EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
INEXIGIBILIDADE
CRÉDITO
CASO JULGADO MATERIAL
AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
SENTENÇA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
OFENSA DO CASO JULGADO
OBJETO DO RECURSO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
VALOR DA CAUSA
Sumário


I - A decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
II - No entanto, quando nesses embargos se concluiu pela oponibilidade da exceção de não cumprimento para considerar inexigível o crédito exequendo, não nos encontramos perante uma decisão definitiva.
III - Sendo a inexigibilidade detetada temporária, o mesmo crédito pode voltar a fundamentar nova execução, logo que venha a ser cumprida ou oferecido o cumprimento da obrigação recíproca, não lhe podendo ser oposta a exceção do caso julgado.
IV - A procedência da exceção de não cumprimento na primeira execução também não reveste a autoridade do caso julgado na discussão, nos embargos deduzidos à segunda execução, sobre a verificação de uma situação de impossibilidade de cumprimento ou de cumprimento defeituoso da obrigação recíproca da obrigação exequenda.

Texto Integral


I - Relatório

A Exequente instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra a Executada, reclamando o pagamento pela Ré de € 26.424,35 e juros de mora.

Apresentou, como título executivo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.09.2002, proferido na ação declarativa que correu termos no extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, sob o n.º 695/1999, em que era Autora a aqui Exequente e era Ré a aqui Executada, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.05.2003,

A Executada deduziu oposição à execução, alegando, em síntese, o seguinte:

- Tendo já sido declarada extinta uma anterior execução do mesmo crédito, com fundamento na exceção do não cumprimento do contrato, deduzida pela Exequente, precludiu o seu direito a propor nova execução, atenta a existência de caso julgado.

- O crédito da Exequente mantém-se inexigível, dado que a Executada tem direito a excecionar o não cumprimento de obrigação da Exequente.

- Improcede a liquidação do crédito exequendo feita pela Exequente no requerimento executivo.

- O crédito exequendo sempre deveria considerar-se compensado com o crédito recíproco da Executada sobre a Exequente.

A Exequente contestou a oposição deduzida pela Executada, contrariando os fundamentos nela invocados, reafirmando a admissibilidade da execução instaurada e a exigibilidade e liquidez do crédito exequendo.

Foi proferido despacho saneador que julgou parcialmente improcedente a oposição à execução/liquidação, incluindo quanto à exceção da compensação, prosseguindo os autos com a oposição à liquidação, apenas para efeitos de apuramento do valor da obrigação a restituir a cargo da Executada.

A Executada recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação, o qual, por acórdão proferido em 25.05.2021, julgou improcedente o recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida.

A Executada interpôs novo recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, a), do Código de Processo Civil, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

Conhecimento principal. Extinção da execução

1ª - Todos os fundamentos da ação executiva devem ser alegados de uma vez, cabendo alegar logo mesmo todos os que se afigurem essenciais e relevantes, para o reconhecimento do direito que se pretenda fazer valer, e os que pareçam secundários, na eventualidade de serem também relevantes – cfr. art. 552º, nº 1, al. d), quanto à petição; 572º e 573º em relação à contestação. Este princípio tem a ver com exigência de lealdade dos diversos sujeitos processuais e que visa impedir que algum deles use a tática de reservar algum argumento apenas para quando o achar mais oportuno.

2ª - Não tendo a recorrida, em anterior execução que instaurou em 27-1-2004, invocado o fundamento que agora invoca – oferta da sua prestação que lhe incumbia- sendo certo que tinha que o ter invocado no primeiro processo, está precludido o direito de o invocar

 3ª - O que está em causa, nesta revista, é saber se o douto acórdão deveria considerar precludido o direito da recorrida invocar, em repetição de execução do mesmo título em 27-9-2016, fundamento que devia ter invocado no processo executivo que instaurou em 27-1-2004, sendo inquestionável que devia ter invocado esse fundamento no primeiro processo, como foi julgado nos doutos acórdãos de 18-1-2011 e 22-9-2011.

4ª - A admitir-se que a recorrida pudesse invocar, na segunda execução de 27-9-2016, fundamento que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de 27-1-2004, visando ambos o mesmo efeito, e cuja decisão de inexigibilidade transitou em julgado, seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração e violar a estabilidade do caso julgado. O efeito preclusivo e a estabilidade do caso julgado visam a segurança jurídica e a paz social.

5ª - Por conseguinte não é já admitida a atual execução de 27-9-2016, por preclusão.

6ª - “É claro que a exigibilidade e a liquidação não são pressupostos processuais do processo executivo, mas antes qualidades substantivas da obrigação exequenda. Por exemplo: a invocação contra a exigibilidade da obrigação de uma moratória concedida pelo recorrida não é outra coisa que não a invocação de uma exceção perentória.” Prof. Miguel Teixeira de Sousa, blog ippc, 27-11-2020.

7ª - Ac. Coimbra. 18-1-2011 (Pedro Martins):

a) Procedente a apelação deduzida contra o saneador sentença recorrido, revogando-se o mesmo e substituindo-se por esta outra decisão: julga-se procedente a oposição `a execução deduzida nos embargos de executada, por inexigibilidade da obrigação exequenda (enquanto a autora não restituir à Ré as duas básculas ou não oferecer o cumprimento simultâneo dessa restituição com a restituição do preço) e em consequência determina-se a extinção desta execução.

8ª - “(enquanto a autora não restituir à ré as duas básculas ou não oferecer o cumprimento simultâneo dessa restituição com a restituição do preço)”. Neste douto acórdão de 18-1-2011, transitado entre as partes, apreciava-se a oposição à execução por inexigibilidade que nele procedeu, com trânsito.

9ª - Não era objeto do processo de embargos 695-C/1999, 1º Juízo, nem do conhecimento do douto acórdão, se a recorrida poderia ou não instaurar futuramente nova execução; isto é, se dispunha ou não no futuro da oportunidade de executar de novo. Este aspeto não estava no objeto do processo em decisão, nem era questão colocada ao douto acórdão que ele devesse decidir.

10ª - Essa expressão do douto acórdão surge ali como simples obiter dictum pois não era questão que constituísse objeto de conhecimento e decisão. Não constitui, pois, caso julgado a favor da recorrida reconhecendo-lhe o direito de futuramente instaurar em 27-9-2016 nova execução, para a qual a recorrente foi citada em 10-1-2018.

11ª - Daí não poder a recorrente concordar com a afirmação no douto acórdão ora sob revista que do douto acórdão resulta o contrário de não poder a recorrida instaurar nova execução.

