REGISTO CRIMINAL
CADUCIDADE
Sumário


Independentemente de constarem da acusação, os antecedentes criminais, por princípio e por força do artigo 71.º, n.º 2, alínea e) do CP, deverão ser conduzidos aos factos provados, por tal matéria interessar à boa decisão da causa. Não o poderão ser, contudo, quando as penas já tiverem caducado, pois nesse caso as decisões inscritas no registo criminal cessam a sua vigência, ou seja, são dele apagadas como se nunca tivessem existido.
Por outras palavras, a lei ordena o cancelamento do registo em certas circunstâncias e quando estas se verifiquem, o arguido tem de ser considerado reabilitado, encontrando-se vedado ao Tribunal a quo valorar esses antecedentes criminais.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Sumário n.º 48/21.1GTABF da Comarca de Faro, Juízo da Competência Genérica de Silves – Juiz 1, submetido a julgamento, foi o arguido (...)[1], condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de quatro meses de prisão efetiva.
O Tribunal determinou, ainda, que:
- A pena de prisão fosse cumprida pelo arguido em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, nos termos previstos no artigo 43.º do CP, a executar no seu domicílio a apurar pelos serviços de reinserção social;
- O arguido fosse autorizado a ausentar-se do seu domicílio para exercer a sua atividade profissional, pelo período máximo de oito horas diárias, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 43.º do Código Penal;
- O arguido fosse autorizado a ausentar-se do seu domicílio com vista à comparência em diligências processuais no âmbito de qualquer processo judicial ou do Ministério Público, e à comparência em consultas ou tratamentos médicos que se revelassem necessários, sempre mediante prévia comunicação do arguido aos serviços de reinserção social e a fiscalizar por estes, ao abrigo do disposto no n.º 2, in fine, do artigo 43.º do CP e no n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“EM CONCLUSÃO:
1. O recurso da sentença proferida nos autos que condenou o ora arguido na pena privativa de liberdade de 4 (quatro) meses, sujeito ao regime de permanência no domicílio, vem interposto da matéria do direito.
2. O arguido não se conforma com a pena, considerando demasiado excessiva e penalizante para a sua atividade profissional e vida pessoal.
3. A última infração cometida pelo arguido pelo crime em causa, foi há mais de 10 anos.
4. O tribunal a quo sobrevalorizou as anteriores condenações do arguido.
5. O arguido atendendo ao tempo decorrido entre a actual e a última condenação, já tinha interiorizado todas as sanções que lhe tinham sido aplicadas para aqueles crimes.
6. Não valorizou de forma suficiente a confissão integral e sem reservas do arguido.
7. Nem o facto de se encontrar profissional e familiarmente inserido.
8. O arguido trabalha na área da construção civil e tem o seu domicílio em Setúbal.
9. No entanto, de momento encontra-se a trabalhar na zona de Tavira.
10. Atendendo que o local de trabalho do arguido não é um local certo, mas sim diverso, e o regime aplicável, é de vigilância à distância por meio da pulseira eletrónica, vai suscitar inconveniências, tanto ao nível de cumprimento do horário laboral, como da qualidade da prestação do serviço pelo arguido, que poderão valer como causa de despedimento.
11. O Tribunal recorrido tinha condições para realizar um juízo de prognose favorável ao arguido no sentido de suspender a execução da pena de prisão aplicada.
12. Tivesse o Tribunal recorrido ponderado de outra forma os aspectos positivos da conduta do arguido, tal como descritos na douta sentença proferida, e teria condições para realizar um juízo de prognose favorável ao arguido no sentido de suspender a execução da pena de prisão aplicada.
13. Ao não suspender a pena de prisão aplicada ao arguido o Tribunal recorrido violou o art. 50º, N.º 1, do Código Penal.
NESTES TERMOS, e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e em consequência ser revogada a sentença recorrida, proferindo-se outra onde se suspenda a pena de prisão de 4 (quatro)meses aplicada ao arguido. (…)”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“1. No entender do Ministério Público o recurso não deve proceder por se entender não assistir razão ao arguido, ora Recorrente.
2. O artigo 70.º do Código Penal dá preferência à aplicação de pena não privativa de liberdade, quando esta satisfaça de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
3. No caso concreto, os fins de prevenção geral e de prevenção especial negativa convocam a necessidade de aplicação de uma pena privativa da liberdade, nomeadamente, atendendo a que o arguido foi condenado 8 (oito) vezes pela prática de crime da mesma natureza.
4. A escolha da pena e da sua moldura concreta, têm implícito um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que, para a determinação da medida concreta da pena, se imponha o recurso aos critérios estabelecidos nos artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal.
5. Ao nível da prevenção geral, as necessidades de prevenção são elevadíssimas, porquanto pretende-se a tutela da segurança da circulação rodoviária e inerente protecção de outros bens jurídicos, nomeadamente a vida e a integridade física, bens que se encontram iminentemente em perigo pela circulação de veículos conduzidos por pessoa não habilitada para o efeito.
6. No caso em apreço, também as finalidades de prevenção especial convocam particulares necessidades, considerando que o arguido já foi condenado por 8 (oito) vezes pela prática deste tipo de crime – por sentenças transitadas em julgado antes dos factos destes autos –, e que tais solenes censuras e as penas aplicadas anteriormente se não mostraram suficientes para o inibir de voltar a delinquir.
