca ouviu falar de uma ação para impugnação do loteamento a testemunha R. G., ligada ao ramo da construção e que prestou o depoimento na sessão de 18/01/2021 (CD – Minuto 00:00:01 a 00:04:29) responde peremptoriamente que não – minutos 00:04:00 pág. 172 da Transcrição.

LXXXII. No mesmo sentido, a testemunha A. M. (CD – Minuto 00:00:01 a 00:07:28), corrobora não ter conhecimento, mesmo conhecendo o Arquictecto H. G., que trabalha na CM ... – min. 00:06:00, pág. 132 da transcrição.

LXXXIII. Deste modo, ao contrário do que entendeu a M.ma Juiz, nem os promitentes- compradores nem pessoas do ramo, residentes em Bragança, tinham conhecimento da acção administrativa que impediu a emissão das licenças de utilização.

LXXXIV. Por outro lado, pode ser confirmado pelo depoimento do representante da Insolvente, N. L., ouvido na sessão de 18.01.2021, do minuto 00:00:01 a 01:13:48 (CD – Minuto 00:00:01 a 01:13:48), que o mesmo se esquivou sempre a esclarecer o Tribunal sobre o pedido de reforço de sinal que efectuou, já depois de saber que pendia um processo administrativo e a C. M. ... estar impedida de emitir licença de utilização, dando respostas evasivas, conforme depoimentos supra transcritos – vide min. 00:24:04, pág. 214, min. 00:27:33, pág. 216, min. 00:28:16, pág. 216, min. 00:30:18, pág. 218 da transcrição.

LXXXV. O legal representante afirmou, pois, que a notificação que recebeu não tinha qualquer importância, tentando assim justificar o recebimento de 30.000,00€ numa altura em que bem sabia ser impossível cumprir com os contratos que outorgou, marcando as escrituras de compra e venda.

LXXXVI. E foi esta postura que manteve em 2013 e nos anos seguintes, ocultando sempre aos recorrentes a impossibilidade de marcação das escrituras.

LXXXVII. Há que acrescentar que nenhum documento nem nenhum dos depoimentos prestados em Tribunal sustenta os pontos 31, 35 e 36 dos factos provados.

LXXXVIII. Na motivação, o Tribunal afirma que os impugnantes não confrontaram directamente o representante da Insolvente com a demora na celebração da escritura, o que manifestamente não corresponde à verdade e é desmentida pelos depoimentos de parte dos promitentes-compradores, que referem exactamente o contrário.

LXXXIX. Os recorrentes mantiveram sempre contacto com o representante da Insolvente, que lhes assegurava que tudo estava a ser tratado com vista à realização das escrituras, contactos que são corroborados no depoimento prestado pelo próprio N. L..

XC. Não se percebe, pois, como está “o Tribunal profundamente convicto” que os recorrentes tinham conhecimento da pendência da ação administrativa, já que ressalta à evidência que tal conhecimento lhes foi sempre sonegado pelo N. L., forçando-os a proceder à marcação das escrituras.

XCI. Mas a “motivação do Tribunal vai mais longe ao afirmar sem pejo que “a corrida feita pelos impugnantes, no mês de Julho de 2014, ao registo da promessa de alienação e à interpelação para a celebração da escritura e comunicação da resolução feita no dia seguinte ao agendamento da escritura…. Denuncia claramente que já sabiam do problema da licença, tratando-se claramente de um expediente para reclamar o seu crédito no processo executivo…”.

XCII. Salvo o devido respeito, que é muito, não se entende esta fundamentação nem se percebe como foi possível formar tal convicção!

XCIII. Tenhamos presente que os recorrentes foram confrontados com a penhora do imóvel que tinham prometido comprar na Páscoa de 2014, não tendo obtido qualquer esclarecimento nem logrando realizar as escrituras de compra e venda junto da Insolvente, razão pela qual lançaram mão do disposto no art. 442.º do C. Civil.

XCIV. Esta é a solução que a lei aponta e os recorrentes limitaram-se a aderir ao procedimento, marcando a escritura e resolvendo, posteriormente, o contrato,

XCV. Sem que a Insolvente, devidamente notificada, se tenha pronunciado, como obrigatoriamente tinha de fazer.

XCVI. Por outro lado, é incompreensível que o Tribunal a quo entenda que existe concertação de esforços entre os Impugnantes no sentido de “enganar” a Insolvente e querer o seu prejuízo!

XCVII.É forçoso ter em conta as circunstâncias dos Promitentes- compradores, nomeadamente, que as fracções prometidas vender pertencem ao mesmo imóvel, que ambos cumpriram o clausulado no Contrato de Promessa de Compra e Venda, desconheciam a acção administrativa, tinham interesse em celebrar as escrituras, foram confrontados com as penhoras das suas fracções no âmbito do processo executivo n.º 94/14.1TBBGC-A, e que se encontra apenso aos Autos.

XCVIII. De modo que agiram em consonância dando cumprimento ao contrato e à lei para protegerem os seus direitos, que eram exactamente idênticos.

XCIX. Por outro lado, é certo que havia contacto entre os impugnantes e o representante da Insolvente: os contactos existiram sempre, tal como demonstra a ida ao Notário em 30.06.2014, as obras que iam sendo feitas nas frações (que não foram ainda hoje concluídas).

C. O que não havia era da parte da Insolvente uma explicação verdadeira do que estava a acontecere que motivou, como acima se demonstrou, uma reação dos impugnantes, a única possível face às circunstâncias.

CI. Acresce a contradição na motivação da sentença ora em crise, na medida em que o Tribunal afirma que não se mostra normal que os recorrentes nunca tenham confrontado directamente o gerante da insolvente com a demora na celebração da escritura; e que foi desmentido por ambos que tivessem feito interpelações à Insolvente instando-a a celebrar a escritura no prazo contratualmente acordado, para em seguida (pgs. 12) reconhecer que os recorrentes afinal fizeram aquelas interpelações!!

CII. O Tribunal, sem qualquer sustentação e fazendo uma interpretação inaceitável dos depoimentos prestados, conclui que os recorrentes não confrontaram nem interpelaram a insolvente para realizar as escrituras.

CIII. Decorre dos depoimentos de parte e dos testemunhais que existiu sempre contacto com o representante da insolvente – para a realização das obras em falta e para o acompanhamento da evolução do processo camarário de legalização dos imóveis – sendo certo que a conduta do N. L. se tornou diferente depois de Junho de 2013 e após as penhoras de Fevereiro de 2014.

CIV. Veja-se p. ex.: o depoimento de J. C. – min. 00:03:09 e 00:05:09 – págs. 119 e 120 da transcrição e bem assim pela testemunha A. M. – minuto 00:04:00 a 00:07:00 – pags. 130, 132 e 133 da transcrição, supra transcritos.

CV. Dúvidas não restam, pois, que os recorrentes sempre insistiram com o empreiteiro pela celebração das escrituras, o que é lógico e normal que tenha acontecido.

CVI. Sendo certo que a marcação da escritura no Porto não indicia coisa nenhuma pois a escritura podia ser marcada em qualquer lugar e, não obrigatoriamente, em Bragança.

CVII. Marcada a escritura, o representante da insolvente sempre lhes comunicaria a falta de licença, que por si só inviabilizaria o acto notarial. Sendo que N. L. continuou a ocultar a inexistência das licenças de utilização, no quadro do seu comportamento atrás descrito – a partir do momento em que foi notificado do processo administrativo e, mesmo assim, pediu mais dinheiro ao Recorrentes, optou por manter os recorrentes na ignorância, na qual estiveram até 2015/2016.

CVIII. Daqui resulta claramente e sem margem para dúvidas que à data da marcação das escrituras e resolução dos contratos os recorrentes desconheciam em absoluto a inexistência das licenças e a impossibilidade associada da realização das escrituras.

CIX. Não se aceita que o Tribunal, num “salto” que não tem qualquer fundamento em documentos escritos, testemunhos ou outra prova e muito menos em lógica de raciocínio, venha concluir que os recorrentes marcaram as escrituras bem sabendo que as mesmas não se podiam realizar.

CX. E é abusivo pois coloca em causa a seriedade dos recorrentes que jamais procederiam à marcação de escrituras sabendo de antemão que as mesmas se não podiam realizar!

CXI. O Tribunal a quo supervalorizou o depoimento do representante legal da Insolvente, desconsiderando por completo a posição que a Insolvente e o seu representante tiveram nestes Autos.

CXII. Aquando da apresentação da lista provisória pela Sr.ª Administradora de Insolvência, a 13/04/2017, os créditos dos Recorrentes foram considerados na sua totalidade e garantidos por direito de retenção, sendo certo que tal lista não mereceu qualquer reparo por parte da Insolvente nem pelo impugnante e representante legal.

CXIII. Na Assembleia de Credores realizada a 21/04/2017 nada foi dito quanto ao reconhecimento dos créditos tal como o foram, muito menos foi referido que as escrituras não tinham sido celebradas por motivos alheios à insolvente ou que o incumprimento não lhe podia ser imputável!

CXIV. Acresce que, conforme depoimento da ilustre Sr.ª Administradora “Essa informação (00:29:00) surgiu poucos dias antes da assembleia de credores, se eu não estou em erro. Recebi um email do ilustre advogado da Caixa ... que me informou que existia essa acção a decorrer. Obviamente que tomando conhecimento disso perguntei-lhe se havia algum documento que sustentasse essa informação, foi-me enviada então a sentença que estava no recurso.”

CXV. Consequentemente, é a ponderação feita pelo Tribunal a quo que merece “sérias e fortes reservas” por parte dos Recorrentes.

CXVI. Aliás, tendo em conta que o credor N. L., representante da Insolvente, responde, conforme resulta do seu depoimento, por dívidas desta assumidas perante o credor hipotecário, Caixa ..., tudo indicia que, a existir concertação de esforços, é entre estes dois credores.

CXVII. Vejamos:
d) em sede executiva, o crédito da Caixa ..., havia sido graduado após o crédito dos promitentes-compradores,
e) Com a venda em sede executiva, sem mais como se defender, é aquele credor que propõe a presente acção de insolvência,
f) O credor N. L. e a Executada, ora Insolvente, não se opuseram aos créditos da Recorrente, tal como foram reclamados, em sede executiva.

CXVIII. Assim, deve esse venerando Tribunal de recurso modificar a matéria de facto, por manifesto erro na apreciação da prova pois, dos depoimentos das partes e das testemunhas, e demais elementos de prova constantes dos autos, em especial, do processo executivo que lhe está apenso não pode sustentar-se a convicção formada, pois claramente, não tem suporte razoável naquilo que a prova demonstra.

CXIX. Consequentemente, impõe-se alterar a matéria de facto, da seguinte forma:
4. alterar a redacção do ponto 31 dos factos provados da seguinte fora: “A Insolvente não providenciou pela realização da escritura nem compareceu no cartório Notarial, sem ter apresentado qualquer justificação àqueles.”, dando-se assim como provado o ponto 5 dos factos não provados.
5. Dar como provado os pontos 3 e 4 dos factos não provados, isto é, “que a partir de Março de 2013, o promitente comprador P. J. instou a Insolvente, por diversas vezes e formas, no sentido de esta outorgar a escritura de compra e venda; que os promitentes compradores A. J. e M. G. fizeram diversas interpelações à Insolvente instando-a a celebrar a escritura no prazo contratualmente acordado;

6. E dar como não provados os factos 35 e 36, pois não têm qualquer sustentação na prova produzida.

CXX. Insurgem-se também os recorrentes no que à aplicação do direito concerne. Vejamos: Nos termos do n.º 1 do art.º 227º do Código Civil, “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

CXXI. Conforme os ensinamentos de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, esta obrigação “é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações como no caso de o contrato se realizar. Assim, escreve Vaz Serra, o vendedor responde para com o comprador se lhe ocultou, dolosa ou culposamente, um vicio da coisa vendida; o comodante responde para com o comodatário se calou, conhecendo-o, um defeito perigoso da coisa comodatada; um dos contraentes responde para com o outro se culposamente fez com que o contrato tivesse por objecto uma prestação originariamente impossível, etc” – CC Anotado, pp. 216

CXXII. Sendo que, “A responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á, em regra, a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, por modo a colocar esta na situação em que ela se encontraria se o negócio se não tivesse efectuado” – CC Anotado, pp. 216.

CXXIII. Já ARMANDO BRAGA defende que “Da responsabilidade pré-negocial derivam numerosos deveres de conduta, tais como, o dever de lealdade, o dever de informação ou de elucidação, o dever de aviso, o dever de correção (ou seja, o dever de abstenção de qualquer comportamento que possa lesar a outra parte), o dever de colaboração e cooperação, o dever de conservação da pessoa e do património da contraparte” – in “Contrato de Compra e Venda”, Porto Editora, pp. 21

CXXIV. Por outro lado, nos termos do Ac. STJ de 02/10/1997, “… abuso de direito e é, portanto, ilegítimo o seu exercício nos termos do citado 334º do Cód. Civil, se alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que, fundadamente, a outra parte tenha confiado. É a proibição do venire contra factum proprium…” in BMJ 470º, 495.

CXXV. Por fim, nos termos do art.º 808.º do Código Civil, considera-se não cumprida a obrigação quando o credor, em consequência de mora, perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.

CXXVI. Ora, além de dever ter-se em conta a matéria dada como provada nos pontos 20 a 23 e é importante salientar os factos 6 a 11, 28 a 34 dados como provados nos autos da ação executiva (já transitada em julgado) e para a qual se remete.