12ª - Esse obiter dictum, precisamente por o ser, não confere à recorrida um direito que não tem à instauração de nova execução.

13ª - Mas a questão é até mais funda: tal oposição constituiu oposição por exceção perentória e portanto ao ser julgada procedente 619º 1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele formando caso julgado material do conhecimento oficioso: isto é, com essa douta decisão do Tribunal da Relação Coimbra de 18-1-2011 (Pedro Martins) confirmada pelo douto acórdão do Supremo de 22-9-2011 (Tavares de Paiva) ficou a recorrida definitivamente impedida de instaurar a atual execução.

14ª - A oposição por inexigibilidade não é outra coisa que não a invocação de uma exceção perentória. Ora a decisão que conhece duma exceção perentória é uma decisão que conhece do mérito da causa e que por isso faz caso julgado material.

15ª - 732º nº 6 - Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, já que a pretensão relativa a qualquer das prestações devidas no contrato bilateral ou sinalagmático tem como facto constitutivo – no processo de execução - a realização ou o oferecimento da respetiva contraprestação.

16ª - Trata-se de caso julgado material, do conhecimento oficioso (arts.577º e 578º) que impede a atual ação executiva citada em 10-1-2018.

17ª - Sendo a inexigibilidade não um pressuposto da execução, mas uma exceção perentória de direito material a procedência desta deve qualificar-se como fazendo caso julgado material excluindo então para o futuro, por preclusão, nova ação executiva.

18ª - É vedado ao credor instaurar múltiplas sucessivas execuções do mesmo título (e penhorar os bens do devedor, como sucedeu na execução de 2004) sem realizar ou oferecer, e recusar efetuar, a sua prestação, não podendo o sistema de justiça e processual e as partes estar sujeitos a essas atuações. Com a instauração da execução em 27-1-2004 – momento em devia ter oferecido a contraprestação devida - precludiu a possibilidade de voltar a apresentá-la passados quase 13 anos em 27-9-2016. A preclusão é uma caducidade operando como tal.

19ª - Quando a obrigação exequenda depende da realização ou oferta simultânea duma prestação pelo exequente e este a não realiza, instaura a execução e recusa a sua realização devida, não pode mais tarde, por preclusão, voltar a instaurar de novo a execução que foi extinta pela não realização da prestação por si devida, ou isso constitui exercício dos meios processuais inadmissível por abusivo.

20ª - Do art. 715º do Código de Processo Civil depreende-se que “a pretensão relativa a qualquer das prestações devidas no contrato bilateral ou sinalagmático tem como facto constitutivo – embora só no processo de execução - a realização ou o oferecimento da respetiva contraprestação”, questão que é de natureza distinta da exceção material dilatória.

21ª - Por último, sempre seria de considerar a atual pretensão da exequente atingida e extinta pela suppressio vistos os termos da sua prolongada recusa de cumprir e omissão entre 27-1-2004 e 27-9-2016 e ausência desde março de 2013 até à citação da recorrente para a nova execução apenas no ano de 2018. Desde 27-1-2004 a recorrida não agiu de acordo com os ditames da boa fé.

Conhecimento subsidiário. Prosseguimento da ação declarativa de embargos para instrução

22ª - A recorrida escreveu uma carta à recorrente, datada de 4-3-2013 e que a recorrente recebeu em 8-3-2013, na qual lhe disse: “… vimos colocar à vossa disposição as básculas em causa”. Não basta, porém, dizê-lo: é necessário que a afirmação seja verdadeira.

O que viram foi completa sucata no meio das ervas. O V/ Diretor disse que não tinham dinheiro para mais, para guardar num armazém fechado; material completamente destruído, impróprio, completamente gasto, apenas sucata. Foi verificado não haver básculas para entregar porque estas não existem restando só uns destroços.

23ª – O que a recorrida tinha era material completamente destruído, impróprio, completamente gasto, apenas sucata. Verificou-se não haver básculas para entregar porque estas já não existem restando só uns destroços.

24.ª- Não foram assim “colocadas à V/disposição as básculas em causa”. A recorrida jamais realizou ou ofereceu a sua prestação. A recorrida em 8.03.2013 ofereceu prestação que não existe. Para que a prestação se possa considerar oferecida é preciso que ela exista e não existe.

25ª - O douto acórdão sob revista decidiu que a recorrente não pode suscitar e pedir o conhecimento e a declaração de um incumprimento ou cumprimento defeituoso de decisão judicial por parte da embargada

26ª - O douto acórdão parte da consideração inverificada de que “as básculas foram já colocadas à sua disposição pela embargada por via da comunicação que enviou, é pois esta a prestação recíproca de que é credora”. Mas a comunicação não é, ela própria, a prestação de coisa e coisa nenhuma existe. Isto não ocorre e a ação declarativa de embargos tem de o apurar. Tem a exequente de provar a existência das duas básculas.

27ª - Não pode a executada ser forçada a pagar nesta execução para que foi citada em 2018 face a uma inexistente contraprestação. Não existia o que se disse oferecer.

28ª - Do art. 763º do Código Civil deduz-se que quando o devedor se proponha realizar um cumprimento inexato, a primeira consequência é a atribuição, ao credor, da faculdade de recusar a prestação (Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 2º - 441)

29ª - O solvens está vinculado no cumprimento das suas obrigações, quais sejam – a prestação deve ser pontualmente cumprida – artigo 406º, 1, e 762º, 1, do CC, deve agir nos termos impostos pela boa-fé – artigo 762º, 2, do CC e a prestação deve ser efetuada integralmente – artigo 763º do CC - MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 918 e segs.; PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, Almedina, Coimbra, 1994, p. 129. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 138, 141-142.

30ª Simultaneamente, a recorrente está pronta a cumprir aquilo que foi decidido com caso julgado entre as partes pelos doutos acórdãos da Relação … de 24-9-2002 (Hélder Almeida), de 18-1-2011 (Pedro Martins) e do Supremo de 22-9-2011 (Tavares de Paiva): repor o stato quo ante, ou seja o regresso à situação anterior à celebração do negócio.

31ª - A exceptio non rite adimpleti contractus é admissível em relação ao cumprimento defeituoso Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso – em especial na compra e venda e na empreitada, 141, 162, 325 e seguintes. Em caso de cumprimento defeituoso da prestação e desde que a prestação efetuada prejudique a integral satisfação do interesse do credor, será possível a este opor a exceptio – STJ 6-9-2016 (Garcia Calejo) www.dgsi.pt

32ª - A possibilidade ou não da prestação é verificada no momento em que deve ser realizada. É no momento em que a recorrida exige a prestação da executada que esta exerce a excepção de não cumprimento (art. 290º) e então aqui se verifica se é possível a realização ou não das prestações recíprocas e repristinar a situação anterior à celebração do negócio.

