PEDIDO CÍVEL
REMESSA DAS PARTES PARA OS TRIBUNAIS CIVIS
Sumário


1 - Ao abrigo do artigo 82º nº 3 do CPP, a decisão do juiz não pode ser arbitrária ou discricionária, só podendo remeter as partes para os tribunais civis se entender que não tem condições de decidir rigorosamente a questão civil, ou se houver o risco de atrasar intoleravelmente a decisão a proferir nos autos.

2 - A lei exige que o atraso no processo penal seja intolerável, isto é, insuportável, inadmissível, inaceitável. E um atraso, mesmo que de alguns meses, não estando o arguido privado de liberdade, de modo nenhum se pode considerar intolerável, tanto mais quanto um eventual atraso acaba por ser compensado com a desnecessidade de intentar um novo processo.
E não é a circunstância de os articulados já constantes dos autos serem extensos, a (eventual) intervenção de entidade terceira, a complexidade das questões cíveis a apreciar, o número de testemunhas a inquirir ou a suspensão dos prazos de atos e diligências que permite concluir pelo intolerável atraso do processo penal.

Texto Integral



Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Local Criminal de Beja, no âmbito dos autos com o NUIPC nº153/15.3GJBJA, foi, em 25-01-2021, proferido o seguinte despacho (transcrição):

“O arguido (...) encontra-se pronunciado, no âmbito dos presentes autos, da prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº1 e 2 do Código Penal, em concurso aparente, com a prática em autoria material, de um crime de violação das leges artis, previsto e punido pelo artigo 150º, nº2 do Código Penal.

Os factos que remontam ao ano de 2015, descritos no despacho de pronúncia, reportam-se a eventual responsabilidade criminal fundada na prática de actos médicos no âmbito da sua actividade profissional de médico.

Foi deduzido nos autos pedido de indemnização civil por (...) contra (...), o arguido (...), a Unidade Local de Saúde do (...), EPE e Herança Jacente de (...), peticionando a condenação dos mesmos no pagamento da quantia de €137.500,00, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Foi deduzido nos autos pedido de indemnização civil por (...) contra (...), o arguido (...), a Unidade Local de Saúde do (...), EPE e Herança Jacente de (...), peticionando a condenação dos mesmos no pagamento da quantia de €121.215,53, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Remetidos os autos à distribuição, o tribunal designou o próximo dia19 de Março de 2021 (e não antes por motivos de agenda (julgamentos marcados todas as segundas, quartas e sextas-feiras) e de sala (disponível apenas nesses dias), pelas 09h30, e em segunda data, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 312º, nº2 do Código de Processo Penal, o dia 23 de Março de 2021, pelas 09:30h, tendo admito liminarmente os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos assistentes contra o arguido (...), a Unidade Local de Saúde do (...) EPE e dos herdeiros da herança aberta e indivisa da falecida (...) – cfr. artigos 78º e 79º do Código de Processo Penal e indeferido, liminarmente e por inadmissibilidade legal, o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes contra (...).

Este pedido foi contestado por todos os demandados.

A Unidade Local de Saúde do (...) EPE, peticionando a sua absolvição, invoca a excepção dilatória de ilegitimidade activa de (...).

O arguido (...), peticionando, igualmente, a sua absolvição, requerer a intervenção principal da (...) – Companhia de Seguros, S.A., ao sustentar que, pelo facto de estar inscrito na (…), beneficia de seguro de responsabilidade civil profissional, bem como a ilegitimidade passiva de (...): mais requereu, a realização de uma perícia, das especialidades de patologia/fitopatologia e obstetrícia.

(…), na qualidade de únicos herdeiros de (…) deduziram, igualmente, contestação, invocando a ilegitimidade activa de (...), a ilegitimidade passiva, a ineptidão do pedido de indemnização civil, a incompetência do tribunal e a prescrição.

Cumpre apreciar e decidir.

A lei processual penal consagrou o princípio da adesão que permite ao interessado, por razões de economia processual, deduzir pedido de indemnização civil por danos resultantes da prática de um crime no processo penal (artº 71º do CPP), prevendo também as situações em que tal pedido é deduzido em separado, perante o tribunal civil (artº 72º do CPP).

