PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
SUA FUNÇÃO
REDUÇÃO TELEOLÓGICA
INTERPRETAÇÃO ATUALÍSTICA
Sumário

I – O decurso do prazo de prescrição, nas prescrições presuntivas, não prova a extinção direta do direito, antes presume o cumprimento da respetiva obrigação, invertendo e agravando o ónus de prova deste facto, pelo que a extinção do direito só resultará, de modo indireto, do funcionamento daquela presunção, ao não ser ilidida, daí se diferenciando das prescrições extintivas.
II - A redução teleológica de uma norma é uma operação hermenêutica possível, mas para que ela seja levada a cabo é necessário que seja manifestamente desadequada a aplicação da norma à situação em causa, por se verificar um desvirtuamento chocante das finalidades perseguidas com a sua previsão.
III - Há que ter em consideração, como alertou um recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Acórdão de 25.02.2021, relatado João Cura Mariano, e acessível em www.dgsi.pt -, que o regime dos prazos de prescrição constantes do nosso Código Civil se encontra manifestamente desadequado face ao ritmo de vida atual e ao dinamismo da atividade económica.
IV - Face à desatualização das razões que na altura presidiram à adoção das prescrições presuntivas pelo C. Civil de 1966 e à atual necessidade de proteção dos interesses económicos dos consumidores, deve o disposto no art.º 317º, b), do C. Civil, encontrar hoje os seus fundamentos na proteção devida aos interesses do consumidor, enquanto parte mais débil numa relação subjetivamente desequilibrada, não devendo o consumidor ficar sujeito às dificuldades de prova do cumprimento de uma obrigação cuja satisfação é tardiamente reclamada.
V - Estando-se perante uma compra e venda de consumo, em que o preço deveria ser pago em prestações de 500,00€ que se venciam mensalmente, não há qualquer razão para que não se aplique o disposto no art.º 317º, b), do C. Civil, presumindo-se que essas prestações foram pagas decorridos dois anos após a data de vencimento de cada uma delas, sendo possível ilidir essa presunção apenas pelo modo previsto no art.º 313º do C. Civil.

Texto Integral








Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Embargante deduziu oposição à execução que lhe move a Embargada, sustentando, em síntese, conforme consta do relatório da decisão proferida:            que pagou a totalidade do preço acordado até meados de abril de 2012 e, nessa altura, o exequente transferiu a propriedade para o seu nome; em todo o caso, o crédito do exequente mostra-se prescrito, nos termos do artigo 317.º, al. b) do CC; não são devidos quaisquer montantes; é ininteligível a causa de pedir referente aos pedidos de 750 euros e de 2.360,33 euros; o executado não era comerciante e a transação estabelecida entre as partes não foi comercial; conclui pela condenação do exequente como litigante de má fé e condenação em multa e indemnização não inferior a 5.500,00 euros.

A Exequente apresentou contestação sustentando, em síntese também como consta do relatório já mencionado, não ser aplicável ao crédito em apreço o disposto no artigo 317.º do CC.
Ademais, a alegação de cumprimento encontra-se em oposição com o plano de pagamento em prestações firmado com o exequente, o qual constitui uma confissão extrajudicial de divida e com a interpelações efetuadas pelo exequente ao executado. A quantia de 750 euros encontra-se suficientemente justificada diante da remissão para o artigo 7.º do DL 62/2013, de 10 de maio, e a quantia de 2.360,33 euros encontra justificação do artigo 805.º, n.º 1 do CPC, actual 716.º.
Conclui que quem litiga de má fé é o embargante e, por isso, deve ser condenado em multa e indemnização a favor do exequente.
Veio a ser proferida sentença que julgou a oposição nos seguintes termos:
 Com os fundamentos de facto e de direito enunciados julgo parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 7.499,97 euros, acrescida de juros à taxa de juros civis sucessivamente vigentes, encontrando-se vencidos desde 17 de fevereiro de 2012 até 28 de agosto de 2019 no montante 2.257,80 euros e juros vincendos a partir de 29 de agosto de 2019.
O Embargante interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
...
Não foi apresentada resposta.
1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas, as questões a apreciar são:
- nulidade da sentença
- impugnação da matéria de facto
- prescrição
- má-fé da Embargada.
