CUSTAS DE PARTE
NOTIFICAÇÃO À PARTE
Sumário


A parte vencida nas custas de parte tem de ser notificada pessoalmente do montante das custas devidas e constante da “guia da nota discriminativa e justificativa das custas de parte” devidas, não bastando ser a mesma apenas notificada aos mandatários judiciais das partes envolvidas no processo.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo n.º 45/15.6JAFAR-D do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Faro – Juiz 6, os embargos de executado intentados pelo embargante/executado (…) foram julgados procedentes e, em consequência, extinta a execução instaurada por (…).

2. Do recurso
2.1. Das conclusões dos embargados/exequentes (…)
Inconformados com a decisão os embargados/exequentes interpuseram recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“I. A sentença recorrida assenta, salvo o devido respeito, numa contradição insanável entre fundamentação e a decisão e erro notório na interpretação e aplicação do direito aos factos sub judice, por um lado;
II. E, por outro, enferma do vício de violação da lei, mormente o disposto nos artigos 33º, nº 1 da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, 25º e 33º, nº 1 do RCP, 44º, nº 1 e 247º do CPC.
III. Da prova produzida nos autos, resultou que a execução ora julgada extinta pelo Tribunal “a quo” iniciou-se com o requerimento executivo proposto pelos recorrentes contra o recorrido, fundado no acórdão proferido nos autos principais que a execução aqui em causa corre por apenso que o condenou no pagamento das custas processuais e na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, elaborada nos termos do disposto nos artigos 25º e 26º do RCP, remetida aos autos (com notificação eletrónica à I. Mandatária da parte contrária, em cumprimento do disposto no artigo 221º do CPC) e enviada na mesma data (05.02.2019), por correio eletrónico, à I. Mandatária do executado/recorrido), acompanhada da respetiva interpelação para pagamento.
IV. Tal comunicação - junta aos autos com o requerimento executivo - consubstancia o envio à parte contrária (representada pela mandatária judicial com procuração nos autos que o condenou no pagamento das custas), da respetiva discriminativa e justificativa de custas de parte, por um lado, e a interpelação para o pagamento da quantia devida a título de custas de parte (nos termos da nota discriminativa e justificativa de custas de parte que a acompanhou), por outro.
V. Não obstante tal evidência, porém, entendeu o Tribunal “a quo” que “a lei exige que a notificação seja efectuada à própria parte responsável pelo pagamento e não apenas ao seu mandatário, nos termos do artigo 221º do Código de Processo Civil.”
VI. Salvo o devido respeito, tal entendimento, não se encontra plasmado em qualquer dispositivo legal, afigurando-se contrário à lei e aos princípios basilares do Direito.
VII. Dispõe o artigo 33º, nº 1 da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril, que “As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respectiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25º do RCP”.
VIII. Nos termos do nº 1 do artigo 25º do RCP, a nota discriminativa e justificativa deve ser remetida pela parte que tenha direito a custas de parte para o tribunal e para a parte vencida até dez dias após o trânsito em julgado.
IX. Por sua vez, de acordo com o artigo 247º do CPC, “as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais” (negrito e sublinhados nossos);
X. Donde se extrai que inexiste qualquer imposição legal de notificação pessoal da parte vencida, contrariamente ao que decidiu a sentença recorrida.
XI. Tem sido, aliás, entendimento jurisprudencial dominante que a execução por custas de parte da parte vencedora contra a parte vencida (art. 36°, n° 3, do RCP) assenta em título executivo compósito - nota discriminativa de custas de parte enviada pela primeira à segunda mais a própria sentença que condenou em custas.
I. No presente caso, os recorrentes remeteram a nota discriminativa de custas de parte à parte vencida (recorrido), através do seu mandatário, à mandatária da parte vencida, cumprindo, a exigência que decorre do artigo 25°, n.º 1 do RCP (que não determina que o envio da nota discriminativa e justificativa de custas de parte não possa ser efetuado por remessa ao mandatário constituído pela parte vencida).
XII. Acresce que o artigo 44º, nº 1 do CPC dispõe que “o mandato atribui poderes ao mandatário para representara parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores”.
