ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÕES
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - Nos termos do art.º 32.º n.º 2, da Lei 100/97, de 13 de setembro, “As prestações estabelecidas por decisão judicial ou pelo Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento”. Estabelecendo o n.º 3, por seu turno, que “O prazo de prescrição não começa nem corre enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações”. O art.º 178.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, tem idêntica redação.
II - O legislador ciente das particularidades que rodeiam a sinistralidade laboral e da debilidade em que, por regra, se encontram os beneficiários das prestações em causa, veio determinar, expressamente, que o vencimento das prestações fixadas se conta para efeito de prescrição a partir da data do conhecimento pessoal que os beneficiários venham a ter da sua fixação.
III -No presente caso, a pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado foi fixada por acordo entre as partes, no âmbito da tentativa de conciliação que teve lugar nos autos, no valor de €1.857,27. Esse acordo foi homologado por sentença, notificada ao próprio sinistrado em 13-04-2011, data a partir da qual começou a correr o prazo de prescrição de 5 anos.
IV - Uma vez que o sinistrado veio aos autos informar em 16-12-2013, nunca haver recebido qualquer pensão da entidade empregadora, é de considerar que por essa via, o mesmo manifestou a intenção de exercer o seu direito (receber a pensão), ocorrendo a interrupção da prescrição e começando correr novo prazo a partir desse ato interruptivo (artigos 323.º, n.º 1 e 326.º, do Código Civil).
V - E, porque em 05-06-2014, sem que se demonstrasse nos autos ter-lhe sido paga qualquer pensão pela entidade patronal, o mesmo voltou a intervir nos autos, requerendo exame de revisão, bem como que fosse dada solução ao processo - tal declaração, à luz da teoria da impressão do declaratário de cariz objetivista  contida no art.º 236.º n.º 1, do Código Civil, apenas pode querer significar, que a pensão lhe não fora paga e a pretende receber, para o efeito impulsionando os autos, com vista a obter “solução”, ocorrendo nova interrupção da prescrição, finalizando  o novo prazo em junho de 2019.
VI - Nesse contexto temporal, dado que em 03-04-2019, sem que tivesse ainda sido decidida a revisão da sua incapacidade, o sinistrado veio, de novo, informar nos autos que “a pensão fixada no processo nunca foi paga” (fls. 238), é de considerar, à luz do acima exposto, que o mesmo manifestou, também aqui, a intenção de pretender exercer o seu direito - interrompendo-se, como tal, mais uma vez, o referido prazo de prescrição de cinco anos, não se verificando a prescrição das prestações em causa.
(Elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório

1.1. Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho em que figuram como sinistrado AAA e como entidade responsáveis, inicialmente, (…) (…) e, posteriormente, o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), veio o Magistrado do Ministério Público em representação daquele promover a intervenção do FAT para pagamento ao sinistrado da pensão da responsabilidade da entidade patronal devido à incapacidade desta, atenta a infrutífera localização de bens suscetíveis de penhora.
Citado o FAT veio o mesmo arguir a prescrição dos créditos reclamados. Entende que a prestação em causa prescreve no prazo de 5 anos a contar da data do vencimento, pelo que, o pagamento devido pelo fundo apenas se poderá reportar aos últimos 5 anos, uma vez que nos termos invocados, os restantes montantes já se mostram prescritos, sendo apenas devido o capital de remição calculado com efeitos a partir de 03-04-2014.
O Ministério Público opôs-se, invocando não ocorrer a prescrição do capital de remição. Refere que a prescrição se interrompeu, pois o sinistrado manifestou nos autos a vontade de exercer o seu direito (de receber o capital de remição), tendo intervindo no processo por duas vezes (em 17.12.2013 e 03.04.2019), a informar que nunca lhe havia sido pago o capital de remição.
Proferida decisão nela se finalizou do seguinte modo:
“Assim, dada a comprovada inexistência de bens penhoráveis da Ré entidade empregadora e da sua impossibilidade de localização, visto o disposto no artigo 1º, n.º 1 al. a) do DL 142/99, de 30 de Abril, determina-se que o Fundo de Acidentes de Trabalho pague ao sinistrado AAA as pensões vencidas desde 03.04.2014 da responsabilidade da entidade empregadora
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Declara-se a prescrição das pensões devidas pela Ré entidade empregadora, mas apenas as vencidas até 03.04.2014.
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Notifique, sendo o FAT para proceder ao pagamento dos referidos valores diretamente ao sinistrado, no prazo de 20 dias, juntando o respetivo comprovativo aos autos”.
1.2. Inconformado com esta decisão dela recorre o sinistrado, concluindo a sua  motivação com as seguintes conclusões:
1. O sinistrado sofreu acidente de trabalho a 07/08/2007, tendo-lhe sido fixada uma incapacidade de 36,825%.
2. Por sentença homologatória, transitada em julgado, da conciliação obtida a 04/04/2011, a entidade patronal foi condenada a pagar ao sinistrado, ora recorrente, uma pensão anual e vitalícia de 1.857,27€, a partir do dia seguinte ao da alta (ocorrida em 26/10/2007).