7. A condenação do arguido nestes autos não é um episódio ocasional e isolado nocontexto de uma vida de resto fiel ao direito, mas antes pelo contrário, é a repetição de condutas, em anos sucessivos, o que traz exigências de prevenção acrescidas ao caso concreto.
8. Bem andou o Tribunal a quo, ao considerar que somente a aplicação de uma pena de prisão se mostraria idónea a consciencializar o arguido da censurabilidade criminal da sua conduta e a dissuadi-lo de voltar a reincidir, bem como a tutelar de forma adequada as necessidades de protecção do bem jurídico-criminal violado.
9. O Tribunal a quo, teve em consideração a data da prática dos factos relativos à última condenação, sopesando tal circunstância na escolha concreta da medida da pena, ao condenar o arguido na pena de 4 (quatro) meses de prisão, quando a incriminação prevê uma moldura penal abstracta de 1 (um) mês a 2 (dois) anos de prisão.
10. A decisão do Tribunal a quo para afastar a possibilidade de suspensão da pena de prisão aplicada ao Recorrente não merece censura, baseando-se num juízo de prognose negativo realizado pelo Tribunal, em face das anteriores condenações inscritas no certificado do registo criminal.
11. Por fim, bem andou o Tribunal a quo ao determinar o cumprimento, pelo arguido, da pena em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, concedendo autorização ao arguido para se ausentar do seu domicílio para exercer a sua actividade profissional, pelo período máximo de 8 horas diária, atenta a situação socioprofissional do arguido e a ressocialização do mesmo.
12. Termos em que se considera ser de manter a sentença recorrida.
Pelo exposto e pelos fundamentos constantes da decisão recorrida, aos quais se adere, deve a mesma ser confirmada e negar-se provimento ao recurso apresentado por (...) (…)”.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer com o seguinte teor (transcrição):
“1. O recurso apreciando vem interposto por (...), arguido nos autos de processo sumário 48/21.1GTABF, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Silves (J1), da sentença neles proferida e depositada no dia 1 de março de 2021 (a fls. 62-74 dos autos), que o condenou, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e autorização para se ausentar do domicílio, pelo período máximo de 8 (oito) horas diárias, para o exercício da sua atividade profissional.
Com o recurso pretende o recorrente – consoante as conclusões que rematam a motivação apresentada – que esta instância revogue a sentença que dele é objeto e a substitua por outra, que suspenda a execução da pena de prisão aplicada.
Na resposta que ofereceu à motivação do recurso, a senhora magistrada do Ministério Público junto a instância recorrida entende, em suma, que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a condenação do arguido em pena de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, por o decidido não merecer qualquer reparo.
2. Acompanha-se, no essencial, o entendimento expresso naquela resposta do Ministério Público na primeira instância, pois que, inequivocamente, a pena de prisão imposta ao recorrente, a cumprir em regime de permanência na habitação, responde adequadamente às elevadas exigências de prevenção e a respetiva determinação congregou a ponderação de todas as circunstâncias no caso atendíveis, não sendo de aplicar o regime do art. 50º, do Código Penal, em decorrência das condenações anteriormente sofridas.
Com efeito, o recorrente apresenta um historial no domínio da condução sem habilitação legal que não o levaram a alterar a sua conduta violadora e desrespeitadora da lei, de ostensiva afronta às decisões judiciais que, sucessivamente, lhe foram concedendo oportunidades que desbaratou.
Oportunidades vãs.
Quando assim é, como na situação aprecianda, é manifesto que o comportamento contumaz do recorrente (já) não permite prever, e muito fundadamente, que a opção pela suspensão da execução da pena de prisão, como vem peticionado, realiza de forma adequada e bastante as finalidades da punição.
Todas as anteriores oportunidades que ao recorrente a justiça foi dando foram por ele desaproveitadas, não o dissuadiram do cometimento de crime da natureza daquele por que se acha agora condenado, não criaram nele a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes, não interiorizou, como devia, a consciência dos valores que vem colocando em crise com o seu comportamento.
Ou seja, as anteriores condenações, por idênticos crimes, apresentam como incontornável a consideração de que as pretensões do recorrente não se mostram suficientes nem adequadas à satisfação das exigências de prevenção geral e, de igual modo, também não satisfazem as de prevenção especial, visto o recorrente, não obstante as anteriores condenações de que foi alvo, persistir em condutas não coincidentes com o respeito que é devido aos interesses tutelados por lei e à própria lei.
Por isso, bem andou a sentença posta em crise ao decidir como decidiu.
Ainda assim, creio que a autorização concedida ao arguido para se ausentar do domicílio para o exercício da sua atividade profissional, por um período máximo de 8 (oito) horas diárias, não é compaginável com a duração da própria jornada de trabalho e o tempo necessário para a deslocação para e do local de trabalho, pelo que deverá ser alargado para 10 (dez) horas diárias (sob pena de a autorização concedida, pelo período em que o foi, poder vir a implicar falta/incumprimento do horário, com potenciais consequências na manutenção do vínculo laboral).
Creio, pois, que o recurso, na perspetiva que se deixa expendida, deve ser julgado improcedente.”.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questão a examinar
Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer consiste em apurar se ocorreu erro de julgamento quanto ao direito aplicável.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