CXXVII. Assim, tendo por base a matéria de facto dada como provada e os elementos probatórios disponíveis nos autos, e organizando a matéria de facto por ordem cronológica, temos que:
1. O Município ..., a Insolvente, o seu legal representante (ora Impugnante) e o credor hipotecário CAIXA ... de Bragança eram partes, como réu e contra-interessados, respetivamente, na ação administrativa especial n.º 151/13.1BEMDL. Os aqui Recorrentes não.
2. O Município ... foi citado nessa ação em 03/05/2013 (Cfr. ofício do Município ... junto aos autos em 02/04/2018), supondo-se que a citação dos contrainteressados acima referidos tenha sido feita também por volta dessa data.
3. Em 29.05.2013, a Insolvente requereu junto da Divisão de Urbanismo da Câmara Municipal de... a autorização de utilização das fracções “E” e “F” para emissão da competente licença.
4. Em 05/06/2013 o Município ... deu conhecimento ao legal representante da Insolvente (aqui Impugnante) de que por causa da pendência dessa acção, a CM ... suspendeu a emissão da licença de utilização e decidiu aguardar o trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida na referida acção administrativa.
5. Em 12.06.2013 (ou seja, uma semana depois), a pedido do legal representante da Insolvente (aqui Impugnante), o promitente comprador P. J. entregou-lhe, por cheque, a importância de € 30.000,00 a título de reforço do sinal.
6. Nessa data, o legal representante da Impugnante já sabia da pendência da ação administrativa e da decisão da Câmara Municipal de... de sustar a emissão da licença de utilização e não só sonegou essa informação aos Recorrentes, como os induziu em erro dizendo-lhes que já tinha dado entrada da “papelada” na Câmara de... para efeitos da licença de utilização e que, por tal, a escritura pública iria ser realizada em breve.
7. Na Páscoa de 2014 os Recorrentes foram subitamente confrontados com a penhora da sua fração na ação executiva n.º 94/14.1TBBGC.
8. Confrontados com a penhora da sua casa, e a fim de cumprirem o contrato promessa ou, em alternativa, poderem ir ao processo executivo reclamar o crédito decorrente de um eventual incumprimento, o promitente comprador A. J. remeteu à Insolvente em 14.07.2014 uma carta a interpelá-la para no dia 07.08.2014 comparecer no Cartório Notarial do Dr. M. L. com toda a documentação necessária à celebração da escritura.
9. Apesar de ter recepcionado tal carta, o legal representante da Insolvente não compareceu no dia, hora e local naquela mencionados, não tendo apresentado qualquer justificação.
10. Na sequência disso, os promitentes compradores remeteram à Insolvente uma carta em 08.08.2014, através da qual procederam à resolução do contrato promessa e lhe solicitaram a restituição em dobro do valor do sinal prestado.
11. Apesar de ter recepcionado tal carta, a Insolvente nada disse.
12. Os promitentes compradores reclamaram o seu crédito na ação executiva em 10.04.2015.
13. Nem a Insolvente, nem o seu legal representante aqui Impugnante, nem a CAIXA ... de Bragança (todos partes na ação administrativa e na ação executiva) impugnaram o montante e a qualificação do crédito reclamado pelos promitentes compradores.
14. Por sentença de 29/06/2016 foi feita a verificação e graduação dos créditos com garantia real incidentes sobre as frações “E” e “F”.
15. Nem a Insolvente, nem o seu legal representante aqui Impugnante, nem a CAIXA ... de Bragança (todos partes na ação administrativa e na ação executiva) apresentaram recurso daquela sentença, tendo-se conformado com a mesma, que assim transitou em julgado.
16. Aquando do encerramento do leilão eletrónico destinado à venda judicial das frações penhoradas, o credor CAIXA ... de Bragança decidiu requerer a insolvência da “Construções X Unipessoal Lda” de modo a impedir a concretização da venda.

CXXVIII. Resulta da matéria de facto supra exposta que quando os Recorrentes promoveram a marcação da outorga da escritura pública (na sequência da penhora de que tiveram conhecimento e não por qualquer “plano estratégico” destinado a obter um locupletamento ilegítimo, como parece apontar a douta decisão recorrida) desconheciam em absoluto a pendência da ação administrativa e muito menos da decisão da Câmara Municipal de... de sustar a emissão da licença de utilização até ao trânsito em julgado da ação administrativa, tendo-lhes tais informações sido propositadamente sonegadas pelo legal representante da Insolvente, aqui Impugnante, que ademais lhes mentiu fazendo-os acreditar que o processo de licenciamento estava em andamento e que em breve teriam condições para a outorga da escritura pública.

CXXIX. Conforme supra se referiu em sede de impugnação da matéria de facto, foram estes factos que determinaram a iniciativa de marcação da escritura pública por parte dos promitentes compradores e, perante a ausência de qualquer justificação da Insolvente, a resolução do contrato-promessa.

CXXX. Não fora o desconhecimento da pendência daqueles autos e da consequente decisão do Município de sustar a emissão da licença de utilização e, como é óbvio, as Recorrentes não teriam procedido à resolução do contrato promessa.

CXXXI. Pois, para além de tais factos terem vindo ao conhecimento das Recorrentes posteriormente, já na pendência destes autos, o comportamento da Insolvente (ou melhor, do legal representante da Insolvente aqui impugnante) foi sempre no sentido de induzir em erro os Recorrentes.

CXXXII. Com efeito, não só o legal representante da Insolvente veio pedir um reforço de sinal (não previsto contratualmente) ao Impugnante P. J., uma semana depois de ter sido citada e de lhe ter sido comunicada pela Câmara Municipal de... que estava pendente uma ação administrativa, como nessa data e posteriormente a essa data, o mesmo omitiu deliberadamente esse facto aos recorrentes.

CXXXIII. Mas pior ainda. O comportamento do legal representante da Insolvente foi sempre de molde a ocultar essa informação e induzir mesmo em erro os Recorrentes, dizendo-lhes que já tinha “dado entrada da papelada” para obtenção da licença e que a mesma seria emitida em breve, possibilitando assim a realização da escritura pública de compra e venda.

CXXXIV. De modo que, o Impugnante N. L. violou flagrantemente as obrigações pré-contratuais que sobre ele pendiam, agindo com culpa grave ao sonegar informação relevante e mentir aos aqui Recorrentes sobre a situação atinente ao processo de licenciamento do imóvel prometido vender, levando com isso a que estes tivessem procedido à resolução do contrato promessa de compra e venda.

CXXXV. Ora, confrontados com a penhora da casa que já habitavam, e perante o conhecimento que tinham do que lhe havia sido veiculado pela Insolvente, nada mais restou aos Recorrentes do que fazer aquilo que a lei manda fazer nestes casos: marcar a realização da escritura pública.

CXXXVI. Sendo certo que a acção administrativa não é um facto notório nem de interesse público (!) e, definitivamente, não serve para tentar incutir-se a ideia de que os Recorrentes dela tinham conhecimento.

CXXXVII. Por outro lado, de acordo com as regras da experiência comum, resulta de meridiana evidência que se o Impugnante P. J. tivesse conhecimento dos problemas associados à emissão da licença de utilização jamais teria prestado o reforço de sinal de € 30.000 que lhe foi expressamente pedido pelo legal representante da Insolvente para o ajudar!

CXXXVIII. Sendo certo que P. J. é vizinho dos aqui recorrentes e com eles partilhou ao longo do tempo toda a informação.

CXXXIX. E a prova de que os Recorrentes nada sabiam e pretendiam dar cumprimento ao contrato promessa é a de que na data da escritura iam munidos do necessário financiamento para proceder ao pagamento do remanescente em falta do preço convencionado da compra e venda.

CXL. E, conforme ficou provado, perante essa comunicação a Insolvente nada respondeu, nada justificou e acabou mesmo por não comparecer na escritura pública sem dar qualquer justificação.

CXLI. Acresce que a marcação da escritura pública e consequente resolução do contrato promessa são também, elas próprias, consequência da necessidade de agir perante a penhora e iminência da venda judicial do imóvel que nessa data já habitavam, como casa de morada de família.

CXLII. Pois, como é evidente, os Recorrentes jamais teriam resolvido o contrato promessa caso soubessem que a respetiva escritura não poderia, pura e simplesmente, ser feita, devido à decisão da Câmara Municipal de....

CXLIII. Tanto mais que se soubessem da existência de alguma causa de impossibilidade de realização da escritura pública, jamais iriam proceder à resolução do contrato, colocando-se numa situação jurídica penalizadora que os poderia levar a perderem o elevado valor do sinal já pago.

CXLIV. Por conseguinte, não podem restar dúvidas de que a Insolvente agiu com culpa grave, violando os mais elementares princípios e obrigações contratuais a que estava adstrita por força da celebração do contrato promessa.

CXLV. Decorre do exposto que o incumprimento do promitente vendedor, no caso em apreço, deve ser apreciado de acordo com uma dupla vertente.

CXLVI. Por um lado, objetivamente, à luz do não cumprimento da obrigação dentro do prazo razoavelmente fixado pelo credor (art.º 808.º do Código Civil) já que resulta da matéria de facto provada o não cumprimento do devedor da obrigação de comparecer na escritura pública de compra e venda na data que lhe foi previamente comunicada pelos credores com bastante antecedência.

CXLVII. Ora, no caso sub judice, não só o devedor não compareceu como não apresentou qualquer justificação, o que motivou a subsequente resolução do contrato promessa por parte dos promitentes compradores e a reclamação do correspondente crédito nos autos da ação executiva.

CXLVIII. Por outro lado, numa segunda vertente, à luz da responsabilidade subjetiva do devedor decorrente da culpa in contrahendo (art.º 227.º do Código Civil).

CXLIX. Na verdade, é de salientar a responsabilidade do devedor Insolvente no seu comportamento pré-contratual junto dos credores Recorrentes, pois, conforme resulta da prova produzida, foi a conduta omissiva e culposa do promitente vendedor que, sabendo da causa (ainda que meramente temporária) que impossibilitava a outorga da escritura pública de compra e venda, a ocultou propositadamente aos promitentes compradores, e perante a interpelação para comparência na escritura pública, não compareceu nem apresentou qualquer justificação, o que determinou que os Recorrentes procedessem à resolução do contrato.

CL. O legal representante da Insolvente sabia desta pendência quando pediu ao Recorrente um reforço do sinal, como sabia também quando foi notificado para outorgar a escritura pública de compra e venda.

CLI. Porém, nem numa nem noutra circunstância o legal representante da Insolvente informou os Recorrentes de tal facto, o que motivou a resolução do contrato promessa de compra e venda.

CLII. Nos termos do art.º 798.º do Código Civil, “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

CLIII. Entende PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, que “A culpa pode ser definida (…) como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. Quer dizer, não se atende apenas ao comportamento externo do devedor, mas também à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar.
Ora, este problema não pode receber uma solução uniforme para as várias obrigações possíveis, pois, conforme os casos, pode o devedor estar obrigado a maior ou menor diligência, a praticar mais ou menos actos, a abster-se mais ou menos da prática deles”. – op. cit., pp. 53.

CLIV. Aplicando o principio acima enunciado ao caso em apreço, o devedor não foi apenas negligente na sua conduta, ao omitir informação relevante aos credores, antes agiu com dolo ao induzir em erro os credores, criando-lhes a ilusão de que já tinha “metido a papelada” para obtenção da licença de utilização e que, portanto, em breve marcaria a escritura pública de compra e venda.

CLV. Por outra banda, nos termos do art.º 799º, n.º 2 do Código Civil, “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.

CLVI. O devedor (Executado e, após, Insolvente) não fez prova, nem na ação executiva nem na ação insolvencial, de que a falta de cumprimento do contrato promessa não procedeu de culpa sua.

CLVII. O devedor “Construções X Unipessoal Lda” não compareceu na escritura, não justificou a sua falta de comparência,não impugnou a reclamação de créditos na ação executiva, não recorreu da sentença de verificação e graduação de créditos e, finalmente, não impugnou a lista de credores reconhecidos nos autos do processo de insolvência.

CLVIII. Não tendo o devedor feito prova, como lhe competia, de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, tentou agora e só agora, não o devedor mas sim o seu legal representante (N. L.), impugnar a qualificação do crédito dos Recorrentes, invocando factos que podia e devia ter já alegado anteriormente, quer em sede extrajudicial, quer em sede judicial.

CLIX. Só o devedor está, por via de regra, em condições de fazer a prova das razões do seu comportamento em face do credor, bem como dos motivos que o levaram a não efetuar a prestação a que estava vinculado.

CLX. O devedor, neste caso, não o fez. E não o fez por diversas vezes e de forma sucessiva: não alegou os motivos de falta de cumprimento aquando da marcação da escritura, nem aquando da resolução do contrato, nem aquando da reclamação de créditos, nem sequer aquando da prolação da sentença de verificação e graduação de créditos na ação executiva onde foi penhorada a habitação que havia prometido vender aos aqui Recorrentes e que bem sabia que eles já nela residiam em todas estas datas, como casa de morada de família, pois foi o próprio legal representante da Insolvente que lhe entregou as chaves.

CLXI. Foi, pois, o comportamento omissivo e culposo do legal representante da Insolvente que, ao omitir informação tão relevante para a formação do contrato, determinou a resolução do contrato promessa de compra e venda por parte dos Recorrentes.

CLXII. O Impugnante colocou os Recorrentes numa situação duplamente penalizadora: por um lado, ao impedir a outorga do contrato definitivo; por outro lado por, ao ter dado causa à resolução do contrato, o Impugnante ter colocado os Recorrentes na situação de estes não poderem, no limite, optar pelo cumprimento do contrato quando ele fosse possível, nos termos do art.º 102.º, n.º 1 do CIRE.

CLXIII. Nos termos do artigo 433.º do Código Civil, “na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes”, o que nos remete para o disposto no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual “deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

CLXIV.A douta sentença recorrida entende que não há culpa da Insolvente, consequentemente, deve ser restituído o sinal prestado em singelo.

CLXV. Ora, além de não ser verdade que não houve culpa da insolvente, houve, e grave, olvida a douta sentença recorrida que também os aqui Recorrentes não têm qualquer culpa:
- Os Recorrentes não têm culpa que o Ministério Público tenha entendido existirem irregularidades urbanísticas onde elas não existiam;
- Os Recorrentes não têm culpa que a Câmara de... tenha decidido suspender a emissão da licença (pois não são eles os responsáveis pelo pedido de licenciamento);
- Os Recorrentes não têm culpa que a fração que prometeram comprar tenha sido penhorada (pois não são eles que ficaram a dever dinheiro ao exequente);
- Os Recorrentes não têm culpa que o devedor tenha entrado em insolvência (pois da sua parte cumpriram pontualmente todas as obrigações contratuais para com ele);
- Os Recorrentes não têm culpa que o devedor se tenha escusado a comparecer na escritura pública depois de devidamente notificado, não apresentando qualquer justificação;
- Os Recorrentes não têm culpa que o devedor se tenha conformado com o crédito que reclamaram em sede própria, na ação executiva, e que este não contestou nem impugnou.

CLXVI. Note-se, por fim, que no caso em apreço não há lugar à aplicação do art.º 790.º do Código Civil: a obrigação não se poderia extinguir porque verdadeiramente ela sempre foi possível. Apenas se verificou uma impossibilidade formal meramente temporária, associada à sustação da emissão da licença (sendo, porém, desconhecida dos Recorrentes).

CLXVII. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, essa limitação temporária quanto à forma não pode ser entendida como uma verdadeira impossibilidade objetiva de cumprimento na aceção do art.º 790.º do Código Civil. A ser assim, então qualquer circunstância que determinasse um atraso num processo de licenciamento, desde que não imputável ao respetivo requerente, constituiria sempre uma impossibilidade de cumprimento – p. ex. o atraso na emissão de um parecer externo, uma greve dos técnicos do departamento de urbanismo, uma alteração legislativa, o encerramento dos serviços devido a uma pandemia, etc.

CLXVIII. Estas situações, tal como a que está em discussão nestes autos, não constituem verdadeiras impossibilidades objetivas de cumprimento antes sim de vicissitudes normais deste tipo de procedimentos que podem eventualmente excluir a culpa do requerente na mora no cumprimento das suas obrigações contratuais.

CLXIX. Daí o especial dever de cuidado e diligência que impende sobre os requerentes destes atos quando sabem – como era o caso – que a ocultação desses factos poderia determinar os Recorrentes a agirem num ou noutro sentido.

