INDEFERIMENTO LIMINAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
REGULAMENTO
DISTRIBUIÇÃO
ATO ADMINISTRATIVO
ILEGALIDADE
LEGITIMIDADE
ISENÇÃO DE CUSTAS
Sumário


I – Segundo o n.º 3, al. a), do art. 73.º do CPTA quando os efeitos de uma norma não se produzam imediatamente, mas só através de um ato administrativo de aplicação, o lesado, o Ministério Público ou qualquer das pessoas e entidades nos termos do n.º 2 do art. 9.º podem suscitar a questão da ilegalidade da norma aplicada no âmbito do processo dirigido contra o ato de aplicação a título incidental, pedindo a desaplicação da norma.
II - De acordo com o art. 73.º, n.º 2, do CPTA, o critério legal adotado para qualificar um regulamento como imediatamente produtor de efeitos foi o facto de estar ele, ou não, na dependência de um ato administrativo de aplicação.
III - Assim, a operatividade será imediata quando resultar da própria natureza do regulamento, que se caracteriza por ser diretamente modificativo ou ablativo de uma dada situação jurídica ou estatuto preexistente, e quando comporte uma regulação em si mesmo dessa dada situação substantiva.
IV - Se a norma administrativa, por si só, cria ou impõe exigências que não existiam, ou estabelece ex novo requisitos sem os quais o administrado não tem acesso a regalias ou a um estatuto, de tal sorte que afeta automaticamente a posição jurídico-substantiva dos administrados objeto dessa norma, sem carecer da interposição de um ato administrativo, então estaremos perante uma norma imediatamente operativa na aceção da lei processual vigente.
V - Estaremos perante normas administrativas imediatamente operativas quando os respetivos efeitos jurídicos se repercutirem imediata, direta e desfavoravelmente sobre a esfera jurídica dos administrados visados pelas normas, ou se projetarem sobre as pessoas abrangidas pela sua previsão, sem necessidade de um ato administrativo ou jurisdicional de aplicação da respetiva estatuição. Ou, dito por outras palavras, o regulamento (geral e abstrato) apenas será imediatamente operativo quando seja fonte de prejuízos diretos e imediatos para os particulares seus destinatários, antes mesmo de ser aplicado por atos concretos.
VI - Relativamente às normas mediatamente operativas, isto é, normas cuja disciplina geral e abstrata só é suscetível de operar os seus efeitos através de atos administrativos de aplicação a situações individualizadas, a questão da sua ilegalidade pode ser suscitada, a título incidental, no âmbito de processo dirigido contra o ato de aplicação, conforme agora expressamente prevê o n.º 3 deste art. 73.º.
VII - A entidade demandada só poderá decidir pela redução ou suspensão de processos prevista nos arts. 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento, uma vez verificadas as respetivas previsões normativas, nas quais se surpreendem inúmeros conceitos indeterminados que carecerão de preenchimento casuístico precisamente através de ato administrativo, nomeadamente a deliberação que determine a aludida redução ou suspensão da distribuição.
VIII - Ora, conferindo tais normas ao CSM uma margem de livre decisão, seja por via de conceitos indeterminados, seja pela concessão de poderes discricionários, não estaremos seguramente perante uma norma produtora de efeitos, precisamente porque o efeito imediato não se verifica enquanto a Administração não concretizar essa lesão através do ato administrativo.
IX - Como tal, falecendo à autora legitimidade ad causam na presente ação administrativa, não poderá solicitar a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral das normas impugnadas. Ao invés, impõe-se à demandante aguardar pela prática de uma dada deliberação da entidade demandada (CSM) que determine a alteração, suspensão, redução da distribuição e consequente redistribuição para a impugnar, pedindo a título incidental a desaplicação das normas aqui em apreço.
X - Estando em causa o obstáculo à legitimidade da autora, por um lado e, por outro, não tendo a presente ação administrativa por fim direto a defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pela lei ou pelo respetivo estatuto, a autora não está abrangida pela isenção de custas prevista na norma do art. 4.º, n.º 1, al. f), do RCP.

Texto Integral




Procº nº 13/21.9YFLSB

Acordam em Conferência na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

Por despacho proferido em 17 de Maio de 2021 foi indeferida liminarmente a presente acção administrativa intentada pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM).

O referido despacho é do seguinte teor:

“1. Veio a Associação Sindical dos Juízes Portugueses instaurar a presente acção administrativa, peticionando a declaração de ilegalidade com força obrigatória dos artigos 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento das Situações de Alteração, Redução ou Suspensão da Distribuição de Processos,  aprovado em sessão Plenária do entidade demandada Conselho Superior da Magistratura de 12-01-2021, sob o n.º 269/2021, objecto de publicação no Diário da República, II Série, n.º 56, a 22 de Março, bem como a condenação de emissão de normas devidas ao abrigo de disposições de direito administrativo.

Na mesma data, instaurou igualmente o processo cautelar que correu termos por apenso a estes autos sob o n.º 13/21.9YFLSB-A, em que peticionava a suspensão de eficácia com força obrigatória geral das mesmas normas, processo cautelar esse que foi objecto de despacho de indeferimento liminar (artigos 27.º, n.º 1, alíneas f) e h), e 116.º, n.os 1 e 2,  alíneas b) e d), ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado abreviadamente por CPTA, aqui aplicável ex vi artigos 166.º, n.º 2, e 174.º, ambos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, daqui por diante designado brevitatis causa por EMJ).

Cientes do despacho de indeferimento liminar proferido no âmbito do processo cautelar, importa desde já proferir decisão sumária, em sede de gestão inicial (art. 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi  artigos 1.º e 35.º do CPTA), segundo o qual «[n]os casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.».

Vejamos, pois.

2. É no artigo 73.º do CPTA que se consagram os pressupostos, objectivos e subjectivos, quanto à competente acção administrativa de impugnação de normas. Por se revelar de interesse para a economia da presente decisão, aqui se deixa reproduzido aquele artigo, com sublinhados nossos.


Artigo 73.º
Pressupostos
1 - A declaração de ilegalidade com força obrigatória geral de norma imediatamente operativa pode ser pedida por quem seja diretamente prejudicado pela vigência da norma ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo, independentemente da prática de ato concreto de aplicação, pelo Ministério Público e por pessoas e entidades nos termos do n.º 2 do artigo 9.º, assim como pelos presidentes de órgãos colegiais, em relação a normas emitidas pelos respetivos órgãos.
2 - Quem seja diretamente prejudicado ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo pela aplicação de norma imediatamente operativa que incorra em qualquer dos fundamentos de ilegalidade previstos no n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa pode obter a desaplicação da norma, pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao seu caso.
3 - Quando os efeitos de uma norma não se produzam imediatamente, mas só através de um ato administrativo de aplicação, o lesado, o Ministério Público ou qualquer das pessoas e entidades nos termos do n.º 2 do artigo 9.º podem suscitar a questão da ilegalidade da norma aplicada no âmbito do processo dirigido contra o ato de aplicação a título incidental, pedindo a desaplicação da norma.
4 - O Ministério Público tem o dever de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando tenha conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua ilegalidade, bem como de recorrer das decisões de primeira instância que declarem a ilegalidade com força obrigatória geral.
5 - Para o efeito do disposto no número anterior, a secretaria remete ao representante do Ministério Público junto do tribunal certidão das sentenças que tenham desaplicado, com fundamento em ilegalidade, quaisquer normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo ou que tenham declarado a respetiva ilegalidade com força obrigatória geral.

Dito isto, fácil se torna depreender que o conceito verdadeiramente fundamental para determinar se há, ou não, ilegitimidade da autora reside, pois, na noção de normas imediatamente exequíveis ou operativas: é que só no caso de as normas impugnadas se subsumirem nessa previsão normativa é que assistirá à autora a legitimidade para intentar uma acção administrativa de impugnação dessas normas (artigo 73.º, n.º 1, do CPTA).