XIII. Nenhum dos citados normativos legais exceciona ou restringe por qualquer forma o alcance dos poderes do mandatário no que se refere às custas de parte.
XIV. Recebendo o mandatário a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, recebe-a na qualidade de representante da parte vencida, valendo, para todos os efeitos, como se a mesma notificação tivesse sido efetuada para o respetivo constituinte.
XV. Se a lei prevê expressamente a notificação aos mandatários das partes da conta de custas (artigo 31º, nº 1 do RCP), nada obsta que o mesmo possa ocorrer também com as custas de parte - até porque o mandatário estará sempre em melhores condições para decidir se a nota discriminativa de custas de parte é ou não devida e, eventualmente, da mesma reclamar.
XVI. Nenhuma das disposições legais em que o Tribunal “a quo” estriba a sua decisão (artigos 523º, 524º, 529, nº 1, 533º, nºs 1, 2 e 3, 527º, nº 1, 607º, do CPC e 25º, 26º do RCP, 30º e 31 da Portaria 149-A/2009, de 17 de Abril) determina que a notificação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte não possa ser feita à parte contrária na pessoa do seu mandatário.
XVII. Do artigo 31º, nº 1 do RCP - que dispõe que “a conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento” (negrito e sublinhado nossos) - não se alcança qualquer regime de exceção relativamente à notificação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
XVIII. A sentença recorrida enferma de erro na interpretação e aplicação da lei ao caso concreto e viola as disposições constantes dos artigos 33º, nº 1 da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, 25º e 33º, nº 1 do RCP e 44º, nº 1 e 247º do CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue improcedentes os embargos de executado deduzidos pelo recorrido, com a consequente declaração da existência de título executivo válido, composto pela sentença/acórdão que condenou o recorrido no pagamento das custas e pela nota discriminativa e justificativa de custas de parte regularmente enviada pela parte vencedora (recorrentes) à parte vencida (recorrido), tudo com as legais consequências. (…)”.

2.2. Das contra-alegações do embargante/executado (…)
Motivou o embargante/executado defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“A sentença recorrida, para além de não enfermar de qualquer vício, aplicou o Direito de forma correcta, não tendo a sentença recorrida violado qualquer disposição legal, razão, pela qual, a sentença recorrida deverá ser confirmada na íntegra (…)”.

2.3. Da tramitação subsequente
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questão a examinar
A questão colocada prende-se em saber se a lei exige que a notificação da parte vencida em custas de parte seja efetuada a ela própria, para além do seu mandatário, para efeitos da constituição de título executivo.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.
“Questões a decidir
Face às posições assumidas pelas partes, as questões a decidir são as seguintes:
a) Apreciar da existência de título executivo válido (por necessidade de proceder à notificação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte à própria parte);
b) Apreciar quais os valores a que os embargados têm direito.
(…)
III. Fundamentação de Facto
Factos Provados
1- Os exequentes interpuseram a acção executiva contra o executado para pagamento da quantia de €1118,57 dando à execução o acórdão proferido no Processo Comum Colectivo n.º 45/15.6JAFAR, do Juízo Central Criminal de Faro - Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, acompanhado de nota discriminativa e justificativa de custas de parte, documentos juntos com o requerimento executivo e cujo teor se dá por reproduzido na íntegra.
2- O referido acórdão foi proferido a 19 de Dezembro de 2018 e transitou em julgado.
3- Os exequentes remeteram, por correio electrónico, de 5 de Fevereiro de 2019, à mandatária do exequente, que recebeu, a referida nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
4- Os exequentes apresentaram em juízo a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, notificando a mandatária do embargante.
5- Na sessão da audiência de julgamento dos autos principais, do dia 11 de Dezembro de 2018, o embargante reduziu o pedido para € 39 036,27.
Factos Não Provados
Não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a decisão da causa.
A restante alegação deduzida nos articulados, que não consta dos factos provados nem dos factos não provados, não foi tida em conta pelo Tribunal, seja por corresponder a juízos conclusivos ou de natureza jurídica, seja por reportar a factos não relevantes para a decisão da causa em qualquer das soluções de direito plausíveis.