CLXX. Note-se, aliás, que mesmo que a ação administrativa intentada pelo Ministério Público tivesse sido julgada procedente, ainda assim era possível cumprir. Bastava para tanto que fossem supridas as irregularidades que a sentença identificasse no processo de licenciamento, de modo a restituir a legalidade ao procedimento e assim permitir a emissão da licença de utilização.

CLXXI. Por conseguinte, ao caso sub judice é aplicável o n.º 1 do art.º 792.º do Código Civil, segundo o qual “Se a impossibilidade for temporária, o devedor não responde pela mora no cumprimento”.

CLXXII. É certo que o n.º 2 da mesma disposição legal determina que “A impossibilidade só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor”.

CLXXIII. No entanto, conforme resulta do exposto, o interesse do credor manteve-se sempre até à data da resolução do contrato. Simplesmente, atenta a mora do devedor, a sua falta de justificação para a mora e a penhora em ação executiva do imóvel prometido vender, não restou outra alternativa aos Recorrentes que não fosse lançar mão daquilo que a lei manda fazer: interpelar o devedor para cumprir o contrato ou, em alternativa, proceder à resolução do mesmo para poderem reclamar o seu crédito na ação própria que se encontrava em curso (execução n.º 94/14.1TBBGC).

CLXXIV. Assim sendo, como é, ainda que se possa considerar que por força da resolução do contrato, a Insolvente deva restituir “tudo o que foi prestado”, isto é, o valor do sinal e reforços, ela só estará em condições de o fazer caso o crédito dos Recorrentes seja qualificado como crédito garantido, caso contrário, tendo em consideração a inversão injustificada da qualificação dos créditos com garantia real, a possibilidade de ressarcimento do crédito dos Recorrentes é nula.

CLXXV. E, a finalizar, se é certo que a Insolvente não teve culpa na causa de suspensão da emissão da licença de habitabilidade, foi no entanto a ausência de comunicação desse facto às Recorrentes aquando da marcação da escritura pública (como lhe competia) que foi a causa direta e necessária da decisão de resolução do contrato promessa por parte dos Recorrentes.

CLXXVI. Ora, se foi este comportamento omissivo e culposo da Insolvente a causa da prática de um ato jurídico por parte dos Recorrentes (resolução do contrato), e que agora lhes possa causar prejuízo avultado, então essa violação das obrigações contratuais da Insolvente sempre terá que ter como consequência a reconstituição da situação que existiria caso não tivesse havido a falta.

CLXXVII. Não fora o comportamento inadimplente da Insolvente, os Recorrentes não teriam procedido à resolução do contrato promessa e neste momento estariam, pelo menos, na condição do art.º 102.º do CIRE podendo, de acordo com o critério do administrador de insolvência, optar pelo cumprimento ou à recusa de cumprimento por parte do administrador de insolvência.

CLXXVIII. E, conforme doutrina e jurisprudência dominantes, nestas circunstâncias a recusa de cumprimento por parte do administrador de insolvência deve ser equiparada à recusa de cumprimento por parte do próprio insolvente, tendo-se o crédito como garantido apesar de só pelo valor em singelo do sinal prestado, vejam-se entre outros, Professor PESTANA DE VASCONCELOS, in "Cadernos de Direito Privado", nº. 33 (Janeiro / Março 2011), pp. 3-29, Ac. da Relação de Guimarães de 30/05/2013 (Processo n.º 6132/08) e Ac. S.T.J. de 14/06/2011 (in C.J. ano XIX, Tomo II/2011, pp. 108-112).

CLXXIX. Neste circunspecto, importa ainda ponderar o teor do Preâmbulo do Decreto-Lei 379/86, de 11 de Novembro, diploma que transferiu a previsão do direito de retenção do promitente-comprador para o contexto dos casos especiais de atribuição deste direito, mediante a adição de uma nova alínea ao n.º 1 do artigo 755º do Código Civil, na medida em que explicita a intenção do legislador ao consagrar o direito de retenção do promitente-comprador, discorrendo sobre os interesses em confronto e explicando a tomada de posição do legislador.

CLXXX. Decorre de tudo o exposto que mal andou a douta sentença recorrida ao decidir “desgraduar” o crédito dos aqui Recorrentes, posto que nenhuma culpa lhes pode ser assacada na conduta tida ao procederem à resolução contrato, face à informação de que dispunham e às concretas circunstancias existentes (penhora da fração prometida). O mesmo não se podendo dizer da conduta da Insolvente e do seu legal representante, aqui Impugnante.

CLXXXI. Ao aderir-se à tese do Tribunal a quo fica a questão do efeito útil da alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do Código Civil num cenário executivo ou insolvencial.

CLXXXII. A sentença recorrida porque não aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados, violou o disposto nos arts. 227º, 442º, 755º, 759º, 790, 792º, 798º, 799.º, 808º do C.C., art. 580º, nos 1 e 2, 619º do C.P.C., 47º, 88º do C.I.R.E..

Nestes termos, e nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogado, nesta parte, a sentença Recorrida, alterando-se e aditando-se a matéria de facto como supra indicado, e substituída por outra que reconheça e gradue o credito dos recorrentes com base em direito de retenção, sobre a fração E, no montante de 215.500€, correspondente a 195.000€ a título de indemnização por incumprimento relativa à restituição em dobro do valor do sinal prestado, acrescida de 20.150€ de juros moratórios calculados à taxa legal em vigor desde a data da resolução do contrato até à data da declaração de insolvência.
Sem prescindir, e para a hipótese de o Venerando Tribunal não conceder provimento ao atrás peticionado, requer-se que o credito seja reconhecido pelo montante de 97.500€ e qualificado como garantido por direito de retenção, nos termos do art.755, nº 1 al. f) do Código Civil, sobre a fração E, tal como reconhecido pela Sra. Administradora de Insolvência na lista definitiva de créditos reconhecidos, como é de inteira
JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

Inconformados com a sentença proferida dela vieram também recorrer P. J. e P. A., formulando as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou totalmente improcedentes as impugnações deduzidas pelos Credores A. J. e M. V. e pelos Credores P. J. e P. A. e totalmente procedente a impugnação deduzida pelo Credor N. L. e, em consequência, alterou a graduação de créditos que já havia sido decidida nos autos da ação executiva que correu termos no mesmo tribunal sob o n.º 94/14.1TBBGC, alterando a quantificação e qualificação do crédito reclamado pelos aqui Recorrentes e reconhecida naqueles autos.

2. Salvo o devido respeito, que é muito, a douta sentença recorrida, para além deviolar o caso julgado material decorrente da decisão sobredita, já transitada em julgado, incorre em manifesto erro de julgamento, sendo ostensivo o erro na apreciação e valoração da prova produzida nos autos, que determinou a prolação de uma decisão judicial errada e injusta, conforme se pretende demonstrar.

3. Assim, o presente recurso incide sobre a reapreciação da matéria de facto e do direito aplicável, sendo os seguintes os concretos pontos, de facto e de direito, que a Recorrente considera estarem incorretamente julgados e para os quais apela à douta apreciação de V. Exas:
- Violação de caso julgado material.
- Impugnação da matéria de facto: Pontos 7, 31, 35 e 36 dos factos provados e Pontos 3 e 5 dos factos não provados.
- Errada interpretação dos artigos 227.º, 755.º, n.º 1, f), 759.º, 790.º, 792.º, 798.º e 808.º do Código Civil e art.º 47.º, n.º 4, a) do CIRE.

4. Relativamente à violação de caso julgado material, douta sentença recorrida viola – no que respeita à verificação e graduação dos créditos referentes às frações “E” e “F” - a douta sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos da ação executiva n.º 94/14.1TBBGC que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Local Cível de Bragança – Juiz 2 e o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães – 1.ª Secção Cível, proferido nos autos do processo n.º 164/17.4T8BGC-E.G1, que decidiu a verificação e graduação especial de créditos sobre os referidos imóveis, encontrando-se ambas decisões transitadas em julgado.

5. Com efeito, nos autos do processo executivo acima referido foi penhorado, para além do mais, o imóvel / fração autónoma designada pela letra “F”, prometido vender pela Insolvente aos aqui Recorrentes, entretanto apreendido para a massa insolvente, na sequência da declaração de insolvência da devedora aqui Insolvente “Construções X – Sociedade Unipessoal Lda”.

6. Tratando-se de penhora de imóvel com garantias reais, foi aberto naquele processo executivo incidente de concurso de credores, nos termos do art.º 788.º do CPC, na sequência do que foram notificados o devedor executado (ora insolvente) e todos os credores com garantias reais registadas sobre o dito imóvel para virem reclamar os seus créditos.

7. No caso concreto do imóvel supra referido, vieram reclamar créditos a Caixa ... (credor hipotecário), a sociedade “K” (credor exequente) e os aqui Recorrentes (titulares de direito de retenção) que, após terem tomado conhecimento da penhora do imóvel através de edital afixado na porta da sobredita fração, apresentaram reclamação espontânea de créditos.

8. Quer nos autos da ação executiva quer nos autos da presente ação de insolvência, estes eram e ainda são os únicos credores titulares de garantias reais sobre o imóvel penhorado naqueles autos de execução e apreendido para os presentes autos de insolvência (fração “F”).

9. Devidamente notificados naqueles autos, os credores titulares de garantias reais e a Executada aqui Insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 789.º do C.P.C., ninguém impugnou o crédito nem a garantia real reclamados pelos ora Recorrentes.

10.Não tendo o crédito e a respetiva garantia real sido impugnados, nos termos do disposto no artigo 791.º, n.º 2, do C.P.C. foi proferida sentença que conheceu da sua existência e graduou o crédito dos aqui Recorrentes com os créditos reclamados por todos os credores titulares de direitos reais de garantia sobre os bens imóveis penhorados naqueles autos de execução e apreendidos para os presentes autos de insolvência.

11.Tal sentença, proferida em 29/08/2016, transitou em julgado sem que qualquer das partes dela tivesse recorrido, incluindo a Executada aqui Insolvente.

12.Entretanto, na sequência da declaração de insolvência da sociedade “Construções X – Sociedade Unipessoal Lda”, foi ordenada a apensação daqueles autos de execução aos presentes autos de insolvência, nos termos do art.º n.º 1 do art.º 85.º do CIRE, tendo em consideração que naqueles autos se apreciavam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente – Apenso B dos presentes autos de insolvência.

13.Sendo a decisão judicial uma sentença que verse sobre a matéria de fundo da ação, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, manifestando-se fora dele, de tal modo que constitui impedimento a que outra ação idêntica (com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir) seja proposta.

14.Ora, nos presentes autos de insolvência, não podendo a Insolvente impugnar os créditos dos aqui Recorrentes, veio fazê-lo, em sua substituição, o seu legal representante e ora Impugnante, Sr. N. L..

15.E fê-lo, em articulação com o credor hipotecário CAIXA ... e como manobra para tentar contornar a eficácia do caso julgado, já que pressupondo o caso julgado a tríplice identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, e não sendo o Sr. N. L. a entidade insolvente mas sim o seu legal representante, tem legitimidade – pelo menos formalmente – para fazê-lo.

16.Sucede que o Impugnante N. L. é o único sócio e gerente da sociedade unipessoal por quotas aqui Insolvente “Construções X Unipessoal Lda”, sendo que no caso em apreço a “sociedade” confunde-se com a “pessoa”, não obstante a separação de patrimónios decorrente do facto de a sociedade (ainda que unipessoal) constituir um património autónomo.

17.No entanto, o Impugnante N. L. é a mesma pessoa que representa a sociedade Insolvente que não impugnou, não reclamou nem recorreu da decisão de graduação de créditos proferida nos autos da ação executiva que se encontra transitada em julgado.

18.Olvida o Impugnante que, não obstante os seus esforços para tentar contornar a eficácia do caso julgado, para os presentes efeitos, tendo em consideração que estamos perante uma graduação especial de créditos releva apenas a identidade dos sujeitos da relação material controvertida (i. é. credores com garantia real) e não quaisquer outros.

19.Com efeito, nem os credores comuns e muito menos os credores subordinados (como é o caso do aqui Impugnante) têm qualquer interesse, direto ou reflexo, na graduação especial de créditos incidentes sobre bens onerados com garantias reais. Pois, conforme é determinado pelo n.º 2 do art.º 140.º do CIRE, tratando-se de bens imóveis, “A graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios”.

20.E, portanto, para efeitos de graduação especial de créditos, os sujeitos da relação material controvertida são os credores que beneficiam de garantias reais sobre o imóvel onerado, e não quaisquer outros que não possuam qualquer crédito garantido ou privilegiado sobre o mesmo. Pois, quanto a esses a graduação será geral, no conjunto dos bens apreendidos para a massa insolvente, sendo-lhes indiferente a graduação especial que incida sobre os bens onerados com garantias reais ou privilégios creditórios.

21.De acordo com o disposto no n.º 4 do art.º 47.º do CIRE, são garantidos os créditos que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais.

22.Nos autos do processo de execução n.º 94/14.1TBBGC, supra referido, foi nomeado à penhora o imóvel sobre o qual incide o direito de garantia dos Recorrentes, na sequência do que todos os credores com garantia real sobre o mesmo reclamaram os seus créditos.

23.No caso concreto, foi notificada a Executada aqui Insolvente e citados naqueles autos, nos termos e para os efeitos do art.º 788.º do CPC, todos os credores com garantia real sobre o imóvel.

24.Após o que, decorrido o prazo de impugnação dos créditos reclamados e tramitado todo o processo de concurso de credores previsto nos art.ºs 788.º e segs do CPC, foi proferida douta sentença que procedeu à verificação e graduação especial de créditos sobre os imóveis penhorados naqueles autos.

25.A sobredita decisão judicial (de graduação especial de créditos) não foi objeto de recurso, nem pela Executada aqui Insolvente nem por nenhum credor garantido (incluindo a CAIXA ...), tendo transitado em julgado em 05/10/2016.

26.Pelo que, relativamente aos imóveis penhorados naqueles autos e apreendidos para a massa insolvente nestes autos, o concurso de credores já se encontra definitivamente encerrado por decisão judicial definitiva e com eficácia de caso julgado material, nos termos do art.º 619.º do CPC.

27.Donde resulta que, tratando-se de graduação especial nos termos do art.º 140.º, n.º 2 do CIRE, e não estando perante nenhuma das situações de exceção referidas no n.º 3 do mesmo normativo legal, não podem os mesmos credores com garantia real sobre os mesmos imóveis pretender discutir, de novo, noutra execução (ainda que universal) aquilo que já foi discutido e decidido definitivamente em processo anterior de concurso de credores, com os mesmos sujeitos, causa de pedir e pedido.

28.Acresce que, o legal representante da Insolvente, N. L., aqui “nas vestes” de Impugnante em representação da Insolvente, não veio alegar na sua impugnação nenhum facto novo ou de que não tivesse conhecimento na data em que foi notificado da reclamação de créditos apresentada pelos aqui Recorrentes nos autos da ação executiva.

