CONTA BANCÁRIA
MEDIDAS PREVENTIVAS
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
Sumário

A Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto estabelece e regula medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/05, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6/12, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.
A referida Lei n.º 83/2017 adopta para sua aplicação uma noção mais ampla de "branqueamento" do que o artigo 368º-A, n.º 2, do Código Penal.
Tendo a instituição bancária detectado movimentação anómala em determinadas contas e havendo indícios de factos susceptíveis de integrar a prática de, pelo menos, crimes de fraude fiscal, previstos nos artigos 103º e 104º do RGIT, e que as contas bancárias são utilizadas para receber e transferir quantias de origem duvidosa, susceptível de integra o crime de branqueamento, é da competência ao Ministério Público determinar a suspensão temporária da execução de todos os movimentos a débito, bem como de todos os meios de pagamento associados, promover ao Juiz de Instrução Criminal a confirmação da medida.
Havendo indícios de que toda a movimentação da conta é suspeita, indícios esses agravados pela admissão da titular da conta de que exerce uma actividade de intermediação financeira, sem que para tal esteja autorizada pela CMVM ou reúna as condições legais para isso, conduta essa punível como crime, nos termos do artigo 200º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, impõe-se a suspensão de operações prevista no artigo 48º da Lei n.º 83/2017, porque se impõe impedir a movimentação de forma a obstar que os fundos depositados se dissipem e sejam utilizados em benefício dos agentes do crime e/ou integrados na economia legítima.
Do mesmo se impõe essa suspensão se se confirmar que essa aparente actividade de intermediação financeira é um esquema piramidal ou "Ponzi", a que a titular da conta não está autorizada, subsumível a crimes de burla qualificada, previstos e punidos nos termos dos artigos 218º, n.º 1, e 218º, n.º 2, alíneas a) e b), ambos do Código Penal.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
             
I – Relatório:
RC, Lda, interveniente nos autos de processo referenciados, recorre da decisão de fls. 154 a 157, que confirmou e autorizou a suspensão de movimentação das contas bancárias detidas pela mesma.
***
II- Fundamentação de facto:
1- A 9/3/2021 o Ministério Público produziu o seguinte despacho:
« (…) 2 — Decisão de suspensão de operações bancárias
2.1 - Introdução
O presente procedimento de averiguação preventiva de branqueamento teve início com comunicação efectuada por entidade obrigada a tal, nos termos da Lei n.2 83/2017, de 18 de Agosto. A mencionada Lei estabelece e regula medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/05, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6/12, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.
Nos termos do artigo 368º-A, n.º 2, do Código Penal, comete o crime de branqueamento "Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal", bem como, nos termos do n.º 3 de tal artigo, "quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos". Acresce ainda que, conforme estatui o n.º 1 do citado artigo, consideram-se como "vantagens", para efeitos de imputação do aludido crime, "os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infrações referidas no n.° 1 do artigo 1.º da Lei n.° 36/94, de 29 de setembro, e no artigo 324.2º do Código da Propriedade Industrial, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos, assim como os bens que com eles se obtenham.".
Todavia, a referida Lei n.º 83/2017 adopta para sua aplicação uma noção mais ampla de "branqueamento", definindo-o, nos termos do artigo 22, n.º 1, alínea j): como abrangendo:
"i) As condutas previstas e punidas pelo artigo 368.º-A do Código Penal;
ii) A aquisição, a detenção ou a utilização de bens, com conhecimento, no momento da sua receção, de que provêm de uma atividade criminosa ou da participação numa atividade dessa natureza; e
iii) A participação num dos atos a que se referem as subalíneas anteriores, a associação para praticar o referido ato, a tentativa e a cumplicidade na sua prática, bem como o facto de facilitar a sua execução ou de aconselhar alguém a praticá-lo;".
A comunicação que deu origem aos presentes autos foi efectuada nos termos do artigo 43º, n.2 1, da Lei n.º 83/2017, o qual determina que "As entidades obrigadas, por sua própria iniciativa, informam de imediato o Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo.".
Acresce ainda que, por se verificarem os respectivos pressupostos, a entidade obrigada exerceu o dever de abstenção previsto no artigo 47º, n.º 1 e n.º 2, da citada Lei e, consequentemente, absteve-se de executar a(s) operação(ões) que a seguir se descreve(m).
2.2 — Caso concreto e informações recolhidas
No caso de que ora nos ocupamos, a Caixa Geral de Depósitos comunicou que a RC , LDA. é titular da conta de depósito à ordem com o IBAN PT50 ... e de uma conta de ativos financeiros n.º 0909.032613.944, sendo que a referida conta à ordem foi aberta a 04-08-2020, no balcão "Guadiana", em Vila Real de Santo António.
A mencionada empresa foi constituída a 30-04-2020, tem a sua sede no Porto e tem um capital social de € 3.000,00, divido em partes iguais por dois cidadãos espanhóis LP_____ e AR___ , sendo a gerência assumida por este último. O seu objecto social consiste em "Comercialização, intermediação e gestão de moeda virtual e cryptocurrency (bitocoin, ethereum e outros) directamente ao público em geral ou através de plataformas on-line de venda directa, própria ou de terceiro; actividades de disponibilização de meios físicos e electrónicos, com vista a facilitar as operações de câmbio de cryptocurrency por uma divisa tradicional, ou vice-versa.".
Entre 01-10-2020 e 02-03-2021 a referida conta à ordem registou movimentação anómala consubstanciada no seguinte:
a- A crédito a conta registou 302 transferências no valor total de € 15.224.565,80, de valores que oscilaram entre os € 100,00 e os € 7.675.511,01. De destacar que os ordenantes são empresas e particulares e as transferências são ordenadas maioritariamente a partir de Espanha, algumas de Portugal e Reino Unido;
A transferência de maior valor, € 7.675.511,01, recebida em 2020.02.26, foi ordenada pela empresa RC  Trading Ltd, com sede em Ltd 27 Old Gloucester Street London W1FOUH- Reino Unido, a partir da conta sediada na Suíça com o IBAN CH2808799955600051814, com o descritivo "Account Closing Transfer", o Banco ordenante foi o Banco MIGOM BANK LTD, com sede em ROSEAU — DOMINICA e o Banco emissor SWISS EURO CLEARING BANK GMBH in FRANKFURT AM MAIN, na Suíça.
Questionado o cliente JR_____ sobre o motivo e origem da transferência supra identificada, foi explicado pelo mesmo que o valor resultava do cancelamento de uma conta bancária no MIGOM BANK LTD, titulada pela empresa RC  Trading Ltd, com sede no Reino Unido. (...)
Sobre a empresa RC  Trading Ltd, foi possível apurar que tem sede no Reino Unido, inicialmente tinha como designação "Appreciate All The Business Limited" e era detida pelo cidadão britânico, Bryan Thornton. Em 2020.11.24, a empresa mudou de nome para o atual, Bryan Thornton cessou as suas funções e foi nomeado JR_____ como administrador da empresa;
Analisámos os extratos remetidos pelo cliente da conta titulada pela RC  Trading Ltd, no Banco MIGOM BANK LTD (sede em Dominica), e destacamos no extrato da conta em euros, do mês de fevereiro 2021 (Anexo V), que em 2021.02.02, a conta registou um crédito no valor de 6.744.402,93 USD (cujo nome do ordenante se desconhece) e posteriormente emite em 2021.02.05 uma transferência de € 7.772.669,42, para crédito da conta nesta IF com o IBAN PT50 ....