2. Da nulidade da sentença
O Recorrente imputa à sentença o vício da nulidade por condenação em objeto diverso do pedido, alegando que a Embargante no requerimento executivo reclamou juros comerciais e não civis, configurando a dívida objeto da execução como uma dívida comercial, o que não se provou.
Decorre do requerimento executivo a pretensão da Embargada pretender obter pagamento da quantia exequenda no montante de €15.174,87 que liquida nos seguintes termos:
« A) Valor Líquido:
1. Valor constante do titulo = 7.499,97 €
2. Juros de mora comerciais à taxa legal calculados desde 17-02-2012 até 28-08-2019 = 4.539,07 €
3. Art.º 7º  DL 62/2013 = 750 €
4. Taxa de justiça legal = 25,50€
A) 1+2+3 = 12.301,66 €
B. Valor dependente de simples cálculo aritmético
4. Juros vincendos a liquidar a final
5. Despesas previsíveis com a Execução, sem prejuízo de ulterior liquidação - Art.º 821º CPC
6. Custas que venham a ser pagas pelo Exequente
7. Valores pagos ao Solicitador de Execução
8. Demais encargos com a presente Execução
B) Pedido de valor líquido (20%) nos termos do art.º.805/1 do CPC (B=4+5+6+7+8) = 2.360,33 €
C) = A + B = 15.174,87 €.»
Na decisão recorrida consta a este respeito:
O artigo 464.º do Código Comercial diz que “Não são consideradas comerciais:
1,º As compras de quaisquer cousas móveis destinadas ao uso ou consumo do comprador ou da sua família, e as revendas que porventura desses objectos se venham a fazer;
Não sendo um ato comercial, seja pela via do direito, seja pela via convencional, não haverá lugar à contagem de juros nos termos do disposto no artigo 102.º do Código Comercial.
Assim, o Exequente apenas tem direito a juros moratórios à taxa de juros civis supletiva.
Procedem assim, nesta parte, os embargos de executado.

A decisão jugou parcialmente procedentes os embargos e determinou o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 7.499,97 euros, acrescida de juros à taxa de juros civis sucessivamente vigentes…
Dispõe o art.º 615º, n.º1, e), do C. P. Civil:
É nula a sentença quando condene em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.
Esta nulidade está diretamente relacionada com a violação do princípio do dispositivo na conformação objetiva da instância, e com a não observação dos limites impostos pelo art.º 609º, n.º 1, do C. P. C., que preceitua:
A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto do que se pedir.
A sentença proferida apenas julgou da procedência dos embargos.
Relativamente aos juros peticionados, qualificou o contrato constitutivo do crédito exequendo como não sendo um contrato comercial e, por isso, aplicou-lhe a taxa de juro dos contratos civis.
A sentença limitou-se, pois, a efetuar uma qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, diversa daquela que foi efetuada pela Exequente, e perante essa diferente qualificação aplicou a taxa de juros legal prevista para a mora na satisfação do respetivo crédito.
Estamos perante uma diferente aplicação das regras de direito, a qual é permitida pelo art.º 5º, n.º 3, do C. P. Civil e a procedência parcial dos embargos nessa parte, traduz-se apenas numa diferença quantitativa para menos, o que não ofende o disposto no art.º 609º, n.º 1, do C. P. Civil, pelo que não se verifica a alegada nulidade.
3. Os factos:
O recorrente discorda do julgamento efetuado quanto à matéria de facto, pretendendo que, após reapreciação das provas produzidas, seja julgado provado o facto não provado sob o n.º II e seja julgado não provado o provado sob o n.º VII.
Pretende ainda que sejam aditados os seguintes factos:
- A exequente alterou a verdade dos factos no requerimento executivo;
- O representante legal da exequente tinha conhecimento que o executado à data da compra e venda do veículo ... trabalhava como funcionário numa empresa em Leiria de máquinas de terraplanagem, designada por STET.
O facto não provado sob o n.º II tem a seguinte redação:
O Executado pagou o preço acordado até meados de abril de 2012 ou em qualquer outra data.
Das provas produzidas afigura-se-nos que tal facto se deve manter como não provado uma vez que da prova produzida não resulta a certeza mínima para ser considerado provado.
O facto provado sob o n.º VII é:
 O Executado deixou de pagar as mensalidades acordadas em Novembro de 2012:
No caso que nos ocupa o recorrente, como sua defesa, além de alegar o pagamento do crédito exequendo, invocou a prescrição presuntiva do art.º 317º, b), do C. P. Civil, por já há muito ter decorrido o prazo de dois para além da data de vencimento da última prestação do preço acordado entre as partes.