33ª - É ao tempo da simultaneidade e reciprocidade da realização de ambas as prestações que se tem de aquilatar da “repristinação das coisas ao estado anterior à celebração do inválido negócio”. Foi alegado que as duas básculas já não existem em março de 2013 e requerida perícia e outras provas.

34ª - O art. 289º do Código Civil - tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente - contempla e consagra, na simultaneidade da realização das prestações recíprocas, um mecanismo idêntico ao do art. 867º do CPC para a execução de coisa certa, como igualmente também ocorre no art. 566º do Código Civil se, na execução, a substância não é encontrada ou realizada (Acs do STJ de 10-12-2019 - Assunção Raimundo - e da Rel. de Coimbra de 10-10-2006 - Virgílio Mateus, ambos em www.dgsi.pt)

35ª – O douto acórdão impede o exercício da exceção peremtória de não cumprimento, determinada com trânsito em julgado entre as partes, do direito que emerge no título: “afigura-se equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor” Prof. Almeida Costa, cit. no Ac. STJ 19-4-01, C. Juris STJ 2001, II, pág. 34. Apreciar se procede ou não exceção de não cumprimento é questão desta presente ação declarativa de embargos e não de nova sucessiva ação declarativa autónoma

36ª - A exigibilidade não é pressuposto do título executivo, mas antes uma qualidade substantiva da obrigação exequenda a que foi oposta uma exceção perentória.

37ª - Porque a recorrida não realizou nem ofereceu a prestação por si devida, pois as duas básculas em março de 2013 já não existiam e a recorrida tinha de oferecer o valor equivalente, não possui a obrigação exequenda a qualidade substantiva da exigibilidade não tendo esta inexigibilidade sido suprida na fase introdutória da execução (art. 729º al. e) do CPC).

38ª - Ofende aliás o caso julgado proferido entre as partes pois foi decidido, com trânsito, estar o direito da recorrida sujeito ao exercício da exceção de não cumprimento nos termos do disposto nos arts. 289º e 290º do Código Civil – douto acórdão da Rel. de Coimbra de 24-09-2002 (Hélder Almeida).

39ª - A exceção de não cumprimento emerge do próprio título-acórdão de 24-9-2002 confirmado pelo STJ em 20-5-2003 – João Carlos de Barros Caldeira (art. 290º do CCiv).

40ª - Antes de março de 2013 a recorrida recusou sempre a restituição e tendo a recorrente o direito de opor a exceção de não cumprimento é à data em que o devedor vem a aceitar prestar que a possibilidade ou não da prestação oferecida é avaliada

41ª - Não pode dizer-se que não há documento que titule o crédito de restituição da recorrente – a exceção de não cumprimento – quando o documento/acórdão anulatório é o mesmo que titula o crédito da recorrida.

42ª - Apreciar se procede ou não exceção de não cumprimento é questão a decidir nesta ação declarativa de embargos e não de posterior ação declarativa autónoma que violaria o disposto no art. 290º e ofende o caso julgado proferido entre as partes dos doutos acórdãos da Relação ….. de 24-9-2002 (Hélder Almeida), de 18-1-2011 (Pedro Martins) e do Supremo de 22-9-2011 (Tavares de Paiva) - Ac. do STJ de 14-02-2012 (Gabriel Catarino) www.dgsi.pt. Deve impedir-se “que uma controvérsia se prolongue até ao infinito”, em total desequilíbrio na situação das partes e violação do caso julgado proferido entre elas.

43ª - A solução do douto acórdão, sem ponderação dos efeitos típicos da exceção de não cumprimento, contraria o princípio geral da legitimidade da recusa de cumprimento como forma de tutela do direito de crédito e os valores da equidade, da boa fé e da justiça que lhes estão subjacentes, podendo afirmar-se a legitimidade da recusa de cumprimento invocada pela recorrente.

44ª - A decisão do douto acórdão de negar o seu direito à exceção de não cumprimento, judicialmente reconhecido com trânsito em julgado, poderá afinal conduzir à lesão ou perda definitiva do direito da recorrente, que a exceção se destina a proteger, se a recorrida estiver ou viesse a ficar impossibilitada de o satisfazer.

45ª - É necessário cumprir os artigos 289º e 290º do CCiv. e 715º do CPC e respeitar o caso julgado. A questão da suficiência ou não da prestação tem de ser discutida nesta acção declarativa de embargos, sendo impedida outra sucessiva ação declarativa para esse efeito e a executada pode sem dúvida opor a exceção de não cumprimento, como decidido, v.g., no Ac. do STJ de 14-02-2012 (Gabriel Catarino) www.dgsi.pt.

46ª - O equilíbrio das prestações deve ser realizado ao mesmo tempo. Não se pode constatar o desequilíbrio e forçar uma das partes a realizar, desencontrando a simultaneidade das restituições.

47ª - Entre recorrente e recorrida foi já decidido, com força de caso julgado material, pelos doutos Acs. do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-9-2002 (Hélder Almeida) e de 18-1-2011 (Pedro Martins) confirmado pelo douto acórdão do Supremo de 22-9-2011 (Tavares de Paiva), com trânsito em julgado, que

E incumbindo às partes outorgantes no contrato deveres recíprocos de restituição nos termos supra referidos estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo nos termos do artigo 290º do C. Civil.

E não havendo por parte do comprador cumprimento em simultâneo da sua prestação de restituição das máquinas, é lícito ao executado (vendedor) exigir ao abrigo do citado artigo 290º a restituição simultânea a fim de repor as partes em conformidade com o artigo 289º, nº 1 do C. Civil à situação anterior à celebração do contrato

48ª - O douto acórdão sob revista ao decidir que a recorrente não pode suscitar e pedir na presente ação declarativa de embargos o conhecimento do incumprimento ou cumprimento defeituoso da decisão judicial por parte da recorrida – ou seja, que não pode exercer na ação declarativa de embargos a exceptio non adimpleti contractus - viola o disposto nos arts. 289º e 290º do Código Civil e 715º do CPC e esse caso julgado proferido entre as partes do douto Ac. do Tribunal da Relação ….. de 18-1-2011 (Pedro Martins) confirmado pelo douto acórdão do Supremo de 22-9-2011 (Tavares de Paiva).