Tendo em conta o teor das pretensões indemnizatórias deduzidas nos autos, bem como os incidentes suscitados nos articulados, afigura-se-nos desadequado apreciá-las e decidi-las em conjunto no âmbito do presente processo penal.

Com efeito, o julgamento do arguido nos presentes autos encontra-se agendado para o dia acima indicado, data próxima, portanto, e são alegados nos autos determinados danos, fundamentadores da atribuição de uma indemnização, que exigem, na óptica do arguido, a intervenção processual provocada da seguradora

Cumpre referir que, tendo em conta as razões de facto e de direito veiculados nos articulados, afigura-se-nos prima facie, sem prejuízo de ulterior e melhor apreciação, que a entidade cuja intervenção provocada a título principal vem requerida, deverão estar presentes nos autos para melhor defender os seus direitos quanto à responsabilidade civil que lhes venha a ser assacada.

Mas, por outro lado, cumpre referir que o arguido tem direito a ser julgado num curto prazo temporal, por ter direito a saber, com brevidade, se é condenado ou absolvido (cf. Ac. da RL. de 29.09.1994, Rel. Gaspar de Almeida, www.dgsi.pt/jtrl), sendo certo, como vem sendo entendido, qualquer enxerto cível nunca poderá condicionar o regular e, sobretudo, célere andamento do processo penal que naturalmente lhe sobreleva (cf.Ac. da RL., de 12.11.1997, Rel. Rodrigues Simão, www.dgsi.pt/jtrl), razão por que, aliás, a lei permite que o tribunal, mesmo oficiosamente, remeta as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal (artº 82º, 3 do CPP).

Quer isto dizer que o tribunal pode remeter as partes para os meios comuns cíveis se não tiver elementos para de forma rigorosa decidir o pedido cível ou se este, por efeito de incidentes, retardar de forma excessiva o processo penal.

Ora, como é fácil constatar dos extensos articulados já constantes dos autos no que à vertente cível diz respeito, a intervenção de entidade terceira acima indicada tem essa virtualidade de retardar, previsivelmente, o desejado andamento célere do processo penal.

Com efeito, para além da extensão e alguma complexidade das questões cíveis a apreciar e já suscitadas ( note-se a variedade de documentos bem como a extensão dos articulados e dos meios de prova requeridos, máxime testemunhal), a eventual decisão de chamar a juízo, para contestar o pedido inicialmente formulado, bem como para tomar posição sobre as questões constantes das contestações implicaria a produção e profusão de outros articulados e respectivas respostas que, previsivelmente, desvirtuaria, em muito, o andamento do processo penal em curso, o arrastaria para adiamento de audiência de julgamento para data muito posterior (dado que a data já agendada é incompatível com o exercício do contraditório entre demandantes, demandados cíveis e chamados) e remeteria para segundo plano o julgamento penal, manipulando-o, em virtude da variedade de questões cíveis a apreciar e meios de prova a produzir no que à vertente cível respeita, o que arrastaria, porventura em vários meses, injustificadamente, a causa penal, considerando que os factos datam já de 2015 (em sentido muito próximo, nos seus pressupostos de oportunidade de reenvio para os meios comuns, o Ac. da RP de 15.06.2011, José Piedade, www.dgsi.pt/jtrp).

Acresce que se desconhece qual a duração da suspensão dos prazos dos processos não urgentes anunciada pelo Primeiro-ministro no pretérito dia 21 de Janeiro de 2021, o que implicará o protelamento do prazo para os demandantes responderem às excepções invocadas.

Todas estas são circunstâncias que desaconselham o julgamento do pedido cível e seus incidentes no processo penal.