3.1.1. Factos provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1 – No dia 8 de Fevereiro de 2021, pelas 8.20 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, serviço particular, de matrícula (…), no I.C. 1, km 710,7, Monte das Pitas, concelho de Silves.
2 – Na situação referida em 1), o arguido conduzia o aludido veículo pela via pública sem se encontrar legalmente habilitado para tal por carta de condução, válida e em vigor, nos termos do Código da Estrada, não obstante o arguido saber que não o podia fazer.
3 – O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida e que a mesma era punida por lei.
4 – O registo criminal do arguido tem averbadas as seguintes condenações:
i) em 7/7/1997, transitada em julgado em 29/7/1997, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 400 escudos, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 2 meses, pela prática em 9/12/1995, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, no âmbito do processo com o número 400/95.6TBSTB-A, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
ii) em 21/11/1997, transitada em julgado em 16/12/1997, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 400 escudos, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 meses, pela prática em 8/9/1996, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, no âmbito do processo com o número 4014/96.5TASTB, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
iii) em 23/11/1998, transitada em julgado em 1/3/1999, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 300 escudos, pela prática em 21/11/1997, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo disposto no art. 348.º, n.º 1 do Código Penal, no âmbito do processo com o número 87/98.4TASTB, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
iv) em 1/10/1999, transitada em julgado em 18/11/1999, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, com regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 meses, pela prática em 30/1/1999, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, e de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo disposto no art. 348.º, n.º 2 do Código Penal, e no art. 139.º, n.º 4 do Código da Estrada, no âmbito do processo com o número 62/99.1GTSTB, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
v) em 13/9/1999, transitada em julgado em 14/10/1999, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 600 escudos, pela prática em 13/9/1999, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3.º, n.º 2 do D.L. n.º 2/98, de 3/1, no âmbito do processo com o número 367/99.1PTSTB, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
vi) em 29/5/2001, transitada em julgado em 13/6/2001, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática em 28/8/1999, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3.º, n.º 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3/1, e de um crime de desobediência, previsto e punido pelo disposto no art. 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, no âmbito do processo com o número 1259/99.0PBSTB, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
vii) em 25/10/2002, transitada em julgado em 11/11/2002, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática em 2/6/2000, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3.º, n.º 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3/1, no âmbito do processo com o número 225/00.9GESTB, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
viii) em 14/1/2002, transitada em julgado em 25/2/2002, na pena de 5 meses e 20 dias de prisão efectiva, pela prática em 22/6/2000, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3.º, n.º 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3/1, no âmbito do processo com o número 460/00.0GTSTB, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
ix) em 20/4/2004, transitada em julgado em 10/3/2005, na pena de 9 meses de prisão efectiva, pela prática em 29/2/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3/1, no âmbito do processo com o número 28/04.1GESTC, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém;
x) em 27/6/2004, transitada em julgado em 29/9/2004, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva, pela prática em 26/6/2004, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, e de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3/1, no âmbito do processo com o número 133/04.4PTSTB, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
xi) em 16/5/2008, transitada em julgado em 19/6/2008, na pena de 1 ano de prisão efectiva, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, pela prática em 1/1/2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, no âmbito do processo com o número 12/08.6GELSB, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial do Montijo;
xii) em 16/12/2008, transitada em julgado em 7/1/2009, na pena de 72 períodos de prisão por dias livres, pela prática em 4/12/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3/1, no âmbito do processo com o número 459/08.8GGSTB, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
xiii) em 11/2/2008, transitada em julgado em 25/2/2009, na pena de 14 meses de prisão efectiva, pela prática em 28/1/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto no art. 3.º, n.º 2 do D.L. n.º 2/98, de 3/1, no âmbito do processo com o número 6/08.1PESTB, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
xiv) no âmbito do processo com o número 6/08.1PESTB, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, foi proferida sentença cumulatória, em 25/1/2010, transitada em julgado em 15/2/2010, que abrangeu os processos referidos em xi), xii) e xiii), e que aplicou ao arguido a pena única de 2 anos e 2 meses de prisão efectiva;
xv) em 29/6/2012, transitada em julgado em 25/9/2012, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática em 23/6/2012, de um crime de dano qualificado, previsto e punido pelo disposto no art. 213.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, no âmbito do processo com o número 120/12.9PFSTB, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal;
5 – O arguido confessou os factos de que vinha acusado nestes autos de forma integral e sem reservas.
6 – O arguido trabalha como carpinteiro de cofragem, auferindo mensalmente cerca de € 650,00.
7 – O arguido nada paga pela sua habitação, suportando cerca de € 50,00 com as despesas correntes da habitação, vivendo sozinho.
8 – O arguido tem 3 filhos (com 24, 18 e 12 anos), que não vivem com ele, suportando pensão de alimentos no valor mensal de € 152,00 quanto ao filho mais novo.
9 – O arguido possui o 4.º ano de escolaridade.
10 – Em caso de condenação em prisão efectiva, o arguido aceita a eventual aplicação de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.”.