- A débito destacamos:
Até finais de dezembro de 2020, a emissão de 5 transferências emitidas, no valor total de € 770.000,00 a favor da empresa ALGORITHMS GROUPS LTD, para crédito de uma conta sediada na Suíça, com o IBAN CH2808799955600051814 no Banco INCORE BANK AG (Suíça). Sobre a referida empresa, apurámos que tem sede no Reino Unido e é gerida pelo cidadão espanhol, JBRodriguez;
A partir de 2020.12.24 até 2021.02.24, a emissão de 4 transferências no valor total de € 2.576.157, a favor de FAZRIKI LIMITED, para crédito de uma conta sediada no Reino Unido, com o IBAN GB13BUKB20698577329388 no BARCLAYS BANK UK PLC, em Londres. Sobre a empresa beneficiária apurámos que tem sede no Reino Unido e é gerida pelos cidadãos britânicos MR___ e BS
Solicitada justificação para a emissão das transferências emitidas mais recentemente a favor da empresa FAZRIKI LIMITED, o cliente informou que se tratava da compra de bitcoins.
- Em 2021.03.01 o cliente solicitou a emissão de uma transferência no valor de € 4.000.000,00, a favor da empresa FAZRIKI LIMITED, para crédito de uma conta no Reino Unido, com a justificação "compra de bitcoins (Anexo XI) que não foi executada.
Como comprovativo do pedido da transferência supra identificada, foi entregue uma fatura emitida em nome de RC  Trading Ltd, com sede no Reino Unido, a favor de FAZRIKI LIMITED (Anexo XII) sobre a qual recaem fortes suspeitas de que a mesma se encontra viciada, nos campos da data, descrição do texto em que diz "Buy Bitcoins" e os montantes, em número e em extenso.".
Em aditamento remetido a 03-03-2021, mais informou a CGD que: "temos a remeter novos comprovativos obtidos junto do cliente, como justificativos de operações registadas na conta à ordem com o IBAN PT50 ..., sendo de destacar:
- Em todos os contratos facultados pelo cliente, se forem impressos, as assinaturas dos representantes da "RC " não aparecem. Pode ser por terem sido feitas digitalmente(?), exceção feita para o contrato do "JBAlgorithms Group" que foi enviado por scan;
- O contrato que supostamente pretende justificar a entrada de 900.000 euros da "Dumfries lnvestments" está feito com a mesma data da entrada do dinheiro na conta (19/02/2021) e trata-se de uma transferência vinda de Espanha;
- O contrato com a "Algorithms Group" tem data de 16/11/2020 mas as faturas e transferências tiveram início a 02/10/2020;
- Curiosamente, o layout das faturas da "Algorithms Group" à "Revena" são exatamente iguais que as faturas da "Revena" aos seus clientes;
- SM___ de nacionalidade britânica, intervém como representante nos contratos das firmas "Dumfries lnvestments 12, SL", Matlin & Asociados, SLNE" e "Life Length" e assina ainda um outro contrato a título pessoal;
- O contrato da "Life Length" tem data de 19/02/2021, data que coincide com a entrada de 200.000 euros que pretende justificar;
- O emoli que foi remetido à área comercial pela empresa "RC ", com os comprovativos em anexo, foi enviado para a referida empresa por "Didac Losada", que pesquisado no Google, parece ser advogado e proprietário da firma "Fintax Legal International, S.L.", que faturou 66.550 euros de honorários à "Algorithms Group", mas foi a "RC " que fez uma transferência desse montante para a conta da "Fintax" em 20/11/2020.".
Da comunicação remetida consta que a conta de ativos financeiros n.° 0909.032613.944 apresenta uma valorização de € 85.450,99 e do extracto anexo resulta que a conta à ordem com o IBAN PT50 ... apresenta um saldo de € 9.213.086,97.
Mostra-se assim suspensa a solicitada transferência de € 4.500.000,00 (e não de €4M, como certamente por lapso consta da comunicação) para o Reino Unido, que a CGD se absteve de executar, nos termos do artigo 472 da Lei n.° 83/2017.
Em face de tal comunicação e nos termos do artigo 81°, n.° 2 a 4, da Lei n.2 83/2017, foram realizadas as diligências pertinentes, designadamente as seguintes:
A análise dos documentos entregues pelos titulares da conta suscita-nos as mesmas reservas já bem assinaladas pela CGD na comunicação inicial e no aditamento.
Mormente a fatura emitida pela "FAZRIKI LIMITED" em nome de RC  Trading Ltd, com sede no Reino Unido, como justificativo para a maior fatia dos débitos na conta, é merecedora de fortes suspeitas, porquanto:
- É desde logo de estranhar que seja a empresa portuguesa a suportar o pagamento do preço de compra realizada por outra entidade que, embora se admita que pertença ao mesmo grupo, está sedeada no Reino Unido;
- A formatação muito rudimentar do documento leva-nos a crer que foi elaborada com software de folha de cálculo (v.g. "Microsoft Excel") e não em programa de facturação certificado, não obstante a empresa ter sede no Reino Unido;
- No final da tabela, constam diversas linhas em branca;
- O logotipo da empresa é um mero quadrado colorido com os dizeres do nome em fonte comum, sem qualquer grafismo particular;
- A descrição do bem adquirido "Buy bitcoins Contracted lnvestment Payment Agreemnt dated 19th January 2021 Twelve millions dollars" é demasiado simples para uma operação de 12.000.000,00 USD, registando-se ainda as gralhas nas palavras Agreemnt e millions não obstante a empresa ter sede num país a anglófono.
- Também as facturas supostamente emitidas pela empresa titular da conta — empresa sedeada em Portugal, recorde-se — e que fundamentam os créditos recebidos, apresentam características que demonstram serem documentos falsos:
- Não apresentam qualquer timbre ou logotipo;
- Não correspondem a documento emitido por programa certificado e não contêm qualquer referência a tal programa;
- O descritivo é de apenas "A compra de BTC" e o mês é apresentado em castelhano (v. g. "febrero").
Das informações recolhidas pela UIF e que constam do relatório elaborado por tal Unidade destaca-se o seguinte:
“- FP___, consta como sendo diretor de desenvolvimento da RC  Trading Company SL (Antequera, Málaga, Espanha), e da Grow LLC (16192 Coastal Highway Lewes, DELAWARE 19958-9776 EUA) empresa que especializada em criptomoeda, Forex, ações e futuros, tendo a sua própria criptomoeda "Creccoin".
- Reneva Capital Trading Company SL, fundada em 01.10.2018, com o contribuinte nº ES 893643179, com sede em Calle La Fuente de San Juan, 5, 29200, Antequera, Málaga, Espanha, tem como sócio-gerente JR_____ e como procurador LP___. A sua atividade é a de consultoria e relações públicas, contabilidade e auditoria, negócios de internet, de compra e venda de ativos.