 Como adiante explicitaremos esta prescrição presume o cumprimento da respetiva obrigação, invertendo e agravando o ónus de prova deste facto, pelo que a extinção do direito só resultará, de modo indireto, do funcionamento daquela presunção, ao não ser ilidida, daí se diferenciando das prescrições extintivas.
Como decorre do art.º 313º, n. 1 do C. Civil a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.
É manifesto que do depoimento do Embargante não resulta a confissão expresso da dívida, o que também foi entendido pela 1º instância. No entanto considerou-se a prova de tal facto que as respostas titubeantes e contraditórias dadas pelo Embargante convenceram o Tribunal da existência da divida, consubstanciando assim confissão tácita.
Ora, a confissão enquanto meio de prova deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar – art.º 357º, n.º 1 do C. Civil – desiderato que não é atingível pela apreciação subjetiva do modo como o depoimento foi prestado. A contrariedade das respostas e titubeamento não podem, mesmo convencendo o tribunal da existência da dívida, ser argumento que determine a confissão em causa.
Assim, julga-se não provado o facto em causa.
Quanto aos factos que o Executado pretende ver aditados se o primeiro deles não passa de uma conclusão já o mesmo não se pode dizer do segundo.
Este facto, conforme consta da decisão proferida, consta provado pelas declarações do próprio executado conjugadas com a declaração da sua entidade patronal junta com a oposição, bem como pela confissão do legal representante da Exequente que está extractada na acta da sessão de julgamento do dia 17.12.2019  
Assim, adita-se aos factos provados o seguinte:
O executado à data da compra e venda do veículo ... trabalhava como funcionário numa empresa em Leiria de máquinas de terraplanagem, designada por S..., o que era do conhecimento do representante legal da exequente.
Os factos provados são:
i. Exequente e Executado celebraram, em 17 de fevereiro de 2012, o contrato de compra e venda que consta dos autos de execução e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
ii. Através do mencionado contrato o Exequente vendeu, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, ao Executado e este comprou, o veiculo automóvel de marca ..., matricula ..., pelo preço de 11 mil euros (cláusulas 1ª e 2.ª).
iii. Exequente e Executado acordaram que o preço seria pago em 22 mensalidades, cada uma no valor de 500 euros, mediante débito em conta ou transferência bancária para a conta com o NIB ..., vencendo-se a primeira mensalidade no dia 25 de Fevereiro de 2012 e as restantes ao dia 25 de cada mês (cláusulas 3.ª e 4.ª).
iv. Exequente e Executado acordaram que o Exequente reserva para si o direito de propriedade do veiculo e que o Executado poderá a todo o tempo fazer amortizações, bem como liquidar a totalidade do montante em divida (cláusula 5.ª e 6.ª).
v. No dia 05 de fevereiro de 2014 o Exequente remeteu ao Executado uma carta informando-o de que se encontra em divida o montante de 7.499,97 euros e solicita o seu pagamento nos próximos 8 dias sob pena de promover o procedimento judicial tendente à sua cobrança coerciva.
vi. A referida carta foi recebida, pessoalmente, pelo Executado, no dia 10 de fevereiro de 2014.
vii.  Eliminado
viii. Em outubro de 2013 o Executado entregou ao Exequente 100 euros.
ix. O executado à data da compra e venda do veículo ... trabalhava como funcionário numa empresa em Leiria de máquinas de terraplanagem, designada por S..., o que era do conhecimento do representante legal da exequente. – facto aditado.
4. O direito aplicável
O Embargante, na oposição deduzida, além de alegar o pagamento do crédito exequendo, invocou a prescrição presuntiva do art.º 317º, b), do C. Civil, por já há muito ter decorrido o prazo de dois anos, para além da data de vencimento da última prestação do preço acordado entre as partes.
Na verdade, o art.º 317º, b), do C. Civil, prevê que prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos objetos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efetuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.
A sentença recorrida considerou, no entanto, que o crédito exequendo não se encontrava abrangido por esta prescrição presuntiva, por não se tratar de um negócio corrente do dia-a-dia, nem se encontrar marcado pela oralidade e pelo preço não dever ser pago num curto espaço de tempo, prolongando-se por um período de 22 meses.
