EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
RECLAMAÇÃO
NULIDADE DO ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário


Uma reclamação destinada a demonstrar a eventual verificação de alguma das hipóteses previstas no art. 615º, n.1 do CPC, não é o meio próprio para expressar discordância sobre a forma como o direito foi aplicado ao caso concreto. O poder jurisdicional esgotou-se com a prolação do acórdão (art. 613º do CPC), e não havendo lugar a qualquer outro recurso, por ser o STJ a última instância decisória, cabe às partes acatarem as suas decisões, com elas se conformando.

Texto Integral




Processo n. 85/13.0TBMRA.E2.S1

Reclamantes: AA e outros.

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA e mulher, BB (1.ºs), CC e mulher, DD (2.ºs), EE e mulher, FF (3.ºs) e GG e mulher, HH (4.ºs), recorridos no recurso de revista em que é recorrente II, vieram apresentar reclamação contra o acórdão proferido por este tribunal, em 09.06.2021, invocando nulidades, nomeadamente, por omissão e por excesso de pronúncia.

2. O recorrente-Reclamado pronunciou-se defendendo a improcedência da reclamação.

Cabe apreciar.

3. Os reclamantes começam por tecer longas considerações sobre a admissibilidade do próprio recurso de revista, concluindo pela invocação da nulidade do despacho que admitiu o recurso (revogando o despacho do TR….., que havia negado a subida desse recurso). Afirmam os reclamantes que essa decisão é ininteligível, obscura e contraditória, sofrendo de nulidade tanto por excesso como por omissão de pronúncia.

Cabe, desde já, afirmar que tal pretensão dos reclamantes se apresenta completamente destituída de qualquer fundamento legal, bem como de qualquer sentido inteligível. O despacho da relatora que deu provimento à reclamação do recorrente (apresentada nos termos do art.643º do CPC) foi alvo de impugnação, pelos recorridos (agora reclamantes). Em consequência dessa impugnação, foi proferido acórdão da Conferência, que confirmou o despacho impugnado. Este acórdão transitou em julgado, não tendo sido arguida qualquer nulidade pelos agora reclamantes. Assim, nos termos dos artigos 619º e 620º do CPC, o acórdão que se pronunciou sobre a admissibilidade da revista tornou-se inatacável, formando caso julgado.

São, assim, absolutamente infundadas todas as alegações dos agora recorrentes sobre a matéria da admissibilidade do recurso de revista, sendo despiciendo tecer quaisquer considerações adicionais sobre as extensas alegações (maioritariamente sobre a matéria de facto) que os reclamantes apresentam para demonstrarem a existência de dupla conforme e a consequente inadmissibilidade do recurso de revista.

4. Quanto ao acórdão proferido em revista, em 09.06.2021, os reclamantes parecem pretender afirmar [pontos 19 a 29 das suas alegações] que este acórdão seria nulo por ter discordado do que havia sido decidido pelas instâncias. Todavia, não se consegue identificar, com clareza, qual seria o fundamento de nulidade legalmente previsto para tal hipótese, atendendo à taxatividade das causas de nulidade previstas no art. 615º do CPC. Discordar do modo como um tribunal recorrido aplicou o direito à factualidade provada cabe na função própria de um tribunal de recurso.

5. No ponto II do requerimento, que titulam como «Outras nulidades de que enferma o acórdão “sub judice”», os reclamantes dedicam longas considerações a discordar do decidido pelo acórdão reclamado, e a repetir exaustivamente as alegações sobre a matéria de facto que inicialmente haviam alegado. Acabam por afirmar [ponto 2.21 e seguintes] que o acórdão reclamado teria procedido a alterações da matéria de facto, tendo, por isso, incorrido em excesso de pronúncia. Ao mesmo tempo, afirmam que o acórdão teria incorrido em omissão de pronúncia, por não ter indicado expressamente quais seriam as alternativas à constituição da servidão de passagem.

Quanto a esta última afirmação, é manifesto que não cabia ao acórdão reclamado pronunciar-se sobre qualquer concreta alternativa de constituição de uma servidão de passagem, pois os reclamantes bem sabem que tal não integrava o objeto do recurso, pelo que não de verifica qualquer hipótese de omissão de pronúncia, não existindo, portanto, qualquer nulidade prevista no art. 615º, n.1, alínea d) do CPC.

Tal como não se verifica a consequência prevista nessa norma por excesso de pronúncia, pois, contrariamente ao afirmado pelos reclamantes, não procedeu o acórdão reclamado a qualquer alteração da matéria de facto, porquanto a este tribunal cabe julgar de direito, como estabelece o art. 682º do CPC.

6. Afirmam ainda os reclamantes [ponto 2.23 e seguintes do seu requerimento] que o acórdão não especificou os fundamentos de direito e de facto que justificaram a decisão recorrida, pelo que seria nulo, nos termos do art. 615º, n.1, alínea b) do CPC. 

É manifesto que nenhuma razão assiste aos reclamantes para fazerem tal afirmação, não se verificando, portanto, a nulidade prevista naquela norma. Basta que os reclamantes leiam, com alguma atenção, o que se deixou explanado nas páginas 20 a 27 do acórdão reclamado (cujo teor nos dispensamos de reproduzir) para concluírem, sem dificuldade, que o acórdão se encontra devidamente fundamentado, pois aí se referem detalhadamente os argumentos que justificaram a revogação do acórdão do TR…….

7. Na restante parte das suas alegações, os reclamantes tecem conjeturas sobre hipotéticas insinuações respeitantes a caminhos alternativos, e elaboram cenários sobre a sua eventual construção e eventuais custos, que são absolutamente despiciendos no âmbito da presente reclamação.

Não é, certamente, uma reclamação destinada a demonstrar a eventual verificação de alguma das hipóteses previstas no art. 615º, n.1 do CPC, o modo próprio para discorrer sobre a forma como o direito foi aplicado ao caso concreto. O poder jurisdicional esgotou-se com a prolação do acórdão (art. 613º do CPC), e não havendo lugar a qualquer outro recurso, por ser esta a última instância decisória, cabe às partes acatarem as decisões, com elas se conformando, na certeza de que este Supremo Tribunal aplica as soluções legais tecnicamente mais corretas, condicionado pela factualidade que as instâncias apuraram e que, a este nível, não pode ser alterada, como os reclamantes bem sabem.

Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.

Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Lisboa, 22.09.2021

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Ricardo Costa

António Barateiro Martins

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).