Destarte, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando a cadência de intervenção dos demandantes e demandados civis na causa e os aspectos de forma a observar no seu desenvolvimento processual, confluindo todo o processo para o momento principal: a audiência de julgamento (Ac. do STJ de 08.02.2001, Simas Santos, www.dgsi.pt/jstj). A acção cível assumirá no processo penal – sempre – uma natureza acessória, subalterna, secundária em face dos interesses almejados e a proteger no processo penal (Ac. do STJ de 11.10.2001, Pereira Madeira, www.dgsi.pt/jstj). O interesse público na celeridade do processo penal sobrepõe-se ao interesse privado na indemnização pedida, o qual sempre poderá ser tutelado por outra via: os meios comuns civis (Ac. da RL, de 12.11.1997, Rodrigues Simão, www.dgsi.pt/jtrl).

Tendo em conta todas estas circunstâncias entende-se que as pretensões indemnizatórias não podem ser adequadamente apreciadas e decididas no presente processo penal, por não se harmonizar com as regras do processo penal (cf.Ac. da RL de 12.06.2001, Desemb. Adelino Salvado, www.dgsi.pt/jtrl), atenta a sua finalidade, onde sobreleva, como se disse, o valor da celeridade, em ordem à definição do estatuto do arguido.

Estas vicissitudes que as acções cíveis enxertadas despoletaram (em síntese vários demandados, intervenção de terceiros e inúmeras excepções dilatórias e peremptórias (incidentes da instância), proximidade da audiência de julgamento penal; maior extensão dos meios de prova cíveis face á causa penal; desvirtuamento da tramitação específica processual penal com a profusão e desdobramento de novos articulados e respectivas “respostas”; limitação dos meios de prova na acção cível conexa com a penal e sua maior latitude na acção cível o que acautela melhor os interesses das partes), permitem considerar que as questões suscitadas quer no petitório cível, quer nas contestações dos demandados aconselham o reenvio de todas as partes para os meios comuns cíveis, justamente porque as questões levantadas não só protelam o andamento da causa penal como impedem uma cabal e rigorosa decisão dos pedidos formulados e adequada exercitação dos meios de defesa que às partes incumbe e que ao tribunal cabe assegurar em toda a sua extensão.

Atento o exposto, decide-se:

I- Remeter as partes civis para os meios comuns (tribunais cíveis) quanto à apreciação do pedido de indemnização formulado nos presentes autos, com as legais consequências (sem prejuízo de poder ser requerido o desentranhamento de todos os documentos juntos aos autos para efeitos de eventual instauração de acção cível em separado).

II- Determinar o prosseguimento dos presentes autos restrito à matéria criminal, devendo a secção notificar o ilustre mandatário do arguido para, no prazo de cinco dias, identificar os requerimentos de prova apresentados referentes à contestação ao despacho de pronúncia; após conclua.

Notifique.”


*

Inconformada com a decisão, (...), assistente e demandante cível, interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do despacho de fls … datado de 25-1-2021, em que se decide: «I – Remeter as partes civis para os meios comuns (tribunais cíveis) quanto à apreciação do pedido de indemnização formulado nos presentes autos, com as legais consequências (sem prejuízo de poder ser requerido o desentranhamento de todos os documentos juntos aos autos para efeitos de eventual instauração de acção cível em separado). II – Determinar o prosseguimento dos presentes autos restrito à matéria criminal, devendo a secção notificar o ilustre mandatário do arguido para, no prazo de cinco dias, identificar os requerimentos de prova apresentados referentes à contestação ao despacho de pronúncia; após, conclua.»

2. Dessa forma, o douto despacho em crise e do qual se recorre, remete, ao abrigo do art. 82º nº 3 do CPP, por via da segunda parte do art. 71º do CPP, as partes cíveis para os meios comuns e determina o prosseguindo dos autos apenas para apreciação da responsabilidade penal do arguido.