3. A 23/07/2011 foi calculado o capital de remição no valor de 32.457,65€.
4. Nunca foi paga qualquer quantia, tendo o sinistrado reportado tal situação nos autos a 16/12/2013 e a 03/04/2019, devendo tal informação ser interpretada como uma reclamação do pagamento das pensões.
5. Por não ter a entidade patronal bens para execução, promoveu-se a intervenção do FAT, cabendo a este responsabilizar-se pelo pagamento.
6. Os autos nunca foram, ab initio, ao Ministério Público para efeitos de entrega do capital de remição, pelo que nunca foi designada data para entrega do capital de remição.
7. Deste modo, nunca se iniciaram os prazos de prescrição do direito às prestações estabelecidas por decisão judicial.
8. Não havendo data de vencimento fixada pelo Ministério Público, não há como dar inicio aos prazos de prescrição.
9. Porquanto, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito pode ser exercido.
Nestes termos e nos de douto suprimento, deverá ser dado total provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser a declaração de prescrição considerada inadmissível e, consequentemente, ser o FAT condenado ao pagamento integral de todas as pensões vencidas desde 26 de outubro de 2007, tudo com as demais consequências legais. Assim decidindo farão Vossas Excelências a verdadeira e costumada JUSTIÇA!
1.3. Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
1.4. O recurso foi admitido na espécie, efeito e regime de subida adequados.
1.5. Remetidos os autos a este Tribunal, foi por despacho da ora Relatora ordenada a baixa ao tribunal de 1.ª instância a fim de ser fixado o valor da causa.
1.6. Foi então fixado à causa o valor de € 32.427,65. 
 1.7. Remetidos de novo os autos a esta Relação foi ordenada vista ao Ministério Público, tendo o Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitido parecer com vista à procedência da apelação.
1.8. Foi realizada a conferência e colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir
2. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.º, n.º s 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado. Assim, a questão que que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se não ocorre a prescrição dos créditos referidos na sentença recorrida.
3. Fundamentação de facto
Encontram-se provados os seguintes factos:
1) O sinistrado sofreu acidente de trabalho em 07.05.2007.
2) Por sentença homologatória, transitada em julgado, da conciliação obtida dia 04.04.2011, a Ré entidade empregadora (...), foi condenada a pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia no montante de 1.85727€, a partir do dia seguinte ao da alta (ocorrida em 26.10.2007).
 3) Em 16.12.2013 veio o sinistrado juntar requerimento no qual informa nunca ter recebido qualquer pensão da entidade empregadora, sendo que o teor do requerimento foi notificado à entidade patronal em 27.01.2014.
 4) Tendo sido efetuadas várias diligências não foi possível apurar que a entidade empregadora possuía quaisquer bens exequíveis.
5) Foi instaurada execução, em 14.07.2014, pelo Ministério Público contra a entidade empregadora não tendo sido efetuada qualquer penhora e tendo os autos sido extintos em 01.03.2017.
6) Em 03-04-2019 vem o sinistrado aos autos voltar a informar que continua sem receber quaisquer pensões.
7) Em 06-03-2020, face ao debalde na localização de bens da ré suscetíveis de penhora, o Ministério Público promoveu a intervenção do Fundo de Acidentes de Trabalho.
4. Fundamentação de Direito
4.1. Questão Prévia
Nos termos do art.º 662.º n.º 1, do Código de Processo Civil,
“A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No caso em análise, foi suscitada a prescrição das prestações decorrentes do acidente de que foi vítima o sinistrado, em virtude deste não ter demonstrado pretender exercer o seu direito a tais prestações.
Sucede que o autor por requerimento datado de 05-06-2014, de fls. 201, veio dizer  que o seu estado de saúde se agravou e solicitar nova perícia para determinação do agravamento do seu estado de saúde. Mais tendo dito que: “Desde já agradeço a atenção dispensada por vossa Excelência, e solicito que tomasse conhecimento da atual situação do processo e atenciosamente lhe possa dar uma solução”.
O referido documento não foi impugnado e assume interesse para a boa decisão da causa, face ao thema decidendum, visto poder configurar ato suscetível de interromper a prescrição. Desta feita, ao abrigo do citado art.º 662.º n.º 1, do Código de Processo Civil, adita-se à matéria de facto o n.º 8, com a seguinte redação:
Por requerimento datado de 05-06-2014, constante de fls. 201, veio o sinistrado dizer que o seu estado de saúde se agravou e solicitar nova perícia para determinação do agravamento do seu estado de saúde. Mais tendo aí declarado que: “Desde já agradeço a atenção dispensada por vossa Excelência, e solicito que tomasse conhecimento da atual situação do processo e atenciosamente lhe possa dar uma solução”.
4.2. Da não prescrição dos créditos referidos na sentença recorrida
Atendendo à data da verificação do acidente de trabalho em causa (07-05-2007), é aplicável ao caso a Lei 100/97, de 13 de setembro. Nos termos do art.º 32.º n.º 2, do referido diploma legal, “As prestações estabelecidas por decisão judicial ou pelo Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento”. Estabelecendo o n.º 3, por seu turno, que “O prazo de prescrição não começa nem corre enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações”.