29.Com efeito, todos os factos que vem agora alegar nestes autos de insolvência eram já do seu conhecimento naquela data e, como se não bastasse ter ocultado esses factos dos Recorrentes aquando da marcação da escritura pública de compra e venda, continuou a sonegar esses factos já em sede judicial, na pendência dos autos da ação executiva onde os créditos foram reconhecidos e graduados.

30.Por conseguinte, se pretendia deduzir esses factos como meio da sua defesa e não o fez sibi imputet, não podendo deduzir posteriormente aquilo que podia e devia ter deduzido quando foi chamado a fazê-lo.

31.Conforme decorre da matéria de facto provada e resulta da prova produzida nos autos, a Câmara Municipal de... foi citada nos autos da acção administrativa especial n.º 151/13.1BEMDL que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 03.05.2013, tendo o legal representante da Insolvente, aqui Impugnante, sido notificado por aquela edilidade em 05.06.2013 de que por causa da pendência dessa ação, decidira suspender a emissão da licença de utilização e aguardar o trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida na referida ação administrativa. E o encerramento da discussão nos autos da ação executiva, com prolação da douta sentença de verificação e graduação de créditos, ocorreu em Agosto de 2016.

32.Donde resulta que a Insolvente e o seu legal representante, ora Impugnante, podiam e deviam ter invocado todos os seus meios de defesa naquele processo, pois tratam-se de factos anteriores à data de encerramento da discussão.

33.É certo que a eficácia do caso julgado tem limites subjetivos, apenas vinculando as partes na ação. Porém, no caso sub judice, as partes são as mesmas já que para além de se tratar de graduação especial de créditos, quem tinha conhecimento dos factos era justamente o legal representante da sociedade insolvente e não esta propriamente dita (pessoa coletiva).

34.Com efeito, era o legal representante da Insolvente, aqui Impugnante, o único sócio e gerente da sociedade, que foi pessoalmente citado na ação executiva e que tinha conhecimento direto de todos os factos que agora e só agora veio alegar, não se podendo queixar de que não teve direito ao contraditório pois era ele que, em representação da sociedade devedora tinha conhecimento direto dos factos, uma vez que a sua impugnação versa sobre factos da vida da sociedade e não sobre factos da sua vida pessoal.

35.Assim, a sentença transitada impõe-se aos credores da insolvência, incluindo ao aqui Impugnante, pois não lhes causa prejuízo e deixa intacta a consistência jurídica dos seus direitos, constituindo caso julgado.

36.O Impugnante N. L. é um terceiro juridicamente indiferente já que, para além de ser o próprio legal representante da Insolvente (que não aparece como Impugnante para tentar contornar a eficácia do caso julgado) a procedência ou não da impugnação da graduação de créditos é-lhe indiferente na medida em que assumindo a identidade de credor subordinado, o produto da venda das frações aqui em crise (sobre as quais incidem diversos direitos reais de garantia) é-lhe inócuo. Não o sendo, porém, para a CAIXA ..., sua mandante, e que já viu negada por esta Relação a sua pretensão recursiva.

37.Por outro lado, nos termos do art.º 799º, n.º 2 do Código Civil, “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.

38.O devedor (ou seja, a sociedade executada e, após, Insolvente) não fez prova, nem na ação executiva nem na ação insolvencial, de que a falta de cumprimento do contrato promessa não procedeu de culpa sua.

39.O devedor (Construções X Unipessoal Lda) não compareceu na escritura, não justificou a sua falta de comparência, não impugnou a reclamação de créditos na ação executiva, não recorreu da sentença de verificação e graduação de créditos e não impugnou a lista de credores reconhecidos nos autos do processo de insolvência.

40.Não tendo o devedor feito prova, como lhe competia, de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, tentou agora e só agora, não o devedor mas sim o seu legal representante, impugnar a qualificação do crédito dos Recorrentes, invocando factos que podia e devia ter já alegado anteriormente, quer em sede extrajudicial, quer em sede judicial.

41.Por isso, é evidente que a impugnação agora feita pelo legal representante do devedor, em substituição do próprio devedor, foi feita em manifesto conluio com o credor hipotecário CAIXA ... - que já havia apresentado recurso pelos mesmos factos, tendo sido improcedente por esta Relação - e destinou-se única e exclusivamente a obstar aos efeitos do caso julgado material da sentença de verificação e graduação de créditos proferida na ação executiva, para assim favorecer a posição processual do credor CAIXA ....

42.Admitir que os legais representantes de devedores que sejam pessoas colectivas possam ter o direito de vir discutir, pela segunda vez, em substituição do próprio devedor, os efeitos consolidados de uma decisão judicial transitada em julgado atenta contra os mais elementares princípios da certeza e segurança jurídica.

43.E representaria, na prática, o direito a um segundo julgamento sempre que o devedor fosse uma pessoa coletiva, o que não é admissível. Bastaria, para tanto, que o gerente ou administrador do devedor assumisse as vestes de interessado, enquanto pessoa singular, vindo alegar factos que dizem respeito não à sua esfera individual mas sim à atividade da própria pessoa coletiva, de cuja gestão era ele o único e principal responsável. No caso sub judice com a agravante de que o devedor é uma sociedade unipessoal por quotas cujo sócio e gerente únicos são a mesma pessoa, o aqui Impugnante N. L..

44.Por isso é que, para além dos princípios gerais do ónus de alegação e prova no momento processual próprio, a lei estabelece “travões” às situações que possam configurar abuso de direito, nomeadamente através do princípio da boa-fé contratual e do respeito pelo caso julgado.

45.E, por fim, dado que a Impugnação não assenta em nenhum dos fundamentos dos arts. 729º e 730º do CPC, únicas situações em que se poderia basear a impugnação, a mesma terá necessariamente de soçobrar.

46.Pelo que, conforme já decidido por este Venerando Tribunal, a propósito da sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos da acção executiva n.º 94/14.1TBBGC “aquela sentença conheceu efectivamente do mérito da dita causa (verificação e graduação de créditos) – e não sobre qualquer relação processual -, ficando por isso a possuir força de caso julgado material entre as respectivas partes, nomeadamente impedindo-as de noutra acção e com os mesmos fundamentos, virem a discutir de novo os direitos por ela definidos.”

47.Assim sendo, como é, deve declarar-se que a decisão judicial de verificação e graduação de créditos proferida nos autos da ação executiva n.º 94/14.1TBBGC que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Local Cível de Bragança – Juiz 2 e confirmada pelo douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães – 1.ª Secção Cível, proferido nos autos do processo n.º 164/17.4T8BGC-E.G1, constitui caso julgado material e, em consequência, deve ser revogada a douta sentença recorrida e mantida a douta sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos da acção executiva, na parte referente aos bens imóveis penhorados naqueles autos e apreendidos para estes autos, sobre os quais incidem os direitos reais de garantia reclamados em ambos processos pelos mesmos credores com garantias reais.

48.Relativamente à impugnação da matéria de facto, tendo em consideração o fator determinante que motivou a alteração da quantificação e qualificação de créditos por parte do tribunal a quo, a única questão relevante a apreciar neste recurso consiste em apurar se à data da resolução do contrato promessa de compra e venda os promitentes compradores, ora Recorrentes, sabiam ou não da pendência da ação administrativa especial que corria termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela e subsequente decisão da Câmara Municipal de... de sustar, até ao trânsito em julgado daquela decisão, a emissão da licença de utilização da fração “F” que os credores haviam prometido comprar à Insolvente.

49.Para o que importa determinar se o tribunal a quo fez ou não uma interpretação correta das provas para sustentar as respostas dadas aos pontos 7, 31, 35 e 36 dos factos provados e pontos 3 e 5 dos factos não provados.

50.A questão que cumpre, pois, decidir consiste na averiguação sobre a causa da resolução do contrato promessa de compra e venda operada pelos Recorrentes e se o seu crédito goza de direito de retenção, tendo eles direito à restituição do sinal em dobro, a título de indemnização.

51.Tendo por base a matéria de facto dada como provada e os elementos probatórios disponíveis nos autos, e organizando a matéria de facto por ordem cronológica, temos que:
- O Município ..., a Insolvente, o seu legal representante (ora Impugnante) e o credor hipotecário CAIXA ... eram partes, como réu e contra-interessados, respetivamente, na ação administrativa especial n.º 151/13.1BEMDL. Os aqui Recorrentes não.
- O Município ... foi citado nessa ação em 03/05/2013 (Cfr. ofício do Município ... junto aos autos em 02/04/2018), supondo-se que a citação dos contrainteressados acima referidos tenha sido feita também por volta dessa data.
- Em 29.05.2013, a Insolvente requereu junto da Divisão de Urbanismo da Câmara Municipal de... a autorização de utilização das fracções “E” e “F” para emissão da competente licença.
- Em 05/06/2013 o Município ... deu conhecimento ao legal representante da Insolvente (aqui Impugnante) de que por causa da pendência dessa acção, a Câmara de... suspendeu a emissão da licença de utilização e decidiu aguardar o trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida na referida ação administrativa.
- Em 12.06.2013 (ou seja, uma semana depois), a pedido do legal representante da Insolvente (aqui Impugnante), o promitente comprador P. J. entregou-lhe, por cheque, a importância de € 30.000,00 a título de reforço do sinal.
- Nessa data, o legal representante da Impugnante já sabia da pendência da ação administrativa e da decisão da Câmara Municipal de... de sustar a emissão da licença de utilização e não só sonegou essa informação ao Recorrente, para dele obter um reforço avultado do sinal, como o induziu em erro dizendo-lhe que já tinha “dado entrada da papelada” na Câmara de... para efeitos da licença de utilização e que, por tal, a escritura pública iria ser realizada em breve.
- Na Páscoa de 2014 os Recorrentes foram subitamente confrontados com a penhora da sua fração na ação executiva n.º 94/14.1TBBGC, através de edital afixado na porta da casa prometida comprar e na qual já habitavam nessa data.
- Confrontados com a penhora da sua casa, e a fim de cumprirem o contrato promessa ou, em alternativa, poderem ir ao processo executivo reclamar o crédito decorrente de um eventual incumprimento, o promitente comprador P. J. remeteu à Insolvente em 14.07.2014 uma carta a interpelá-la para no dia 07.08.2014 comparecer no Cartório Notarial do Dr. M. L. com toda a documentação necessária à celebração da escritura.
- Apesar de ter recepcionado tal carta, o legal representante da Insolvente não compareceu no dia, hora e local naquela mencionados, não tendo apresentado qualquer justificação.
- Na sequência disso, os promitentes compradores remeteram à Insolvente uma carta em 08.08.2014, através da qual procederam à resolução do contrato promessa e lhe solicitaram a restituição em dobro do valor do sinal prestado.
- Apesar de ter recepcionado tal carta, a Insolvente nada disse.
- Os promitentes compradores reclamaram o seu crédito na ação executiva em 12.04.2015.
- Nem a Insolvente, nem o seu legal representante aqui Impugnante, nem a CAIXA ... (todos partes na ação administrativa e na ação executiva) impugnaram o montante e a qualificação do crédito reclamado pelos promitentes compradores.
- Por sentença de 29/06/2016 foi feita a verificação e graduação dos créditos com garantia real incidentes sobre as frações “E” e “F”.
- Nem a Insolvente, nem o seu legal representante aqui Impugnante, nem a CAIXA ... (todos partes na ação administrativa e na ação executiva) apresentaram recurso daquela sentença, tendo-se conformado com a mesma, que assim transitou em julgado.
- Aquando do encerramento do leilão eletrónico destinado à venda judicial das frações penhoradas, o credor CAIXA ... decidiu requerer a insolvência da “Construções X Unipessoal Lda” de modo a impedir a concretização da venda.

52.Quanto ao ponto ponto 7 – “à data, [da entrega das chaves] as obras da fracção F estavam concluídas, encontrando-se a mesma em plenas condições de habitabilidade” - importa desde logo salientar que os Recorrentes não põem em causa que a fração detinha e detém condições de habitabilidade. Na verdade, ali residem desde a Páscoa de 2013. Muito menos têm, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, intenção de usar esse argumento para indiciar que a escritura não se realizou por falta delas, o que nem sequer foi alegado pelos Recorrentes.

53.No entanto, e em abono da verdade, resulta inequívoco dos depoimentos prestados em audiência, que as obras não estavam efetivamente concluídas na data de entrega da fração, nem do agendamento da escritura pública, como não o estão ainda nesta data, de acordo com o caderno de encargos e o convencionado entre as partes. E isto apesar de os Recorrentes não negarem que habitações tinham e têm condições de habitabilidade.

54.Pelo que, não pode manter-se o Ponto 7, devendo a sua redação ser alterada para passar a dizer que “À data, a fração F estava em condições de habitabilidade, apesar de as obras acordadas não estarem ainda integralmente concluídas”.

55.No que respeita aos pontos 31, 35 e 36 dos factos provados, na medida em que entroncam com os pontos 3 e 5 dos factos não provados, devem todos ser analisados em conjunto.

56.Foi dado como provado no ponto 31 que “A Insolvente não providenciou pela realização da escritura nem compareceu no cartório Notarial devido ao descrito em 29”, isto é, por causa da suspensão da emissão de licença de utilização pela Câmara Municipal de... na pendência da ação administrativa.

57.No ponto 35 dos factos provados diz-se que “Em data e circunstâncias não concretamente apuradas o legal representante da Insolvente deu conhecimento aos promitentes compradores da suspensão da emissão da licença de utilização decidida pela C. M. ...”,

58.Acrescentando o ponto 36 dos factos provados que “Tal conhecimento já existia na data para a qual os mesmos solicitaram a realização da escritura pública”.

59.Por outro lado, devem dar-se como provados os factos 3 e 5 não provados pois são o seu inverso:
- A partir de Março de 2013, o promitente comprador P. J. instou a Insolvente, por diversas vezes e formas, no sentido de esta outorgar a escritura de compra e venda.
- O legal representante da Insolvente não compareceu no dia, hora e local para a qual foi interpelado pelos promitentes compradores sem ter apresentado qualquer justificação àqueles.

60.Vejamos. O ponto 29 dos factos provados diz que “por causa da pendência dessa ação a C. M. ... suspendeu a emissão da licença de utilização e decidiu aguardar o trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida na acção administrativa” e no ponto 30: “Disso (a Câmara) deu conhecimento ao legal representante da Insolvente por ofício datado de 05.06.2013”.

61.Ou seja, a partir de 05.06.2013, a Insolvente sabia perfeitamente que não era possível realizar as escrituras das frações “E” e “F”, mas ainda assim não se coibiu de solicitar ao recorrente P. J. em 12.06.2013 (ou seja, apenas uma semana depois) um reforço de sinal de € 30.000,00!

62.Ocultando propositadamente a existência da ação administrativa e a decisão da Câmara de... de sustar a emissão da licença de construção, afirmando mesmo ao Recorrente que “estamos próximos de celebrar a escritura” e “Estou a tratar a papelada junto da Câmara”.