3. Para tanto, a decisão em crise, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, funda-se nas vicissitudes que o pedido cível trouxe aos autos, e que o Tribunal condensa, no despacho da seguinte forma: “(em síntese: vários demandados; intervenção de terceiros e inúmeras excepções dilatórias e peremptórias (incidentes da instância), proximidade da audiência de julgamento penal; maior extensão dos meios de prova cíveis face à causa penal; desvirtuamento da tramitação específica processual penal com a profusão e desdobramento de novos articulados e respectivas “respostas”; limitação dos meios de prova na acção cível conexa com a penal e sua maior latitude na acção cível, o que acautela melhor os interesses das partes), permitem considerar que as questões suscitadas quer no petitório cível, quer nas contestações dos demandados - aconselham o reenvio de todas as partes para os meios comuns cíveis, justamente porque as questões levantadas não só protelam o andamento da causa penal como impedem uma cabal e rigorosa decisão dos pedidos formulados e adequada exercitação dos meios de defesa que às partes incumbe e que ao tribunal cabe assegurar em toda a sua extensão”.

4. Ora, a aqui recorrente, assistente/demandante não se conforma com o douto despacho em crise, entendendo que o mesmo está errado na interpretação e aplicação da lei aos autos concretos supra melhor identificados, mormente do art. 71º segunda parte do CPP e art. 82º nº 3 do CPP, razão do presente recurso.

5. Por decorrência directa do erro de julgamento supra impugnado, nos termos supra expostos e que aqui se dão por reproduzidos para todos os devidos efeitos legais, vai errada a subsunção jurídico-penal do direito ao caso sub-iudice por não ter acolhido devidamente a especificidade da matéria em causa nos autos e o âmbito jurídico da mesma, donde o objecto do presente recurso consiste, fundamentalmente, em saber se a remessa das partes cíveis para os tribunais civis para apreciação do pedido de indemnização civil deduzido nos presentes foi bem apreciada pelo Tribunal a quo.

6. O pedido de indemnização cível da aqui recorrente foi admitido nos autos através da decisão constante do despacho a fls…. com a referência 31332926, datado de 4.11.2020, precisamente “Por legal e tempestivo, admito liminarmente os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos assistentes contra o arguido (...), a Unidade Local de Saúde do (...) EPE e dos herdeiros da herança aberta e indivisa da falecida (...) - cfr. artigos 78.º e 79.º do Código de Processo Penal”.

7. No referido e admitido pedido de indemnização cível da aqui recorrente esta não suscitou incidentes ou produção de prova acrescida (salvo a testemunhal), donde, o douto Tribunal a quo, ab initio tinha todos os elementos para prever o número de sessões de julgamento e o possível tramite e rito processual, seja do pedido cível, seja da parte criminal, concatenando-o com o número de testemunhas que se lhe apresentava já nos autos.

8. Face a isso e já com esses elementos foi desde logo, através do despacho a fls…. com a referência 31332926, datado de 4.11.2020, designada data para realização da audiência de discussão e julgamento, com a consequente audição das testemunhas (também) do pedido cível.

9. A questão do número de partes cíveis (demandantes e demandados) já se encontrava expressa, clara, patente e conhecida quando o doutro Tribunal a quo admitiu o pedido de indemnização cível da aqui recorrente.

10. Ora, tudo isto é de molde a concluir que o Tribunal a quo percebeu e julgou admissível o pedido de indemnização civil da demandante e aqui recorrente, mesmo sabendo – como admitiu – do número de demandados e que estes, para além do arguido, são dois.

11. Salvo o devido respeito que é muito, não nos parece que deva ser admissível e possível – depois daquela decisão tomada – vir contrafazer a mesma e assentar a sua decisão de remessa para os meios comuns no número de demandados.

12. Assim, a recorrente por certo que a admissão do pedido cível foi realizada já na perspectiva de que o número de partes do mesmo não era intolerável para o andamento do processo penal.

13. Considera a recorrente que é notório que qualquer profissional de saúde, designadamente um médico, como o é o arguido, terá a sua responsabilidade civil transferida para uma seguradora, donde é tolerável e aceitável para o andamento dos autos cíveis e penais o pedido de intervenção de terceiros, mediante o qual o demandado e arguido (...) chama aos autos a Seguradora “(...) – Companhia de Seguros, S.A.”.

14. Parece à recorrente, salvo o devido respeito que é muito, que esta questão era totalmente previsível em momento anterior do processo e que a experiência da vida e do douto Tribunal leva a concluir que era altamente previsível a dedução deste incidente pelo arguido e demandado cível.