O decurso do prazo de prescrição, nas prescrições presuntivas, não prova a extinção direta do direito, antes presume o cumprimento da respetiva obrigação, invertendo e agravando o ónus de prova deste facto, pelo que a extinção do direito só resultará, de modo indireto, do funcionamento daquela presunção, ao não ser ilidida, daí se diferenciando das prescrições extintivas.
A adoção desta figura híbrida pelo nosso Código Civil de 1966, transitando do Código de Seabra, o qual, por sua vez, nesta matéria, se inspirou no Código de Napoleão, visou proteger o devedor de dívidas que costumavam ser pagas rapidamente e de cujo pagamento não era habitual cobrar recibo ou que, quando passado, não era hábito mantê-lo, por longo tempo em poder do devedor [1].
Foi atendendo à funcionalidade deste instituto que a decisão recorrida entendeu excluir a sua aplicabilidade, apesar da situação sub iudice preencher integralmente a previsão do art.º 317º, b), do C. Civil – estamos perante um crédito de um comerciante correspondente ao preço de um bem vendido a um não comerciante. Seguindo uma conhecida corrente jurisprudencial, mas aplicada aos contratos de empreitada [2], efetuou uma redução teleológica daquele preceito legal, dele excluindo os créditos em que não se verificam as características que motivaram o legislador de 1966 a manter aquelas presunções legais, mesmo que estes preencham os requisitos exigidos pela letra da lei.
Se a redução teleológica de uma norma é uma operação hermenêutica possível, para que ela seja levada a cabo é necessário que seja manifestamente desadequada a aplicação da norma à situação em causa, por se verificar um desvirtuamento chocante das finalidades perseguidas com a sua previsão.
Ora, desde os anos 60 do século passado até aos dias de hoje verificou-se uma evolução que alterou profundamente as práticas comerciais e as formas de cumprimento das obrigações pecuniárias, pelo que ajuizar da integração das realidades atuais nas finalidades visadas com a criação de uma determinada normação dirigida a uma realidade ultrapassada é um exercício que exige especiais precauções.
Em primeiro lugar, há que ter em consideração, como alertou um recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[3], que o regime dos prazos de prescrição constantes do nosso Código Civil se encontra manifestamente desadequado face ao ritmo de vida atual e ao dinamismo da atividade económica. Note-se, por exemplo, que o Código Civil Francês, fonte inspiradora das nossas prescrições presuntivas, com a reforma operada em 2008 aboliu este tipo de prescrições, tendo reduzido o prazo regra de 30 para 5 anos.
Por outro lado, acentuou-se nas últimas décadas uma especial proteção do consumidor nos negócios celebrados com comerciantes, multiplicando-se as soluções legais que procuram beneficiar os interesses do consumidor, no cumprimento da diretriz contida no artigo 60º da Constituição.
Assim, face à desatualização das razões que na altura presidiram à adoção das prescrições presuntivas pelo C. Civil de 1966 e à atual necessidade de proteção dos interesses económicos dos consumidores, deve o disposto no art.º 317º, b), do C. Civil, encontrar hoje os seus fundamentos na proteção devida aos interesses do consumidor, enquanto parte mais débil numa relação subjetivamente desequilibrada, não devendo o consumidor ficar sujeito às dificuldades de prova do cumprimento de uma obrigação cuja satisfação é tardiamente reclamada.
Note-se que, em regra, como sucederia no presente caso, a exclusão de um crédito previsto na letra do art.º 317º, b), do C. Civil, em que seja excluída a sua aplicação por força da referida redução teleológica, passaria a ter um prazo de prescrição de 20 anos, o que significava que recaía sobre o devedor/consumidor o ónus de demonstrar o pagamento do mesmo, caso este lhe viesse a ser exigido pouco antes de se terem completado 20 anos sobre a sua data de vencimento, pelo que só em situações muito excecionais é que poderá colocar-se a hipótese de se proceder a uma redução teleológica da referida norma.
No presente caso estamos perante a compra de um veículo automóvel usado por um não comerciante a uma sociedade comercial, ou seja, por um comerciante – art.º 13º do Código Comercial -, pelo preço de 11.000,00 €, a satisfazer em 22 prestações mensais de 500,00 € cada uma, vencendo-se a primeira mensalidade em 25.02.2012.
A vendedora só veio exigir judicialmente o pagamento do preço das prestações vencidas após 25.11.2012, em 28.08.2019.