Caso contrário, a autora não poderá impugnar directamente essas normas na acção declarativa principal de que dependem estes autos; apenas poderá impugnar o acto administrativo que as aplique, acto administrativo que não é visado nesta acção e que, tanto quanto apurámos, não foi ainda sequer praticado. Nesse caso, apenas será permitido à autora, quando muito, lançar mão da faculdade de suscitar na competente acção administrativa de impugnação de tal acto administrativo a questão da ilegalidade das normas impugnadas, a título meramente incidental (artigo 73.º, n.º 3, do CPTA).

Urge, portanto, depurar tal conceito de «norma imediatamente operativa». Eis o escopo das linhas que se seguem.

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3. A doutrina da especialidade tem-se afadigado, de há largos anos a esta parte, na delimitação, pela positiva e pela negativa, do conceito de «normas administrativas imediatamente operativas».

Um excurso por alguns contributos permite-nos identificar, desde logo, uma ideia primordial, segundo a qual os regulamentos imediatamente lesivos são os que extinguem direitos atribuídos por lei ([1]). Na senda desta ideia seminal, outras sensibilidades doutrinárias alinharam os seus contributos por aquela directriz. Exemplos de normas imediatamente operativas, nesta acepção, são os regulamentos que contêm normas proibitivas dirigidas a entidades que se acham a exercer uma actividade permitida por lei, que alteram (para pior) a situação ou o estatuto jurídico de funcionários, que suprimem direitos atribuídos por lei ou que impõem uma certa conduta, antes não exigível ([2]); ou então os que fixam os preços de determinados bens ou serviços ou privam um órgão de determinada competência ([3]).

Já para uma outra corrente, o que releva é o momento e o modo como os efeitos da norma se projectam na esfera jurídica dos particulares. Assim, uma norma administrativa será imediatamente operativa quando essa projecção na esfera jurídica dos administrados se realiza de forma imediata e sem interposição de qualquer acto de aplicação ([4]). E até se esclarece que a norma não deixa de ser imediatamente operativa quando, «[…] além de impor um dever, uma proibição, uma prestação, uma abstenção, etc., comina, para aqueles que a transgredirem, uma sanção aplicável normalmente através de um acto jurisdicional [porquanto não se pode, nem deve confundir, nesse caso] entre o modo como o dever, a proibição, a prestação, impostas regulamentarmente, se incrustam na esfera jurídica dos respectivos destinatários — porventura directa e imediatamente — e a dependência em que a respectiva sanção se encontra de um acto (jurisdicional) de aplicação concreta pois, se se admite a aplicação jurisdicional de uma sanção nos casos referidos é porque se reconhece que a pessoa sancionada já estava constituída, antes disso, no dever de observar a proibição, de fazer a prestação, etc. […]» ([5]).

Outros ainda, insatisfeitos com a insuficiência dos critérios formais supra aludidos, propõem um «[…] paradigma jurídico-processual […]» ([6]) de distinção, centrado na norma, segundo o qual é mediatamente operativa a norma que confere à Administração Pública poderes discricionários, impondo-lhe, precisamente por essa circunstância, a necessidade prática de proferir actos administrativos de concretização da sua posição ou das suas opções. Nessa medida, lesivos dos direitos ou interesses legítimos dos particulares serão já esses actos administrativos (decisões unilaterais, individuais e concretas) de concretização das opções discricionárias da Administração, e não as normas (gerais e abstratas) a se. Ao invés, será imediatamente operativa a norma que vincula a Administração Pública, sem necessidade de decisões unilaterais, individuais e concretas de autoridade, mas tão só de meros actos instrumentais, materiais ou de execução ([7]). Em suma: para esta construção, são normas mediatamente operativas as que atribuem à Administração Pública poderes discricionários; são normas imediatamente operativas as que impõem o exercício de poderes vinculados.

Esta deriva doutrinária não colheu grande acolhimento, tendo-se assistido nos últimos anos a um regresso aos critérios tradicionais, segundo os quais são normas imediatamente exequíveis aquelas «[…] cuja força normativa se faz sentir sem necessidade de qualquer ato mediador […]» ([8]). A justificação para este recrudescimento do critério tradicional, mais formalista, não repousa tanto nos méritos intrínsecos dessa construção, mas na crítica à teoria funcional alternativa. Na verdade, «[…] mesmo o exercício de poderes vinculados implica (ou pode implicar) a prática de um acto administrativo aplicativo. Ou seja, o critério, deslocando o eixo da questão para o âmbito dos poderes discricionários e vinculados da Administração, não resolve o que importava resolver: quando é que o efeito lesivo da norma pressupõe a intermediação de um acto (praticado no uso de poderes vinculados ou no uso de poderes discricionários, o acto existirá sempre). Por outro lado, parece que a vinculação às normas deve ser aferida não do lado da Administração, mas do lado do particular: é quando este fica directa e imediatamente vinculado ao conteúdo de uma norma que ela se pode considerar de operatividade imediata […]» ([9]).

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4. O legislador do CPTA quis fazer eco dessa orientação tradicional e formalista. De acordo com o já citado artigo 73.º, n.º 2, do aludido Código, o critério legal adoptado para qualificar um regulamento como imediatamente produtor de efeitos foi o facto de estar ele, ou não, na dependência de um acto administrativo de aplicação.

Assim, a operatividade será imediata quando resultar da própria natureza do regulamento, que se caracteriza por ser directamente modificativo ou ablativo de uma dada situação jurídica ou estatuto preexistente, e quando comporte uma regulação em si mesmo dessa dada situação substantiva.

Se a norma administrativa, por si só, cria ou impõe exigências que não existiam, ou estabelece ex novo requisitos sem os quais o administrado não tem acesso a regalias ou a um estatuto, de tal sorte que afecta automaticamente a posição jurídico-substantiva dos administrados objecto dessa norma, sem carecer da interposição de um acto administrativo, então estaremos perante uma norma imediatamente operativa na acepção da lei processual vigente.

Essa necessidade ou desnecessidade de interposição de acto administrativo pode ou não resultar da concessão de liberdade ou discricionariedade à Administração Pública. Reconhecemos não ser despiciendo asseverar que, se uma norma conferir a um determinado órgão administrativo uma margem de livre decisão, seja por via de conceitos indeterminados, seja pela concessão de poderes discricionários, não estaremos seguramente perante uma norma produtora de efeitos, precisamente porque o efeito imediato não se verifica enquanto a Administração não concretizar essa lesão através do acto administrativo. Todavia, mesmo nos casos de regulamentos que traduzam ou imponham poderes estritamente vinculados pode sentir-se a necessidade de prolação de um acto administrativo que os concretize. A pedra de toque fulcral para a distinção não pode repousar, por conseguinte, na natureza mais ou menos discricionária dos poderes conferidos à Administração Pública pela norma em apreço; ao invés, o critério decisivo reside, precisamente, em apurar se a norma pressupõe ou não a emissão subsequente de um acto administrativo que a concretize. Até lá, esses efeitos podem, ou não, acontecer. Ou seja, só quando se fazem sentir os efeitos na esfera jurídica do particular é que podemos verdadeiramente rotular a norma como imediatamente operativa.

Uma última nota: os efeitos jurídicos produzidos pela norma imediatamente operativa serão necessariamente lesivos, pelo que tais normas serão, à partida, compressoras de um dado estatuto jurídico do administrado visado, directa ou indirectamente, pela previsão normativa. Rectius: assentimos que operatividade, ou exequibilidade, não significa necessariamente lesividade, até porque a operatividade até pode ser ampliativa da esfera jurídica do destinatário da norma, não lhe causando prejuízo algum ou até concedendo um benefício. Contudo, para efeitos de impugnação de normas, só a lesividade importa, ainda que seja um reflexo indirecto da norma, como sucede no caso de a norma conceder um benefício ou uma vantagem a um terceiro contrainteressado face ao requerente da impugnação da norma, cifrando-se num prejuízo correspetivo para este interessado ([10]). Daí que a referência do artigo 268.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa à lesividade só faça sentido se se entender que se pode tratar também de um efeito directo da própria norma administrativa impugnada ([11]).