Fundamentação da Decisão de Facto
Os factos supra enunciados em 1, 2, 4 e 5 resultaram provados por acordo das partes nuns casos, e por documentos, noutros casos, nos termos do disposto nos artigos 3.º, nº 4, 574.º, nº 2, 587.º e 607.º, nº 4, do Código de Processo Civil.
No que tange ao descrito em 3, por ter sido admitida em audiência de julgamento, tal factualidade pela ilustre mandatária do embargante.
IV. Fundamentação de Direito
Dispõe o artigo 523.º do Código de Processo Penal que à responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são plicáveis as normas do processo civil.
Sendo subsidiariamente aplicável o disposto no Regulamento das Custas Processuais, como decorre do artigo 524.º do Código de Processo Penal.
Por sua vez, o artigo 529.º, nº 1, do Código de Processo Civil, estabelece que as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, sendo que as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais, (artigo 533.º, nº 1).
De acordo com o nº 4 do mesmo artigo e com o artigo 533.º, nº 2, do mesmo Código, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, designadamente as taxas de justiça pagas, os encargos efectivamente suportados pela parte, as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas e os honorários do mandatário e as despesas que este efectuou.
Por sua vez, o artigo 533.º, nº 3, estatui que “as quantias referidas no número anterior são objecto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes”.
E o artigo 527.º, nº 1, do Código de Processo Civil, estabelece que “a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”. Ou seja, o critério essencial definidor da responsabilidade pelas custas, incluindo as custas de parte, é o decaimento na acção, sendo que o critério subsidiário é o proveito que o processo proporciona (sendo que o artigo 523.º do Código de Processo Penal remete, nesta matéria, para as disposições constantes no Código de Processo Civil).
Ora, o artigo 607.º do Código de Processo Civil prescreve que, no final da sentença, o juiz deve condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respectiva responsabilidade.
Por sua vez, o artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais estatui que:
“1 - Até dez dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa.
2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:
a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução;
b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça;
c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução;
d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;
e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento.
4 - Na acção executiva, a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa, nos termos do número anterior.”.
E o artigo 26.º do mesmo Regulamento estabelece nos seus nºs 2 e 3 que:
“2 - As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.
3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:
a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;
b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;
c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;
d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.”.
Finalmente, no que respeita à Portaria que regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades – Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril (e sucessivas alterações) -, destacam-se os artigos 30.º e 31º.
O artigo 30.º, nº 1, da Portaria estabelece que as custas de parte não se incluem na conta de custas, isto é, que a liquidação e o pagamento das custas de parte têm lugar à margem da conta a elaborar pela Secção de Processos.
E o artigo 31.º, nº 1, do mesmo diploma prescreve que as partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respectiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25º. do Regulamento das Custas Processuais.
Da análise conjugada de todas estas normas, e como bem expressa o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Junho de 2017, processo número 462/06.2TBLSD-C.P1, disponível em www.dgsi.pt, podemos extrair as seguintes conclusões:
i) As custas de parte integram as custas processuais;
ii) As custas de parte não são liquidadas e apuradas na conta de custas do processo;
iii) A parte credora deve elaborar uma nota justificativa e discriminativa das custas de parte a cujo reembolso tem direito, apresentando-a no processo e notificando-a à parte contrária;
iv) O pagamento das custas de parte é feito directa e extrajudicialmente pela parte devedora;
v) Se esse pagamento não ocorrer o credor das custas de parte pode instaurar uma execução para obter o pagamento coercivo.
No caso de execução por custas de parte, e em face das normas citadas, exige-se um título executivo compósito, formado pela sentença que condena a parte vencida em custas e pela nota discriminativa de custas de parte enviada pela parte vencedora à parte vencida.
Assim tem entendido a maioria da jurisprudência de que são exemplo os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 20 de Abril de 2016, processo número 2417/07.0TBCBR- C.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 2015, processo n.º 4470/11.3TDLSB.1.L1-3, e de 27 de Abril de 2017, processo número 20430-12.4YYLSB- A.L1-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
A questão que se coloca, e que é a suscitada pelo embargante nos presentes autos, é a de saber se a quantia devida a título de custas de parte é judicialmente exigível, através de acção executiva intentada para o efeito, se não foi enviada a nota discriminativa pela parte vencedora à própria parte vencida.