63.Assim, em Junho de 2013, os Recorrentes não só desconheciam a existência da ação administrativa (pois não foram citados nem são parte na ação) como foram informados pelo legal representante da Insolvente da proximidade da realização das escrituras, tendo, ademais, o mesmo convencido o recorrente P. J. a proceder ao pagamento de um valor avultado de reforço de sinal. E foi esta mentira que convenceu os Recorrentes de que o problema do atraso na marcação das escrituras estava em vias de solução.

64.Por isso, e sempre ressalvado o devido respeito não conseguimos, com total franqueza, acompanhar o raciocínio ou iter cognoscitivo constante da motivação da douta sentença recorrida quando, a este propósito, forma a sua convicção dizendo o seguinte: “Desde logo, porque N. L., em sede de declarações de parte que prestou, afirmou com toda a segurança ter-lhes dado esse conhecimento, que “eles estavam ao corrente da situação”, sobretudo quando refere que “não estava ciente de que houvesse algum problema”, pois ainda lhe “deram as licenças das outras fracções e vivendas”, e “tinha a licença de construção aprovada pelo IPPAR” (Instituto Português do Património Arquitectónico) – por se tratar de obra na Zona Histórica ... –, o que é absolutamente plausível, já não o sendo a omissão que os Impugnantes imputam ao gerente da Insolvente (tanto assim que o enfarte que este sofreu é contemporâneo dos factos em causa e em Junho de 2013 ainda pediu um reforço do sinal ao Impugnante P. J., sinal evidente de que nada tinha a esconder e que pretendia celebrar o contrato, estando já as fracções na posse dos promitentes compradores, faltando apenas a licença esperada)”.

65.Da motivação acima transcrita resulta que para o Tribunal a quo a prova de que os Recorrentes tinham conhecimento do problema associado à licença é porque o legal representante da Insolvente disse que “eles estavam ao corrente da situação” e que “não estava ciente de que houvesse algum problema”, e que “deram as licenças das outras fracções e vivendas”, e que “tinha a licença de construção aprovada pelo IPPAR” e ainda que o enfarte do Sr. L. terá ocorrido mais ou menos pela data em que pediu o reforço de sinal ao Recorrente, o que prova que ele queria cumprir porque a fração já estava na posse dos Recorrentes, faltando apenas a licença…

66.Com o devido respeito, não só não logramos acompanhar o raciocínio subjacente à motivação de que estes factos indiciem que os Recorrentes sabiam de uma ação judicial no TAF (na qual não são partes) e de uma decisão administrativa da Câmara de... sobre a emissão da licença (da qual não são requerentes), como nos parece que a única ilação possível a tirar destes factos é exatamente a contrária!

67.Em primeiro lugar, não resulta de nada do que o legal representante da Impugnante disse que concretas circunstâncias (quando, onde, como, porquê) é que levaram os Recorrentes a saber do problema da licença… não basta dizer que “eles estavam ao corrente da situação” para se poder concluir que “em data e circunstancias não concretamente apuradas, o legal representante da Insolvente deu conhecimento aos promitentes compradores da suspensão da emissão da licença de utilização decidida pela CM ...”.

68.E depois porque, todas as declarações acima referidas na douta sentença recorrida apontam precisamente para que o Sr. N. L. tivesse propositadamente ocultado esse problema dos Recorrentes: porque ambos concordaram que foi o Sr. L. que procurou o Recorrente para lhe pedir o reforço de sinal; porque “não estava ciente de que houvesse algum problema”; porque até já tinha emitidas as licenças de outras vivendas e até a autorização do IPPAR; e porque por volta dessa data terá tido um enfarte.

69.Ora, salvo o devido respeito, parece-nos que o que resulta das regras da experiencia comum é que perante estes factos, e tendo em consideração que o representante da Insolvente estava com problemas financeiros e não acreditava que as licenças pudessem deixar de ser emitidas (apesar de ter conhecimento do problema existente), o mais lógico é que tenha ocultado esse facto do Recorrente, não fosse ele, sabendo disso, recusar-lhe o pagamento do reforço de sinal que lhe foi pedir, pois é evidente que qualquer pessoa o faria nessas circunstancias (!)

70.Por outro lado, ao contrário do que é defendido pelo Tribunal a quo, a acção administrativa não era um facto público – e é até estranho pensar porque motivo é que seria facto público um problema de licenciamento de duas moradias em banda (?) - pois não só os promitentes compradores desconheciam a ação como também outras pessoas do meio, conforme resultou evidente dos testemunhos prestados, nomeadamente pelas testemunhas R. G. e A. M..

71.Acresce que, do depoimento prestado pelo representante da Insolvente, N. L., este esquivou-se sempre a esclarecer o Tribunal sobre as circunstâncias do pedido de reforço de sinal que efetuou ao Recorrente P. J., já depois de saber que pendia um processo administrativo e a Câmara de... ter decidido sustar a emissão da licença de utilização até ao trânsito em jugado da sentença que viesse a ser proferida na ação administrativa.

72.É assim que dá respostas evasivas às questões que lhe foram colocadas, mas sempre deixando entrever que para ele o assunto da licença de utilização não tinha qualquer relevância: “Qual a data que me deu os 30 mil não lhe sei dizer”, “Nada previa que” e “nada na minha ideia sinceramente previa qualquer coisa que pudesse acontecer de mal”, “uma coisa banal”, “ali uma coisa qualquer, uma coisinha sem”, “sem grande significado”.

73.Ou seja, foi o próprio legal representante da Insolvente aqui Impugnante que afirmou em audiência, sem qualquer margem para dúvidas, que a notificação que recebeu sobre a questão da licença não tinha para ele qualquer importância, tentando assim justificar o recebimento de € 30.000,00 numa altura em que bem sabia ser impossível cumprir com os contratos que outorgou, marcando as escrituras de compra e venda.

74.E, portanto, se para o próprio impugnante a questão da licença não era tema e se este se apressou a pedir um reforço de sinal ao Recorrente, importa questionar se, de acordo com as regras da experiencia comum, uma pessoa no seu perfeito juízo poderia estar a pedir dinheiro de reforço de sinal a alguém e ao mesmo tempo estar a alertar a pessoa que lhe entrega esse dinheiro de que poderia ficar sem ele (?)

75.Há que acrescentar que nenhum documento nem nenhum dos depoimentos prestados em Tribunal sustenta os pontos 31, 35 e 36 dos factos provados, sendo certo que não deixa igualmente de se estranhar que o legal representante da Insolvente, aqui Impugnante, não tenha arrolado qualquer testemunha nem junto aos autos qualquer documento, tendo-se limitado a pedir já no final da audiência para ser ouvido em declarações de parte, tendo prestado um depoimento parcial, confuso, inconsistente, não isento e claramente ensaiado.

76.Não se percebe, pois, como está “o Tribunal profundamente convicto” que os Recorrentes tinham conhecimento da pendência da ação administrativa, já que ressalta à evidência que, para além de não serem parte nessa ação, a qual desconheciam em absoluto, tal conhecimento lhes foi sempre sonegado pelo Sr. N. L., forçando-os a proceder à marcação das escrituras.

77.Mas a motivação do Tribunal vai mais longe ao afirmar sem pejo que “a corrida feita pelos impugnantes, no mês de Julho de 2014, ao registo da promessa de alienação e à interpelação para a celebração da escritura e comunicação da resolução feita no dia seguinte ao agendamento da escritura…. Denuncia claramente que já sabiam do problema da licença, tratando-se claramente de um expediente para reclamar o seu crédito no processo executivo…”.

78.Salvo o devido respeito, que é muito, não se entende esta fundamentação nem como foi possível formar tal convicção! Como é possível ao Tribunal “estranhar” que os Recorrentes, confrontados com a afixação de um edital de penhora na porta da casa que tinham prometido comprar, e considerando o tempo entretanto decorrido sem qualquer justificação por parte do promitente vendedor e não logrando realizar as escrituras de compra e venda, tenham lançado mão das disposições do Código Civil destinadas a fazer valer os seus direitos?

79.Interpelando, primeiro, o promitente comprador para dar cumprimento ao contrato e, depois, perante o seu incumprimento, procedendo à resolução do contrato, como manda a lei. E procedendo, outrossim, ao registo do contrato promessa na competente Conservatória do Registo Predial, tendo em consideração que do mesmo constava a menção da eficácia real, mas certamente por lapso dos promitentes compradores, os mesmos não haviam procedido ao registo aquando da sua celebração.

80.Impondo-se questionar o que é que estes factos têm a ver como o conhecimento ou desconhecimento do que quer que seja relativamente à licença de utilização? Esta é a solução que a lei aponta e os Recorrentes limitaram-se a aderir ao procedimento legal, registando o contrato promessa, marcando a escritura e resolvendo, posteriormente, o contrato, face ao incumprimento do promitente vendedor.

81.Mas o Tribunal não ficou por aqui, chegando mesmo a declarar que “não deixamos de notar a concertação de esforços entre os Impugnantes…”

82.Concertação de esforços? Os impugnantes celebraram contratos-promessa com tradição em frações autónomas do mesmo edifício. São vizinhos. Cumpriram com o convencionado no contrato-promessa. Desconheciam a ação administrativa, pois esse conhecimento só veio a acontecer em 2015/2016. Tinham, mais do que todos, o maior interesse e urgência em celebrar as escrituras dos imóveis, pois já lhes tinham sido entregues. Foram ambos subitamente confrontados com um auto de penhora afixado na porta dos imóveis prometidos comprar, os quais já habitavam. E recorreram em 2014 ao mecanismo previsto no art. 442.º do Código Civil para protegerem legitimamente os seus direitos e interesses.

83.Por conseguinte, a haver concertação de esforços não foi, por certo, no sentido de “enganar” a Insolvente e querer o seu prejuízo, mas certamente no sentido de darem cumprimento ao contrato e à lei e protegerem os seus direitos, que eram exatamente idênticos.

84.É verdade que havia contacto entre os impugnantes e o representante da Insolvente. O que não havia era da parte da Insolvente uma explicação verdadeira do que estava a acontecer – e que motivou, como acima se demonstrou, uma reação dos impugnantes, a única possível face às circunstâncias.

85.Por outro lado, é injustificada e sem qualquer sustentação probatória na motivação a afirmação de que “A marcação da escritura no Porto também indicia claramente que os impugnantes sabiam da falta de licença…” (?)

86.A marcação da escritura no Porto não indicia coisa nenhuma pois a escritura podia ser marcada em qualquer lugar e não, obrigatoriamente, em Bragança. Aliás, questiona-se, se a escritura pública tivesse sido marcada em Bragança se o aqui impugnante teria comparecido? Teria ido lá pessoalmente, por ser mais perto, dizer aos Recorrentes que não podiam fazer a escritura porque não tinha licença? É que já que não respondeu à carta de interpelação, ao menos poderia ter pegado no telefone e ter dito aos Recorrentes que não valia a pena deslocarem-se ao Cartório Notarial no Porto… mas nada, absolutamente nada ele fez.

87.É que a marcação da escritura destina-se justamente a permitir às partes que, caso haja alguma causa impeditiva da sua realização, a invoquem, o que por si só teria inviabilizado o acto notarial. A ausência de resposta à notificação para comparência na escritura e posteriormente à resolução do contrato indiciam claramente que, mesmo naquelas situações, o Sr. N. L., aqui Impugnante, continuou a ocultar a inexistência das licenças de utilização, no quadro do seu comportamento atrás descrito – a partir do momento em que foi notificado do processo administrativo e, mesmo assim, ousou ainda pedir mais dinheiro ao recorrente P. J. - mantendo os Recorrentes na ignorância, na qual estiveram até 2015 / 2016.

88.Daqui resulta claramente e sem margem para dúvidas que à data da marcação da escritura e subsequente resolução do contrato promessa os Recorrentes desconheciam em absoluto qualquer problema associado à emissão da licença de utilização da fração prometida comprar à Insolvente.

89.Não se aceita ainda que o Tribunal, num “salto” que não tem qualquer suporte em documentos escritos, testemunhos ou outra prova qualquer, e muito menos em lógica de raciocínio, venha concluir que os recorrentes marcaram as escrituras de “má-fé”, bem sabendo que as mesmas não se podiam realizar. Esse “salto” não é permitido pois não tem sustentação de facto e fere as regras mais elementares da lógica e da razão.

90.Sendo que não se alcança como é possível, perante estas circunstancias, que o Tribunal a quo tenha formado a sua motivação exclusivamente na tomada de declarações de uma das partes, que supervalorizou - que prestou, aliás, um depoimento parcial, confuso, inconsistente, não isento e claramente ensaiado -, abstraindo-se completamente da apreciação integrada de todo o acervo probatório produzido nos autos.

91.No entanto, será de extrema importância salientar a posição que a Insolvente e o seu representante, aqui impugnante, tiveram nestes autos. Aquando da apresentação da lista provisória pela Sr.ª Administradora de Insolvência, a 13/04/2017, os créditos dos Recorrentes foram considerados na sua totalidade e garantidos por direito de retenção. Tal lista não mereceu qualquer reparo por parte da Insolvente nem pelo seu representante legal, aqui Impugnante. Mais, na Assembleia de Credores realizada a 21/04/2017 nada foi dito quanto ao reconhecimento dos créditos tal como o foram.

92.Ora, estranha-se isso sim, que, sabendo e defendendo que as escrituras não tinham sido celebradas por motivos alheios à insolvente, e que, portanto, o incumprimento não lhe podia ser imputável, o silêncio se tivesse imposto!

93.É que, conforme depoimento da ilustre Sr.ª Administradora de Insolvência, “Essa informação surgiu poucos dias antes da assembleia de credores, se eu não estou em erro. Recebi um email do ilustre advogado da Caixa ... que me informou que existia essa ação a decorrer. Obviamente que tomando conhecimento disso perguntei-lhe se havia algum documento que sustentasse essa informação, foi-me enviada então a sentença que estava em recurso.”

94.Consequentemente, e salvo o devido respeito, é a ponderação feita pelo Tribunal a quo que merece “sérias e fortes reservas” por parte dos Recorrentes. Aliás, tendo em conta que o Sr. N. L., representante da insolvente, impugnante e credor subordinado, responde, conforme resulta do seu depoimento, por dívidas desta assumidas perante o credor hipotecário, CAIXA ..., tudo indicia que, a existir concertação de esforços, é entre estes dois credores.

95.Não se pode deixar de salientar que: (i) Em sede executiva, o crédito da CAIXA ... havia sido graduado após o crédito dos promitentes-compradores; (ii) Com a venda em sede executiva, sem mais como se defender, é aquele credor (CAIXA ...) que propõe a presente ação de insolvência como manobra judicial para sustar a venda; (iii) E o aqui impugnante N. L. e a Executada, ora Insolvente, nessa altura não se opuseram aos créditos da Recorrente, tal como foram reclamados, em sede executiva; (iv) Só mais tarde o fizeram, no seguimento de um conjunto de ações intentadas pela CAIXA ..., incluindo uma impugnação pauliana contra o aqui Impugnante e terceiros.