15. A questão de ser o arguido/demandado a introduzir nos autos o chamamento da seguradora – sem prejuízo de ser uma questão altamente previsível -, deveria ter sido ponderada pelo Sr. Dr. Juiz a quo aquando da admissão do pedido cível e da sua posterior tramitação.

16. Não pode a recorrente aceitar, que pelo desenvolvimento previsível e normal da lide civil, decorrente do chamamento realizado pelo demandado veja ela a sua situação indefinida, quando também ela tem o direito de com brevidade e em prazo razoável ver resolvida a sua questão, estando tutelada a sua posição pelo princípio da adesão, constante da lei processual penal.

17. O inverso contraria e ofende o disposto na lei processual penal e no art. 6.º da CEDH e art. 20.º, n.º 4 CRP, tanto mais que no Ac. TR Porto, de 11 de Novembro de 2015, referente ao Processo n.º: 13932/13.7TDPRT-A.P1, cujo relator foi a Dra. Ana Bacelar se refere que “(…) O pedido de intervenção não constitui por si fundamento para a remessa das partes para os tribunais civis, quanto àquele pedido”.

18. A recorrente não pode aceitar, como fundamento da decisão recorrida, o argumento do Tribunal a quo quando diz que: “(…)Tendo em conta o teor das pretensões indemnizatórias deduzidas nos autos, bem como os incidentes suscitados nos articulados, afigura-se-nos desadequado apreciá-las e decidi-las em conjunto no âmbito do presente processo penal” (sublinhado nosso)”.

19. Ora, a questão a ponderar na decisão não é uma questão de desadequação – é uma questão de intolerabilidade.

20. Sucede que, face ao princípio de adesão obrigatória (art. 71.º CPP) – que é a regra – a tramitação processual e a lei processual penal comportam todos os mecanismos adequados ao julgamento da questão cível.

21. Não faria sentido a lei prever o princípio da adesão obrigatória e, depois, os instrumentos processuais serem desadequados.

22. Donde, não se pode aceitar que a dedução de um mero incidente de intervenção de terceiro seja justificação para se considerar intoleravelmente retardado o andamento do processo penal, pois isso contraria a decisão jurisprudencial atrás referida e não constitui, à luz da lei e da prática processual, um atraso intolerável, mesmo tendo em atenção a data de entrada a juízo das contestações – a última em 8.1.2021 – e a data agendada para o julgamento – 19.3.2021.

23. Também a recorrente considera que as questões da ineptidão da PI, ilegitimidade, competência do Tribunal e prescrição não suscitam nenhuma questão transcendente e intolerável, salvo a devida pronuncia do Tribunal a quo em termos de direito e da análise dos factos já de si constantes dos autos, e muito menos gera no processo incidentes que retardem de modo intolerável o processo penal.

24. No que concerne à questão da intervenção de terceiros, tivesse o Tribunal a quo se pronunciado sobre a dita intervenção, ou a mesma teria sido indeferida, não colidindo com a data de julgamento marcada para 19.03.2021, ou, por outro lado, fosse aquela intervenção admitida, teria tido a interveniente tempo de deduzir a respectiva contestação, se assim o entendesse (pois que a última contestação ao pedido cível entrou em juízo em 8.1.2021, nessa data sem existir qualquer perspectiva de suspensão de prazos, sendo que os actos praticados até 1.2.2021 não saíram prejudicados pelo novo art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março).

25. Dessa forma, poderia o chamado, deduzir em tempo a sua contestação, sem colidir com a data de julgamento agendada para o próximo dia 19.03.2021.

26. Pois que, quanto à eventual intervenção provocada requerida pelo demandado e arguido, a mesma, apenas implicava a sua notificação para contestar, não colidindo com qualquer agendamento, se tivesse sido realizada, como podia e devia, em acto subsequente à contestação do demandado e sempre muito antes de 1.2.2021, data em que foi publicada a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e tendo em fundo a data de 19.3.2021 para o início do julgamento, sem prejuízo da mesma poder ser adiada.