Em suma: estaremos perante normas administrativas imediatamente operativas quando os respectivos efeitos jurídicos se repercutirem imediata, directa e desfavoravelmente sobre a esfera jurídica dos administrados visados pelas normas, ou se projectarem sobre as pessoas abrangidas pela sua previsão, sem necessidade de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação da respectiva estatuição. Ou, dito por outras palavras, o regulamento (geral e abstrato) apenas será imediatamente operativo quando seja fonte de prejuízos directos e imediatos para os particulares seus destinatários, antes mesmo de ser aplicado por actos concretos.

Caso contrário, estaremos perante uma norma administrativa que carece de intermediação por acto administrativo ou judicial. Nesse caso, o administrado não pode reagir directamente contra a norma.

Como esclarecem os tratadistas, «relativamente às normas mediatamente operativas, isto é, normas cuja disciplina geral e abstrata só é susceptível de operar os seus efeitos através de actos administrativos de aplicação a situações individualizadas, a questão da sua ilegalidade pode ser suscitada, a título incidental, no âmbito de processo dirigido contra o acto de aplicação, conforme agora expressamente prevê o n.º 3 deste artigo 73.º. Esta é a decorrência de estarmos perante uma norma que não se projeta, de forma directa, na esfera jurídica dos particulares, mas apenas por via de um ulterior acto individual e concreto. Neste caso, a norma não é o objecto directo da impugnação - a qual se dirige em primeira linha contra o acto administrativo de aplicação -, mas a apreciação incidental da sua legalidade releva para o efeito de vir a ser formulado um juízo de procedência quanto ao pedido principal: o tribunal desaplica incidentalmente a norma e, consequentemente, anula, por falta de fundamento legal, o acto administrativo de aplicação». ([12])

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5. Cientes deste enquadramento, apreciemos o concreto teor das normas impugnadas, para ver se se subsumem ou não no conceito de normas imediatamente operativas.

Estão em causa, como vimos, os artigos 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento das Situações de Alteração, Redução ou Suspensão da Distribuição de Processos, aprovado em sessão Plenária da entidade demandada de 12-01-2021, sob o n.º 269/2021, objeto de publicação no Diário da República, II Série, n.º 56, a 22 de Março.

De seguida, damos conta do teor de cada um dos preceitos.

Artigo 4.º
Princípios gerais
A alteração, suspensão, redução da distribuição ou a consequente redistribuição de processos, pressupõe a impossibilidade de substituição por outro juiz, devendo garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, assegurando a salvaguarda dos princípios do juiz natural, da legalidade, da proibição do desaforamento, da independência e da imparcialidade dos tribunais.

Artigo 6.º
Procedimento para alteração da distribuição
1 — A alteração da distribuição ou a redistribuição de processos é feita de acordo com o requerimento apresentado por membro do Conselho Superior da Magistratura, pelo presidente do tribunal ou pelo juiz presidente da comarca.
2 — Quando verifique a necessidade da alteração da distribuição ou de redistribuição de processos o presidente do tribunal ou o juiz presidente dos tribunais de comarca apresenta proposta de distribuição de serviço, ouvidos os juízes da secção ou secções, ou do juízo ou juízos.
3 — A proposta de alteração da distribuição de serviço deve respeitar a regra da aleatoriedade e da proporcionalidade do serviço atribuído aos diversos juízes do tribunal ou juízo.

Artigo 7.º
Redução da distribuição de processos
1 — O Conselho Superior da Magistratura pode deliberar reduzir a distribuição de processos:
a) Aos magistrados judiciais que sejam incumbidos de outros serviços de reconhecido interesse público na área da justiça;
b) Em outras situações que justifiquem a adoção dessa medida, designadamente, a magistrado judicial:
i) A quem foi concedida a exclusividade a um ou vários processos;
ii) Que sofra de uma incapacidade funcional por doença;
iii) Que tenha a seu cargo processos em que se verifique um atraso na tramitação ou na prolação da decisão superior a seis meses;
iv) A quem foi distribuído processo de especial complexidade ou de natureza urgente.
2 — Nos casos descritos na alínea b), o Conselho Superior da Magistratura pode ordenar, conforme as circunstâncias, ouvido o presidente do tribunal ou o juiz presidente da comarca, a redistribuição de parte ou da totalidade dos processos pendentes distribuídos àquele magistrado judicial nos termos previstos no artigo 6.º

Artigo 8.º
Suspensão da distribuição de processos
O Conselho Superior da Magistratura pode deliberar suspender a distribuição de processos:
a) Aos Magistrados judiciais que sejam incumbidos de outros serviços de reconhecido interesse público na área da justiça;
b) Em outras situações que justifiquem a adoção dessa medida, designadamente quando:
i) O magistrado judicial se encontrar ausente por gozo de licença parental;
ii) O magistrado judicial se encontrar ausente por baixa médica;
iii) Ao magistrado judicial for concedido regime de exclusividade em processo urgente ou de especial complexidade;
iv) Ao magistrado judicial for aplicada medida de suspensão de exercício das funções.

Artigo 9.º
Redução ou suspensão da distribuição dos processos por situação de doença
1 — Quando o magistrado judicial sofra de uma incapacidade funcional reconhecida pela junta médica que não obste ao exercício da função mas a torne mais onerosa e/ou tenha reflexo no serviço o Conselho Superior da Magistratura pode determinar a suspensão temporária ou a redução da distribuição de processos, a restrição de atos processuais a praticar ou a adaptação das suas condições de trabalho.
2 — O magistrado judicial que, por debilidade ou entorpecimento das faculdades físicas ou intelectuais, não consiga manter o serviço atribuído, sem um esforço acrescido e/ou repercussão no exercício normal da função, pode beneficiar de medidas de adequação do serviço, previstas nos artigos 149.º, n.º 1, alínea o), e 152.º -C, n.º 1, alínea h), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 71.º, n.º 1, alíneas c) e h), e 82.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e artigo 84.º do Código do Trabalho.
3 — A determinação e o modo de concretização da redução de serviço têm que ser definidos, em cada caso, tomando por base a prévia avaliação médica.
4 — Para obtenção de parecer médico, pode o Conselho Superior da Magistratura incluir esta avaliação e parecer no objecto dos serviços contratados para implementação da medicina do trabalho nos tribunais ou determinar a realização de perícia médica.
5 — Durante o procedimento, podem ser adotadas medidas provisórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão final, mediante a apresentação de declaração médica.
6 — Indiciando -se que a decisão será no sentido de que a incapacidade obsta ao exercício a função, pode ser determinada a suspensão do exercício de funções, sem perda de remuneração.
7 — Se concluir que a incapacidade obsta ao exercício da função, o Conselho Superior da Magistratura deverá, depois de observar o disposto no artigo 66.º, n.os 2, 3 e 4 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, promover a aposentação ou reforma.
8 — Em situações de baixas médicas, em que não seja assegurada a substituição do juiz, a distribuição segue, em regra, o seguinte regime:
a) A imediata suspensão da distribuição da totalidade dos processos ao juiz que se encontre de baixa médica e a redistribuição dos processos urgentes que lhe tenham sido anteriormente distribuídos;
b) Mais de noventa dias de baixa médica: redistribuição de todos os processos anteriormente distribuídos ao juiz que se encontre de baixa;
c) No regresso da baixa a que alude a alínea anterior, em face das circunstâncias concretas, o Conselho Superior da Magistratura pondera a necessidade de proceder ao reforço da distribuição para igualação com a média de processos pendentes dos demais juízes, mediante requerimento do presidente do tribunal ou do juiz presidente da comarca.