96.É, pois, inaceitável que a motivação do Tribunal tenha sido construída da forma atrás evidenciada e que transforma quem cumpriu os contratos e a lei em manipuladores que, afinal, pretendiam ganhar dinheiro à custa da insolvente (!) Deste modo beneficiando o infrator e prejudicando gravemente os recorrentes que veem o seu crédito transformado num crédito comum do qual nada receberão, apesar de terem aplicadas as poupanças de uma vida nos avultados sinais pagos no cumprimento dos contratos promessa e até a pedido do próprio Impugnante, com total reserva mental, sem que a isso estivessem sequer obrigados.

97.Beneficiando-se, a final, inexplicavelmente o ausente mais presente neste recurso – o credor Caixa ... - que depois de ver negada a sua pretensão pelo douto Acórdão já proferido por este Venerando Tribunal, sempre acaba por ver, a final, o seu crédito graduado à frente do crédito dos Recorrentes, à boleia de um conluio inaceitável com o aqui Impugnante, e assim prejudicando inelutavelmente os Recorrentes, simples particulares que ficam sem qualquer proteção, perdendo ao mesmo tempo todas as suas poupanças e a casa que já habitam há mais de 8 anos com a sua família.

98.Consequentemente, impõe-se a alteração da matéria de facto, da seguinte forma:
- O ponto 31 dos factos provados deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação: “A Insolvente não providenciou pela realização da escritura nem compareceu no Cartório Notarial, sem ter apresentado qualquer justificação”, dando-se concomitantemente como provado o ponto 5 dos factos não provados.
- Os pontos 3 e 4 dos factos não provados devem ser dados como provados, isto é, “que a partir de Março de 2013, o promitente comprador P. J. instou a Insolvente, por diversas vezes e formas, no sentido de esta outorgar a escritura de compra e venda” e “que os promitentes compradores A. J. e M. G. fizeram diversas interpelações à Insolvente instando-a a celebrar a escritura no prazo contratualmente acordado”.
- E dar como não provados os pontos 35 e 36 dos factos provados, pois não têm qualquer sustentação na prova produzida.

99.Nos termos do n.º 1 do art.º 227º do Código Civil, “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

100. Resulta da matéria de facto acima exposta que quando os Recorrentes promoveram a marcação da outorga da escritura pública (na sequência da penhora de que tiveram subitamente conhecimento e não por qualquer “plano estratégico” destinado a obter um locupletamento ilegítimo, como parece apontar a douta decisão recorrida) desconheciam em absoluto a pendência da acção administrativa e muito menos da decisão administrativa da Câmara Municipal de... de sustar a emissão da licença de utilização até ao trânsito em julgado da ação administrativa, tendo-lhes tais informações sido propositadamente sonegadas pelo legal representante da Insolvente, aqui Impugnante, que ademais lhes mentiu fazendo-os acreditar que o processo de licenciamento estava em andamento e que em breve teriam condições para a outorga da escritura pública, logrando com essa atitude que os Recorrentes ainda lhe prestassem um reforço adicional do sinal de mais € 30.000.

101. Foram estes factos que determinaram a iniciativa dos Recorrentes de marcação da escritura pública e, perante a ausência de qualquer justificação da Insolvente, a resolução do contrato-promessa. Pois, não fora o desconhecimento da pendência daqueles autos e da consequente decisão do Município de sustar a emissão da licença de utilização e, como é óbvio, as Recorrentes não teriam procedido à resolução do contrato promessa.

102. De modo que, o Impugnante N. L. violou flagrantemente as obrigações pré-contratuais que sobre ele pendiam, agindo com culpa grave ao sonegar informação relevante e mentir aos aqui Recorrentes sobre a situação atinente ao processo de licenciamento do imóvel prometido vender, levando com isso a que estes tivessem procedido à resolução do contrato promessa de compra e venda.

103. Por conseguinte, o incumprimento do promitente vendedor, no caso em preço, deve ser apreciado de acordo com uma dupla vertente:
- Por um lado, objetivamente, à luz do não cumprimento da obrigação dentro do prazo razoavelmente fixado pelo credor (art.º 808.º do Código Civil).
- Por outro lado, à luz da responsabilidade subjetiva do devedor decorrente da culpa in contrahendo (art.º 227.º do Código Civil).

104. Relativamente ao primeiro ponto, resulta da matéria de facto provada o não cumprimento do devedor da obrigação de comparecer na escritura pública de compra e venda na data que lhe foi previamente comunicada pelos credores com bastante antecedência (três semanas) – ponto 10 dos factos provados.

105. O devedor não só não compareceu como não apresentou qualquer justificação, o que motivou a subsequente resolução do contrato promessa por parte dos promitentes compradores e a reclamação do correspondente crédito nos autos da ação executiva.

106. Relativamente ao segundo ponto, cumpre indagar da responsabilidade do devedor Insolvente no seu comportamento pré-contratual junto dos credores Recorrentes.

107. Nos termos do art.º 798.º do Código Civil, “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

108. E quando é que há culpa? “A culpa pode ser definida (…) como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor. Quer dizer, não se atende apenas ao comportamento externo do devedor, mas também à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar.
Ora, este problema não pode receber uma solução uniforme para as várias obrigações possíveis, pois, conforme os casos, pode o devedor estar obrigado a maior ou menor diligência, a praticar mais ou menos actos, a abster-se mais ou menos da prática deles”. – PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, pp. 53.

109. Aplicando o principio acima enunciado ao caso em apreço, o devedor não foi apenas negligente na sua conduta, ao omitir informação relevante aos credores, antes agiu com dolo ao induzir em erro os credores, criando-lhes a ilusão de que já tinha “metido a papelada” para obtenção da licença de utilização e que, portanto, em breve marcaria a escritura pública de compra e venda, utilizando este subterfugio para extorquir aos Recorrentes mais € 30.000 de reforço de sinal, para além dos € 130.000 que já haviam sido anteriormente pagos, aquando da celebração do contrato promessa.

110. Por outra banda, nos termos do art.º 799º, n.º 2 do Código Civil, “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.

111. O devedor (a sociedade “Construções X Unipessoal Lda”, Executada e, após, Insolvente) não fez prova, nem na ação executiva nem na acção insolvencial, de que a falta de cumprimento do contrato promessa não procedeu de culpa sua.

112. Pois não compareceu na escritura, não justificou a sua falta de comparência, não impugnou a reclamação de créditos na ação executiva, não recorreu da sentença de verificação e graduação de créditos e, finalmente, não impugnou a lista de credores reconhecidos nos autos do processo de insolvência.

113. Não tendo o devedor feito prova, como lhe competia, de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, tentou agora e só agora, não o devedor mas sim o seu legal representante (N. L.), impugnar a qualificação do crédito dos Recorrentes, invocando factos que podia e devia ter já alegado anteriormente, quer em sede extrajudicial, quer em sede judicial.

114. Só o devedor está, por via de regra, em condições de fazer a prova das razões do seu comportamento em face do credor, bem como dos motivos que o levaram a não efetuar a prestação a que estava vinculado.

115. O devedor, neste caso, não o fez. E não o fez por diversas vezes e de forma sucessiva: não alegou os motivos de falta de cumprimento aquando da marcação da escritura, nem aquando da resolução do contrato, nem aquando da reclamação de créditos, nem sequer aquando da prolação da sentença de verificação e graduação de créditos na ação executiva onde foi penhorada a habitação que havia prometido vender aos aqui Recorrentes e que bem sabia que eles já nela residiam em todas estas datas, como casa de morada de família, pois foi o próprio legal representante da Insolvente que lhe entregou as chaves.

116. Caso os Recorrentes tivessem tido conhecimento, naquela data, de que havia uma causa (ainda que temporária) que impossibilitava a realização da escritura pública de compra e venda, naturalmente que não tinham procedido à resolução do contrato.

117.Ao fazê-lo, o Impugnante colocou os Recorrentes numa situação duplamente penalizadora: por um lado, ao impedir a outorga do contrato definitivo; por outro lado por, ao ter dado causa à resolução do contrato, o Impugnante ter colocado os Recorrentes na situação de estes não poderem, no limite, optar pelo cumprimento do contrato quando ele fosse possível, nos termos do art.º 102.º, n.º 1 do CIRE.

118. Nos termos do artigo 433.º do Código Civil, “na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes”, o que nos remete para o disposto no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual “deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.

119. A douta sentença recorrida entende que “inexistindo culpa da Insolvente no não cumprimento do contrato e tendo os Impugnantes decidido resolvê-lo, temos apenas a consequência normal da resolução, que é a restituição do prestado, in casu, o valor do sinal prestado”.

120. Em primeiro lugar, pelas razões expostas, não é verdade que não tenha havido culpa da Insolvente. Houve culpa e grave no modo como ocultou informação relevante dos Recorrentes e se foi conformando sucessivamente com o decidido, sem impugnar, reclamar ou recorrer, trazendo só agora aos autos de insolvência informação tão relevante.

121. Mas mesmo admitindo que pudesse não haver culpa da Insolvente pelo facto de que, ainda que ela quisesse cumprir, não poderia por haver uma impossibilidade (ainda que temporária) na emissão da licença de utilização, ainda assim, olvida a douta sentença recorrida que também os aqui Recorrentes não têm qualquer culpa:
- Os Recorrentes não têm culpa que o Ministério Público tenha entendido existirem irregularidades urbanísticas onde elas não existiam (pois não são eles os autores do projeto);
- Os Recorrentes não têm culpa que a Câmara de... tenha decidido suspender a emissão da licença (pois não são eles os responsáveis pelo pedido de licenciamento);
- Os Recorrentes não têm culpa que a fração que prometeram comprar tenha sido penhorada (pois não são eles que ficaram a dever dinheiro ao exequente);
- Os Recorrentes não têm culpa que o devedor tenha entrado em insolvência (pois da sua parte cumpriram pontualmente todas as obrigações contratuais para com ele);
- Os Recorrentes não têm culpa que o devedor se tenha escusado a comparecer na escritura pública depois de devidamente notificado, não apresentando qualquer justificação (pois interpelaram-no para esse efeito).
- Os Recorrentes não têm culpa que o devedor se tenha conformado com o crédito que reclamaram em sede própria, na ação executiva, e que este não contestou nem impugnou.

122. Note-se, por fim, que no caso em apreço não há lugar à aplicação do art.º 790.º do Código Civil: a obrigação não se poderia extinguir porque verdadeiramente ela sempre foi possível. Apenas se verificou uma impossibilidade formal meramente temporária, associada à sustação da emissão da licença (sendo esta, porém, desconhecida dos Recorrentes).

123. Ora essa limitação temporária quanto à forma não pode ser entendida como uma verdadeira impossibilidade objetiva de cumprimento na aceção do art.º 790.º do Código Civil. A ser assim, então qualquer circunstância que determinasse um atraso num processo de licenciamento, desde que não imputável ao respetivo requerente, constituiria sempre uma impossibilidade de cumprimento – p. ex. o atraso na emissão de um parecer externo, uma greve dos técnicos do departamento de urbanismo, uma alteração legislativa, o encerramento dos serviços devido a uma pandemia, etc.

124. Estas situações, tal como a que está em discussão nestes autos, não constituem verdadeiras impossibilidades objetivas de cumprimento. Tratam-se apenas de vicissitudes normais deste tipo de procedimentos que podem eventualmente excluir a culpa do requerente na mora no cumprimento das suas obrigações contratuais. Daí o especial dever de cuidado e diligência que impende sobre os requerentes destes atos quando sabem – como era o caso – que a ocultação desses factos poderia determinar os Recorrentes a agirem num ou noutro sentido.

125. Note-se, aliás, que mesmo que a ação administrativa intentada pelo Ministério Público tivesse sido julgada procedente, ainda assim era possível cumprir. Bastava para tanto que fossem supridas as irregularidades que a sentença identificasse no processo de licenciamento, de modo a restituir a legalidade ao procedimento e assim permitir a emissão da licença de utilização.

126. O prédio não foi destruído por nenhum terramoto… Faltava apenas o cumprimento de uma formalidade legal, seja a emissão de uma licença, de um certificado energético, de uma ficha técnica ou o pagamento de uma taxa ou imposto… O imóvel sempre continuou lá a ser habitado pelos aqui Recorrentes e sua família.

127. Por conseguinte, ao caso sub judice é aplicável o n.º 1 do art.º 792.º do Código Civil, segundo o qual “Se a impossibilidade for temporária, o devedor não responde pela mora no cumprimento”.

128. É certo que o n.º 2 da mesma disposição legal determina que “A impossibilidade só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor”. No entanto, conforme resulta do exposto, o interesse do credor manteve-se sempre até à data da resolução do contrato. Simplesmente, atenta a mora do devedor, a sua falta de justificação para a mora e o conhecimento da penhora em ação executiva do imóvel prometido vender – com a consequente iminência da sua venda - não restou outra alternativa aos Recorrentes que não fosse lançar mão daquilo que a lei manda fazer: interpelar o devedor para cumprir o contrato ou, em alternativa, proceder à resolução do mesmo para poderem reclamar o seu crédito na acção própria que se encontrava em curso (execução n.º 94/14.1TBBGC).

129. Foi o que fizeram os Recorrentes, não se antevendo, salvo o devido respeito por diferente opinião, o que de diferente poderiam ter feito. Por isso, ainda que se possa considerar que por força da resolução do contrato, a Insolvente deva restituir “tudo o que foi prestado”, isto é, o valor do sinal e reforços, ela só estará em condições de o fazer caso o crédito dos Recorrentes seja qualificado como crédito garantido, caso contrário, tendo em consideração a inversão injustificada da qualificação dos créditos com garantia real, a possibilidade de ressarcimento do crédito dos Recorrentes é nula.

130. E se é certo que a Insolvente não teve culpa na causa de suspensão da emissão da licença de habitabilidade, foi no entanto a ausência de comunicação desse facto às Recorrentes aquando da marcação da escritura pública (como lhe competia) que foi a causa direta e necessária da decisão de resolução do contrato promessa por parte dos Recorrentes.

131. Ora, se foi este comportamento omissivo e culposo da Insolvente a causa da prática de um ato jurídico por parte dos Recorrentes (resolução do contrato), e que agora lhes possa causar prejuízo avultado, então essa violação das obrigações contratuais da Insolvente sempre terá que ter como consequência a reconstituição da situação que existiria caso não tivesse havido a falta.

132. Não fora o comportamento inadimplente da Insolvente, os Recorrentes não teriam procedido à resolução do contrato promessa e neste momento estariam, pelo menos, na condição do art.º 102.º do CIRE podendo, de acordo com o critério do administrador de insolvência, optar pelo cumprimento (visto que neste momento parece já não existir nenhum impedimento à emissão da licença de utilização) ou à recusa de cumprimento por parte do administrador de insolvência.