49ª - Ao remeter para ações declarativas sucessivas e afastar a reciprocidade e simultaneidade das restituições, o douto acórdão aplica erradamente o disposto nos arts. 289º e 290º do Código Civil e 715º do CPC e desrespeita esse caso julgado dos doutos acórdãos da Rel. ….. de 24-9-2002 (Hélder Almeida), de 18-1-2011 (Pedro Martins) e do STJ de 22-9-2011 (Tavares de Paiva), contra o qual decide. Equivale a afirmar que quando o exequente já não tem a prestação em substância o executado já tem de cumprir imediatamente, não podendo excecionar.

50ª - A prestação devida pela embargada é a de restituição das duas básculas ou não sendo possível essa restituição em espécie a do valor que lhes corresponde. A embargada não provou na acção declarativa de embargos que, conforme o caso julgado, aquilo que ofereceu realiza o cumprimento simultâneo dessa obrigação por si devida.

51ª - Deve ser apurado e decidido nesta acção declarativa de embargos se aquilo que a exequente ofereceu constitui ou não essa simultânea restituição das duas básculas ou não sendo possível essa restituição em espécie a do valor que lhes corresponde

52ª - Não é suficiente à realização simultânea da prestação por si devida que a exequente a fim de repor as partes, em conformidade com o artigo 289º, nº 1 do C. Civil, à situação anterior à celebração do contrato ofereça coisa que não existe.

53ª - A exequente tem de oferecer uma coisa. Se a executada alega que essa coisa não existe é necessário verificar (art. 715º). O exequente tem de mostrar na execução que existe o que ofereceu. A executada não pode ser privada do exercício da exceção contra o exequente quando este não tem a coisa que ofereceu. A prestação do exequente tem de existir ou ser realizada e o executado tem o direito que isso seja verificado na oposição à execução, no exercício da exceção de não cumprimento. Esta exceção não pode ser negada ao executado remetendo-o para a defesa diferida apenas por sucessiva ação.

54ª - Não se trata de aplicação analógica do art. 867º do CPC mas da devida aplicação do disposto no arts. 289º e 290º do Código Civil e 715º do CPC. É que sem ser conhecido isto a execução não pode prosseguir - impede-o a exceção de não cumprimento e o caso julgado proferido entre as partes.

55ª - Apenas pode haver execução se a exequente demonstrar que realizou a prestação por si devida ou que a ofereceu, tendo esta existência. Isto é uma condição da exigibilidade do seu crédito, que a exequente não provou. E é na presente ação declarativa de embargos que é conhecida e decidida.

56ª - Se o executado alega que a prestação não existe, ou seja, que a declaração não é real ou verdadeira que aquilo que se diz ter sido oferecido não existe então é necessária a prova de que existe. A disposição não é uma norma vazia em que o devedor possa dizer que ofereceu e nada tenha para entregar. O Tribunal face à petição de embargos do executado nesses termos deve instruir a causa a fim de apurar se o exequente ofereceu alguma coisa ou não ofereceu nada se a coisa não existe ou não consiste na prestação devida pelo exequente.

57ª - A matéria das conclusões 46ª a 49ª da apelação, transcrita no acórdão, constitui inequivocamente objeto desta ação declarativa de embargos. Além da indicada perícia requerida, a toda a matéria da conclusão 48ª, foram também indicadas 5 testemunhas e requeridos outros meios de prova, mas a douta decisão ora impugnada decidiu dela não conhecer. Trata-se, porém, de matéria de facto essencial ao conhecimento da causa, que deverá ser conhecida, para julgamento desta acção declarativa de embargos.

58ª - O caso julgado proferido entre as partes é o de que antes da restituição das básculas não tem a recorrente de restituir o preço e “é lícito em sede de oposição à execução, a executada – ora recorrente - invocar ao abrigo dos arts. 289º, nº 1 e 290º, nº 1 ambos do C. Civil a prestação simultânea da restituição a fim de repor o statu quo ante, ou seja, o regresso à situação anterior à celebração do negócio” – douto acórdão de 22-9-2011 (Tavares de Paiva).

59ª - Mas em ofensa deste caso julgado proferido entre as partes o que o douto acórdão sob revista decide é forçar a recorrente ao cumprimento imediato e indicando que não há ainda por ora lugar à restituição a que tem direito e assim não é simultâneo o cumprimento das obrigações de restituição. “Não pode haver dois acórdãos incompatíveis” – STJ 18-10-2018 (Ilídio Sacarrão Martins) www.dgsi.pt.

60ª - Sem provar que, em obediência ao caso julgado, cumpriu simultaneamente a prestação por si devida a fim de repor as partes à situação anterior à celebração do contrato a exequente não pode realizar o seu crédito.

61ª - A recorrente é credora de restituição pela recorrida – em espécie ou se a restituição em espécie não for possível pelo valor correspondente – e os créditos recíprocos devem ser satisfeitos e extintos em simultâneo. É esse o regime dos arts. 289º e 290º do C. Civil e 715º do CPC e o que foi decidido com caso julgado entre as partes.

62ª - Ao contrário deste caso julgado proferido entre as partes o que o douto acórdão sob revista decide é, em sua ofensa, forçar a recorrente ao cumprimento imediato e indicando que não há ainda por ora lugar à restituição a que tem direito e assim não é simultâneo o cumprimento das obrigações de restituição.

63ª - Não corresponde à oferta da prestação devida (art. 715º) a oferta duma ficção, porque não existem as básculas: 24ª - Não pode a executada ser forçada a pagar nesta execução para que foi citada em 10-1-2018 face a uma inexistente contraprestação. Não existia o que se disse oferecer.

64ª - O regime a aplicar é o da exceptio non adimpleti contractus nos termos do caso julgado entre as partes dos doutos acórdãos da Rel. de Coimbra de 24-9-2002 (Hélder Almeida), de 18-1-2011 (Pedro Martins) e do STJ de 22-9-2011 (Tavares de Paiva) a ser respeitado.

65ª - O problema não é de reconvenção, mas de exceptio non adimpleti contractus, regulada nos artigos 289º e 290º do C. Civil e 715º do CPC, de prova do cumprimento a cargo da devedora recorrida ou do incumprimento.

66ª - Na atual execução para poder cobrar da recorrente tem a recorrida de provar o cumprimento da prestação por si devida não podendo ser impedido o exercício da exceção de não cumprimento.

67ª - O art. 715º dispõe 1 - Quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor incumbe-lhe alegar e provar que efetuou ou ofereceu a prestação. 5 - A contestação do executado só pode ter lugar em oposição à execução.