Diga-se já que não existe uma posição unânime da jurisprudência sobre a questão (vide em sentido diverso os acórdãos da Relação de Lisboa de 10 de Outubro de 2019, da Relação do Porto de 18 de Abril de 2017, da Relação de Évora de 12 de Abril de 2018 e da Relação de Coimbra de 20 de Abril de 2016, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt, respectivamente com os números de processo 1242/12.1TVLSB-C-L1.L1-6, 13884/14.6T8PRT-A.P1, 716/17.2T8SLV-A.E1 e 2417/07.0TBCBR.C.C1).
Após estudo da questão perfilhamos o entendimento que a lei exige que a notificação seja efectuada à própria parte responsável pelo pagamento e não apenas ao seu mandatário, nos termos do preceituado no art. 221.º do Código de Processo Civil.
Na verdade, se a lei impõe que a conta seja sempre notificada à própria parte responsável pelo pagamento (artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais) não se vislumbra qual a razão para que tal não aconteça no que tange à nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
Como é salientado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Outubro de 2019, supra mencionado, cujo entendimento seguimos de perto, “(…) quer no âmbito do CCJ (Código das Custas Judiciais) quer no âmbito do RCP (Regulamento das Custas Processuais) inexiste razão plausível para que a conta seja sempre notificada à própria parte responsável pelo pagamento e que o não seja a nota discriminativa e justificativa das custas de parte. Por isso, considerando a unidade do sistema jurídico e porque devemos presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados devemos interpretar o segmento «parte vencida» do n.º 1 do art. 25.º e do n.º 2 do art. 26.º do RCP bem como o n.º 1 do art. 31.º da Portaria 419-A/2009 como sendo a «parte responsável pelo pagamento» referida no n.º 1 do art. 31.º do RCP”.
Ademais, como se sublinha no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Março de 2019, disponível em www.dgsi.pt, com o número de processo 14650/14.4T8LSB- F.L1-1, o vencimento da obrigação depende da interpelação para o pagamento, sendo que esta só se concretiza através de notificação para a parte vencida da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, uma vez que a notificação através do mandatário “não substitui nem isenta a notificação da própria parte”.
Donde, como o embargante não foi notificado da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, mas apenas a sua mandatária, os exequentes não dispõem de título executivo (porquanto este não se formou por falta da notificação à própria parte), razão pela qual se impõe a procedência dos embargos de executado, o que se decide e, em consequência, determina, por falta de título executivo, atento o preceituado no art. 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, a extinção da acção executiva.
Mostra-se, em face do tratamento da questão supra, prejudicado o conhecimento da outra questão suscitada (art. 608.º do Código de Processo Civil).
As custas são da responsabilidade dos exequentes/embargados, por força do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelos embargados/exequentes
Cumpre agora conhecer a questão suscitada pelos recorrentes e assinalada em II., ponto 2. deste Acórdão.
Os recorrentes/embargados/exequentes sustentam fundamentalmente a sua posição no sentido de não ser exigível a notificação da própria parte responsável pela liquidação das custas de parte, por terem enviado, por correio eletrónico, ao mandatário da parte vencida a interpelação para o pagamento devido a título de custas de parte e a nota discriminativa e justificativa das mesmas.
Consideram os recorrentes ter existido uma contradição insanável entre a fundamentação da decisão recorrida e a decisão bem como erro notório na interpretação e aplicação do direito pelo tribunal recorrido.
Apesar dos vícios apontados à decisão recorrida nada é referido pelos recorrentes, nas suas conclusões, de onde resulte padecer a decisão recorrida daqueles vícios, designadamente os previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas b) e c) do CPP.
Do recurso resulta, tão só, darem os recorrentes uma diferente interpretação ao conjunto de formalidades exigidas (após a elaboração da “nota discriminativa e justificativa das custas de partes” e prévia ao despacho do julgador), para ser obtido um título executivo permissível à obtenção da cobrança coerciva das custas de parte.
Os recorrentes entendem inexistir qualquer imposição legal a exigir a notificação autónoma da parte vencida da “nota discriminativa e justificativa das custas de parte”, bastando o envio da mesma ao mandatário dessa parte.