Artigo 10.º
Redução ou suspensão por distribuição de processos urgentes ou de elevada complexidade
1 — O Conselho Superior da Magistratura pondera a conveniência de proceder à distribuição autónoma de processos urgentes e de processos de especial complexidade, podendo, ainda, deliberar:
a) A redução ou suspensão da distribuição de processos ao juiz ou juízes a quem foi distribuído o processo urgente ou de especial complexidade;
b) Nestes casos pode também ordenar a redistribuição de parte ou da totalidade dos processos pendentes atribuídos àquele juiz ou juízes, conforme as circunstâncias.
2 — O Conselho Superior da Magistratura fixa o prazo que considere adequado para a duração destas medidas, prazo que pode ser renovável.
3 — A redução ou suspensão da distribuição pode ser requerida pelo presidente do tribunal, pelo juiz presidente da comarca, ou pelo magistrado judicial a quem for distribuído o processo.
4 — Terminada a suspensão ou redução da distribuição o Conselho Superior da Magistratura determina se há necessidade ou não de proceder à igualação da distribuição, mediante requerimento do presidente do tribunal ou do juiz presidente da comarca.

Artigo 11.º
Redução ou suspensão da distribuição por existência de atrasos
1 — Quando se verifique um atraso na tramitação de um processo ou na prolação da decisão superior a seis meses, o Conselho Superior da Magistratura pode deliberar:
a) Reduzir ou suspender a distribuição, em número igual ao dos processos em atraso, com vista à conclusão de tais processos, fixando para o efeito um prazo curto e razoável;
b) Redistribuir os processos atrasados quando entenda que nenhuma das outras medidas de gestão resolve a situação dos atrasos verificados.
2 — Para o efeito, o presidente do tribunal ou o juiz presidente da comarca comunica ao Conselho Superior da Magistratura os dados estatísticos referentes aos processos pendentes, com indicação dos processos em que se verifica o atraso e o período efetivo do mesmo.

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6. Aqui chegados, podemos asseverar que, independentemente de o Regulamento já ter entrado em vigor, os efeitos lesivos para a esfera jurídica dos associados da autora apenas se concretizarão aquando da sua aplicação por acto administrativo da entidade demandada.

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6.1. Esta constatação é particularmente evidente no âmbito da alteração da distribuição ou redistribuição, posto que o art. 6.º expressamente esclarece que a mesma deve observar um procedimento.

Conforme a definição legal, constante do artigo 1.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, «entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública».

Do ponto de vista dogmático, partindo-se de uma definição correspondente, grosso modo, à do Código de Procedimento Administrativo — apenas com a expressa menção de que se trata de uma «sequência juridicamente ordenada» —, o conceito legal aludido foi depurado nos seguintes cinco elementos essenciais:
Primeiro, o procedimento é uma sequência. Quer isto dizer que os vários elementos que o integram não se encontram organizados de qualquer maneira: acham-se dispostos numa certa sequência, numa dada ordem. Constituem uma sucessão, um encadeamento de actos e formalidades, que se prolonga no tempo […].
Segundo, o procedimento constitui uma sequência juridicamente ordenada. É a lei que determina os actos a praticar e quais as formalidades a observar; é também a lei que estabelece a ordem dos trâmites a cumprir, o momento em que cada um deve ser efectuado, quais os actos antecedentes e os actos consequentes […]
Terceiro, o procedimento administrativo traduz-se numa sequência de actos e formalidades. Na verdade, não há nele apenas actos jurídicos ou tão-só formalidades: no procedimento administrativo tanto encontramos actos jurídicos (por exemplo, a instauração do procedimento, a suspensão de um arguido, a decisão final) como meras formalidades (por exemplo o decurso de um prazo).
Quarto, o procedimento administrativo tem por objecto um acto da Administração […]
Quinto, o procedimento administrativo tem por finalidade preparar a prática de um acto ou a respectiva execução […]» ([13])

Ora, tal procedimento está necessariamente dependente de impulso procedimental necessário de membro da entidade requerida, presidente do tribunal ou juiz presidente da comarca, e nestes últimos casos apenas depois de ouvidos os juízes da secção/ões ou juízo(s).

Certo é também que tal impulso não traduzirá mais que uma proposta, e que o procedimento administrativo culminará numa deliberação da entidade requerida, que pode ou não acolher tal proposta. Na verdade, como vimos, qualquer procedimento administrativo tende à prática de um acto administrativo, após o cumprimento de todos os trâmites necessários e destinados a preparar a decisão. O designado momento constitutivo corresponde, portanto, ao momento em que o órgão da Administração Pública faz uma avaliação ou ponderação final de todos os elementos recolhidos ao longo do procedimento (em especial na fase instrutória), produzindo o acto principal ou típico do mesmo.

Logo, só mediante tal deliberação que determine a alteração de distribuição ou a redistribuição é que estas vicissitudes se repercutirão na esfera jurídica dos associados da autora, e mesmo então em medidas diversas: apenas será efectivamente lesiva de uns, beneficiando potencialmente outros, e sendo inócua para os demais.

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6.2. Mas não só aqui se surpreende a necessidade de deliberação para concretizar os desideratos do Regulamento. Veja-se que nos artigos 7.º ss. se estabelece, em todos eles, que a entidade demandada «pode» deliberar reduzir ou suspender, respectivamente, a distribuição de processos. A utilização deste operador deôntico não pode deixar de ser atendida pelo Tribunal.

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6.2.1. Assim, não pode passar despercebido a este Tribunal que a entidade demandada só poderá decidir pela redução ou suspensão de processos uma vez verificadas as respectivas previsões normativas, nas quais se surpreendem inúmeros conceitos indeterminados que carecerão de preenchimento casuístico precisamente através de acto administrativo, nomeadamente a deliberação que determine a aludida redução ou suspensão da distribuição.

Certo é, pois, até pelo próprio comando compreendido no enunciado gramatical das normas impugnadas, que a entidade demandada só poderá decidir pela redução ou suspensão de distribuição de processos depois de verificados alguns pressupostos específicos, a saber:
(1) desde logo, os pressupostos consagrados no art. 4.º, nomeadamente i) o da «impossibilidade de substituição por outro juiz», bem como a garantia dos princípios ii) «do juiz natural, da legalidade, da proibição do desaforamento, da independência e da imparcialidade dos tribunais»;

e, cumulativamente, numa das seguintes situações:

(2) ou em caso de um determinado magistrado estiver «incumbido de outros serviços de reconhecido interesse público na área da justiça» [cf. art. 7.º, n.º 1, alínea a); art. 8.º, n.º 1, alínea a)]; 

(3) ou, apenas para o caso de redução de distribuição, se estiver noutras situações que justifiquem a adopção dessa medida, como o sejam: i) o ter sido «concedida a exclusividade a um ou vários processos»; ii) o sofrer «de uma incapacidade funcional por doença», observando-se ainda neste caso o disposto no art. 9.º; iii) o ter «a seu cargo processos em que se verifique um atraso na tramitação ou na prolação da decisão superior a seis meses», observando-se ainda neste caso o disposto no art. 11.º; ou iv) o ter sido «distribuído processo de especial complexidade ou de natureza urgente», observando-se ainda neste caso o disposto no art. 10.º [cf. art. 7.º, n.º 1, alínea b)]; 


(4) ou, apenas para o caso de suspensão de distribuição, se estiver noutras situações que justifiquem a adoção dessa medida, como o sejam: i) o «magistrado judicial se encontrar ausente por gozo de licença parental»; ii) «o magistrado judicial se encontrar ausente por baixa médica», poendo observar-se ainda neste caso o disposto no art. 9.º; iii) o ter sido concedido ao magistrado «regime de exclusividade em processo urgente ou de especial complexidade», observando-se ainda neste caso o disposto no art. 10.º; ou iv) o ter-lhe sido «aplicada medida de suspensão de exercício das funções» [cf. art. 8.º, n.º 1, alínea b)].