Fazriki Limited, criada em 01.01.2013, com o registo comercial nº 08690358, com sede em 632-634 Birchwood Boulevard, Birchwood, Warrington, Cheshire, WA3 7QU Reino Unido, com atividade de outras atividades de serviços, possui o site www.fazriki.com. Tem como diretores, o cidadão inglês, Balwinder Singh Sekhon, e a cidadã inglesa Mila Raedermacher, a qual é também proprietária da empresa. No seu site, e relativamente aos serviços prestados, é dito que a Fazriki é uma "empresa de marketing dinâmico que gera novos formatos de negócios e os desenvolve, fornecendo a cadeia de suprimentos correta e liderança de projeto para habilitar novos mercados".
Dos elementos disponíveis conclui-se assim que, embora não seja ainda possível determinar, com exactidão, a fonte dos fluxos monetários (o que só no decurso do inquérito poderá ser realizado) indicia-se que o dinheiro tem uma origem fraudulenta pois trata-se de operações a crédito efetuadas de uma forma atípica, com um enquadramento opaco e sem qualquer justificação.
Os documentos remetidos pela titular da conta apresentam diversas características que suscitam a suspeita de que tenham sido forjados, sendo assim de suspeitar que, mesmo que a empresa em questão desenvolva uma actividade lícita associada à transacção de criptomoeda, poderá estar a eximir-se à sua integral tributação, mormente por as facturas não estarem a ser emitidas de acordo com as normas legais aplicáveis.
Por outro lado, a empresa e a conta em apreço aparentam ser meros instrumentos de circulação dos fundos, porquanto não se registaram movimentos associados a custos operacionais, como rendas, vencimentos, etc.
Existem assim indícios de factos susceptíveis de integrar a prática de, pelo menos, crimes de fraude fiscal, previstos nos artigos 103º e 10º2 do RGIT, e que a(s) conta(s) bancária(s) em apreço são utilizadas para receber e transferir tais quantias, conduta essa subsumível ao mencionado crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 3682-A, do Código Penal.
Revela-se assim imprescindível impedir a movimentação da(s) referida(s) conta(s) bancária(s), de forma a obstar que os fundos ainda depositados se dissipem e sejam utilizados em benefício dos agentes do crime e/ou integrados na economia legítima.
Tal desiderato só se alcançará com recurso à medida de suspensão de operações prevista no artigo 48º da Lei n.2 83/2017, porquanto assim não sucedendo as quantias ilicitamente obtidas serão certamente canalizadas para outro País ou disseminadas por meio insusceptível de rastreio ou detecção, ficando definitivamente fora do alcance da justiça.
2.3 — Decisão
Face ao exposto, nos termos do artigo 48º, n.º 1, da Lei n.2 83/2017, de 18 de Agosto, e do artigo 42, n.º 4, da Lei n.º 5/2002, determino a suspensão temporária da execução de todos os movimentos a débito, bem como de todos os meios de pagamento associados, nomeadamente cheques, acesso homebanking, cartões de débito e de crédito, sobre a conta de depósito à ordem com o IBAN PT50 ... e sobre a conta de ativos financeiros n.2 0909.032613.944, ambas da Caixa Geral de Depósitos e tituladas pela RC , LDA..
3 — Com nota de urgente, com as referências constantes da comunicação que deu origem aos autos e com indicação de todos os elementos que constam do ponto 2.3 do despacho supra, comunique tal decisão à entidade obrigada, acima referida, mais informando que se irá diligenciar pela confirmação judicial da decisão de suspensão.
4— Comunique à UIF.
5 — Para efeitos de confirmação da suspensão ora determinada e prosseguimento da investigação dos factos em apreço, extraia e entregue-me em mão, de imediato, certidão da comunicação que deu origem aos autos, omitindo todas as referências à identidade da pessoa que a efectuou —, dos documentos anexos, de toda a informação bancária recolhida, e ainda do presente despacho e sua notificação à entidade obrigada. (…)»
2- Ainda a  9/3/2021 o Ministério Público produziu o seguinte despacho:
« (…) Confirmação da decisão de suspensão de operações bancárias
3.1 - Introdução
O presente procedimento de averiguação preventiva teve início com comunicação efectuada por entidade obrigada a tal, nos termos da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto.
A mencionada Lei estabelece e regula medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/05, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6/12, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.
Nos termos do artigo 368º-A, n.º 2, do Código Penal, comete o crime de branqueamento "Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal", bem como, nos termos do n.º 3 de tal artigo, "quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos". Acresce ainda que, conforme estatui o n.º 1 do citado artigo, consideram-se como "vantagens", para efeitos de imputação do aludido crime, "os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infrações referidas no n.º1 do artigo 1.º da Lei n.936/94, de 29 de setembro, e no artigo 324.º do Código da Propriedade Industrial, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superiora cinco anos, assim como os bens que com eles se obtenham.".
Todavia, a referida Lei n.º 83/2017 adopta para sua aplicação uma noção mais ampla de "branqueamento", definindo-o, nos termos do artigo 22, n.º 1, alínea j): como abrangendo:
"i) As condutas previstas e punidas pelo artigo 368.º-A do Código Penal;
ii) A aquisição, a detenção ou a utilização de bens, com conhecimento, no momento da sua receção, de que provêm de uma atividade criminosa ou da participação numa atividade dessa natureza; e
iii) A participação num dos atos a que se referem as subalíneas anteriores, a associação para praticar o referido ato, a tentativa e a cumplicidade na sua prática, bem como o facto de facilitara sua execução ou de aconselhar alguém a praticá-lo;".
A comunicação que deu origem aos presentes autos foi efectuada nos termos do artigo 43º, n.º 1, da Lei n.º 83/2017, o qual determina que "As entidades obrigadas, por sua própria iniciativa, informam de imediato o Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo.".
Acresce ainda que, por se verificarem os respectivos pressupostos, a entidade obrigada exerceu o dever de abstenção previsto no artigo 47º, n.º 1 e n.º 2, da citada Lei e, consequentemente, absteve-se de executar a(s) operação(ões) que a seguir se descreve(m).
3.2 — Caso concreto e informações recolhidas
No caso de que ora nos ocupamos, a Caixa Geral de Depósitos comunicou que a RC , LDA. é titular da conta de depósito à ordem com o IBAN PT50 ... e de uma conta de ativos financeiros n.º 0909.032613.944, sendo que a referida conta à ordem foi aberta a 04-08-2020, no balcão "Guadiana", em Vila Real de Santo António.
A mencionada empresa foi constituída a 30-04-2020, tem a sua sede no Porto e tem um capital social de € 3.000,00, divido em partes iguais por dois cidadãos espanhóis LP_____ e AR___ , sendo a gerência assumida por este último. O seu objecto social consiste em "Comercialização, intermediação e gestão de moeda virtual e cryptocurrency (bitocoin, ethereum e outros) directamente ao público em geral ou através de plataformas on-line de venda directa, própria ou de terceiro; actividades de disponibilização de meios físicos e electrónicos, com vista a facilitar as operações de câmbio de cryptocurrency por uma divisa tradicional, ou vice-versa.".