O artigo 25.º, n.º 1 do RCP, efetivamente, apenas se refere à remessa das custas da parte vencedora à parte vencida, inexistindo, qualquer norma específica a impor ao mandatário judicial da parte que faça uma notificação autónoma da “nota discriminativa e justificativa das custas de parte” à própria parte vencida.
A interpretação da lei, todavia, não pode nem deve cingir-se à letra da lei , mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta sobretudo a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, tendo em consideração um mínimo de correspondência verbal, com o expresso na lei, presumindo ter o legislador procurado consagrar as soluções mais acertadas e ter sabido exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º do CC)
Quanto à interpretação da lei, cumpre acentuar, em primeiro lugar, estarem em causa as condições formais para o “título” poder ser executado.
Uma dessas condições formais exige dever o título executivo conter a condenação do devedor pela obrigação pretendida executar e, diremos nós, ser apto a ser executado, garantindo a sua certeza e legitimidade perante todos os responsáveis pela obrigação pretendida executar[1].
Uma das condições formais que asseguram a certeza e a exigibilidade do título executivo, com base no qual se pretende obrigar alguém a pagar uma quantia a que foi condenado, é ter sido assegurada, por parte de todas as pessoas responsáveis pelo pagamento de uma quantia a oportunidade de serem ouvidas sobre o respetivo montante.
No caso da “nota discriminativa e justificativa das custas de parte”, elaborada nos termos do artigo 25.º do RCP, procura-se, previamente ao despacho judicial que fixa o montante do crédito cuja parte vencedora tem o direito de receber, ouvir os mandatários judiciais sobre os montantes por si auferidos, como resulta do artigo 25.º do RCP e do artigo 533.º, n.º 2, alínea d) do CPC.
Entre todos os responsáveis pelo apuramento do débito do devedor, no caso do artigo 25.º, n.º 1 do RCP e do artigo 533.º do CPC, encontram-se não só os mandatários judiciais das partes envolvidas no processo, mas, também as respetivas partes, como vencedoras ou vencidas no processo.
Na nota discriminativa e justificativa das custas de parte, a ser elaborada e posteriormente presente ao julgador, devem constar, além de outras, em rubrica autónoma, as quantias pagas a título de honorários, para ser decidido qual o montante que a parte vencedora pode exigir à parte vencida, em face dos critérios constantes do artigo 26.º, n.º 3 do mesmo RCP.
Está, então, em causa o apuramento das quantias, entre outras, que hajam sido efetivamente pagas aos mandatários judiciais das partes envolvidas.
O Tribunal, para proferir o despacho com força executiva vinculativo para a parte vencida, e como tal responsável pelo pagamento do débito a ser apurado, deve ouvir previamente todas as partes interessadas no apuramento desse débito.
A representação das partes pelos mandatários judiciais, é verdade, configura um regime-regra quando estão em causa, como resulta do artigo 247.º, n.º 1 do CPC processos judiciais pendentes, mas a notificação deverá incluir não só os mandatários judiciais das partes interessadas como as próprias partes.
A exigência da uma dupla audição (do mandatário e do mandante) encontra a sua justificação em pelo menos dois argumentos.
Por um lado, a Lei não exclui poderem as partes ser diretamente notificadas para atos processuais em que o tribunal entenda necessária a sua presença. Tal significa, não existir uma exclusividade absoluta da representação das partes em tribunal pelos mandatários judiciais, como pretende o recorrente ao citar o artigo 44.º do CPC, porquanto este artigo admite, na sua parte final, exceções à representatividade dos mandatários judiciais, exigindo que, em casos especiais, lhes sejam outorgados poderes especiais.
Por outro lado, embora existindo no nosso sistema jurídico um regime que estabelece a representatividade em exclusivo dos mandatários judiciais quanto às partes nos litígios que se desenrolam perante os tribunais, a dúplice notificação continua a justificar-se no caso em apreciação, pois o regime do mandato representativo impõe terem os mandatários de agir em nome e por conta do mandante tendo em consideração o disposto no artigo 258.º e segs. do CC (cf. artigo 1178.º, n.º 1 do CC). Tal significa que, nos termos do artigo 261.º do CC, salvo acordo em contrário, o mandatário judicial não pode representar a parte que lhe conferiu o mandato nos casos em que os seus interesses possam conflituar com os do mandante.