133. E, conforme doutrina e jurisprudência dominantes, nestas circunstâncias a recusa de cumprimento por parte do administrador de insolvência deve ser equiparada à recusa de cumprimento por parte do próprio insolvente, tendo-se o crédito como garantido apesar de só pelo valor em singelo do sinal prestado.

134. Decorre de tudo o exposto que mal andou a douta sentença recorrida ao decidir “desgraduar” o crédito dos aqui Recorrentes, posto que nenhuma culpa lhes pode ser assacada na conduta tida ao procederem à resolução contrato, face às concretas circunstâncias existentes. O mesmo não se podendo dizer da conduta da Insolvente e do seu legal representante, aqui Impugnante.

135. Pelo que, a admitir a manutenção de uma decisão como aquela de que ora se apela, então é mister questionar qual é o efeito útil da alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do Código Civil num cenário executivo ou insolvencial?

136. A douta sentença recorrida viola, entre outros, o disposto nos artigos 227.º, 755.º, n.º 1, f), 759º, 790º, 792.º, 798.º e 808.º do Código Civil e art.º 47.º, n.º 4, a) do CIRE, razão pela qual não deve ser mantida.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente, ordenando-se a alteração da matéria de facto nos termos expostos e, concomitantemente, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, mantendo a verificação e graduação de créditos já decidida nos autos da acção executiva n.º 94/14.1TBBGC que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Local Cível de Bragança – Juiz 2 e confirmada por este Venerando Tribunal por douto acórdão proferido nos autos do processo n.º 164/17.4T8BGC-E.G1, reconheça o crédito reclamado pelos Recorrentes, correspondente ao dobro do valor do sinal prestado e garantido por direito de retenção.

Caso assim se não entenda, a título subsidiário, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que mantenha o crédito dos Recorrentes nos exatos termos reconhecidos pela Sr.ª AI na lista definitiva de credores reconhecidos, isto é, pelo montante correspondente à restituição em singelo do valor do sinal prestado e garantido por direito de retenção.
Assim decidindo, como é de lei, Vossas Excelências farão inteira e costumada JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, cumpre apreciar:

- Do caso julgado;
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da consequente alteração da fundamentação jurídica da sentença e revogação da mesma.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A - Factos julgados provados na sentença:

1. Em 20.02.2012, através do denominado “contrato de promessa de compra e venda” junto a fls. 199v-200, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a Insolvente Construções X, Unipessoal, L.da prometeu vender a P. J., casado com P. A. no regime da comunhão de adquiridos, e aquele lha prometeu comprar, a fracção autónoma designada pela letra “F”, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ... e Rua ..., da freguesia de ..., apreendida nos autos, pelo preço de € 260.000,00.

2. As assinaturas dos contraentes foram reconhecidas em 20.02.2012 no Cartório Notarial de Bragança a cargo do Notário J. G., nos termos constantes de fls. 200v, que aqui se dão por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

3. Pela Ap. 1599 de 2014/07/02, e sob a descrição n.º .../20080509-F da Freguesia de ..., o promitente comprador inscreveu na Conservatória do Registo Predial de Bragança a promessa de alienação.

4. Na data da celebração do contrato, o promitente comprador entregou à Insolvente, por cheque, a importância de € 130.000,00 como sinal e início de pagamento.

5. Porque a sua execução tivesse sofrido atrasos, as obras não estavam concluídas na data prevista no contrato, Julho de 2012.

6. Em Março de 2013, a Insolvente entregou as chaves do imóvel ao promitente comprador P. J., que nele passou a residir, com a sua família, de forma permanente.

7. À data, as obras da fracção F estavam concluídas, encontrando-se a mesma em plenas condições de habitabilidade.

8. Em 12.06.2013, a pedido do legal representante da Insolvente, o promitente comprador entregou-lhe, por cheque, a importância de € 30.000,00 a título de reforço do sinal.

9. O promitente comprador P. J. remeteu à Insolvente em 14.07.2014 uma carta, nos termos constantes de fls. 202 que aqui se dão por reproduzidos, a interpelá-la para no dia 07.08.2014 comparecer no Cartório Notarial do Dr. M. L. com toda a documentação necessária à celebração da escritura.

10. Apesar de ter recepcionado tal carta, o legal representante da Insolvente não compareceu no dia, hora e local naquela mencionados.

11. Na sequência disso, o promitente comprador P. J. e esposa P. A. remeteram à Insolvente uma carta datada de 08.08.2014, nos termos constantes de fls. 204v que aqui se dão por reproduzidos, através da qual procederam à resolução do contrato promessa celebrado em 20.02.2012 e lhe solicitaram a restituição em dobro do valor do sinal prestado.

12. Apesar de ter recepcionado tal carta, a Insolvente nada disse.

13. Em 24.05.2012, através do denominado “contrato de promessa de compra e venda de habitação” junto a fls. 171/171v, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a Insolvente Construções X, Unipessoal, L.da prometeu vender a A. J. e M. V., que lha prometeram comprar, a fracção autónoma designada pela letra “E”, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ... e Rua ..., da freguesia de ..., apreendida nos autos, pelo preço de € 295.000,00.

14. As assinaturas dos contraentes foram reconhecidas em 30.06.2014 no Cartório Notarial de Bragança a cargo do Notário J. G., nos termos constantes de fls. 172v e 173, que aqui se dão por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

15. Pela Ap. 1036 de 2014/07/01, e sob a descrição n.º .../20080509-E da Freguesia de ..., os promitentes compradores inscreveram na Conservatória do Registo Predial de Bragança a promessa de alienação.

16. Em 02.08.2012, os promitentes compradores entregaram à Insolvente, por cheque, a importância de € 47.500,00 como sinal e início de pagamento, e posteriormente, em 18.12.2012 e 18.03.2013, por cheque, entregaram as importâncias de € 30.000,00 e € 20.000,00, respectivamente, como reforço do sinal.

17. Porque a sua execução tivesse sofrido atrasos, as obras não estavam concluídas na data prevista para a celebração da escritura de compra e venda, Agosto de 2012.

18. Em Abril de 2013, data em que lhes foram entregues as chaves da fracção E, os promitentes compradores A. J. e M. V. passaram a residir no imóvel de forma permanente.

19. À data, as obras da fracção E estavam concluídas, encontrando-se a mesma em plenas condições de habitabilidade.

20. Os promitentes compradores A. J. e M. V. remeteram à insolvente em 10.07.2014 uma carta, nos termos constantes de fls. 150v/151 que aqui se dão por reproduzidos, a interpelá-la para no dia 07.08.2014 comparecer no Cartório Notarial do Dr. M. L. com toda a documentação necessária à celebração da escritura.

21. Apesar de ter recepcionado tal carta, o legal representante da Insolvente não compareceu no dia, hora e local naquela mencionados.

22. Na sequência disso, os promitentes compradores A. J. e M. V. remeteram à Insolvente uma carta datada de 08.08.2014, nos termos constantes de fls. 152v/153 que aqui se dão por reproduzidos, através da qual procederam à resolução do contrato promessa celebrado em 24.05.2012 e lhe solicitaram a restituição em dobro do valor do sinal prestado.

23. Apesar de ter recepcionado tal carta, a Insolvente nada disse.

24. Foi instaurada pelo Ministério Público, contra o Município ..., indicando como contrainteressados N. L., Construções X, Unipessoal, L.da e Caixa ... ..., C.R.L., no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a acção administrativa especial n.º 151/13.1BEMDL, pedindo a declaração de nulidade e de nenhum efeito da deliberação da Câmara Municipal de... de 24.08.2009 que aprovou, com base na informação favorável da Divisão de Urbanismo, o projecto de arquitectura referente ao processo n.º 91/08 e do despacho do vereador competente de 10.05.2010 que deferiu o pedido de licenciamento da respectiva construção e a condenação do Município ... a repor a situação que em cada caso existira se os actos declarados nulos não tivessem sido praticados.

25. Nessa acção discutia-se se a Insolvente, no projecto de construção das fracções e/ou na execução do mesmo, violou as normas do Regulamento do Plano de Pormenor da Zona Histórica ... I e, por essa razão, a construção não deveria ter sido licenciada nem executada.

26. O prédio visado na dita acção era o edifício composto de seis fracções urbanas (frações A a F), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Bragança sob o n.º .../20080509, edifício esse que foi construído pela Insolvente na sequência de competente licenciamento por parte do Município ....

27. Em 29.05.2013, a Insolvente requereu junto da Divisão de Urbanismo da Câmara Municipal de... a autorização de utilização das fracções E e F para emissão da competente licença.

28. Nessa data já o Município havia sido citado para aquela acção.

29. Por causa da pendência dessa acção, a CM ... suspendeu a emissão da licença de utilização e decidiu aguardar o trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida na referida acção administrativa.

30. Disso deu conhecimento ao legal representante da Insolvente por ofício datado de 05.06.2013.

31. A Insolvente não providenciou pela realização da escritura nem compareceu no Cartório Notarial devido ao descrito em 29.

32. Por sentença de 07.06.2016, que se encontra junta a fls. 344-352v e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi julgada improcedente a acção n.º 151/13.1BEMDL, tendo dela interposto recurso o Ministério Público.

33. Por acórdão de 15.05.2020, que se encontra junto sob a ref.ª 1578159 de 01.06.2020 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o Tribunal Central Administrativo do Norte negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Ministério Público, mantendo a decisão recorrida.

34. Tal acórdão transitou em julgado em 12.06.2020.

35. Em data e circunstâncias não concretamente apuradas, o legal representante da Insolvente deu conhecimento aos promitentes compradores da suspensão da emissão da licença de utilização decidida pela CM ....

36. Tal conhecimento já existia na data para a qual os mesmos solicitaram a realização da escritura pública.

*
B - Factos não provados:

- A Insolvente, no projecto de construção das fracções e/ou na execução do mesmo, violou as normas do Regulamento do Plano de Pormenor da Zona Histórica ... I;

- Por essa razão a construção não deveria ter sido licenciada nem executada;

- A partir de Março de 2013, o promitente comprador P. J. instou a Insolvente, por diversas vezes e formas, no sentido de esta outorgar a escritura de compra e venda.

- Os promitentes compradores A. J. e M. V. fizeram diversas interpelações à Insolvente instando-a a celebrar a escritura no prazo contratualmente acordado;

- O legal representante da Insolvente não compareceu no dia, hora e local para a qual foi interpelado pelos promitentes compradores sem ter apresentado qualquer justificação àqueles.
*

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Apreciação da questão da autoridade do caso julgado

Os Recorrentes vêm invocar a existência da autoridade do caso julgado, alegando, sem síntese que:
- A questão que cumpre decidir - Incorreção da qualificação do crédito que foi reconhecido aos recorrentes pela sentença ora recorrida – um crédito comum, quando na sentença proferida no processo 94/14.1TBBGC foi decidido reconhecer o crédito reclamado por A. J. e esposa, M. V., com base em direito de retenção, sobre a fracção E, no montante de 200.235,62 € (duzentos mil, duzentos e trinta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos) correspondente a 195.000,00 €, a título de indemnização por incumprimento relativo à restituição em dobro do valor do sinal prestado, acrescido de 5.235,62 € de juros moratórios calculados à taxa legal em vigor desde a data de resolução do contrato até à data de entrada da reclamação, a que acrescem os vincendos até efectivo e integral pagamento; e quanto aos Recorrentes P. J. e esposa, P. A., foi reconhecido o crédito com base em direito de retenção, sobre a fracção F, no valor de € 341.391,78 (trezentos e quarenta e um mil trezentos e noventa e um euros e setenta e oito cêntimos), correspondente a € 320.000,00 a título de indemnização por incumprimento relativa à restituição em dobro do valor do sinal prestado, acrescida de € 21.391,78 de juros moratórios calculados à taxa legal em vigor desde a data de resolução do contrato até à data de entrada da reclamação a que acrescem os vincendos até efectivo e integral pagamento.
- Entendem os Recorrentes que a douta sentença recorrida viola – no que respeita à verificação e graduação dos créditos referentes às frações “E” e “F” - a douta sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos da ação executiva n.º 94/14.1TBBGC que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Local Cível de Bragança – Juiz 2 e o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães – 1.ª Secção Cível, proferido nos autos do processo n.º 164/17.4T8BGC-E.G1, que decidiu a verificação e graduação especial de créditos sobre os referidos imóveis, encontrando-se ambas decisões transitadas em julgado.
- Nos autos do processo executivo supra referido, foi penhorado, para além do mais, os imóveis / frações autónomas designadas pela letra “E” e “F”, acima melhor identificados, entretanto apreendido para a massa insolvente, na sequência da declaração de insolvência da devedora “Construções X – Sociedade Unipessoal Lda”.
- Tratando-se de penhora de imóvel com garantias reais, foi aberto naquele processo executivo incidente de concurso de credores, nos termos do art.º 788.º do CPC, na sequência do que foram notificados o devedor executado (ora insolvente) e todos os credores com garantias reais registadas sobre o dito imóvel para virem reclamar os seus créditos.
- No caso concreto do imóvel supra referido (fracção “E” e “F”), vieram reclamar créditos a Caixa ... (credor hipotecário), a sociedade “K” (credor exequente) e os aqui Recorrentes (titulares de direito de retenção) que, após terem tomado conhecimento da penhora do imóvel através de edital afixado na porta da sobredita fração, apresentaram reclamação espontânea de créditos.

- Quer nos autos da ação executiva quer nos autos da presente ação de insolvência, estes eram e ainda são os únicos credores titulares de garantias reais sobre o imóvel penhorado naqueles autos de execução e apreendido para os presentes autos de insolvência (fração “E” e “F”).
- Devidamente notificados naqueles autos, os credores titulares de garantias reais e a Executada aqui Insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 789.º do C.P.C., ninguém impugnou o crédito nem a garantia real reclamados pelos ora Recorrentes.
- Não tendo os créditos e a respetiva garantia real sido impugnados, nos termos do disposto no artigo 791.º, n.º 2, do C.P.C. foi proferida sentença em 29/08/2016 que conheceu da sua existência e graduou o crédito dos aqui Recorrentes com os créditos reclamados por todos os credores titulares de direitos reais de garantia sobre os bens imóveis penhorados naqueles autos de execução e apreendidos para os presentes autos de insolvência,
- Tal decisão transitou em julgado sem que qualquer das partes dela tivesse recorrido, incluindo a Executada aqui Insolvente.
- Entretanto, na sequência da declaração de insolvência da sociedade “Construções X – Sociedade Unipessoal Lda”, executada naqueles autos e aqui insolvente, foi ordenada a apensação do processo aos presentes autos de insolvência, nos termos do art.º n.º 1 do art.º 85.º do CIRE, tendo em consideração que naqueles autos se apreciavam questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente – Apenso B dos presentes autos de insolvência.
- Sendo a decisão judicial uma sentença que versa sobre a matéria de fundo da ação, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, manifestando-se fora dele, de tal modo que constitui impedimento a que outra ação idêntica (com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir) seja proposta.

Vejamos.