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6.2.2. Mas mais: não basta a verificação dessas previsões. Note-se que o próprio operador deôntico compreendido na estatuição das normas, com recurso ao verbo «poder» e não a verbos com maior intensidade preclusiva ou injuntiva (como «dever» ou «ter de», ou simplesmente «procede à redução ou suspensão de distribuição») indicia ou denuncia impressivamente que a norma concede discricionariedade ao órgão competente para decidir se procede ou não à redução ou suspensão da distribuição, mesmo verificadas as previsões normativas.

Significa isto que essa discricionariedade é revelada ainda pelo facto de à aludida estatuição deôntica não se associar uma previsão de que essa opção se circunscreva necessária e exclusivamente, ou mesmo necessariamente, à verificação das previsões normativas consagradas nas normas impugnadas. Vislumbra-se, assim, que a decisão de determinar ou não a redução ou suspensão da distribuição de processos, mesmo verificadas as aludidas previsões, pode legitimamente ter subjacente um critério de inconveniência e inoportunidade, que pode resultar da ponderação, pelo órgão competente, da pertinência dessa decisão à luz da respectiva utilidade ou eficácia para o serviço judiciário.

Ora, como tivemos oportunidade de deixar estabelecido adrede, se uma norma conferir a um determinado órgão administrativo uma margem de livre decisão, seja por via de conceitos indeterminados, seja pela concessão de poderes discricionários, não estaremos seguramente perante uma norma produtora de efeitos, precisamente porque o efeito imediato não se verifica enquanto a Administração não concretizar essa lesão através do acto administrativo.

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6.3. Por tudo quanto se deixou estabelecido supra, é apodítico que não estamos perante a suspensão de normas imediatamente operativas: é que a operatividade não resulta da própria natureza do regulamento, que não só não se caracteriza por ser diretamente modificativo ou ablativo de uma dada situação jurídica ou estatuto preexistente, como também não comporta uma regulação em si mesmo dessa dada situação substantiva. Não são as normas impugnadas, por si só, que criam ou impõem exigências que não existiam, nem que estabelecem ex novo requisitos sem os quais o administrado não tem acesso a regalias ou a um estatuto, de tal sorte que afecta automaticamente a posição jurídico-substantiva dos administrados objecto dessa norma. Tal apenas sucederá, como vimos, através da interposição de um acto administrativo.

Como tal, não poderá a autora solicitar na presente ação administrativa a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (nem sequer com efeitos circunscritos ao caso concreto de cada um dos associados identificados no doc 2 junto ao requerimento inicial) das normas impugnadas.

Ao invés, impõe-se à demandante aguardar pela prática de uma dada deliberação da aqui entidade demandada CSM que determine a alteração, suspensão, redução da distribuição e consequente redistribuição para a impugnar, pedindo a título incidental a desaplicação das normas aqui em apreço.

Falece à autora, por conseguinte, legitimidade ad causam na acção administrativa.

Impõe-se, por isso mesmo, indeferir liminarmente a presente ação, o que se determinará a final, no segmento dispositivo da presente decisão.

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7. Uma última nota para esclarecer que, mesmo que ambos os pedidos formulados na acção administrativa sejam incindíveis (a ora autora apenas peticiona a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral das aqui normas impugnadas porque entende que a entidade demandada deveria corrigir essas normas, pelo que pretende a aludida condenação à emissão de normas), o juízo ora formulado de manifesta ilegitimidade da autora e de manifesta ilegalidade da pretensão formulada não se alteraria. E isto por duas ordens de razão distintas, de que damos conta muito sucintamente de seguida.

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7.1. Desde logo, tendo presente a jurisprudência que os tribunais superiores da jurisdição administrativa têm veiculado a propósito dos pressupostos da acção de condenação à emissão de normas regulamentares, prefigura-se ser desde logo muitíssimo discutível que, tendo a norma regulamentar sido emitida, possa ainda haver lugar à aludida acção de condenação.

Assim é porque, de acordo com os critérios que, pela positiva, foram enunciados nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30-01-2007 (proc. n.º 030/06) e de 06-05-2010 (proc. n.º 0977/07), ambos acessíveis online in http://www.dgsi.pt/jsta, o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares depende do preenchimento dos seguintes pressupostos: i) que a omissão seja relativa à falta de emissão de normas cuja adopção possa considerar-se, sem margem para dúvidas, como uma exigência de lei; ii) que o acto legislativo careça de regulamentação para ser exequível, isto é, que faltem elementos para poder ser aplicada aos casos da vida visados no âmbito da norma, elementos esses cuja definição o legislador voluntariamente tenha endossado para a concretização através de regulamento; e iii) que a obrigação de regulamentar se tenha tonado exigível, por ter decorrido o prazo para efectuar a regulamentação.

Ora, ainda que se reconheça a existência de normas de habilitação para a emissão de regulamento pela entidade demandada para os efeitos de estabelecimento de critérios para alteração, redução ou suspensão de distribuição de processos [vide artigos 149.º, n.º 1, alíneas n) e o), 151.º, alínea c), e 152.º-C, n.º 1, alíneas g) e h), todos do EMJ], certo é que, não só esse dever de emissão de normas regulamentares não foi associado a nenhum prazo que se deva considerar ultrapassado, como inclusive a entidade demandada emitiu efectivamente as aludidas normas regulamentares. Existe, portanto, norma regulamentar, como é manifesto.

Por outro lado, completando esta concretização jurisprudencial dos pressupostos da acção de condenação à emissão de norma regulamentar prevista no art. 77.º do CPTA, e aludindo já a pressupostos definidos pela negativa, o Tribunal Central Administrativo Sul, através dos Acórdãos de 09-12-2010 (proc. n.º 2161/06), de 12-05-2011 (proc. n.º 2252/07), acessíveis em http://www.dgsi.pt/jtca, esclareceu já que o interesse protegido na pronúncia condenatória à emissão de regulamentos cinge-se à inexistência de normação administrativa de execução de comando legal carecido da mesma para efeitos de operatividade, pelo que, na acção interposta por omissão ilegal de norma administrativa, o Tribunal apenas condena a Administração a preencher o vazio normativo existente, sendo este vazio que traduz a fonte da ilicitude por violação do dever de agir na vertente funcional normativa. Logo, não tem cabimento conhecer de regulamentação insatisfatória ou deficiente.

Neste conspecto, e insurgindo-se a autora, não contra qualquer verdadeira e rigorosa omissão de regulamentação, mas apenas com uma regulamentação que apoda de ilícita, insuficiente e deficiente, a pretensão da autora também se deve considerar liminarmente votada ao insucesso.

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7.3. Mas mesmo que, ao arrepio do enquadramento jurisprudencial aludido e indo ao encontro de algumas recentes sensibilidades doutrinárias ([14]), pretendamos alargar o âmbito do recurso ao meio condenatório consagrado no art. 77.º do CPTA a situações de regulamentação deficiente, o caso dos autos não permitiria divisar tal sucesso na presente acção administrativa.

Assim é por dois motivos distintos, que passamos a enunciar sucintamente de seguida.

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7.3.1. Desde logo, porque, como bem adverte a própria corrente doutrinária que advoga a admissibilidade de recurso à acção de condenação do art. 77.º do CPTA em caso de regulamento existente, mas com normas que padeçam de inadequação, insuficiência ou incompletude, «para que seja possível o uso da acção de condenação em face de regulamentos inválidos, é necessário que a norma regulamentar esteja a ser impugnada com força obrigatória geral. Isto porque a emissão e consequente vigência de um novo regulamento pressupõe a cessação da vigência do regulamento anterior, o que só é obtido mediante a impugnação com força obrigatória geral, a qual de facto elimina a norma regulamentar da ordem jurídica, ao contrário da declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral, que apenas garante a desaplicação da norma inválida àquele caso concreto, permanecendo esta vigente» ([15]).

Ora, como vimos já, a autora não pode no caso presente lançar mão do pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, o que logo à partida inviabiliza, summo rigore, o recurso a este pedido condenatório.