Entre 01-10-2020 e 02-03-2021 a referida conta à ordem registou movimentação anómala consubstanciada no seguinte:
"- A crédito a conta registou 302 transferências no valor total de €15.224.565,80, de valores que oscilaram entre os € 100,00 e os € 7.675.511,01. De destacar que os ordenantes são empresas e particulares e as transferências são ordenadas maioritariamente a partir de Espanha, algumas de Portugal e Reino Unido;
A transferência de maior valor, € 7.675.511,01, recebida em 2020.02.26, foi ordenada pela empresa RC  Trading Ltd, com sede em Ltd 27 Old Gloucester Street London W1FOUH- Reino Unido, a partir da conta sediada na Suíça com o IBAN CH2808799955600051814, com o descritivo "Account Closing Transfer", o Banco ordenante foi o Banco MIGOM BANK LTD, com sede em ROSEAU — DOMINICA e o Banco emissor SWISS EURO CLEARING BANK GMBH in FRANKFURT AM MAIN, na Suíça.
Questionado o cliente JR_____ sobre o motivo e origem da transferência supra identificada, foi explicado pelo mesmo que o valor resultava do cancelamento de uma conta bancária no MIGOM BANK LTD, titulada pela empresa RC  Trading Ltd, com sede no Reino Unido. (...)
Sobre a empresa RC  Trading Ltd, foi possível apurar que tem sede no Reino Unido, inicialmente tinha como designação "Appreciate All The Business Limited" e era detida pelo cidadão britânico, Bryan Thornton. Em 2020.11.24, a empresa mudou de nome para o atual, Bryan Thornton cessou as suas funções e foi nomeado JR_____ como administrador da empresa;
Analisámos os extratos remetidos pelo cliente da conta titulada pela RC  Trading Ltd, no Banco MIGOM BANK LTD (sede em Dominica), e destacamos no extrato da conta em euros, do mês de fevereiro 2021 (Anexo V), que em 2021.02.02, a conta registou um crédito no valor de 6.744.402,93 USD (cujo nome do ordenante se desconhece) e posteriormente emite em 2021.02.05 uma transferência de € 7.772.669,42, para crédito da conta nesta 1F com o IBAN PT50 ....
- A débito destacamos:
Até finais de dezembro de 2020, a emissão de 5 transferências emitidas, no valor total de € 770.000,00 a favor da empresa ALGOR1THMS GROUPS LTD, para crédito de uma conta sediada na Suíça, com o IBAN CH2808799955600051814 no Banco INCORE BANK AG (Suíça). Sobre a referida empresa, apurámos que tem sede no Reino Unido e é gerida pelo cidadão espanhol, JBRodriguez;
A partir de 2020.12.24 até 2021.02.24, a emissão de 4 transferências no valor total de € 2.576.157, a favor de FAZRIKI LIMITED, para crédito de uma conta sediada no Reino Unido, com o IBAN GB13BUKB20698577329388 no BARCLAYS BANK UK PLC, em Londres. Sobre a empresa beneficiária apurámos que tem sede no Reino Unido e é gerida pelos cidadãos britânicos MR___ e BS
Solicitada justificação para a emissão das transferências emitidas mais recentemente a favor da empresa FAZRIKI LIMITED, o cliente informou que se tratava da compra de bitcoins.
- Em 2021.03.01 o cliente solicitou a emissão de uma transferência no valor de € 4.000.000,00, a favor da empresa FAZRIKI LIMITED, para crédito de uma conta no Reino Unido, com a justificação "compra de bitcoins (Anexo XI) que não foi executada.
Como comprovativo do pedido da transferência supra identificada, foi entregue uma fatura emitida em nome de RC  Trading Ltd, com sede no Reino Unido, a favor de FAZRIKI LIMITED (Anexo XII) sobre a qual recaem fortes suspeitas de que a mesma se encontra viciada, nos campos da data, descrição do texto em que diz "Buy Bitcoins" e os montantes, em número e em extenso.".
Em aditamento remetido a 03-03-2021, mais informou a CGD que: "temos a remeter novos comprovativos obtidos junto do cliente, como justificativos de operações registadas na conta à ordem com o IBAN PT50 ..., sendo de destacar:
- Em todos os contratos facultados pelo cliente, se forem impressos, as assinaturas dos representantes da "RC " não aparecem. Pode ser por terem sido feitas digitalmente(?), exceção feita para o contrato do "JBAlgorithms Group" que foi enviado por scan;
- O contrato que supostamente pretende justificar a entrada de 900.000 euros da "Dumfries Investments" está feito com a mesma data da entrada do dinheiro na conta (19/02/2021) e trata-se de uma transferência vinda de Espanha;
- O contrato com a "Algorithms Group" tem data de 16/11/2020 mas as faturas e transferências tiveram início a 02/10/2020;
- Curiosamente, o layout das faturas da "Algorithms Group" à "Revena" são exatamente iguais que as faturas da "Revena" aos seus clientes;
- SM___ de nacionalidade britânica, intervém como representante nos contratos das firmas "Dumfries Investments 12, SL", "Si Matlin & Asociados, SLNE" e "Life Length" e assina ainda um outro contrato a título pessoal;
- O contrato da "Life Length" tem data de 19/02/2021, data que coincide com a entrada de 200.000 euros que pretende justificar;
- O emoli que foi remetido à área comercial pela empresa "RC ", com os comprovativos em anexo, foi enviado para a referida empresa por "Didac Losada", que pesquisado no Google, parece ser advogado e proprietário da firma "Fintax Legal International, S.L.", que faturou 66.550 euros de honorários à "Algorithms Group", mas foi a "RC " que fez uma transferência desse montante para a conta da "Fintax" em 20/11/2020.".
Da comunicação remetida consta que a conta de ativos financeiros n.° 0909.032613.944 apresenta uma valorização de € 85.450,99 e do extracto anexo resulta que a conta à ordem com o IBAN PT50 ... apresenta um saldo de € 9.213.086,97.
Mostra-se assim suspensa a solicitada transferência de € 4.500.000,00 (e não de €4M, como certamente por lapso consta da comunicação) para o Reino Unido, que a CGD se absteve de executar, nos termos do artigo 47º da Lei n.º 83/2017.
Em face de tal comunicação e nos termos do artigo 81°, n.º 2 a 4, da Lei n.° 83/2017, foram realizadas as diligências pertinentes, designadamente as seguintes:
A análise dos documentos entregues pelos titulares da conta suscita-nos as mesmas reservas já bem assinaladas pela CGD na comunicação inicial e no aditamento.
Mormente a fatura emitida pela "FAZRIKI LIMITED" em nome de RC  Trading Ltd, com sede no Reino Unido, como justificativo para a maior fatia dos débitos na conta, é merecedora de fortes suspeitas, porquanto:
· É desde logo de estranhar que seja a empresa portuguesa a suportar o pagamento do preço de compra realizada por outra entidade que, embora se admita que pertença ao mesmo grupo, está sedeada no Reino Unido;
· A formatação muito rudimentar do documento leva-nos a crer que foi elaborada com software de folha de cálculo (v.g. "Microsoft Excel") e não em programa de facturação certificado, não obstante a empresa ter sede no Reino Unido;
· No final da tabela, constam diversas linhas em branca;
· O logotipo da empresa é um mero quadrado colorido com os dizeres do nome em fonte comum, sem qualquer grafismo particular;
· A descrição do bem adquirido "Buy bitcoins Contracted Investment Payment Agreemnt dated 19th January 2021 Twelve millions dollars" é demasiado simples para uma operação de 12.000.000,00 USD, registando-se ainda as gralhas nas palavras Agreemnt e millions não obstante a empresa ter sede num país anglófono.