68ª - O douto acórdão do STJ de 22-9-2011 dispôs As partes estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo. E não havendo por parte do comprador cumprimento em simultâneo da sua prestação de restituição das máquinas é lícito ao executado (vendedor) exigir a restituição simultânea a fim de repor as partes à situação anterior à celebração do contrato.

69ª - Assim, não pode a recorrente estar de acordo com o douto acórdão sob revista ao decidir que a pretensão da executada “passa por uma apreciação judicial do alegado incumprimento ou cumprimento defeituoso (da exequente) o que não é possível obter através destes embargos”. Em maio de 2013 não existia a restituição em espécie para efetuar.

70ª - A contestação do executado só pode ter lugar em oposição à execução (art. 715º, nº 5), para na oposição ser conhecida e decidida. A matéria das conclusões 46ª a 49ª da apelação constitui inequivocamente objeto desta ação declarativa de embargos. Além da indicada perícia requerida, a toda a matéria da conclusão 48ª, foram também indicadas 5 testemunhas e requeridos outros meios de prova, mas a douta decisão ora impugnada decidiu dela não conhecer. Trata-se porém de matéria de facto essencial ao conhecimento da causa, que deverá ser conhecida, para julgamento desta ação declarativa de embargos.

71ª - A exceção de não cumprimento do contrato é uma exceção dilatória de direito material que se destina a permitir que, nos contratos bilaterais com obrigações, reciprocamente, interligadas por um sinalagma genético-funcional, em que não haja prazos diferentes para o cumprimento das prestações, o contraente fiel não cumpra enquanto o contraente faltoso não cumprir, também.

Trata-se de uma exceção que não legitima o incumprimento definitivo do contrato pelo contraente fiel, mas, tão-só, que lhe consente o cumprimento dilatório como forma de coagir o contraente faltoso a satisfazer, igualmente, aquilo que tem de cumprir.

Assim sendo, encontrando-se, também, a exequente vinculada ao cumprimento de uma contra-prestação, arguida a exceção, aquela está obrigada a satisfazê-la como devedora, para obviar os efeitos substantivos da aludida exceção, porquanto só poderá afastá-la provando que já cumpriu ou que os executados devem cumprir, em primeiro lugar.

Com efeito, o contraente, a quem se exige o cumprimento, não deve ser obrigado a provar que se verificam os requisitos da «exceptio non adimpleti contratus», dado que o direito a esta é uma consequência do contrato bilateral, sendo antes a exequente que, para se subtrair aos efeitos da exceção, terá de fazer a prova que já cumpriu pela sua parte ou ofereceu o cumprimento perfeito, pois é ao devedor que compete provar que cumpriu, e não ao credor que a obrigação não foi cumprida. Ac. da Rel. de Coimbra de 27-2-2007 (Hélder Roque) www.dgsi.pt.

72ª - Na compensação, o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com um prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial desse crédito, considerando que a exigibilidade em questão se reporta, diversamente, à possibilidade de o compensante impor à outra parte a realização coactiva do seu crédito- Ac. da RL de 18/2/2016 (14891/15.7T8LSB-B.L1-8).

73ª - Este acórdão rejeita -- com total razão -- a necessidade de o crédito compensante constar de título executivo. Realmente, não se encontra nenhum motivo para que assim não se deva entender (sobre a matéria, cf., neste Blog ippc, Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (3)) – Prof. Miguel Teixeira de Sousa.

74ª - O art. 729.º, al. h), CPC estabelece que, fundando-se a execução em sentença, a oposição pode fundamentar-se em contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.

75ª - A lei não exige que o contracrédito conste de um título executivo, atendendo a que a finalidade da invocação do contracrédito é a oposição à execução, e não a execução do contracrédito. O título executivo atribui a exequibilidade extrínseca a uma pretensão e constitui uma condição da ação executiva. O título executivo só se compreende em função da possibilidade da satisfação coativa de uma pretensão e para permitir esta satisfação. Sendo assim, não estando em causa a satisfação coativa do contracrédito, não é justificada a exigência de que o mesmo conste de um título executivo.

76ª - Nada no disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC (quanto à invocação da compensação por via de reconvenção) permite concluir que existe qualquer ónus de alegação desse contracrédito na ação pendente, sob pena de preclusão da alegação do contracrédito numa ação posterior; a regra é a de que a dedução de um pedido reconvencional é sempre uma faculdade do réu, nunca um ónus desta parte.

77ª - Resulta da comparação entre as al. g) e h) no art. 729.º CPC que, enquanto o facto extintivo ou modificativo que pode ser invocado com base na al. g), tem de ser posterior ao encerramento da discussão em 1.ª instância, esta exigência não é feita quanto à invocação do contracrédito; a proximidade da regulação dos regimes joga certamente no sentido de que a exigência que é feita na al. g) não pode ser estendida para a al. h); em reforço desta conclusão pode ainda argumentar-se com o disposto no art. 860.º, n.º 3, CPC.

78.º O regime legal aponta indiscutivelmente para que o contracrédito que pode ser invocado nos termos da al. h) não tem de ser posterior ao encerramento da discussão em 1.ª instância: a lei não o diz e o elemento sistemático da interpretação não só não corrobora essa exigência, como a contradiz;

79ª - O disposto no art. 732.º, n,º 5, CPC permite concluir que, se o executado não alegar o contracrédito através dos embargos de executado, nunca mais o pode alegar para provocar a extinção do crédito exequendo (ou uma outra parcela do mesmo crédito que seja alegada numa execução posterior); portanto, onde realmente o direito positivo consagra um ónus de invocar o contracrédito é na ação executiva.

80ª - Em suma: o direito positivo indicia uma construção em que onde realmente há um ónus de concentração da defesa e um ónus de alegação do contracrédito, não é na ação declarativa, mas na ação executiva.

81ª - O processo equitativo é uma garantia prevista no art. 20º, nº 4 da Constituição da República, bem como na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, concretamente no artigo 6º, nº 1. A paridade de armas, garantida pelo princípio da igualdade, implica dizer que no processo deve haver equilíbrio de forças entre as partes, de modo a evitar que uma delas se sagre vencedora no processo por ser mais forte do que a outra. O princípio da igualdade impede a privação, a uma das partes, de direitos relativos à alegação e ao contraditório, criando-se obstáculos que dificultem gravemente a situação de uma das partes em relação à outra.