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7.3.2. Acresce ainda, por importante, que mesmo para a corrente doutrinária mencionada, a insuficiência, inadequação ou deficiência do regulamento apenas poderiam ser conhecidas e declaradas no âmbito de uma acção de condenação à emissão de normas regulamentares quando «a deficiência ou inadequação das normas equivalha à sua ausência para efeitos de operatividade da lei. Basta pensar em hipóteses em que o regulamento emanado padeça de uma invalidade, precisamente por, contra a lei, afastar um direito que esta consagrava e cujo exercício dependia da emissão normativa; ou ainda em situações que o regulamento emitido […] não viabiliza a aplicação da lei que, apesar da emanação das normas, se vê impedida de produzir efeitos práticos» ([16]). Ou, noutra formulação, mesmo esta corrente doutrinária afirma «que os regulamentos insatisfatórios não autorizam o uso da acção de condenação à emissão de normas e, no que toca aos regulamentos deficientes, embora não se possa afirmar que a generalidade deles permite o uso do referido instrumento processual, existem hipóteses em que a deficiência regulamentar autoriza o uso do artigo 77.º do CPTA» ([17]).

E quais são essas hipóteses?

Ainda segundo a mesma doutrina, quando as normas regulamentares, apesar de emitidas, padecem de inadequação, insuficiência ou incompletude, será admissível o recurso à acção de condenação do art. 77.º do CPTA em três situações distintas: i) em caso de antinomia de normas (ou seja quando uma norma regulamentar contrarie outra norma válida pertencente ao mesmo ordenamento, deixando um aspecto legislativo sem qualquer exequibilidade); ii) em caso de invalidade derivada (se a própria produção do regulamento tiver desrespeitado normas procedimentais como, por exemplo, normas de competência), inexistindo outro diploma regulamentar que possa ser objecto de repristinação; e iii) em caso de não supressão de lacuna que a lei fizesse depender precisamente do regulamento. Tudo em observância a um princípio de economia processual, permitindo ao interessado que, nesses casos em que se produza um vazio normativo, não seja necessário impugnar primeiro a norma e só depois pedir a emissão da norma devida.

Certo é, bem vistas as coisas, que não se verificam in casu as hipóteses que permitiriam o recurso à acção de condenação e supra enunciados. Senão, vejamos.

Desde logo, não estamos perante qualquer alegação de invalidade derivada na própria elaboração do regulamento, por normas procedimentais ou orgânicas (falta de competência da entidade requerida, preterição de consulta pública exigida por lei, falta absoluta de forma legal, etc.), pelo que não nos debruçaremos sobre tal possibilidade.

Por seu turno, também não estaremos em caso algum confrontados, nem com uma lacuna que o regulamento deva suprir, nem com uma «antinomia real» que leve à inaplicabilidade de normas potencialmente conflituantes e ao surgimento de um vazio normativo acerca da matéria. E isto pela simples constatação de que o regulamento deverá sempre obediência (jurídica, ontológica e cronológica), quer à lei habilitante, que é o EMJ, quer ao diploma que substancialmente informa a disciplina regulamentada, que é a Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto).  Qualquer «antinomia» entre as normas impugnadas e as normas do EMJ e da LOSJ será «aparente» e resolvida, pois, mediante o recurso aos critérios hierárquico, cronológico e de especialidade. Em particular, uma suposta ilicitude das normas impugnadas por inobservância de comandos específicos do EMJ e da LOSJ seria resolvido por afastamento da norma regulamentar, posto que lex superior derrogat inferiori, sem que haja qualquer vazio normativo — até porque, em bom rigor, dos próprios diplomas legais resultará, com um mínimo de suficiência, a disciplina jurídica adequada a assegurar a exequibilidade dos direitos subjectivos e dos deveres processuais consagrados no regulamento, inexistindo sequer uma lacuna que só poderia ser suprida pelo regulamento.

Vale isto por dizer que, mesmo que se admitisse que, tal como alega a autora, possam existir algumas normas regulamentares que porventura não observem cabalmente os comandos normativos da lei habilitante ou da LOSJ - diploma legal, e, portanto, supraordenado e dotado de maior força cogente do que o regulamento —, nem por isso se permitirá o acesso direito à acção de condenação de norma prevista no art. 77.º do CPTA, estando a respectiva tutela plenamente assegurada pelos meios processuais consagrados nos artigos 72.º e 73.º do mesmo diploma. Assim é porque, em apreciação das normas - quer em impugnação directa da norma (seja para efeitos de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, seja com efeitos circunscritos ao caso concreto), caso pudesse a mesma ser admitida, quer mesmo em pedido de desaplicação incidental em sede de acção de pretensão conexa com o acto administrativo que aplique essa norma regulamentar, como deverá suceder in casu -, poderá sempre este Tribunal sindicar da validade dessa norma, e sendo disso caso, anulá-la ou desaplicá-la do caso concreto, sem que daí decorra nenhum vazio normativo.

Tomemos o exemplo do art. 4.º do regulamento, no segmento relativo à alegada «impossibilidade de substituição por outro juiz», contra o qual se insurge em particular a autora e que, segundo a demandante, também se repercute noutras normas, como os artigos 7.º, n.º 1, alínea b), 8.º, n.º 1, alínea b), 9.º, n.º 8, 10.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1. É um facto que a amplitude do conceito indeterminado poderá fazer apelo a prerrogativas de liberdade administrativa a exercer casuisticamente em sede das deliberações, como vimos já. Mas tal vicissitude não está apartada do jus cogens nem deve ser, por si só, considerada ilícita, nomeadamente por traduzir uma omissão ou deficiência de regulamentação: é que o próprio regulamento pode estabelecer conceitos indeterminados (mas não indetermináveis), a preencher caso a caso por acto administrativo — juízo igualmente válido, por exemplo, para a utilização do conceito «processos urgentes e de especial complexidade».

Além disso, e como a própria autora parece reconhecer, o preenchimento desse conceito, que é indeterminado, não será indeterminável, posto que sempre terá por «balizas» normativas aquelas que decorrem dos artigos 87.º, 94.º, n.º 4, alíneas f) e g), da LOSJ, e 45.º-A do EMJ (ou seja, verificar-se-á a impossibilidade de substituição de juiz, no limite, quando não seja possível recorrer às medidas de gestão existentes, como a substituição de juiz, o recurso a juiz de quadro complementar ou auxiliar ou o recurso à acumulação de funções).

Idêntico juízo será de efectuar quanto às demais questões de ilegalidade indiciariamente suscitadas pela autora no requerimento inicial. Assim, se nessas sedes se constatar que, tal como alega a autora, o procedimento do art. 6.º, n.º 2, e também os casos previstos nos artigos 7.º, n.º 2, 9.º, n.º 8, alíneas a) e b), 10.º, n.º 1, alínea b), e 11.º, alínea b), todos do regulamento, efetivamente  violarem o comando normativo dos artigos 45.º-A, n.º 1, do EMJ ou 94.º, n.º 5, da LOSJ (por não consagrarem expressamente a exigência do consentimento dos juízes onerados com a redistribuição e dos titulares originários dos processos objeto de redistribuição), prevalecerão estes últimos preceitos.

Em suma: não estamos confrontados, nem com uma omissão regulamentar stricto sensu, nem com uma das situações em que mesmo a corrente doutrinária mais recente tem admitido que as normas regulamentares, apesar de emitidas, podem admitir o recurso à acção de condenação do art. 77.º do CPTA.

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8. Tudo visto e sopesado, prefigura-se a este Tribunal ser de rejeitar liminarmente a presente acção administrativa, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 590.º do CPC, ex vi artigos 1.º e 35.º do CPTA, por força do regime que decorre do art. 73.º, n.º 1, do mesmo diploma. Isso mesmo se determinará a final, na parte dispositiva da presente decisão.

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9. Fixo o valor da causa em € 30 000,01, por ser o correspondente à utilidade económica do pedido, nos termos indicados pela autora e nos termos exigidos pelo artigo 34.º, n.os 1 e 2, do CPTA e no artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, por remissão deste, também no artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

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10. Não passou despercebido que a autora não efectuou o pagamento de taxa de justiça, alegando dela estar isenta, ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, invocando nomeadamente actuar «[…] em representação e defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos seus Associados (cuja lista se junta como doc. 2)» (sic).