Também as facturas supostamente emitidas pela empresa titular da conta — empresa sedeada em Portugal, recorde-se — e que fundamentam os créditos recebidos, apresentam características que demonstram serem documentos falsos:
- Não apresentam qualquer timbre ou logotipo;
- Não correspondem a documento emitido por programa certificado e não contêm qualquer referência a tal programa;
- O descritivo é de apenas "A compra de BTC" e o mês é apresentado em castelhano (v. g. "febrero").
Das informações recolhidas pela UIF e que constam do relatório elaborado por tal Unidade destaca-se o seguinte:
"- FP___, consta como sendo diretor de desenvolvimento da RC  Trading Company SL (Antequera, Málaga, Espanha), e da Grow LLC (16192 Coastal Highway Lewes, DELAWARE 19958-9776 EUA) empresa que especializada em criptomoeda, Forex, ações e futuros, tendo a sua própria criptomoeda "Creccoin".
- Reneva Capital Trading Company SL, fundada em 01.10.2018, com o contribuinte ng ES 893643179, com sede em Calle La Fuente de San Juan, 5, 29200, Antequera, Málaga, Espanha, tem como sócio-gerente JR_____ e como procurador LP___. A sua atividade é a de consultoria e relações públicas, contabilidade e auditoria, negócios de internet, de compra e venda de ativos.
(...)
Fazriki Limited, criada em 01.01.2013, com o registo comercial n2 08690358, com sede em 632-634 Birchwood Boulevard, Birchwood, Warrington, Cheshire, WA3 7QU Reino Unido, com atividade de outras atividades de serviços, possui o site www.fazriki.com. Tem como diretores, o cidadão inglês, Balwinder Singh Sekhon, e a cidadã inglesa Mila Raedermacher, a qual é também proprietária da empresa. No seu site, e relativamente aos serviços prestados, é dito que a Fazriki é uma "empresa de marketing dinâmico que gera novos formatos de negócios e os desenvolve, fornecendo a cadeia de suprimentos correta e liderança de projeto para habilitar novos mercados".
Dos elementos disponíveis conclui-se assim que, embora não seja ainda possível determinar, com exactidão, a fonte dos fluxos monetários (o que só no decurso do inquérito poderá ser realizado) indicia-se que o dinheiro tem uma origem fraudulenta pois trata-se de operações a crédito efetuadas de uma forma atípica, com um enquadramento opaco e sem qualquer justificação.
Os documentos remetidos pela titular da conta apresentam diversas características que suscitam a suspeita de que tenham sido forjados, sendo assim de suspeitar que, mesmo que a empresa em questão desenvolva uma actividade lícita associada à transacção de criptomoeda, poderá estar a eximir-se à sua integral tributação, mormente por as facturas não estarem a ser emitidas de acordo com as normas legais aplicáveis.
Por outro lado, a empresa e a conta em apreço aparentam ser meros instrumentos de circulação dos fundos, porquanto não se registaram movimentos associados a custos operacionais, como rendas, vencimentos, etc.
Existem assim indícios de factos susceptíveis de integrar a prática de, pelo menos, crimes de fraude fiscal, previstos nos artigos 103º e 104º do RGIT, e que a(s) conta(s) bancária(s) em apreço são utilizadas para receber e transferir tais quantias, conduta essa subsumível ao mencionado crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368º-A, do Código Penal.
Revela-se assim imprescindível impedir a movimentação da(s) referida(s) conta(s) bancária(s), de forma a obstar que os fundos ainda depositados se dissipem e sejam utilizados em benefício dos agentes do crime e/ou integrados na economia legítima.
Tal desiderato só se alcançará com recurso à medida de suspensão de operações prevista no artigo 48º da Lei n.2 83/2017, porquanto assim não sucedendo as quantias ilicitamente obtidas serão certamente canalizadas para outro País ou disseminadas por meio insusceptível de rastreio ou detecção, ficando definitivamente fora do alcance da justiça.
Assim, nos termos do artigo 48º, n.º 1, da Lei n.2 83/2017, de 18 de Agosto, e do artigo 42, n.º 4, da Lei n.º 5/2002, foi determinada a suspensão temporária da execução de todos os movimentos a débito, bem como de todos os meios de pagamento associados, nomeadamente cheques, acesso homebanking, cartões de débito e de crédito, sobre a conta de depósito à ordem com o IBAN PT50 ... e sobre a conta de ativos financeiros n.2 0909.032613.944, ambas da Caixa Geral de Depósitos e tituladas pela RC , LDA..
3.3 — Confirmação
Face ao exposto, promovo ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal que, nos termos dos artigos 47º, 48º e 49º, n.º 1 e n.º 2, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, e do artigo 42, n.º 4, da Lei n.2 5/2002, confirme a supra determinada suspensão temporária da execução de todos os movimentos a débito, bem como de todos os meios de pagamento associados, nomeadamente cheques, acesso hornebanking, cartões de débito e de crédito, sobre a conta de depósito à ordem com o IBAN PT50 ... e sobre a conta de ativos financeiros n.º 0909.03243.944, ambas da Caixa Geral de Depósitos e tituladas pela RC , LDA., tudo por período não inferior a 3 meses.
Mais promovo que a decisão a proferir seja comunicada à entidade obrigada. (…)».
3- O despacho recorrido, proferido a 11/03/2021, contem-se nos seguintes termos:
« (…) Pelo exposto, e atendendo ao disposto no artigo 86°, n° 1 e n° 3, do Código do Processo Penal, valido a decisão do Ministério Público de determinar a aplicação ao processo do segredo de justiça.
III. Nos presentes autos de inquérito procede-se a investigação da prática de factos passíveis de integrar a prática do crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103° e 104°, do RGIT e o crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368-A, do C. Penal.
Aos presentes autos chegou o conhecimento da comunicação mencionada a fls. 2 a 4, com origem na Caixa Geral de Depósitos, e nos termos previstos no artigo 43°, da Lei n° 83/2017, de 18 de Agosto, referente a um conjunto de movimentos bancários, bem como da factualidade que se consignou a fls. 123 a 131, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
Constatada tal comunicação, o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 48°, n°s 1 e 3, da Lei n° 83/2017, de 18 de Agosto, determinou a suspensão temporária de todo o tipo de operações de movimentos a débito das contas infra identificadas, bem como de todos os meios de pagamento associados ás referidas contas, nomeadamente, cheques, acesso homebanking, cartão de débito e de crédito.
Dispõe o artigo 4°, da Lei n° 5/2002, de 11 de janeiro:
1 - O controlo de conta bancária ou de conta de pagamento obriga a respetiva instituição de crédito, instituição de pagamento ou instituição de moeda eletrónica a comunicar quaisquer movimentos sobre a conta à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal dentro das vinte e quatro horas subsequentes.