Nessas situações quando existe ou pode existir conflito de interesses, ou seja, quando os mandatários judiciais são representantes ao mesmo tempo das partes em conflito quanto ao montante do débito a apurar na nota discriminativa e justificativa das custas de parte e simultaneamente interessados no montante de honorários que lhe são devidos, impõe-se a audição autónoma da parte responsável pelo pagamento das custas ou parte vencida. Só desta forma poderá a parte vencida assumir, designadamente, que os encargos suportados com os honorários indicados pelo seu mandatário judicial, foram, ou não, efetivamente pagos, como invocado pelo seu advogado.
Pode-se, deste modo concluir, que a interpretação a ser dada ao artigo 25.º, n.º 1 do RCP deve ter em conta duas vertentes:
- Na primeira, pela natureza do título executivo pretendido obter, quanto à certeza e exigibilidade do montante da quantia pela qual o devedor de custas deve ser interpelado, impõe-se terem todos os interessados de ser ouvidos quanto ao montante do débito a apurar constante da “nota discriminativa e justificativa das custas de parte”, sendo notificados autonomamente para tal efeito.
- Na segunda, pela necessidade em ultrapassar eventuais interesse conflituantes entre os mandatários judiciais e as partes pelos mesmos representados, tendo a “nota discriminativa e justificativa das custas de parte” de ser notificada não só aos mandatários judiciais envolvidos no apuramento do montante das custas como também à parte vencida da nota discriminativa e justificativa do débito apurado e pelo qual é responsável pelo pagamento.
Conclui-se, desta forma, no sentido de que a parte vencida nas custas de parte tem de ser notificada pessoalmente do montante das custas devidas e constante da “guia da nota discriminativa e justificativa das custas de parte” devidas, não bastando ser a mesma apenas notificada aos mandatários judiciais das partes envolvidas no processo[2].
No concernente à interpretação acolhida e relatada cumpre, ainda, fazer uma breve referência à jurisprudência apontada na decisão recorrida onde são explanados argumentos contra e a favor da posição adotada neste Acórdão e que cumpre analisar.
Assim, no Acórdão da Relação de Coimbra proferido no Processo 2417/07.OTBCBR-C.C.1[3], na sua parte mais relevante, nega-se a exigência da notificação da parte vencida quanto à nota discriminativa e justificativa, assinalando que nas “custas do processo” estava em causa uma dívida ao Estado de natureza tributária, enquanto no caso das “custas de parte” estaria em causa uma mera dívida privada.
O entendimento referido, que serviu para suportar a tese da desnecessidade da notificação autónoma da parte vencida quanto à guia discriminativa e justificativa das custas de parte, não deve ser acolhido, pois estar-se-ia a estabelecer um regime privilegiado para o Estado, como credor, na cobrança das dívidas por custas, perante um órgão autónomo na administração da justiça e os devedores particulares.
Esse regime diferenciado não tem suporte constitucional, por colocar em causa a proteção contra quaisquer formas de descriminação e de proteção dos particulares, quanto às dívidas do Estado e às dos particulares, como resulta dos artigos 266.º, n.º 2 e 26.º, n.º 1 da CRP e pela necessidade do respeito pelos princípios fundamentais da igualdade e da imparcialidade na atuação dos órgãos da administração perante as entidades privadas.
Já quanto ao Acórdão da Relação do Porto de 18.4.2017 proferido no Processo 1384/ 14.6T8PRT, que acompanhou o Acórdão da mesma Relação proferido no Processo 1388/09.3TBPVZ-AP, conclui-se pela exigência da notificação autónoma da parte[4].
Na mencionada decisão diz-se que letra da lei imporia expressamente o “envio autónomo de comunicação para o tribunal e para a parte da nota discriminativa e justificativa”, por ser a que está mais próxima do texto da lei, por gerar menos dúvidas na mente do destinatário a quem a lei se dirige e por não ter aptidão para causar prejuízo às partes (no caso de falta de reclamação a fazer dentro do prazo de 10 dias a contar da comunicação, por estas seguirem uma interpretação que depois o tribunal poderá considerar ter sido indevida).