Porém, não é desconhecida a jurisprudência que, de forma consolidada e reiterada, tem vindo a ser adoptada a este respeito, no sentido de que, «[d]e acordo com as disposições articuladas das alíneas f) e h) do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais […], os sindicatos, quando litigam em defesa colectiva dos direitos individuais dos seus associados, só estão isentos de custas se prestarem serviço jurídico gratuito ao trabalhador e se o rendimento ilíquido deste não for superior a 200 UC».

Veja-se, neste sentido e a título meramente exemplificativo:

- Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-11-2017 (proc. n.º 26175/16.9T8LSB-A.L1-4), acessível online in http://www.dgsi.pt/jtrl;

- Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2013, de 14-03-2013, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 95, pp. 2962 a 2967, que reproduziu a fundamentação do acórdão do mesmo tribunal proferido a 19-01-2012, no recurso n.º 220/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta;

-  Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 190/2016, de 30-03-2016, proferido no proc. n.º 868/15, publicado no Diário da República n.º 85/2016, 2.ª Série, de 03-05-2016.

Face ao exposto, é a autora responsável pelas custas nos presentes autos, na proporção do respectivo decaimento, que foi total.

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11. Dispositivo

Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações, por manifesta ilegitimidade da autora e por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, e em sede de gestão inicial, indefiro liminarmente a presente acção administrativa, ao abrigo do disposto nos artigos 27.º, n.º 1, alíneas f) e h), do CPTA, e 590.º , n.º 1 do CPC, atento o teor do citado n.º 1 do art. 73.º do citado CPTA, aqui aplicável ex vi artigos 166.º, n.º 2, e 174.º, ambos do EMJ.

Vencida, é a autora responsável pelas custas devidas nos presentes autos, na proporção do seu decaimento, que foi total”.

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Não se conformando com o referido despacho, a ASJP dele reclamou para a Conferência, nos termos do artigo 27º nº 2 do CPTA, argumentando, em síntese, o seguinte:

Começando por tomar como exemplo o artigo 6º do Regulamento, verifica-se, ao contrário do propugnado no douto despacho que se reclama, que estamos na presença de uma norma imediatamente operativa.

Pese embora, o preceito tenha como intenção definir o procedimento a adoptar nas situações para a alteração da distribuição/redistribuição de processos, a verdade é que esta norma, - artigo 6º, nº 2 - com a sua actual redação é imediatamente lesiva, pelo simples facto de o procedimento previsto não prever a necessidade de obtenção do consentimento do magistrado.

E assim, o procedimento previsto violar o artigo 45º A, nº 1, do EMJ e 94º, nº 5, da LOSJ e artigos 3º, 7º e 8º do CPA.

Ilegalidade, esta, patente também nos artigos 7º, nº 2, 9º, nº 8, alíneas a) e b), 10º, nº 1, alínea b) e 11º, alínea b), pelo simples facto de o procedimento previsto nesses artigos também não preverem a necessidade de audição e obtenção de consentimento do juiz.

Ao que acresce ainda o facto de a lesividade do artigo 6º decorrer ainda da circunstância de não prever o direito à remuneração, em consonância com o disposto no artigo 29º do EMJ.

Ora, contrariamente ao entendimento sufragado no despacho reclamado não se está na presença de um requisito ou de uma formalidade que apenas poderá ser definida a posteriori.

Pelo que, com a redação actual dos referidos artigos constata-se que os procedimentos previstos violam de forma imediata e frontal os artigos 45ºA, nº 1, alínea b), do EMJ.

Não pode a natureza do regulamento ditar ou permitir sem mais, configurar se uma norma é mediata ou imediatamente operativa.

Assim, definindo os artigos 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11º, os procedimentos a observar nas situações de alteração, redistribuição, redução e suspensão da distribuição, as mesmas revelam ser desde logo ilegais, pelo facto de os procedimentos previstos serem imediatamente lesivos por violarem, pelo menos, frontalmente os artigos 45º A, nº 1, do EMJ e 94º, nº 5 da LOSJ.

No que diz respeito ao segundo pedido, ou seja, de condenação do réu na emissão das normas identificadas na sua petição inicial, refere que, conforme resulta do seu artigo 1º, o réu autovinculou-se a estabelecer os princípios, critérios, requisitos e procedimentos a que deve obedecer a determinação pelo CSM das medidas a que aludem os artigos 149º, nº 1, alíneas n) e o), 151º, alínea c) e 152º C, nº 1, alíneas g) e h), do EMJ, aplicáveis aos

Tribunais Superiores e aos Tribunais de Primeira Instância.

Antes de mais, refere-se que a redacção do artigo 4º não revela ser exequível pelo simples facto de, contrariamente, ao que se propôs o Réu, não ter definido através do Regulamento o requisito que permite o uso do mecanismo de alteração, redução, redistribuição ou suspensão da distribuição.

Ou seja, o réu não definiu quando se verifica a “impossibilidade de substituição do juiz”, o que equivale, pelo menos, a uma deficiência da redacção, o que configura num vazio normativo. Percorrendo o Regulamento em questão, e contrariamente ao que se propôs o

réu, com o seu artigo 8º não definiu o procedimento a observar, mais concretamente para as alíneas a), e b) e subalínea i) e iv). Tratando-se de uma norma que não é exequível, por existir um vazio normativo.

 O que se verifica também relativamente ao artigo 10º, por não ter definido o critério “para classificar um processo como de elevada complexidade”, o procedimento e sua duração.

Pelo que o réu não cumpriu com o dever que sobre ele impendia, de regulamentar.

Atento ao exposto, constata-se que a autora detém legitimidade, por se estar na presença de normas imediatamente operativas e o réu ter incorrido numa omissão de regulamentação, encontrando-se a sua pretensão devidamente fundamentada, e por isso, verificados os pressupostos decorrentes do artigo 73º, nº 1, e 77º do CPTA, tendo, deste modo, o digno tribunal incorrido em erro de julgamento.

No que toca à isenção de custas, argumenta a autora que lhe deverá ser reconhecida a isenção de custas nos termos do disposto no artigo 338º, nº 3, da LTFP e 4º, nº 1, alínea f), do RCP, tendo, deste modo, o tribunal incorrido em erro de julgamento.

Termina, pedindo que seja deferida a presente reclamação.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM), tendo sido notificado para, querendo, responder ao requerimento apresentado pela autora, relativo à reclamação do despacho de indeferimento liminar proferido em 17.05.2021, vem manifestar a sua inteira concordância com a apreciação e os fundamentos de tal decisão.

Tal decisão mostra-se irrepreensível, porquanto, indiscutivelmente, a autora/requerente não detém legitimidade para peticionar a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral das normas suspendendas na acção administrativa principal e por força da instrumentalidade da acção cautelar, também nesses autos. Quer porque as normas que compõem o Regulamento das Situações de Alteração, Redução ou Suspensão da Distribuição de Processos não são imediatamente operativas, mas também porque não lhe assiste legitimidade para requerer a suspensão de eficácia com força obrigatória geral e,

além do mais, não estamos perante qualquer omissão regulamentar. Tudo fundamentos que, aliás, a autora/requerente não rebate fundamentadamente na sua reclamação.

 

Pede a manutenção do despacho reclamado, de indeferimento liminar, por o mesmo se mostrar irrepreensível ao considerar a manifesta ilegitimidade da requerente e a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada.

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O pagamento da taxa de justiça

 No dia 01 de Junho de 2021, a autora foi notificada pela secretaria judicial para fazer prova do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da reclamação apresentada.

A autora, em 15.06.2021, apresentou reclamação, pois entende que sobre si não recai o dever de fazer prova do pagamento da taxa de justiça, tal como já havia dito na reclamação para a conferência.