2 - O controlo de conta bancária ou de conta de pagamento é autorizado ou ordenado, consoante os casos, por despacho do juiz, quando tiver grande interesse para a descoberta da verdade.
3 - O despacho referido no número anterior identifica a conta ou contas abrangidas pela medida, o período da sua duração e a autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal responsável pelo controlo.
4 - O despacho previsto no n.° 2 pode ainda incluir a obrigação de suspensão de movimentos nele especificados, quando tal seja necessário para prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais.
5 - A suspensão cessa se não for confirmada por autoridade judiciária, no prazo de quarenta e oito horas.
Tendo em consideração as informações que foram trazidas aos autos, considero verificados os pressupostos das medidas requeridas, por referência às contas bancárias — conta de depósito á ordem com o IBAN PT50 ... e sobre a conta de activos financeiros n° 0909.032613.944, ambas tituladas pela RC , LDA., ambas abertas junto da Caixa Geral de Depósitos, pelo que se confirma a decisão de suspensão provisória, proferida pelo Ministério Público e se determina, perante a possibilidade de novas movimentações a débito e/ou a crédito de fundos dessas contas e dada a essencialidade da medida para a descoberta da verdade material, o controlo da mesma conta nos termos do disposto no artigo 49°, nos 1 e 2, da Lei n° 83/2017, de 18 de Agosto, medida que incluirá a obrigação de suspensão de todos os movimentos a débito em tais contas bancárias e de todos os meios de pagamento associados às referidas contas, nomeadamente, cheques, acesso homebanking, cartão de débito e de crédito.
 A medida decretada vigorará por 3 meses - até ao dia 11 de Junho de 2021
Comunique à Caixa Geral de Depósitos, via fax, a quem se determina o cumprimento da obrigação expressa nos termos do disposto no artigo 54°, n°s 1 e 5, Lei n° 83/2017, de 18 de Agosto.»
***
III- Recurso:
RC , Lda, recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
« 1.- A promoção do Ministério Público da suspensão de movimentações das contas bancárias da Recorrente, baseia-se na suspeição sobre várias transferências que foram efectuadas, de e para, as referidas contas bancárias, mas, o total dos valores cuja suspeição é levantada pela autoridade investigatória é inferior ao valor total depositado nas contas bancárias;
2.- O valor total depositado nas contas bancárias da Recorrente é superior ao valor total das operações sob suspeita de poderem estar ligadas a actividades criminosas;
3.- O interesse geral da comunidade na prevenção e combate a actividades criminosas é protegido pela promoção do Ministério Público (e ratificação judicial) da suspensão dos movimentos bancários do valor sob suspeita, que corresponde ao valor das operações que geraram essa suspeita;
4.- A suspensão de movimentos bancários sobre o valor total depositado, ainda que parte desse valor não esteja ligado a qualquer suspeita, resulta numa medida injusta e desproporcional, demasiado ampla no seu alcance, porque abarca valores depositados que se encontram sob suspeita, mas, também, valores que não se encontram indiciados ou com imputação, pela autoridade investigatória e pelo Tribunal a giro, de corresponderem a potencial actividade criminosa;
5.- A actividade da empresa ora Recorrente, encontra-se totalmente parada, "em suspenso" e daí resultam prejuízos bastante elevados do foro financeiro para a empresa, desde logo, com a potencial instauração de inúmeros processos judiciais, contra a empresa, por parte dos clientes da empresa em Portugal que aguardam por pagamentos de valores que estão depositados nas contas bancárias da Recorrente e que, ascendem, pelo menos, a um valor total de € 1.758.994,78;
6.- O valor de € 1.758.994,78 é o valor que a empresa está impedida de pagar aos seus clientes em Portugal e esse valor está depositado na conta bancária sobre a qual se decidiu a suspensão de movimentos;
7.- A empresa ora Recorrente, é uma empresa que se dedica à actividade de comercialização, intermediação e gestão de moeda virtual e cryptocurrency (bitcoin, ethereum e outros) directamente ao público em geral ou através de plataforma on-line de venda directa;
8.- A soma dos valores sob suspeita, ascende ao montante de € 5.100.000 (cinco milhões e cem mil euros), sendo que, o valor das contas bancárias da empresa que está suspenso de ser movimentado é de € 9.298.537,96 (nove milhões, duzentos e noventa e oito mil, quinhentos e trinta e sete euros e noventa e seis centimos);
9.- O valor total depositado não está sob suspeita da autoridade investigatória ou, ainda que esteja sob investigação, não existiu fundamento indicativo de tal suspeita sobre a totalidade do valor depositado, mas, apenas sobre parte do mesmo;
10.- O controlo judicial de conta bancária (que pode incluir o controlo de contas e movimentos bancários) constitui um regime especial de recolha de prova, entre outros, contra o crime de branqueamento de capitais;
11.- As medidas de suspensão de movimentos bancários são meios de recolha de prova e não medidas de coacção ou de garantia patrimonial (Cfr., Acordão do Tribunal da Relação do Porto, de 21.06.2017, Relator João Maldonado, Proc. 31/17.1 TELSB-A.P1);
12.- As medidas de suspensão de movimentos bancários como meios de recolha de prova, têm limites na sua aplicação, sob pena de, ainda que ponderados os interesses em causa, estarmos perante uma falta de fundamento/fundamentação, falta de indícios, num acto de arbitrariedade ou, na, desproporcionalidade sem justificação, da medida aplicada;
13.- Não se mostra devidamente fundamentada, a decisão de se optar pela suspensão integral (e não só parcial) de todos os movimentos bancários das contas da empresa em causa;
14.- A empresa ora Recorrente está indisponível para proceder à movimentação do valor de € 4.198.537,96, sem que existam suspeitas ou indícios quanto a esse valor (mas apenas quanto ao excedente), o que gera desproporcionalidade na aplicação da medida de suspensão de movimentação das contas bancárias, implicando, consequências a nível da gestão da empresa, que são gravíssimos;
15.- A decisão judicial de suspensão de toda e qualquer movimentação bancária sobre as contas bancárias da ora Recorrente, viola o princípio da livre iniciativa económica privada, previsto no art.° 61.° da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o art.° 80.º, alínea c) da C.R.P. (a liberdade de iniciativa e de organização empresarial é um princípio da organização económico-social em Portugal), porque, se aplica, não só aos valores em que existe suspeita de poderem estar ligados a actividades criminosas, como, também, a quaisquer outros valores depositados, em que não foi indicada suspeita, ou indício, de terem essa associação;
16.- A especificidade da medida de suspensão de operações bancárias não dispensa o apelo a uma criteriosa proporcionalidade, orientadora da intervenção investigatória ou judicial e ao respeito pelos princípios constitucionais de adequação e proporcionalidade, direitos, liberdades e garantias protegidos constitucionalmente;
17.- Ponderados os interesses em causa, constata-se que o interesse geral de protecção contra potenciais actos de natureza criminosa, não sai desprotegido com o levantamento da suspensão de parte do saldo bancário, porquanto o valor depositado correspondente a € 4.198.537,96, não se encontra sob suspeita, não estando a ser investigada qualquer operação financeira sobre o mesmo e o não levantamento da suspensão parcial de movimentos bancários, no valor depositado na conta bancária relativamente ao qual inexistem indícios da factualidade de índole criminosa indicada pelo Ministério Público, revelaria a violação, entre outros, dos princípios constitucionais da proporcionalidade, legalidade, liberdade de iniciativa empresarial e justiça.