Aplicação do direito

82ª – O douto acórdão sob revista interpretou e aplicou erradamente ou violou o disposto nos artigos 289º, 290º, 334º, 428º, 847º e 848º do Código Civil e 6º, 7º, 552º, 572º, 573º, 577º, 578º, 619º, 715º, 729º, 732º e 867º do CPC.

Nestes termos e nos mais de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, na procedência das antecedentes conclusões, deve ser concedida a revista, devendo proceder a preclusão, o abuso de direito e a suppressio e a ofensa do caso julgado proferido entre as partes, ou a matéria da ação declarativa destes embargos respeitante à inexistência da prestação oferecida pela recorrida e às exceções de não cumprimento e de compensação ser instruída, como requerido.

A embargada contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.

                                               *

II – O objeto do recurso

Tendo em consideração que, encontrando-se o valor da ação dentro da alçada do Tribunal da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode conhecer das questões suscitadas pela Recorrente nas suas alegações relativas à violação do caso julgado, uma vez que este recurso somente é admissível, nos termos excecionalmente previstos pelo artigo 629.º, n.º 2, a), do Código de Processo Civil.

Assim, cumpre verificar se, por um lado, a dedução da presente execução ofende o caso julgado formado pelo acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.09.2011, proferido nos autos de oposição à execução que a Exequente já havia movido à Executada em 27.01.2004 (apensos B e C), e, por outro lado, se a decisão recorrida desrespeita a autoridade do caso julgado formado pela mesma decisão da Relação de Coimbra. Todos os restantes fundamentos alegados pela Executada nas alegações de recurso não poderão ser aqui conhecidos, uma vez que o valor da causa não permite a sua apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.

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III – Os factos

Neste processo encontram-se provados os seguintes factos:

1.º A execução apensa foi instaurada com referência à decisão judicial proferida na ação declarativa que correu termos no extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, sob o n.º 695/1999, em que era Autora a aqui exequente e era Ré a aqui executada.

2.º No âmbito da ação declarativa referida em 1.º foi proferido em sede de recurso o Ac. da RC de 24/09/2002, confirmado pelo Ac. do STJ de 20/05/2003, que negou a revista, transitado em julgado, que se encontram juntos na execução e aqui se dão por reproduzidos, constando naquele primeiro, entre o mais, o seguinte dispositivo:

- julgar o recurso de apelação parcialmente procedente em mercê de tal, revogar apenas em parte a sentença recorrida, e consequentemente

a) declarar anulado o contrato de compra e venda efetivamente celebrado entre a A. Frubaça e a R., em quanto respeita às básculas de 60 e 6 toneladas respetivamente, e em razão disso condenar a dita R. a devolver a mesma a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, como correspondente à soma dos preços unitários de base dessas duas balanças e correspetivos IVA, acrescida dos juros de mora concernentes, à taxa legal, a contar da citação e até integral e efetivo pagamento.

b) condenar a R. a pagar à A. Frubaça a aquantia de Esc. 2.400.000$00 a título de indemnização pelos danos causados com a sua culposa atuação na formação de tal contrato.

3.º Correu termos por apenso (apenso B) à ação declarativa referida em 1.º uma execução instaurada pela aqui Exequente contra a aqui Executada, tendo por base a decisão referida em 2.º, instaurada em 27/01/2004, nos termos do r.e. que se encontra apresentado na ref. ….. e aqui se dá por integralmente reproduzido, e, bem assim, do requerimento apresentado pela Exequente na sequência do douto Ac. da RC de 23/11/2004, ambos que também se encontram juntos na ref. ….. e aqui se dão por reproduzidos.

4.º Correu termos por apenso (apenso C) à execução referida em 3.º uma oposição à execução, em que era opoente a aqui Executada, no âmbito da qual foi proferido em sede de recurso o Ac. da RC de 18/01/2011, confirmado pelo Ac. do STJ de 22/09/2011, que negou a revista, transitado em julgado em 10/10/2011, que se encontram juntos na execução e aqui se dão por reproduzidos, constando naquele primeiro, entre o mais, o seguinte dispositivo:

Pelo exposto julga-se:

a) Procedente a apelação deduzida contra a o saneador sentença recorrido, revogando-se o mesmo e substituindo-se por esta outra decisão: julga-se procedente a oposição à execução deduzida nos embargos de executada, por inexigibilidade da obrigação exequenda (enquanto a autora não restituir à ré as duas básculas ou não oferecer o cumprimento simultâneo dessa restituição com a restituição do preço) e em consequência determina-se a extinção desta execução.

5.º Correu termos por apenso (apenso A) à ação declarativa referida em 1.º uma execução instaurada pela aqui Executada contra a aqui Exequente, tendo por base a decisão referida em 2.º, nos termos do requerimento inicial que se encontra junto na ref. ….. e aqui se dá por reproduzido, apresentado em 16/07/2003, o qual foi indeferido liminarmente mediante decisão confirmada em sede de recurso pelo Ac. da RC de 12/10/2004, confirmado pelo Ac. do STJ de 03/03/2005, que negou a revista, transitado em julgado em 17/03/2005, ambos que também se encontram juntos na ref. …… e aqui se dão por integralmente reproduzidos.

6.º A Exequente enviou à Executada, que recebeu, a missiva datada de 04/03/2013, que se encontra na execução e aqui se dá por reproduzida, onde consta, entre o mais, o seguinte:

Em conformidade com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação (confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça) na execução com liquidação de sentença por nós intentada contra V. Exas, o qual faz depender a exigibilidade da prestação por nós executada (valor das balanças e juros), da restituição das balanças/básculas, vimos colocar à v/disposição as básculas em causa, oferecendo, assim, o cumprimento da obrigação de restituição das mesas, sendo que tal restituição não foi feita antes por V. Exas o não pretenderem.

7.º A Executada fez deslocar duas pessoas às instalações da Exequente no dia 16/05/2013 para examinar o que a Exequente disse pretender entregar em 6.º, tendo visto, em terreno situado a cerca de 500 m ao lado, um objeto correspondente às “básculas” referidas em 2.º e 4.º, em estado aqui (na oposição) não concretamente assente.

8.º A Executada enviou à Exequente, que recebeu, a missiva datada de 19/03/2013, que se encontra anexa eletronicamente à contestação e aqui se dá por integralmente reproduzida.

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IV – O direito aplicável

1. A situação jurídico-processual

A Exequente instaurou uma ação declarativa contra a aqui Executada, em que pediu a anulação de um contrato de compra e venda, através do qual a primeira havia adquirido à segunda três básculas, e a condenação desta última a pagar-lhe uma indemnização pelos danos causados com a atuação dolosa da Ré na formação do aludido contrato.