Estando nós perante uma compra e venda de consumo, em que o preço deveria ser pago em prestações de 500,00€ que se venciam mensalmente, não há qualquer razão para que não se aplique o disposto no art.º 317º, b), do C. Civil, presumindo-se que essas prestações foram pagas decorridos dois anos após a data de vencimento de cada uma delas, sendo possível ilidir essa presunção apenas pelo modo previsto no art.º 313º do C. Civil.
Ora, como resultou da alteração da decisão sobre a matéria de facto provada, efetuada neste mesmo acórdão, a vendedora não logrou ilidir tal presunção, nos termos exigentes impostos pelo art.º 313º do C. Civil, pelo que deve considerar-se que opera nesta situação a prescrição presuntiva do art.º 317º, b), do C. Civil, encontrando-se prescrito o crédito cujo pagamento era reclamado na presente execução.
5. Da má-fé da Embargada
O Embargante formulou pedido de condenação da Embargada como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor de montante não inferior a € 5.500,00, pedido que não obteve provimento na decisão proferida.
Para fundamentar esta pretensão alegou:
A Exequente, ao vir requerer o pagamento de um veículo que já lhe foi integralmente pago, alegando inclusivamente e até que o Executado terá afetado o referido veículo à sua (do Executado) atividade comercial – o que é completamente falso e desprovido de sentido – encontra-se a deduzir pretensão(ões) cuja falta de fundamento não deveria ignorar, tendo alterado a verdade dos factos e omitido factos relevantes para a decisão da causa.
Dispõe o n.º 2 do art.º 542º do C. P. Civil:
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
 a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
 c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
 d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso mani­festa­mente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A má-fé a que alude o citado preceito reveste-se de dois aspectos: a má-fé material, aquela a que se referem as alíneas a), b) e c), e a má-fé instrumental, a referida na alínea d).
Ao direito concreto de exercer a atividade processual são impostas limita­ções pela ordem jurídica, nomeadamente exigindo-se que o litigante esteja de boa-fé ou suponha ter razão.
Se a parte agiu com a consciência de que não tinha razão ou se não pon­de­rou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta é ilícita, impondo o art.º 542º do C. P. Civil, que seja condenada em multa e numa indemnização à parte contrá­ria se esta o pedir.
Neste processo não se fez a prova efetiva que o crédito reclamado pela Exequente tivesse sido pago, tendo apenas se constatado a existência de uma prescrição presuntiva desse crédito.
Por outro lado, é verdade que, no requerimento executivo, a Exequente alegou que o Executado destinou o veículo adquirido ao seu comércio e em prol da sua vivência pessoal e familiar, sendo certo que se provou que o executado à data da compra e venda do veículo ... trabalhava como funcionário numa empresa em Leiria de máquinas de terraplanagem, designada por S..., o que era do conhecimento do representante legal da exequente.
Contudo no artigo 17º da contestação aos embargos, perante a afirmação do facto que veio a ser julgado provado pelo Executado, a Exequente admitiu que o veículo fosse apenas destinado à vida pessoal daquele, o que corresponde a uma retractação do que havia afirmado no requerimento executivo.
Essa retracção deve ser ponderada numa avaliação global do comportamento processual da Exequente, não se justificando a sua condenação como litigante de má-fé.
Decisão:
Nos termos expostos, julgando procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida, decidindo-se:
- Julgar totalmente procedente a oposição e, consequentemente, extinta a execução.
- Indeferir a condenação da exequente como litigante de má fé.
- Custas da oposição e do recurso pela Exequente.
                                                                               12.10.2021.

                                                          


[1] Explicando as razões da manutenção das prescrições presuntivas no Código Civil de 1966, VAZ SERRA, Prescrição extintiva e caducidade, B.M.J. n.º 106, pág. 51, SOUSA RIBEIRO, Prescrições presuntivas: sua compatibilidade com a não impugnação dos factos articulados pelo autor, R.D.E., Ano V, n.º 2, pág. 392-394, BRANDÃO PROENÇA, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 759.

[2] V.g. os Acórdão do S.T.J. de 29.11.2006, relatado por Alves Velho e de 29.11.2006, relatado por João Camilo, ambos acessíveis em www.dgsi.pt .
[3] Acórdão de 25.02.2021, relatado  João Cura Mariano, e acessível em www.dgsi.pt .