À cautela, procedeu à junção do comprovativo de pagamento da taxa de justiça.

Termina, dizendo que vindo a entender-se que não seria devido o pagamento da taxa de justiça, por ter sido invocada a isenção, nos termos do artigo 4º nº 1 alª f) do RCP e por não existir decisão transitada em julgado, requer a devolução do pagamento efectuado.

Após os vistos, cumpre decidir.

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Esta Conferência, após a análise dos elementos constantes dos autos, mormente a fundamentação constante do despacho reclamado, sufraga e faz prevalecer aquela fundamentação, não se lhe afigurando a mesma susceptível de qualquer reparo negativo, quer quanto aos pedidos formulados na petição inicial, quer quanto à responsabilidade da autora pelo pagamento das custas.

A questão da isenção do pagamento da taxa de justiça formulada pela autora no requerimento que a mesma apresentou em 15.06.2021 mostra-se prejudicada pela solução agora dada no presente acórdão – Cfr artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil.

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SUMÁRIO

(i). Segundo o nº 3  alª a) do artigo 73º do CPTA quando os efeitos de uma norma não se produzam imediatamente, mas só através de um acto administrativo de aplicação, o lesado, o Ministério Público ou qualquer das pessoas e entidades nos termos do nº 2 do artigo 9º podem suscitar a questão da ilegalidade da norma aplicada no âmbito do processo dirigido contra o ato de aplicação a título incidental, pedindo a desaplicação da norma.

(ii). De acordo com o artigo 73º nº 2 do CPTA, o critério legal adoptado para qualificar um regulamento como imediatamente produtor de efeitos foi o facto de estar ele, ou não, na dependência de um acto administrativo de aplicação.

(iii). Assim, a operatividade será imediata quando resultar da própria natureza do regulamento, que se caracteriza por ser directamente modificativo ou ablativo de uma dada situação jurídica ou estatuto preexistente, e quando comporte uma regulação em si mesmo dessa dada situação substantiva.

(iv). Se a norma administrativa, por si só, cria ou impõe exigências que não existiam, ou estabelece ex novo requisitos sem os quais o administrado não tem acesso a regalias ou a um estatuto, de tal sorte que afecta automaticamente a posição jurídico-substantiva dos administrados objecto dessa norma, sem carecer da interposição de um acto administrativo, então estaremos perante uma norma imediatamente operativa na acepção da lei processual vigente.

(v) . Estaremos perante normas administrativas imediatamente operativas quando os respectivos efeitos jurídicos se repercutirem imediata, directa e desfavoravelmente sobre a esfera jurídica dos administrados visados pelas normas, ou se projectarem sobre as pessoas abrangidas pela sua previsão, sem necessidade de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação da respectiva estatuição. Ou, dito por outras palavras, o regulamento (geral e abstrato) apenas será imediatamente operativo quando seja fonte de prejuízos directos e imediatos para os particulares seus destinatários, antes mesmo de ser aplicado por actos concretos.

(vi). Relativamente às normas mediatamente operativas, isto é, normas cuja disciplina geral e abstrata só é susceptível de operar os seus efeitos através de actos administrativos de aplicação a situações individualizadas, a questão da sua ilegalidade pode ser suscitada, a título incidental, no âmbito de processo dirigido contra o acto de aplicação, conforme agora expressamente prevê o n.º 3 deste artigo 73.º.

(vii). A entidade demandada só poderá decidir pela redução ou suspensão de processos prevista nos artigos 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 11º do Regulamento, uma vez verificadas as respectivas previsões normativas, nas quais se surpreendem inúmeros conceitos indeterminados que carecerão de preenchimento casuístico precisamente através de acto administrativo, nomeadamente a deliberação que determine a aludida redução ou suspensão da distribuição.

(viii). Ora, conferindo tais normas ao CSM uma margem de livre decisão, seja por via de conceitos indeterminados, seja pela concessão de poderes discricionários, não estaremos seguramente perante uma norma produtora de efeitos, precisamente porque o efeito imediato não se verifica enquanto a Administração não concretizar essa lesão através do acto administrativo.

(ix). Como tal, falecendo à autora legitimidade ad causam na presente acção administrativa, não poderá solicitar a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral das normas impugnadas. Ao invés, impõe-se à demandante aguardar pela prática de uma dada deliberação da entidade demandada (CSM) que determine a alteração, suspensão, redução da distribuição e consequente redistribuição para a impugnar, pedindo a título incidental a desaplicação das normas aqui em apreço.

(x). Estando em causa o obstáculo à legitimidade da autora, por um lado e, por outro, não tendo a presente acção administrativa por fim directo a defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pela lei ou pelo respectivo estatuto, a autora não está abrangida pela isenção de custas prevista na norma do artigo 4º nº 1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais.

III. Atento o exposto, não havendo motivo para decidir de outro modo, indefere-se a presente reclamação para a Conferência e confirma-se o despacho de 17 de Maio de 2021 acabado de transcrever.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UCs de acordo com o n. 1 do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais e respetiva Tabela I-A, anexa a este último diploma,

Lisboa, 23 de Setembro de 2021

Ilídio Sacarrão Martins (Relator) (Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade).

Fernando Samões

Catarina Serra

Conceição Gomes

Leonor Cruz Rodrigues

Eduardo Loureiro

Maria Olinda Garcia

Maria dos Prazeres Beleza (Presidente da Secção)

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[1] Magalhães Colaço, Direito Administrativo. Lições, Coimbra, 1917, pp. 99-100.
[2] José Luís Moreira Da Silva, Da Impugnação Contenciosa de Regulamentos Administrativos, Dissertação de Mestrado, policopiado, Faculdade de Direito de Lisboa, 1992, p. 309.
[3] José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 8.ª edição, 2006, Almedina, p. 237.
[4]  Mário Esteves de Oliveira, «A Impugnação e Anulação Contenciosas dos Regulamentos», Revista de Direito Público, I, n.º 2, 1986, pp. 29 e passim.
[5] Idem, ibidem, p. 36.
[6] Wladimir Brito, «Impugnação de Normas: a Urgência de um Novo Paradigma Jurídico-Processual», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 56, 2006, p. 55.  Braga: Centro de Estudos Jurídicos do Minho.
[7] Idem, ibidem, p. 60.
[8] Carla Amado Gomes, «Dúvidas Não Metódicas sobre o Novo Processo de Impugnação de Normas do CPTA», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 60, 2006, p. 8.
[9] Mário Jorge Lemos Pinto, Impugnação de Normas e Ilegalidade por Omissão no Contencioso Administrativo Português, Coimbra Editora, 2008, p. 190.
[10] Idem, ibidem, p. 189.
[11] José Manuel Sérvulo Correia, «Da Sede do Regime de Responsabilidade Objetiva Causada por Normas emitidas no Desempenho da Função Administrativa», Revista da Ordem dos Advogados, n.º 61, III, 2001, p. 1354.
[12] Mário Aroso de Almeida / Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição revista, 2017, Almedina, p. 519.
[13] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo – volume I, 3.ª edição, 2013, Almedina, p. 289 — com sublinhados nossos.
[14] Vide Ana Raquel Moniz, «Aproximações a um conceito de norma devida para efeitos do artigo 77.º do CPTA», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 87, 2011, p. 10, Braga, Centro de Estudos Jurídicos do Minho; Ednaldo Silva Ferreira Júnior, «A ação de condenação à emissão de normas e os casos de regulamentos deficientes e insatisfatórios», Comentários à Legislação Processual Administrativa, cit., pp. 813-860.
[15] Ednaldo Silva Ferreira Júnior, cit., p. 850.
[16] Ana Raquel Moniz, «Aproximações…», cit., p. 10. Da mesma autora, vide ainda «O controlo judicial do exercício do poder regulamentar no Código de Processo nos Tribunais Administrativos», Comentários à Legislação Processual Administrativa, cit., pp. 796-797.
[17] Ednaldo Silva Ferreira Júnior, cit., p. 860.