Em recurso da sentença proferida na 1.ª instância, que havia julgado improcedente a ação, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão proferido em 24.09.2002, revogou parcialmente essa sentença, tendo decidido:

 a) declarar anulado o contrato de compra e venda efetivamente celebrado entre a A. Frubaça e a R., em quanto respeita às básculas de 60 e 6 toneladas respetivamente, e em razão disso condenar a dita R. a devolver a mesma a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, como correspondente à soma dos preços unitários de base dessas duas balanças e correspetivos IVA, acrescida dos juros de mora concernentes, à taxa legal, a contar da citação e até integral e efetivo apagamento.

b) condenar a R. a pagar à A. Frubaça a quantia de Esc. 2.400.000$00 a título de indemnização pelos danos causados com a sua culposa atuação na formação de tal contrato.

Em recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 20.05.2003, confirmou o decidido pela Relação.

Em 16.07.2003, a aqui Executada instaurou uma execução contra a aqui Exequente (Apenso A), invocando o decidido na alínea a) do referido acórdão, reclamando o pagamento de € 48.687,15, correspondente ao valor das básculas que a aqui Exequente deveria devolver, a qual foi indeferida liminarmente, por falta de título.

Esta decisão foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação proferido em 12.10.2004, o qual, por sua vez, foi confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2005.

Em 27.01.2004, a Exequente instaurou execução contra a Executada (Apenso B), reclamando o pagamento de € 21.524,13, de capital, correspondente ao preço das duas básculas cuja compra e venda havia sido anulada, e juros de mora, invocando o decidido na mesma alínea a) do acórdão do Tribunal da Relação de 24.09.2002, proferido na ação declarativa, tendo apresentado novo requerimento executivo, após convite para o fazer na sequência do decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de 23.11.2004, que revogou a decisão de indeferimento liminar proferida na 1.ª instância.

A Executada deduziu oposição a esta execução (Apenso C), alegando a inexigibilidade do crédito exequendo com fundamento no incumprimento pela Exequente da sua obrigação de restituição do valor das básculas cuja venda foi anulada.

Em recurso da sentença proferida na 1.ª instância, que havia julgado no despacho saneador improcedente a oposição da Executada, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão proferido em 18.01.2011, revogou parcialmente essa sentença, tendo decidido julgar procedente a oposição à execução deduzida nos embargos de executada, por inexigibilidade da obrigação exequenda (enquanto a autora não restituir à ré as duas básculas ou não oferecer o cumprimento simultâneo dessa restituição com a restituição do preço) e em consequência determina-se a extinção desta execução.

Em recurso de revista, o Supremo Tribunal de justiça, por acórdão proferido em 22.09.2011, confirmou o decidido pela Relação.

A Exequente veio então propor nova execução, reclamando o pagamento do mesmo crédito, mas alegando, desta vez, que já havia colocado à disposição da Executada as referidas básculas.

Na sequência da dedução de oposição a esta execução pela Executada, em que esta, além do mais, voltou a suscitar a exceção de não cumprimento da obrigação do Executado devolver as duas básculas, uma vez que, na sua versão, o que foi colocado à sua disposição não passava de “sucata”.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a oposição deduzida à execução.

Essa decisão foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de 25.05.2021, que aqui se encontra sob recurso.

2. A exceção do caso julgado

A Executada recorrente alega que a propositura desta última execução viola o caso julgado formado pela decisão da oposição deduzida à anterior execução proposta contra si pela mesma Exequente e em que era reclamado o pagamento do mesmo crédito.

Efetivamente, no presente processo executivo repetem-se as mesmas partes e reclama-se o pagamento do mesmo crédito, sendo certo que na anterior execução se determinou a extinção da execução, sem que a Exequente nela tenha obtido qualquer pagamento, uma vez que foi julgada procedente a oposição a ela deduzida.

Dispõe o artigo 732.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.

A decisão proferida pelo acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011 é uma decisão de mérito, uma vez que apreciou a exigibilidade do direito de crédito exequendo.

Nessa decisão, considerou-se que, tendo sido anulado o negócio de compra e venda que teve por objeto duas básculas, há lugar à repristinação das coisas ao estado anterior à celebração do negócio inválido, tendo, por isso, cada uma das partes de restituir tudo o que, a tal título, recebeu. Daí que, enquanto a Exequente tem direito a receber o preço pago pelas básculas, a Executada tem direito a que a Exequente lhe devolva essas básculas, devendo essas obrigações recíprocas, conforme dispõe o artigo 290.º do Código Civil, serem cumpridas simultaneamente, sendo-lhes aplicáveis as normas relativas à exceção de não cumprimento.

Por esta razão, o referido acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011 julgou oponível pela Executada a exceção de não cumprimento da obrigação de restituição das básculas, através da dedução de embargos à execução, dado que a Exequente não havia oferecido anteriormente o cumprimento dessa sua obrigação, tendo concluído do seguinte modo o seu raciocínio:

Tendo a Autora atuado de modo que só com os embargos de executado seja reconhecida a existência da sua obrigação de restituição, é só agora que é possível retirar consequências da mesma, julgando procedente a exceção de não cumprimento da obrigação de restituição que cabia à Autora, não podendo pois, por isso, esta exigir da Ré o cumprimento da obrigação de restituição do preço...enquanto não restituir as básculas ou enquanto não oferecer o cumprimento simultâneo da sua obrigação de as restituir...

Assim por inexigibilidade da obrigação exequenda, verificada devido á invocação da exceção de não cumprimento (ao abrigo do artigo 814.º, e), do CPC) tem que ser julgada extinta esta execução (sem prejuízo de a Autora intentar nova execução, oferecendo em simultâneo o cumprimento da sua obrigação de restituição das básculas).

Se é evidente que esta última afirmação entre parenteses é um obiter dictum que não vincula apreciações futuras, não deixa de expressar corretamente a consciência do alcance do caso julgado da decisão onde se insere.

Na verdade, apesar do acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011 se traduzir numa decisão de mérito que concluiu pela oponibilidade da exceção de não cumprimento para considerar inexigível o crédito exequendo, não nos encontramos, no entanto, perante uma decisão definitiva.

Esta inexigibilidade é temporária[1], ganhando exigibilidade a obrigação exequenda logo que venha a ser cumprida ou oferecido o cumprimento da obrigação recíproca, obedecendo a respetiva ação executiva ao disposto no artigo 715.º do Código de Processo Civil.