3.1.2. Factos não provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou não se terem provado quaisquer outros factos com interesse para a presente causa.

3.1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido
O Tribunal motivou a factualidade provada e não provada pela seguinte forma (transcrição):
“A convicção do Tribunal baseou-se nas declarações credíveis do arguido em julgamento, que confessou de forma integral e sem reservas todos os factos pelos quais vinha acusado, admitindo que, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, conduzia a viatura em causa nos autos apesar de não possuir carta de condução.
Não existindo, assim, qualquer dúvida relativamente à culpabilidade do arguido pela prática dos factos que lhe foram imputados na acusação.
Tendo o arguido, ainda, informado credivelmente sobre a sua situação económica e pessoal, e sobre o facto provado 10).
Mais tendo relevado o certificado de registo criminal do arguido junto aos autos, quanto aos seus antecedentes criminais.”.

3.1.4. Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma (transcrição):
“Enquadramento Típico
Como vimos, o arguido vem acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto nos n.º 1 e 2 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 3.º do referido Decreto-Lei n.º 2/98, quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada, sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada, é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Dispondo o n.º 2 do mesmo artigo, nomeadamente, que se o agente conduzir um automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Deste modo, o tipo penal em causa nos autos tem como elementos objectivos, a condução de um automóvel na via pública sem para tal estar habilitado legalmente.
Correspondendo o tipo subjectivo ao conhecimento e vontade de realização dos elementos objectivos do tipo mencionados, ou seja, consciência e resolução de conduzir um automóvel na via pública sabendo que se não possui a necessária habilitação legal.
Em face dos factos dados como provados, constatamos que o arguido se encontrava a conduzir, no dia 8 de Fevereiro de 2021, pelas 8.20 horas, no IC 1, km 710,7, Monte das Pitas, concelho de Silves, o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, serviço particular, de matrícula (…).
Ou seja, conduzia um automóvel (cfr. art. 105.º e 106.º do Código da Estrada (CE)) numa via pública situada na área territorial deste Juízo.
Tendo-se aferido que o arguido efectuava tal condução sem se encontrar legalmente habilitado para tal, por carta de condução.
Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 121.º do CE, só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito.
Dispondo o n.º 4 do art. 121.º do CE, que o documento que titula a habilitação legal para conduzir automóveis consiste na carta de condução, que pode abranger uma ou mais categorias de veículos (cfr. art. 123.º, n.º 1 do CE).
Concluindo-se, assim, que o arguido se não encontrava legalmente habilitado para conduzir um veículo automóvel na via pública.
Por outro lado, do ponto de vista da tipicidade subjectiva, ficou provado que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo assim que conduzia um automóvel na via pública sem estar habilitado para o efeito e, mesmo assim, optando voluntariamente por fazê-lo.
Verificando-se, assim, todos os pressupostos legalmente exigidos para a imputação ao arguido de uma conduta dolosa, com dolo directo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 14.º do Código Penal.
Não existem motivos que excluam a ilicitude ou a culpa do arguido, sendo o facto punível, pelo que o arguido cometeu efectivamente o crime pelo qual vinha acusado, donde será condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo disposto nos n.º 1 e 2 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