No apenso de reclamação de créditos da referida acção executiva (nº 94/14.1TBBGC) foi efectivamente proferida, em 29.08.2016, sentença já transitada em julgado, a qual decidiu nos seguintes termos:

“a) Reconheço o crédito reclamado por «Caixa ... ..., CRL».
b) Reconheço o crédito reclamado por A. J. e esposa, M. V., com base em direito de retenção, sobre a fracção E, no montante de 200.235,62 € (duzentos mil, duzentos e trinta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos) correspondente a 195.000,00 €, a título de indemnização por incumprimento relativo à restituição em dobro do valor do sinal prestado, acrescido de 5.235,62 € de juros moratórios calculados à taxa legal em vigor desde a data de resolução do contrato até à data de entrada da reclamação, a que acrescem os vincendos até efectivo e integral pagamento;
c) Reconheço o crédito reclamado por P. J. e esposa, P. A., com base em direito de retenção, sobre a fracção F, no valor de € 341.391,78 (trezentos e quarenta e um mil trezentos e noventa e um euros e setenta e oito cêntimos), correspondente a € 320.000,00 a título de indemnização por incumprimento relativa à restituição em dobro do valor do sinal prestado, acrescida de € 21.391,78 de juros moratórios calculados à taxa legal em vigor desde a data de resolução do contrato até à data de entrada da reclamação a que acrescem os vincendos até efectivo e integral pagamento;
b) Decido graduar os créditos reconhecidos, para serem pagos pelo produto da venda das fracções autónomas “E” e “F” penhoradas na execução, descritas na Conservatória do Registo Predial de Bragança sob o n.° ... – E e ... – F, respectivamente, da freguesia de ..., pela ordem e forma seguintes:
1.º - Em primeiro lugar, dar-se-á pagamento ao crédito dos credores A. J. e esposa, M. V. (Fracção E) e P. J. e esposa, P. A., (Fracção F)
2.º - Em segundo lugar, dar-se-á pagamento ao crédito da Caixa ... ..., Crl Caixa ..., S.A.», aqui reclamante, e respectivos juros, até ao limite de três anos (proporcionalmente rateados, se necessário).
3.º - Em terceiro lugar dar-se-á pagamento ao crédito exequendo”.
O tribunal a quo, por decisão proferida em sede de audiência prévia, entendeu que não se verifica a excepção do caso julgado.
Os Recorrentes, muito embora discordando desse entendimento do tribunal a quo, não dirigem formalmente o seu recurso a essa decisão, como deveriam tê-lo feito por força do disposto no art. 644º, nº 3, do CPC.
Em todo o caso, do teor da motivação e das conclusões das apelações resulta que os Recorrentes impugnam expressamente, em termos de substanciais, a matéria relativa ao caso julgado.
Por assim ser, passaremos a apreciar essa matéria.
A questão em apreço respeita à complexa problemática da eficácia do caso julgado material e, designadamente, no que respeita à sua extensão a terceiros.
Nos termos do disposto no art. 580º, nº1, do CPC, o caso julgado pressupõe a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que à não admite recurso ordinário, há lugar à execpção do caso julgado.
Por sua vez, o art. 581º do CPC, prevê que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir; que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
Assim, para haver caso julgado, é necessário existir a identidade de sujeitos, a identidade de pedidos e a identidade de causas de pedir.
Revertendo para o caso vertente, flui a conclusão de que não se verifica essa tríplice identidade.
Todavia, parte da jurisprudência e doutrina vem considerando que a autoridade do caso julgado, que importa a aceitação de decisão proferida anteriormente, noutro processo, cujo conteúdo importa ao presente e que se lhe impõe, assim obstando que uma determinada situação jurídica ou relação seja novamente apreciada, nesta acepção, não exige essa tríplice identidade. Justificam esse entendimento pela necessidade de evitar que um tribunal possa definir uma concreta situação controvertida de forma válida, de modo contraditório e incompatível com outra anterior transitada em julgado.

A este respeito, passamos a citar algumas considerações do Ac. do STJ, de 30.03.2017 que, citando também outros autores refere:
- (…)”Segundo a noção dada por Manuel de Andrade[8], o caso julgado material:
«Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.»

Para o mesmo Autor[9], o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos:

a) – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”;
b) – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”.

Nas lúcidas palavras daquele Autor:
«O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao acto de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.
Vê-se, portanto que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objectivo ou a actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social (Schönke)» (…)”.

E acrescenta-se nesse acórdão:
- “No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina[10] quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
Quanto à função negativa ou exceção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, têm de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.
Já quanto à autoridade de caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (exceção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade[11]. Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado[12]” (…).
Relativamente aos efeitos da autoridade do caso julgado, citamos, entre outros, o Ac. do TRP de 11.10.2018 , que entende que (…)“a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581º do CPC (sublinhado nosso)”. Mais acrescenta que (…)”por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são exactamente as mesmas que as autoras aqui pretendem ver apreciadas e discutidas. Há, pois a necessária relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo, abrangendo os fundamentos de facto e de direito que lhe dão sustento, seria posta em causa, de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo” (…).

Por sua vez, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º, pg. 354, diz a propósito que:

«(…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.»
Comungando deste entendimento, consideramos que em tais casos, não é exigível a referida tríplice identidade.
Acresce que, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, entendemos, na senda da referida jurisprudência, que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. Neste sentido, Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579, afirma que «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».
Voltando ao caso vertente, verifica-se que a questão decidida (definitivamente) na outra acção é exactamente a mesma que se invoca nos presentes autos, ou seja, estamos perante verificação e graduação dos mesmos créditos.
Nos presentes autos, o representante legal da Insolvente não veio alegar na sua impugnação nenhum facto novo ou de que não tivesse conhecimento na data em que foi notificado da reclamação de créditos apresentada pelos aqui Recorrentes nos autos da ação executiva em que a empresa Insolvente era executada e representada pela mesma pessoa.
Podemos, assim, concluir que existe relação de prejudicialidade entre ambas as acções.
Relativamente aos sujeitos em ambas as acções cumpre assinalar que no caso concreto dos imóveis objecto dos referidos contratos promessa de compra e venda celebrados pelos Recorrentes e pela Insolvente, vieram reclamar créditos a Caixa ... (credor hipotecário), a sociedade “K” (credor exequente) e os aqui Recorrentes (titulares de direito de retenção) que, após terem tomado conhecimento da penhora do imóvel através de edital afixado na porta da sobredita fração, apresentaram reclamação espontânea de créditos.
Quer nos autos da ação executiva quer nos autos da presente ação de insolvência, estes eram e ainda são os únicos credores titulares de garantias reais sobre o imóvel penhorado naqueles autos de execução e apreendido para os presentes autos de insolvência (fração “E” e “F”).
Nos presentes autos de insolvência, quem veio impugnar os créditos dos aqui Recorrentes foi N. L., que é o representante legal da Insolvente, que não impugnou, não reclamou nem recorreu da decisão de graduação de créditos proferida nos autos da ação executiva que se encontra transitada em julgado.
Sobre a questão dos sujeitos da acção e sua extensão a terceiros no âmbito do caso julgado, citam-se as palavras do Prof. Antunes Varela (in Manual de Processo, 1.ª ed., pág. 708) o qual, a propósito da distinção entre os terceiros juridicamente indiferentes e os terceiros juridicamente interessados, escreve o seguinte que tem toda a pertinência para a situação em recurso:
“Há, em 1.º lugar, as pessoas a quem podemos chamar terceiros juridicamente indiferentes. São as pessoas a quem a sentença não causa prejuízo jurídico, por não bolir com a existência ou validade do seu direito, embora possa afectar a sua consistência prática ou económica. (…) Nestes casos, em que a decisão contida na sentença não causa prejuízo jurídico ao direito de terceiro, nenhuma razão há para recusar a invocação do caso julgado perante esse terceiro, visto a regra da eficácia relativa do caso ter por fim evitar que terceiros sejam prejudicados, na consistência jurídica ou no conteúdo do seu direito (sem eles terem tido a possibilidade de se defender e esse risco não ocorrer em tal tipo de situações). Pode, por conseguinte, dizer-se que, em relação aos terceiros juridicamente indiferentes, a sentença impõe-se-lhes” (sublinhado nosso).
E há as situações “em que as pessoas se arrogam a titularidade de uma relação ou posição incompatível com a reconhecida na sentença.
Na acção de reivindicação instaurada por A contra B, a sentença reconhece, por hipótese, a propriedade de A. sobre a coisa, sendo certo que C se arroga a qualidade de proprietário da mesma coisa. (…)
Nos casos deste tipo, nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada.
Pelo contrário.
Se a sentença proferida for invocada contra terceiro, deve reconhecer-se a este a ampla possibilidade de alegar e demonstrar a existência do seu direito, incompatível com a decisão passada em julgado”.
No caso vertente, estamos perante uma graduação especial de créditos. Aqui releva apenas a identidade dos sujeitos da relação material controvertida (isto é, credores com garantia real) e não quaisquer outros. Pois, nem os credores comuns e muito menos os credores subordinados (como é o caso do aqui Impugnante) têm qualquer interesse, direto ou reflexo, na graduação especial de créditos incidentes sobre bens onerados com garantias reais.
A este respeito, há que atentar no disposto no n.º 2 do art.º 140.º do CIRE, que nos diz que, tratando-se de bens imóveis, “A graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios”. Pelo que, conforme sustentam os Recorrentes, para efeitos de graduação especial de créditos, os sujeitos da relação material controvertida são os credores que beneficiam de garantias reais sobre o imóvel onerado, e não quaisquer outros que não possuam qualquer crédito garantido ou privilegiado sobre o mesmo, na medida em que, quanto a esses, a graduação será geral, no conjunto dos bens apreendidos para a massa insolvente, sendo-lhes indiferente a graduação especial que incida sobre os bens onerados com garantias reais ou privilégios creditórios.
Nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 47.º do CIRE, são garantidos os créditos que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais.
Ora, conforme resulta dos autos, no mencionado processo de execução n.º 94/14.1TBBGC, foi nomeado à penhora o imóvel sobre o qual incide o direito de garantia dos Recorrentes, tendo aí todos os credores com garantia real sobre o mesmo reclamado os seus créditos. Nesse processo foi proferida sentença que procedeu à verificação e graduação especial de créditos sobre os imóveis nele penhorados, a qual não foi objecto de recurso, nem pela Executada aqui Insolvente nem por nenhum credor garantido, tendo transitado em julgado em 05/10/2016.
Deste modo, concordando com a doutrina supra exposta, podemos concluir que a decisão contida nessa sentença não causa prejuízo jurídico ao direito de terceiro, no caso ao Impugnante (representante legal da Insolvente), pelo que nenhuma razão há para recusar a invocação do caso julgado perante esse terceiro, dado estarmos perante terceiros juridicamente indiferentes e verificarem-se os demais apontados requisitos do caso julgado material.
Por consequência, a primeira sentença proferida e transitada em julgado impõe-se a esses terceiros.
Conforme se diz no douto acórdão desta Relação proferido no âmbito do apenso E, “(…) entende-se que o caso julgado apenas vincula as partes da acção, ou seja, apenas vincula as pessoas que, como tal, nela intervieram, inicial ou sucessivamente. Precisa-se porém, que “a identidade dos sujeitos relevante para o caso julgado não é tanto a simples identidade física, como entidade jurídica”, conforme decorre do art. 581º, nº 2 do C.P.C. (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 721-2).
“Esta regra coaduna-se perfeitamente com as exigências do contraditório, segundo o qual as pessoas que não podem defender os seus interesses num processo, por não terem interesse directo em demandar ou contradizer, ou por não serem os titulares da relação material controvertida, não podem ser abrangidos pelo caso julgado formando neste processo”. Evita-se, assim, que “terceiros sejam prejudicados na consistência jurídica ou no conteúdo do seu direito, sem eles terem oportunidade de se defender” (J. P. Remédios Marques, Acção Declarativa À Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, Dezembro de 2009, p. 667-8, com bold apócrifo.”

No presente caso, a nenhum dos demais credores da insolvência (incluindo ao aqui impugnante, credor subordinado) a sentença causou prejuízo, já que não veio mexer com a existência ou validade dos seus direitos, na medida em que nenhum desses credores podia ou pode invocar o reconhecimento de um crédito com base em direito de retenção e, consequentemente, ver esse crédito graduado em 1º lugar. Sendo o Impugnante e demais credores, para este efeito, terceiros juridicamente indiferentes, a sentença transitada impõe-se aos credores da insolvência, incluindo ao aqui Impugnante, pois não lhes causa prejuízo e deixa intacta a consistência jurídica dos seus direitos, constituindo caso julgado.
Conforme alegam os Recorrentes, tratando-se de graduação especial nos termos do art.º 140.º, n.º 2 do CIRE, e não estando perante nenhuma das situações de exceção referidas no n.º 3 do mesmo normativo legal, não podem os mesmos credores com garantia real sobre os mesmos imóveis pretender discutir, de novo, noutra execução (ainda que universal) aquilo que já foi discutido e decidido definitivamente em processo anterior de concurso de credores, com os mesmos sujeitos (da relação material controvertida), causa de pedir e pedido.

Assim sendo, no que tange aos imóveis penhorados naqueles autos e apreendidos para a massa insolvente nestes autos, o concurso de credores já se encontra definitivamente encerrado por decisão judicial definitiva e com eficácia de caso julgado material, nos termos do art.º 619.º do CPC.
Procedem, pois, nesta parte as conclusões dos recursos, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos mesmos, de harmonia com o disposto no art. 608º, nº 2, do CPC, revogando-se a decisão proferida em sede de audiência prévia que julgou “não verificada a excepção dilatória invocada” invocada pelos Impugnantes/Recorrentes A. J. e M. V. e a P. J. e P. A., bem como se revogando em conformidade a sentença recorrida.
*

DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
A) Julga-se verificado:
i) como «garantido» o crédito de A. J. e M. V. indicado na decisão da sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso da execução nº 94/14.1TBBGC.
ii) como «garantido» o crédito de P. J. e P. A. indicado na decisão da sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso da execução nº 94/14.1TBBGC.
No mais, quanto à verificação de créditos mantém-se o decidido na sentença recorrida.

B) Gradua-se os créditos reconhecidos da seguinte forma:
i) em primeiro lugar, o crédito privilegiado, relativo a I.M.I. e respectivos juros, indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o n.º 7;
ii) em segundo lugar, o crédito dos credores A. J. e esposa, M. V. (Fracção E) e P. J. e esposa, P. A., (Fracção F), garantidos por direito de retenção.
iii) em terceiro lugar, o crédito garantido por hipoteca indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o § primeiro do n.º 3;
iv) em quarto lugar, todos os créditos comuns, na mesma posição, procedendo-se a rateio entre eles, na proporção do respectivo montante, caso seja necessário;
v) e, em quinto e último lugar, o crédito subordinado indicado na lista rectificada dos credores reconhecidos sob o n.º 9.”

Sem custas.
Guimarães, 23.09.2021

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Conceição Bucho
Jorge Teixeira