27. Assim, salvo o devido respeito que é muito, não fora o retardamento do próprio Tribunal, já poderia e deveria ter sido feito aquele chamamento, na eventualidade de ter sido aceite.

28. Ora, essa omissão do douto Tribunal não pode prejudicar o direito à aqui recorrente a obter uma decisão em prazo razoável, sendo a mesma absolutamente alheia ao procedimento e retardamento do próprio Tribunal.

29. O incidente de intervenção provocada é algo absolutamente normal do decorrer de um processo penal e/ou de um pedido de indemnização cível em sede de processo penal e nada que provoque um retardamento desadequado e muito menos que seja intolerável principalmente, num processo como o dos autos em que a matéria fáctica da acusação/pronúncia e do pedido cível é a mesma.

30. Desta forma, a recorrente não aceita a conclusão do despacho em crise em que o Tribunal a quo refere que: Ora, como é fácil constatar dos extensos articulados já constantes dos autos no que à vertente cível diz respeito, a intervenção de entidade terceira acima indicada tem essa virtualidade de retardar, previsivelmente, o desejado andamento célere do processo penal.

31. Sucede ainda que o juízo de susceptibilidade ínsito no art. 82.º, n.º 3 CPP é um juízo de prognóstico, de percepção prévia ao que irá acontecer, pelo que, esse juízo era passível de ser realizado aquando da prolacção do despacho de admissão do pedido cível, donde é também extemporânea a decisão de que se recorre, por a mesma ser proferida num estado avançado dos autos, em que o juízo de susceptibilidade de gerar incidentes já deveria e poderia ter sido tomado.

32. Dessa forma, o despacho recorrido não pode manter-se, não só com base no próprio princípio da adesão obrigatória, previsto no art. 71º do CPP, como por ser absolutamente contrário ao princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7.º do CPP, que impõe a competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessem à decisão da causa.

33. O despacho recorrido, a manter-se esvazia o conteúdo o art. 7º e o art. 71º do CPP pois, no entendimento do Tribunal a quo a acção cível faz um tratamento mais adequado, fornece meios mais adequados e proporciona uma maior segurança e todas as pretensões indemnizatórias a julgar no processo penal seriam excepção.

34. Em suma, a invocação da multiplicidade de responsáveis cíveis pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo e o próprio chamamento da Seguradora – sobre o qual ora nos debruçamos mais analiticamente - até é algo que se considera normal, comum, recorrente e, como se disse, altamente previsível no momento de admissão dos pedidos cíveis, pelo que essa não pode ser, sem mais, a razão para vir a fundamentar a remessa das partes para esses tribunais civis, já depois de terem sido apresentadas a juízo as contestações das partes civis.

35. Quanto ao argumento fundador da decisão em crise de que existem agora no processo inúmeras excepções dilatórias e peremptórias, considera a recorrente que é absolutamente legítimo, como não poderia deixar de ser, os demandados reagirem aos pedidos da aqui recorrente e demandante cível com excepções dilatórias e peremptórias.

36. Agora, pensa a recorrente que já não será legítimo ao Tribunal remeter as partes para os meios comuns por haver várias questões a decidir daquela natureza, as quais não põe em crise qualquer aspecto penal da causa e a sua rigorosa decisão, nem tão pouco retardam intoleravelmente o processo penal, pois que se tratam de meios defensivos legítimos dos demandados.

37. Basicamente a questão cível a apreciar é saber se a demandante tem ou não direito a ser indemnizada e por quem, pelo que a análise e julgamento de excepções peremptórias terá na base os mesmos factos da decisão crime.

38. Quanto às excepções peremptórias, estando em causa os mesmos factos, os demandados defendem a sua absolvição por considerarem que não há matéria de facto suficiente para considerar que o arguido (também demandado) cometeu um ilícito criminal.

39. Para além disso, a dedução de excepções dilatórias em causa, em nada retarda intoleravelmente o processo, pois, para todas elas já os autos terão elementos suficientes para a sua decisão, designadamente em face dos documentos existentes nos autos e do próprio despacho de admissão dos pedidos cíveis, dos quais será possível retirar a decisão quanto às invocadas ineptidão da PI, ilegitimidades activa e passivas, incompetência do tribunal e prescrição.