Espécie e Medida da Pena

Como se aludiu acima, o crime praticado pelo arguido é punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
De acordo com o art. 70.º do Código Penal deve dar-se preferência às penas não privativas da liberdade sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
No caso dos autos, atendendo às elevadas necessidades de prevenção geral, face à requência com que é praticado o crime de condução sem habilitação legal e respectivas consequências perniciosas sobre a segurança rodoviária, e ao facto de o arguido, considerando a data da prática dos factos em causa nestes autos, já ter sido anteriormente condenado por 8 vezes pela prática deste tipo de crime – por sentenças transitadas em julgado antes dos factos destes autos –, e que tais solenes censuras e as penas aplicadas anteriormente se não mostraram suficientes para inibi-lo de voltar a delinquir, consideramos que somente a aplicação de uma pena de prisão se mostrará idónea a consciencializar o arguido da censurabilidade criminal da sua conduta e a dissuadi-lo de voltar a reincidir, bem como a tutelar de forma adequada as necessidades de protecção do bem jurídico-criminal violado – a segurança rodoviária –, pelo que elegemos a pena de prisão.
A moldura aplicável ao crime praticado pelo arguido é, assim, a pena de prisão entre 1 mês 2 anos, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 41.º do Código Penal.
A medida da pena em concreto deve ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor ou contra o agente (cfr. art. 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal).
A ilicitude dos factos é a normal neste tipo de casos, reduzindo o desvalor da conduta a circunstância de não ter ficado provado que a condução ilícita do arguido tenha colocado concretamente em perigo a segurança rodoviária ou a vida, integridade física ou património de terceiros.
O dolo do arguido apresenta intensidade elevada, porquanto é directo e os factos foram praticados após o arguido já ter sido condenado previamente por 8 vezes pela prática da mesma infracção – para além de 5 outras condenações pelo crime de condução sob o efeito do álcool, 3 pelo crime de desobediência, e 1 pelo crime de dano qualificado –, documentando uma atitude de desconsideração das decisões judiciais anteriores e falta de interiorização do desvalor jurídico-criminal da sua conduta.
A favor do arguido, abona o facto de ter confessado os factos de forma integral e sem reservas, revelando, assim, alguma autocrítica para a sua censurável conduta, embora se tratasse de uma incriminação de fácil comprovação em virtude dos elementos documentais juntos aos autos (e da produção da prova testemunhal arrolada, em que estavam em causa agentes de autoridade, caso a mesma se tivesse revelado necessária).
Abonando ainda a favor do arguido a sua inserção familiar e profissional, e humilde condição educativa e económica, bem como o facto de a sua última condenação pelo crime em causa nos autos já ter sido há mais de 10 anos atrás No entanto, a condução sem habilitação suscita elevadas necessidades de prevenção geral, em virtude de ser responsável por muitos acidentes que se verificam nas nossas estradas, amiúde mortais, carecendo a sociedade de protecção contra quem coloca em perigo, de forma irresponsável e temerária, a saúde e as vidas dos cidadãos, sempre que estes circulam inocentemente nas estradas.
Depondo contra o arguido a personalidade que os factos cometidos conjugados com os seus antecedentes criminais revelam, visto que a conduta do arguido tem revelado a sua desconsideração pela segurança dos cidadãos que se cruzam consigo nas estradas, e indiferença pela censura criminal dos seus comportamentos, sendo patente que ainda não interiorizou a ilicitude criminal e perigosidade do exercício não habilitado da condução.
Devendo a sanção criminal a impor ser suficientemente severa para consciencializar o arguido da censurabilidade criminal da sua conduta e para dissuadi-lo de voltar a pôr em perigo a segurança rodoviária através do exercício não habilitado da condução.
Considerando todas as circunstâncias expostas, consideramos adequado impor ao arguido a pena de 4 meses de prisão.

Substituição ou Suspensão da Execução da Pena Aplicada

Tendo sido aplicada uma pena de prisão não superior a cinco anos, cabe verificar se é adequada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 50.º do Código Penal.
Nos termos desta disposição, a pena aplicada deverá ser suspensa se for possível efectuar um juízo de prognose, à luz da personalidade do arguido, das suas condições de vida e conduta anterior e posterior aos factos, e de todas as circunstâncias relevantes, no sentido de a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, face à personalidade do arguido comprovadamente hostil ao valor jurídico violado da segurança rodoviária, documentada à saciedade pelos seus antecedentes criminais, entre os quais se contam já 8 condenações anteriores pela prática do mesmo crime de condução de veículo sem habilitação legal, ora novamente cometido, e sobretudo da circunstância de já ter beneficiado anteriormente de duas penas de prisão suspensas na sua execução, e ter sido anteriormente condenado por cinco vezes em penas de prisão efectivas , tudo pela prática do mesmo crime em causa nestes autos, e de tais modalidades de punição se não terem mostrado suficientes para inibi-lo de persistir a conduzir sem habilitação novamente, não nos permitem antever, num juízo prudente, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, através de uma pena suspensa, sejam idóneas a levar o arguido a abster-se de conduzir novamente sem habilitação e a respeitar o valor da segurança rodoviária, antes a aplicação de uma pena suspensa contribuiria para descredibilizar, perante a comunidade, o sistema de justiça e respectivas sanções criminais.
Sendo assim o juízo de prognose negativo, donde se conclui pela aplicação de uma pena de prisão efectiva ao arguido.
Não se mostrando suficiente para satisfazer as necessidades da punição, no caso concreto, nem a substituição da pena de prisão por pena de multa nem a aplicação de uma eventual pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, nem a substituição por qualquer outra pena não privativa da liberdade, atentos os antecedentes criminais do arguido pela prática do mesmo crime, que indiciam que, infelizmente, apenas interiorizará a inadmissibilidade jurídica do exercício inabilitado da condução através do cumprimento de uma pena de prisão efectiva.
Dispõe a al. a) do n.º 1 do art. 43.º do Código Penal que, sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a pena de prisão efectiva não superior a dois anos.
Ora, no caso concreto dos autos, tendo em consideração a inserção profissional e familiar do arguido, o facto de o arguido ter ficado um período de mais de 10 anos sem cometer o crime de condução sem habilitação legal em causa nos autos (denotando algum esforço de cumprir a lei), a circunstância de a pena de prisão ser de curta duração, e o facto de o arguido ter dado o seu expresso consentimento para tal modalidade de punição (cfr. facto provado 9)), consideramos que o cumprimento pelo arguido, em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, da pena de 4 meses de prisão em que será condenado nestes autos, ainda se mostra idóneo a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão em que foi condenado – nomeadamente, a tutelar os bens jurídicos-criminais violados e a dissuadir o arguido de voltar a praticar o mesmo tipo de conduta criminosa –, sendo certo que tal modalidade de cumprimento da pena de prisão se mostra grandemente vantajosa do ponto de vista da reinserção social do arguido.
Pelo que o arguido cumprirá, em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a pena de 4 meses de prisão em que será condenado nestes autos, devendo a mesma ser executada no domicílio do arguido a apurar pelos serviços de reinserção social.
Sendo certo que, de modo a promover os hábitos de trabalho do arguido e a sua reinserção laboral, bem como o necessário sustento pessoal e da sua família (dado que o arguido possui três filhos, um deles menor), o arguido ficará autorizado a ausentar-se do seu domicílio para exercer a sua actividade profissional, pelo período máximo de 8 horas diárias, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 43.º do Código Penal.
Ademais, ao abrigo do disposto no n.º 2, in fine, do art. 43.º do Código Penal, e no n.º 1 do art. 11.º da Lei n.º 33/2010, de 02/9, o arguido será genericamente autorizado a ausentar-se do seu domicílio com vista à comparência em diligências processuais no âmbito de qualquer processo judicial ou do Ministério Público, e à comparência em consultas ou tratamentos médicos que se mostrem necessários, sempre mediante prévia comunicação do arguido aos serviços de reinserção social e a fiscalizar por estes.
O que se decidirá.”