Independentemente de se qualificar a exceção de não cumprimento, como uma exceção perentória modificativa[2], ou como uma exceção dilatória de direito material[3], ela apenas tem como efeito legitimar uma recusa temporária do cumprimento da obrigação.

Daí que o âmbito do caso julgado por ela formado tenha também esse alcance limitado. Uma nova ação em que o Exequente alegue que já cumpriu ou ofereceu o cumprimento da obrigação recíproca, já não se encontra abrangida pelos efeitos daquele caso julgado, uma vez que a causa de pedir que a fundamenta já inclui um elemento novo que altera decisivamente a situação que fundamentou a anterior decisão de inexigibilidade.

Com o desfecho da anterior ação apenas se formou caso julgado sobre a inexigibilidade da obrigação exequenda enquanto a Exequente não cumprisse ou oferecesse o cumprimento da obrigação recíproca, pelo que, alegando-se na nova execução que esse cumprimento já foi oferecido, o objeto desta nova execução não é o mesmo que o da anterior, pelo que não se verifica a existência de um caso julgado que impeça a sua propositura, pelo que improcede este fundamento do recurso.

2. A autoridade do caso julgado

A Executada recorrente alega ainda que o acórdão recorrido contrariou o decidido pelo já referido acórdão da Relação de Coimbra de 18.11.2011, o qual havia considerado que, enquanto o Exequente não cumprisse ou oferecesse o cumprimento da obrigação de restituição das básculas cuja venda foi anulada, a obrigação da Executada devolver o preço recebido pela venda das básculas não era exigível, desrespeitando, assim, a autoridade do caso julgado.

Como já vimos o referido acórdão da Relação de Coimbra julgou procedente a oposição à execução deduzida nos embargos de executada, considerando que, enquanto a autora não restituir à ré as duas básculas ou não oferecer o cumprimento simultâneo dessa restituição com a restituição do preço) o crédito exequendo era inexigível, e em consequência determina-se a extinção desta execução.

Na nova execução agora proposta, a Exequente, no requerimento inicial, alegou que já havia colocado à disposição da Executada as referidas básculas.

Na oposição à execução, a Executada, além do mais, disse que as básculas cuja restituição foi oferecida estavam reduzidas a “sucata”, o que equivalia a um incumprimento da obrigação de restituição que recaía sobre a Exequente, pelo que continuava a ser-lhe inexigível o cumprimento da obrigação exequenda

O acórdão recorrido, confirmou a decisão proferida pela 1.ª instância que no despacho saneador julgou improcedente a oposição à execução, sustentando que a alegação de uma situação em que o estado do objeto restituído equivaleria a uma situação de impossibilidade de restituição em espécie das básculas, com a consequente obrigação de restituição do seu valor, ou o cumprimento defeituoso dessa obrigação de restituição, não poderia ser apurada e decidida em sede de oposição à execução, sendo necessária a propositura de uma ação declarativa específica para esse efeito.

Argumenta a Recorrente que, estando as básculas que vendeu à Exequente reduzidas a “sucata”, não é possível considerar que lhe foi oferecida a sua restituição, pelo que, respeitando o decidido na anterior execução, o crédito exequendo deveria continuar a ser considerado inexequível.

Não tem razão, porém, a Recorrente. Na oposição à anterior execução apenas foi decidido que o crédito exequendo não era exequível, sem que o Exequente alegasse e demonstrasse que já havia cumprido ou oferecido o cumprimento da obrigação recíproca da obrigação exequenda. Nada se determinou caso se verificasse uma hipotética situação em que o estado do bem cuja restituição foi oferecida equivalesse a uma situação de impossibilidade de cumprimento em espécie dessa obrigação ou ao cumprimento defeituoso da mesma, pelo que, tendo-se colocado, pela primeira vez, essa situação nesta execução, a força do caso julgado formado no acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011 não impunha qualquer solução para a sua resolução.

O juízo de equivalência entre o incumprimento tout court da obrigação de restituição das básculas e o oferecimento da restituição das básculas no estado de “sucata”, é um juízo que não foi efetuado no acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011, nem o aí decidido traça qualquer diretriz que imponha que essa questão deva também ser decidida no âmbito da oposição à execução.

Por isso, os decisores nesta execução tinham inteira liberdade para decidir se essa questão podia ser apreciada e solucionada no âmbito da oposição à execução deduzida pela Executada ou se a mesma só podia ser decidida numa ação autónoma. Independentemente da correção da opção que foi tomada, a qual este tribunal não pode apreciar por se encontrar excluída do objeto do recurso, a mesma não desrespeitou a autoridade do caso julgado formado pelo acórdão da Relação …… de 18.01.2011, uma vez que ele não havia apreciado tal questão, nem o que aí foi decidido impunha necessariamente uma solução diferente. Esse acórdão limitou-se a considerar oponível e procedente a exceção de não cumprimento da obrigação recíproca da obrigação exequenda, em sede de oposição à execução, o que não obriga a que o referido juízo de equivalência deva também ser efetuado nessa sede, pelo que o decidido pelo acórdão recorrido não contraria o que havia sido decidido pelo acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011.

Face ao exposto, não se verifica que o acórdão recorrido tenha desrespeitado a autoridade do caso julgado, relativa ao decidido pelo acórdão da Relação de Coimbra de 18.01.2011, pelo que também improcede este fundamento do recurso.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela Executada, confirmando-se a decisão recorrida.

                                               *

Custas do recurso pela Executada.

                                               *

Notifique.

                                               *

Nos termos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.

                                               *

Lisboa, 8 de setembro de 2021

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha

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[1] Sobre os efeitos temporários da exceção de não cumprimento, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, 2017, pág. 402, ANA TAVEIRA DA FONSECA, Da Recusa de Cumprimento da Obrigação para Tutela do Direito de Crédito. Em Especial na Exceção de Não Cumprimento, no Direito de Retenção e na Compensação, Almedina, 2015, pág. 237, e NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 804.
[2] TEIXEIRA DE SOUSA, As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa, Lex, 1995, pág. 164, e REMÉDIO MARQUES, A Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2011, pág. 460.
[3] CARLOS MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Almedina, 1970, pág. 371, ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 402, JOSÉ JOÃO ABRANTES, A Exceção de Não Cumprimento, pág. 129-132, ANA TAVEIRA DA FONSECA, ob. cit., pág. 260, MIGUEL MESQUITA, Reconvenção e Exceção no Processo Civil, Almedina, 2009, pág. 47-48, e NUNO PINTO OLIVEIRA, ob. cit., pág. 798.