As razões apontadas neste último Acórdão, que subscreve o Acórdão anterior no mesmo sentido, são em nosso entender consentâneas com o anteriormente referido no texto deste acórdão.
O texto da lei no seu artigo 25.º, n.º 1 do RCP não falando na necessidade de notificação autónoma da nota discriminativa e justificativa à parte vencida, não deixa de referir que a mesma nota deve ser enviada à parte vencida.
Depois, a notificação autónoma da parte, assegura ao devedor vencido, em caso de conflitualidade com as verbas dos honorários apresentados pelos mandatários judiciais a possibilidade de a parte se pronunciar autonomamente sobre o valor apurado na nota discriminativa e justificativa.
Por fim, podendo, ainda, existir conflito entre as verbas apresentadas pela parte e pelos mandatários judiciais e inexistindo reclamação das custas de parte estas podem ser, ainda, ponderadas pelo tribunal.
Ainda, a notificação autónoma da “nota discriminativa e justificativa das custas de parte” a todos os intervenientes interessados no apuramento da dívida em causa permitirá assegurar a certeza e segurança do título em causa, ouvidos todos os interessados na determinação do valor do montante das custas de parte.
A tese adotada dando um tratamento idêntico às “custas de parte” e “às custas processuais em geral”, constante do artigo 31.º, n.º 1 do RCP[5] e do artigo 31.º, n.º 1 da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de abril[6], é, por um lado, consentânea com uma interpretação realizada em conformidade com o artigo 9.º do CC. Por outro lado, tem em conta, igualmente, os princípios da igualdade na arrecadação de receitas pelo Estado e na cobrança de créditos por parte da parte de qualquer pessoa com direito a receber custas (de parte) que lhe sejam devidas, ao exigir-se em ambos os casos a notificação autónoma dos devedores do montante da dívida em causa e, não apenas dos respetivos mandatários judiciais.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Nega-se provimento ao recurso interposto e em consequência, mantém-se na íntegra, a sentença recorrida que julgou no sentido de no apuramento de custas de parte, a parte vencida ter de ser notificada autonomamente da guia discriminativa e justificativa a que se refere o artigo 25.º, n.º 1 do RCP.
2. Custas pelos embargados/exequentes/recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 21 de setembro de 2021.

Beatriz Marques Borges - Relatora
Maria Clara Figueiredo

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[1] FERREIRA, Fernando Amâncio – “Curso de Processo de Execução”. 2.ª edição. Almedina. 2000. P. 92. ISBN 9789724013787.
[2] Neste sentido pode ser também consultados os seguintes Acórdãos: Acórdão RE de 26.3.2019, proferido no Processo 14650/14.4T8LSB-F.L1-1, relatado por Maria do Rosário Gonçalves; Acórdão da RL de 10.10.2019, proferido no processo 1242/12.1TVLSB-C.L1.L1-6 e relatado por Anabela Calafate; Acórdão RE de 12.4.2018, proferido no Processo 716/17.2T8SLV-A.E1, relatado por Mata Ribeiro; Acórdão da RP de 18.4.2017 e relatado por Sousa Lameira, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[3] Proferido no processo 2417/07.0TBCBR-C.C1 e relatado por Moreira do Carmo, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[4] Ainda sobre o tema, mas a propósito da questão da consolidação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte para o completamento do título executivo caso tenha sido apresentada reclamação da nota cf. o Acórdão da RE de 14.3.2019, proferido no processo 1550/06.0TBSTR-C.E1 e relatado por Francisco Xavier.
[5] O artigo 31.º do RCP, sob a epigrafe “Reforma e reclamação”, estabelece que “1 - A conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ao agente de execução e ao administrador de insolvência, quando os haja, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efectuem o pagamento.”.
[6] O artigo 31.º da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de abril, sob a epígrafe “Procedimento das partes”, dispõe que “1 - As partes que tenham direito a custas de parte devem enviar para o tribunal e para a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, nos termos e prazos previstos no artigo 25.º do RCP.”