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se a V. Exas, a aceitação e procedência do presente recurso e a alteração da decisão proferida.».
***
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações no sentido da improcedência do recurso.
***
Nesta instância,o Exmº Procurador-Geral Adjunto aderiu à contra-motivação. 
***
IV- Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
A questão colocada pela recorrente é a limitação da apreensão ao valor de € 5.100.000,00.
***
V- Fundamentos de direito:
Em face do teor das conclusões do recurso verifica-se que o objecto do mesmo é limitado à questão da amplitude da suspensão, que se pretende reduzir para € 5.100.000,00, por se entender que as suspeitas da prática de crimes que levaram à apreensão abrangem apenas verbas nesse montante global.
Por facilidade de exposição, em face da adequação da análise feita pelo MP na resposta ao recurso, reproduz-se aqui a mesma, a que aderimos inteiramente.
«Entende a recorrente que o Ministério Público, no despacho que determinou a suspensão de operações bancárias delimitou "o valor em relação ao qual existem indícios de poder estar relacionado com alguma actividade criminosa." e "delimitou, como estando a ser alvo de suspeita e investigação, os seguintes valores:
- € 4.000.000 — Transferência para 'Fazriki Limited';
- € 900.000 — Transferência de 'Dumfries lnvestments 12, S. L.';
- €200.000 — Transferência de 'Life Length'.".
A soma desses valores, que a recorrente identifica como "valores sob suspeita", ascendem a € 5.100.000, enquanto que o valor dos saldos das contas objecto de suspensão ascende a € 9.298.537,96.
Entende assim a recorrente que inexistem suspeitas relativamente ao diferencial (€ 4.198.537,96), pelo que a medida de suspensão é desproporcional e acarreta consequências gravíssimas para a gestão da empresa titular da conta.
Sucede que, contrariamente ao alegado, as 3 mencionadas operações não constituem um núcleo exclusivo de movimentos suspeitos mas sim e apenas os movimentos que despoletaram a comunicação efectuada pelo Banco.
Na verdade, resulta da própria comunicação de operação suspeita e bem assim do despacho que determinou a suspensão de operações bancárias que, para além das demais circunstâncias ali descritas, registou-se, entre 01-10-2020 e 02-03-2021, toda uma movimentação suspeita na conta à ordem, designadamente créditos decorrentes de "(...) 302 transferências no valor total de € 15.224.565,80, de valores que oscilaram entre os € 100,00 e os € 7.675.511,01. De destacar que os ordenastes são empresas e particulares e as transferências são ordenadas maioritariamente a partir de Espanha, algumas de Portugal e Reino Unido;".
Assim, falece desde logo o argumento invocado de que apenas uma parte dos valores são considerados suspeitos; ao invés, subsistem suspeitas de que todos os fundos creditados e ainda em saldo da conta têm proveniência ilícita.
Note-se que a recorrente não invoca qualquer circunstância que invalide os fundamentos da suspensão em si, nem em bom rigor questiona o carácter "suspeito" das mencionadas 3 operações, inclusive conformando-se com a suspensão pelo menos quanto ao saldo correspondente a tais operações.
Por outro lado, também nada alega que contrarie as suspeitas suscitadas quanto a todas as demais operações bancárias registadas.
Consequentemente, não sendo verdadeiramente invocada qualquer circunstância que invalide os fundamentos da decisão sob recurso, quer-nos parecer que o seu objecto se esgota na apreciação desta concreta pretensão a qual, nos termos supra, improcede.
Ainda assim, e prevenindo entendimento diverso, sempre se dirá que: (…)
A comunicação que deu origem aos presentes autos foi efectuada nos termos do artigo 43º, n.º 1, da Lei n.º 83/2017, o qual determina que "As entidades obrigadas, por sua própria iniciativa, informam de imediato o Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo.".
Por se verificarem os respectivos pressupostos, a entidade obrigada exerceu o dever de abstenção previsto no artigo 47º, n.º 1 e n.º 2, da citada Lei e, consequentemente, absteve-se de executar as operações indicadas.
Resultou do teor dessa comunicação e, bem assim, das diligências efectuadas em sede de prevenção do branqueamento, nos termos do artigo 81º, nº 2 a 4, da Lei n.2 83/2017, que:
- A ora recorrente é titular da conta de depósito à ordem com o IBAN PT50 ... e de uma conta de ativos financeiros n.º 0909.032613.944, sendo que a referida conta à ordem foi aberta a 04-08-2020, no balcão "Guadiana", em Vila Real de Santo António.
- A mencionada empresa foi constituída a 30-04-2020, tem a sua sede no Porto e tem um capital social de € 3.000,00, divido em partes iguais por dois cidadãos espanhóis LP_____ e AR___ , sendo a gerência assumida por este último. O seu objecto social consiste em "Comercialização, intermediação e gestão de moeda virtual e cryptocurrency (bitocoin, ethereum e outros) directamente ao público em geral ou através de plataformas on-line de venda directa, própria ou de terceiro; actividades de disponibilização de meios físicos e electrónicos, com vista a facilitar as operações de câmbio de cryptocurrency por uma divisa tradicional, ou vice-versa.".
- Entre 01-10-2020 e 02-03-2021 a referida conta à ordem registou movimentação anómala consubstanciada no seguinte:
- Crédito - 302 transferências no valor total de € 15.224.565,80, de valores que oscilaram entre os € 100,00 e os € 7.675.511,01, provenientes de empresas e particulares a partir de Espanha, algumas de Portugal e Reino Unido;
- A transferência de maior valor, € 7.675.511,01, recebida em 2020.02.26, foi ordenada pela empresa RC  Trading Ltd, com sede no Reino Unido, a partir da conta sediada na Suíça, com o descritivo "Account Closing Transfer", mas cujo Banco ordenante foi o Banco MIGOM BANK LTD, com sede em ROSEAU — DOMINICA; Questionado o cliente JR_____ sobre o motivo e origem desta transferência, foi explicado pelo mesmo que o valor resultava do cancelamento de uma conta bancária no MIGOM BANK LTD, titulada pela empresa RC  Trading Ltd, com sede no Reino Unido.
- Dos extratos remetidos pela titular da conta no Banco MIGOM BANK LTD (sede em Dominica), verificou-se que em 2021.02.02, a conta registou um crédito no valor de 6.744.402,93 USD (cujo nome do ordenante se desconhece) e posteriormente emite em 2021.02.05 uma transferência de € 7.772.669,42, para crédito da conta objecto de suspensão;
- Débito — até finais de dezembro de 2020, 5 transferências no total de € 770.000,00 a favor da empresa ALGORITHMS GROUPS LTD, para crédito de uma conta sediada na Suíça, empresa essa sedeada no Reino Unido e gerida pelo cidadão espanhol, JBRodriguez. Entre 2020.12.24 e 2021.02.24, 4 transferências no valor total de € 2.576.157, a favor de FAZRIKI LIMITED, para crédito de uma conta sediada no Reino Unido, tendo a ora recorrente informado que estas operações se tratavam da compra de bitcoins. Em 2021.03.01 a titular da conta solicitou a emissão de uma transferência no valor de € 4.000.000,00, a favor dessa FAZRIKI LIMITED, também com a justificação "compra de bitcoins", que não foi executada.