O art.º 178.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, do regime atual (LAT/09), tem idêntica redação.
Analisando o citado normativo legal, pode dizer-se que o legislador ciente das particularidades que rodeiam a sinistralidade laboral e da debilidade em que, por regra, se encontram os beneficiários das prestações em causa, veio determinar, expressamente, que o vencimento das prestações fixadas se conta para efeito de prescrição a partir da data do conhecimento pessoal que os beneficiários venham a ter da sua fixação.
Importa, para além disso, assinalar, que a prescrição, cujo regime se mostra fixado nos artigos 309.º a 327.º do Código Civil, assenta no “reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas e visa, no essencial, tutelar o interesse do devedor, residindo o seu fundamento específico na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual seria legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit jus)” – Vd. Acórdão do STJ de 22-09-2016, proc. 125/06.9TBMMVC.C.C1.S1, www.dgsi.pt. Negritos nossos.
No caso em análise, como se viu, o prazo de prescrição a ter em conta é de cinco anos.
Importa outrossim considerar que a pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado foi fixada por acordo entre as partes, no âmbito da tentativa de conciliação que teve lugar nos autos, no valor de €1.857,27 (fls.153). Esse acordo foi homologado por sentença, notificada ao sinistrado em 13-04-2011 (transitada em julgado).
É também de considerar, por força do art.º 323.º, n.º 1, do Código Civil, que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
Sendo que a interrupção da prescrição inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (art.º 326.º do Código Civil).
No presente caso, a partir da notificação da sentença homologatória começou correr o prazo de prescrição de 5 anos.
E porque o sinistrado veio aos autos informar em 16-12-2013, nunca haver recebido qualquer pensão da entidade empregadora, é de considerar, em sintonia com o perfilhado na sentença recorrida, que por essa via, o mesmo manifestou a intenção de exercer o seu direito (receber a pensão). Caso assim não fosse, ignorando-se a posição tomada pela entidade responsável (a entidade patronal), não teria sentido a tomada de posição do sinistrado ao vir aos autos esclarecer o assunto, ou seja, que nenhuma pensão recebera da empregadora. Se lhe fosse indiferente o desfecho do caso e não se interessasse quanto aos seus direitos certamente nada diria.
Perante esse quadro, entende-se que começou, a partir daquela data, a correr novo prazo prescricional de cinco anos, que finalizaria em 16-12-2018.
Sucede que em 05-06-2014, como se viu, o sinistrado voltou a intervir nos autos, tendo formulado requerimento a solicitar exame de revisão, para determinar o agravamento do seu estado de saúde. Mais tendo também aí requerido “Desde já agradeço a atenção dispensada por vossa Excelência, e solicito que tomasse conhecimento da atual situação do processo e atenciosamente lhe possa dar uma solução”.
Não se demonstrando nos autos que até àquela data tenham sido pagos ao sinistrado quaisquer valores referentes à pensão que lhe era devida por parte da entidade patronal - a parte final do dito requerimento, que é perfeitamente autónoma da restante, apenas pode querer significar, que a pensão lhe não fora paga e a pretende receber, para o efeito impulsionando os autos, com vista a obter “solução”.
Esta é a interpretação que pode retirar-se do teor da referida declaração, à luz da teoria da impressão do declaratário de cariz objetivista contida no art.º 236.º n.º 1, do Código Civil (“a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia – Cfr. entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 04-05-2010, proc. 2066/04.5TJVNF.P1.S1). E, que, diga-se, não diverge (em substancia) da que foi alcançada a propósito do 1.º requerimento do sinistrado, onde o mesmo referiu nunca haver recebido qualquer pensão da entidade empregadora, tendo finalizado o requerimento com uma derradeira frase de conteúdo idêntico à acima transcrita.
Relembra-se que nos situamos no âmbito de um processo especial (urgente), de acidente de trabalho, não tendo a entidade responsável jamais cumprido a sua obrigação de pagamento ao sinistrado da pensão que lhe era devida, e que este, face do agravamento do seu estado de saúde, requereu o correspondente exame de revisão, e para além disso alertou o tribunal para tomar conhecimento da situação do processo e apresentar solução.
Considera-se, assim, que através do requerimento de 05-06-2014, o sinistrado pretendeu exercer o seu direito às prestações que lhe eram devidas, tendo-se interrompido novamente o prazo prescricional que estava a correr, e começado a partir dessa data a correr um novo prazo de 5 anos, com termo em junho de 2019.
Nesse contexto temporal, uma vez que em 03 de abril de 2019, sem que tivesse ainda sido decidida a revisão da sua incapacidade, o sinistrado veio, de novo, informar nos autos que “a pensão fixada no processo nunca foi paga” (fls. 238), é de considerar, à luz do acima exposto, que o mesmo manifestou, também aqui, a intenção de pretender exercer o seu direito - interrompendo-se, como tal, mais uma vez, o referido prazo de prescrição de cinco anos, não se verificando, assim, a prescrição das prestações em causa. Termos em que se não subscreve a posição vertida na decisão recorrida.
(…)

5. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus trâmites normais.
Custas pelo recorrido.

Lisboa, 2021-09-15
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Alves Duarte