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo arguido
O arguido foi condenado pelo Tribunal a quo pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de quatro meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e autorização para se ausentar do domicílio, pelo período máximo de oito horas diárias, para o exercício da sua atividade profissional.
O recorrente entende ser excessiva, desajustada e desproporcional, às circunstâncias do caso, a aplicação da pena de quatro meses de prisão em regime de permanência na habitação e ainda demasiado penalizante para a sua vida profissional e para os encargos do seu agregado familiar referindo ter cometido, há mais de dez anos, a última infração pela qual foi condenado.
O Tribunal a quo optou pela aplicação da pena de prisão (em regime de permanência na habitação) em detrimento da aplicação da pena de multa fundamentando essa escolha pela seguinte forma:
“)…) No caso dos autos, atendendo às elevadas necessidades de prevenção geral, face à frequência com que é praticado o crime de condução sem habilitação legal e respectivas consequências perniciosas sobre a segurança rodoviária, e ao facto de o arguido, considerando a data da prática dos factos em causa nestes autos, já ter sido anteriormente condenado por 8 vezes pela prática deste tipo de crime – por sentenças transitadas em julgado antes dos factos destes autos –, e que tais solenes censuras e as penas aplicadas anteriormente se não mostraram suficientes para inibi-lo de voltar a delinquir,[2] consideramos que somente a aplicação de uma pena de prisão se mostrará idónea a consciencializar o arguido da censurabilidade criminal da sua conduta e a dissuadi-lo de voltar a reincidir, bem como a tutelar de forma adequada as necessidades de protecção do bem jurídico-criminal violado – a segurança rodoviária (…)”.

Mais à frente o Tribunal recorrido a propósito da fundamentação da medida concreta da pena, considerando como fator a favor do arguido “o facto de a sua última condenação pelo crime em causa nos autos já ter sido há mais de 10 anos atrás”, optou por condenar o recorrente numa pena de quatro meses de prisão dentro de uma moldura penal prevista de um mês a dois anos de prisão.

Tendo o arguido confessado integralmente e sem reservas os factos e estando integrado profissionalmente facilmente se depreende da leitura da sentença ter o Tribunal a quo aproveitado judicialmente contra o arguido as informações constantes do CRC para, designadamente, optar pela aplicação de uma pena de prisão ao invés de uma pena de multa.

O arguido insurgiu-se contra esta valoração do certificado de registo criminal, como o foi pela 1.ª instância, por entender já terem decorrido mais de dez anos desde a última condenação.

A circunstância de resultar da leitura do registo criminal que as penas já haviam sido declaradas extintas há mais de cinco anos (a última delas em 25.1.2015, à data do julgamento em 1.ª instância ocorrido em 22.2.2021) imporia ao julgador questionar-se se as condenações já deveriam ter sido canceladas, como passo prévio à condução dos antecedentes criminais do arguido aos factos provados.
Como é sabido, independentemente de constarem da acusação, os antecedentes criminais, por princípio e por força do artigo 71.º, n.º 2, alínea e) do CP, deverão ser conduzidos aos factos provados, por tal matéria interessar à boa decisão da causa. Não o poderão ser, contudo, quando as penas já tiverem caducado, pois nesse caso as decisões inscritas no registo criminal cessam a sua vigência, ou seja, são dele apagadas como se nunca tivessem existido.
Por outras palavras, a lei ordena o cancelamento do registo em certas circunstâncias e quando estas se verifiquem, o arguido tem de ser considerado reabilitado, encontrando-se vedado ao Tribunal a quo valorar esses antecedentes criminais.
Sobre esta matéria já se pronunciaram vários acórdãos designadamente o do TRE de 10.5.2016 e o do TRC de 13.9.2017[3] [4].