- Como comprovativo do pedido da transferência supra identificada, foi entregue uma fatura emitida em nome de RC  Trading Ltd, com sede no Reino Unido, a favor de FAZRIKI LIMITED, que suscita suspeitas pelos seguintes motivos:
-Ser de estranhar que seja a empresa portuguesa a suportar o pagamento do preço de compra realizada por outra entidade que, embora se admita que pertença ao mesmo grupo, está sedeada no Reino Unido;
-A formatação muito rudimentar do documento leva a crer que foi elaborada com software de folha de cálculo (v.g. "Microsoft Excel") e não em programa de facturação certificado, não obstante a empresa ter sede no Reino Unido;
-No final da tabela, constam diversas linhas em branco;
-O logotipo da empresa é um mero quadrado colorido com os dizeres do nome em fonte comum, sem qualquer grafismo particular;
-A descrição do bem adquirido "Buy bitcoins Contracted Investment Payment Agreemnt dated 19th January 2021 Twelve millions dollars" é demasiado simples para uma operação de 12.000.000,00 USD, registando-se ainda as gralhas nas palavras Agreemnt e millions não obstante a empresa ter sede num país anglófono.
-Em aditamento remetido a 03-03-2021, mais informou a CGD que foram remetidos outros documentos justificativos, cuja análise revelou o seguinte:
- Em todos os contratos facultados pelo cliente, se forem impressos, as assinaturas dos representantes da "RC " não aparecem. Pode ser por terem sido feitas digitalmente(?), exceção feita para o contrato do "JBAlgorithms Group" que foi enviado por scan;
- O contrato que supostamente pretende justificar a entrada de 900.000 euros da "Dumfries Investments" está feito com a mesma data da entrada do dinheiro na conta (19/02/2021) e trata-se de uma transferência vinda de Espanha;
- O contrato com a "Algorithms Group" tem data de 16/11/2020 mas as faturas e transferências tiveram início a 02/10/2020;
- O layout das faturas da "Algorithms Group" à "Revena" são exatamente iguais que as faturas da "Revena" aos seus clientes;
- SM___ de nacionalidade britânica, intervém como representante nos contratos das firmas "Dumfries Investments 12, SL", "SiMatlin & Asociados, SLNE" e "Life Length" e assina ainda um outro contrato a título pessoal;
- O contrato da "Life Length" tem data de 19/02/2021, data que coincide com a entrada de 200.000 euros que pretende justificar;
- O email que foi remetido à área comercial pela empresa "RC ", com os comprovativos em anexo, foi enviado para a referida empresa por "Didac Losada", que pesquisado no Google, parece ser advogado e proprietário da firma "Fintax Legal International, S.L.", que faturou 66.550 euros de honorários à "Algorithms Group", mas foi a "RC " que fez uma transferência desse montante para a conta da "Fintax" em 20/11/2020.".
- Também as facturas supostamente emitidas pela empresa titular da conta — empresa sedeada em Portugal, recorde-se — e que fundamentam os créditos recebidos, apresentam características que demonstram serem documentos falsos:
- Não apresentam qualquer timbre ou logotipo;
- Não correspondem a documento emitido por programa certificado e não contêm qualquer referência a tal programa;
- O descritivo é de apenas "A compra de BTC" e o mês é apresentado em castelhano (v. g. "febrero").
Em face de tais elementos, considerou-se — como ainda se considera —, que os fundos movimentados na conta tinham proveniência e destino ilícitos, consignando-se também que "Os documentos remetidos pela titular da conta apresentam diversas características que suscitam a suspeita de que tenham sido forjados, sendo assim de suspeitar que, mesmo que a empresa em questão desenvolva uma actividade lícita associada à transacção de criptomoeda, poderá estar a eximir-se à sua integral tributação, mormente por as facturas não estarem a ser emitidas de acordo com as normas legais aplicáveis.".
Aliás, notou-se que a empresa e a conta em apreço aparentam ser meros instrumentos de circulação dos fundos, porquanto não se registaram movimentos associados a custos operacionais, como rendas, vencimentos, etc.".
Já em sede do presente recurso, a recorrente alegou que se dedica à actividade de comercialização, intermediação e gestão de moeda virtual e cryptocurrency (bitocoin, ethereum e outros) directamente ao público em geral ou através de plataformas on-line de venda directa e que a suspensão de operações tem acarretado graves consequências para a sua actividade comercial, porquanto se viu impossibilitada de fazer pagamentos a fornecedores e a clientes.
Alegou ainda que "um valor importante do saldo bancário corresponde a investimentos efectuados pelos clientes da empresa em Portugal. Esses investimentos pressupõem a obtenção de remuneração ou retorno do investimento efectuado e a empresa, por via da suspensão de movimentos do saldo bancário, encontra-se impedida (...) de poder efectuar os pagamentos aos seus clientes, nas datas de vencimento que os mesmos importavam.".
(…Vem) a própria recorrente admitir que exerce uma actividade de intermediação financeira, sem que para tal esteja autorizada pela CMVM ou reúna as condições legais para tal. Mais: resulta do próprio recurso que a titular da conta se obrigou perante os seus "clientes" a entregar-lhes não só o valor da remuneração acordada, como o próprio capital investido.
Assim, tendo se comprometido com a restituição do capital investido, ainda que parcial, é de concluir que desenvolve uma actividade (não autorizada e, logo, Ilícita) de recepção de fundos reembolsáveis, conduta essa punível como crime, nos termos do artigo 200º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. E, sem prejuízo de ulterior informação a colher junto do Banco de Portugal, sabe-se que a titular da conta não está autorizada a exercer tal actividade, porquanto não reúne as condições legais para a classificação como "instituição financeira".
Ademais, a movimentação registada na conta, conjugada com o alegado pela própria recorrente, permite desde logo suspeitar que esta desenvolve não uma actividade de intermediação financeira, mas sim um esquema piramidal ou "Ponzi", subsumível a crimes de burla qualificada, previstos e punidos nos termos dos artigos 218º, n.º 1, e 218º, n.º 2, alíneas a) e b), ambos do Código Penal.
É assim por demais manifesto que se mostravam reunidos os pressupostos para a suspensão de operações bancárias e, bem assim, da confirmação de tal decisão.»
Nada mais restando acrescentar, impõe-se o não provimento do recurso, cuja utilidade aliás se mostra discutível, porque foi ultrapassado o período de tempo fixado para a medida objecto de discordância.
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VI- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 ucs.
Texto processado e integralmente revisto pela relatora.

Lisboa, 22/ 09/2021
Graça Santos Silva
A. Augusto Lourenço
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[1] Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[2] Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.