No Acórdão do TRE refere-se que “(…) O aproveitamento judicial de informação que por inoperância do sistema se mantenha no CRC é ilegal, e viola o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o CRC devidamente “limpo” (…) Se o CRC visa informar o tribunal do passado criminal do condenado, e se a lei ordenou o cancelamento dos registos, o arguido tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais que indevidamente permaneçam “ativos”, são de tratar como inexistentes e de nenhum efeito.[5].

Já no Acórdão do TRC concluiu-se que “Um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões. (…) Apesar do cancelamento não ter sido averbado, o mesmo deve produzir efeitos ipso facto, ou seja, desde a extinção efetiva da pena, independentemente do seu registo/averbamento no CRC.”.
Analisemos, então, os dispositivos legais que regem sobre esta matéria.
Nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alíneas a), b) e g) da Lei 37/20015 as decisões inscritas no registo criminal cessam a sua vigência nos seguintes prazos:
- Decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança nas decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza (alínea a) do artigo 10.º, n.º 1);
- Decorridos 5 anos sobre a extinção da pena nas decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza (alínea b) do artigo 10.º, n.º 1);
Resulta da leitura do mencionado artigo 10.º da Lei 37/2015 que o cancelamento dos registos é uma imposição legal conquanto:
- Hajam decorrido determinados prazos sobre a data da extinção das penas;
- O arguido não volte a delinquir.
Atento o prescrito nas a) e b), do n.º 1, do art.º 11.º, da Lei 37/2015, e revertendo ao caso em análise, tendo em conta que todas as anteriores condenações do arguido o são em penas de prisão inferiores a cinco anos, ou em penas de multa, o prazo de cancelamento definitivo dos respetivos registos é de cinco anos “sobre a extinção da pena” “desde que, entretanto”, como se referiu, “não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza”.
No processo em apreciação o arguido foi sendo condenado pela prática de outros crimes sucessivamente durante o prazo de cinco anos após a extinção das penas.
Por esse motivo tudo indicaria, atento o disposto no artigo 10.º, n.º 1 da Lei 37/2015, que seria de manter no CRC do arguido a menção à condenação pela prática dos mencionados crimes.
Estabelece, todavia, o artigo 10.º, n.º 4 da Lei 37/2015 que “são igualmente canceladas as decisões ou factos que sejam consequência, complemento ou execução de decisões que devam ser canceladas nos termos do n.º 1”.
A propósito deste normativo esclarece a então Desembargadora Ana Barata Brito que «(…) o regime legal do registo criminal implica … um verdadeiro efeito retroativo de potencial cancelamento “em cascata”, sempre e quando, um registo posterior que legitima o não cancelamento de registo anterior, for ele próprio cancelado, assim implicando o cancelamento daquele(s) ao(s) qual(is) servia de fundamento para a sua manutenção no registo criminal (…)»[6].
Assim, chegando-se à conclusão que no processo 120/12.9PFSTB (cf. alínea xv) dos factos provados) a decisão já devia ter sido cancelada e eliminada do CRC todos as anteriores decisões (quando já tenham sido declaradas extintas) também deverão ser canceladas.

No caso concreto cumpre, então, apurar se o cancelamento devia ter sido averbado no CRC e não o tendo sido se ocorreu ou não omissão de pronúncia.

Na última condenação, no processo 120/12.9PFSTB, o arguido foi condenado em dois anos e quatro meses de prisão pelo crime de dano, cuja pena foi extinta em 25.1.2015.

No período compreendido entre 25.1.2015 (data da extinção) e 25.1.2020 (prazo de cinco anos previsto pela alínea a) do artigo 10.º da Lei 37/2015) o arguido não foi condenado por qualquer outro crime.

Esta última condenação e todas as precedentes, já extintas (alíneas ii) a xiv) dos factos provados), deveriam, assim, ter sido canceladas do CRC, em virtude do designado efeito “cascata” ou “dominó”.

Do CRC só não consta que as penas principais e acessória do processo 400/95.6TBSTB-A (cf. ponto 4. alínea i) dos factos provados) tenham sido extintas, designadamente pelo cumprimento ou prescrição, embora já tenham decorrido cerca de vinte e três anos desde o trânsito em julgado da decisão (29.7.1997).

Atento o tempo decorrido, fica-se, contudo, sem saber se essa extinção não foi averbada por incumprimento da pena (o que se estranha, pois a pena aplicada foi a de multa em 400$00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de dois meses) ou por lapso dos serviços.

Na data da prolação da decisão em 1.ª instância nestes autos (1.3.2021) já seria expectável que tivesse sido declarada extinta a pena no processo 400/95.6TBSTB-A (transitada em 29.7.1997).

Em 8.2.2021, todavia, quando foi emitido o CRC constante dos autos, nada estava averbado no mesmo quanto à extinção da pena, designadamente pelo cumprimento.

Teria sido útil a 1.ª instância ter apurado qual a efetiva data da extinção dessa pena.

Embora conste do CRC a data do trânsito em julgado da decisão, bem como a pena e tudo se conjugar no sentido de o decurso do prazo dos cinco anos, previsto no artigo 10.º, n.º 1 da Lei 37/2015, ter ocorrido, a falta da fixação da data da extinção das penas no processo 400/95.6TBSTB não pode ser ultrapassada com os elementos constantes dos autos.

Em síntese:

- As condenações transcritas nas alíneas ii) a xv) do ponto 4. dos factos provados da sentença não podem relevar na determinação da pena, pois tendo ocorrido motivo para o cancelamento (por imposição legal, repita-se) não podiam ter sido valoradas para a determinação da pena, como o foram pelo Tribunal a quo.

- Ocorrendo o cancelamento dos registos das condenações, aplicadas nos processos indicados nas alíneas ii) a xv), o registo da pena concernente ao processo 400/95.6TBSTB (indicado na alínea i) do ponto 4. dos factos provados) também deverá cair.

- A ser verificada a extinção da pena referida em 4. i) dos factos provados, deve o registo das penas ali aplicadas ser cancelado, por virtude do referido efeito “cascata” ou “dominó”;

Assim, na sentença datada de 1.3.2021 o Tribunal ao considerar, na escolha da espécie e da medida da pena, todos os antecedentes criminais do arguido sem averiguar se as condenações já haviam caducado incorreu numa nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nulidade essa de conhecimento oficioso (artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do CPP)[7].

Assim, cumprirá à 1.ª instância lavrar outra decisão onde seja novamente determinada a sanção, a escolha e a medida da pena tendo em consideração o cancelamento do registo das penas aplicadas ao arguido.


III. DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos acordam os juízes da Relação de Évora em conceder parcialmente provimento ao recurso interposto pelo arguido, embora por fundamento diverso, anulando-se parcialmente a sentença recorrida, devendo os autos retornar à primeira instância a fim de o Juiz a quo (preferencialmente quem lavrou a sentença):

1. Determinar a reabertura da audiência e apurar – por não constar do CRC - se subsistem ou se já foram extintas as penas do processo 400/95.6TBSTB;

2. Proferir outra sentença determinando novamente a sanção, a pena e a medida da pena depois de:

2.1. Eliminar dos factos provados as alíneas ii) a xv) do ponto 4., por virtude de ser evidente não deverem constar do CRC;

2.2. Eliminar dos factos provados o ponto 4. alínea i), caso se apure já terem sido extintas as penas do processo 400/95.6TBSTB e estejam preenchidos os critérios do artigo 10.º, n.º 1 da Lei 37/2015.

3. Sem custas


Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelas signatárias.
Évora, 21 de setembro de 2021.

Beatriz Marques Borges - Relatora
Maria Clara Figueiredo
__________________________________________________
[1] Filho de (…), natural da freguesia e concelho de Almada, nascido em (…), residente em (…).
[2] Sublinhado e negrito nosso.
[3] O primeiro proferido no processo n.º 216/14.2GBODM.E1 em que foi relatora Ana Barata Brito e o segundo no processo n.º 27/16.0GTCBR.C1 em que foi relator Luís de Brito, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Em sentido contrário a título ilustrativo, confronte-se o Acórdão da Relação de Évora, de 14.7.2015, Processo 208/14.1GBODM.E1 em que foi relator Clemente Lima.
[5] Neste mesmo sentido pronunciaram-se os Acórdãos: da RE de 10.01.2012 em que foi relatora Ana Barata Brito (citado pela própria Desembargadora no processo 92/15.8GCSTC.E1); da RP de 29-2-2012, proferido no âmbito do Proc. 123/10.8GAVLP.P1 em que foi relatora Lígia Figueiredo; da RE de 11-7-2013 em que foi relator João Amaro, proferido no âmbito do Proc. 510/11.4GGSTB.E1; da RL de 28-1-2016, proferido no âmbito do Processo 14/14.3JBLSB.L1-9 (citado no processo 22/16.0GBODM.E1); da RE de 21-02-2017, proferido no processo 22/16.0GBODM.E1 em que foi relatora Ana Barata Brito; da RE de 2-7-2019 proferido no processo 92/15.8GCSTC.E1, em que foi relatora Ana Barata Brito.
[6] Acórdão do TRE de 10.5.2016, proferido no processo 216/14.2GBODM.E1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

[7] As nulidades da sentença são sanáveis e de conhecimento oficioso, ou seja, devem ser conhecidas mesmo sem serem arguidas (cf. neste sentido o Acórdão do STJ de 31.5.2001proferido no processo 260/01-5.ª, SASTJ, n.º 51, p. 97 citado por SILVA, Germano Marques – “Direito Processual Penal Português: Do Procedimento (Marcha do Processo)”. Universidade Católica Editora. 2ª edição. Lisboa, 2009. P. 386 e 387. ISBN 9789725404270, bem como o próprio Germano Marques da Silva; em sentido contrário ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – “Comentário do Código Processo Penal: À Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. 4.ª edição atualizada. Universidade Católica Editora. P. 984. ISBN 978-972-54-0295-5).