40. A questão de poder haver respostas a essas excepções é uma questão processual normal e corrente, que não constituirá um meio processual inadmissível, injustificado e ilegítimo que se leve a considerá-lo intolerável.

41. Sendo que considera a recorrente que desde o momento de entrada em juízo da última contestação (8.1.021) até ao início da audiência de julgamento (19.3.2021) haveria tempo mais do que suficiente para as respectivas respostas.

42. Veja-se que despacho em crise refere como fundamento para a remessa para os meios comuns o facto de o Tribunal a quo ter de “tomar posição sobre as questões constantes das contestações”, o que “implicaria a produção e profusão de outros articulados e respectivas respostas.”

43. Isso não pode sustentar uma decisão como a de que se recorre, pois traduz uma afronta ao princípio da adesão e ao princípio da competência do juiz da causa.

44. Assim como potencia, o que é indesejado, a realização de julgamentos contraditórios quando está em causa o cerne da mesma matéria, e proporcionaria o julgamento em separado das causas penal e cível que são comuns.

45. Para além disso atentava contra a economia processual e a economia de meios, porquanto num mesmo processo- e com recurso, pois, a uma única jurisdição - se podem resolver todas as questões que envolvem o facto criminoso, sem que se tenha de despender e dispersar custos.

46. Remeter as partes para os meios comuns passados mais de cinco anos depois dos factos, atendendo ao próprio princípio da adesão, só porque há questões a decidir e que as mesmas podem (virtualmente, diz a aqui recorrente) contender com a data de julgamento já marcada (adiante-se numa altura em que não se perspectivava qualquer suspensão de prazos processuais, o que, nesse sentido, não pode e não deve prejudicar os princípios orientadores do processo penal, bem como os próprios interesse protegidos da aqui recorrente – maxime a obter uma decisão sobre a sua pretensão num prazo também razoável) é potenciar a manutenção do conflito, a indefinição de todas as partes envolvidas quanto ao desfecho das suas pretensões, e, no limite, violar-se o princípio da adesão,

47. Só a procedência do presente recurso permitirá que num mesmo processo, com recurso a uma única jurisdição, se resolvam e definiam todas as questões que envolvem o (alegado, ainda) facto criminoso, sem que se tenha de despender e dispersar custos e potenciar diversas decisões sobre a mesma matéria.

48. Assim, deve o presente recurso ser julgado procedente pois assim também o reclamam “o princípio da celeridade processual e o princípio de concentração da actividade probatória, podendo adjungir-se-lhe outras razões, de índole substantiva e formal, como sejam a necessidade de coerência do sistema, traduzida na evitação de julgados contraditórios ou concorrentes, a exigência de unidade do juízo valorativo, evitando a dispersão de julgados e de valorações desencontradas e díspares acerca do mesmo núcleo factual ou do mesmo facto histórico submetido à apreciação de um órgão jurisdicional e, por fim, a sujeição de um determinado evento a um tribunal que, por competência processual, teve uma actividade investigativa que lhe permitiu congregar o maior número de elementos adjutores na formação de um juízo apreciativo mais completo e de maior amplitude.” (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26 de Abril de 2007, no Proc. n.º 281/05.3TAFIG-A.C1, acessível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/15e67ffc89f765a2802572cf004e2d02?OpenDocument.

49. É também por isso que o argumento aduzido na decisão em crise de que está próxima a audiência de julgamento penal não pode proceder.

50. Nada na lei processual penal impede a remarcação do julgamento e o mesmo muito provavelmente não se irá realizar na data aprazada, em função do disposto no art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

51. Depois, o despacho de que se recorre socorre-se do argumento de que há maior extensão dos meios de prova cíveis face à causa penal.

52. Ora, este argumento também não pode colher, pois a aqui recorrente apenas indicou (a mais) prova testemunhal para a causa cível, mas não acrescentou qualquer meio de prova aos meios de prova penal indicados nos autos.

53. Ao contrário, quem requereu outros meios de prova – designadamente pericial – foi o próprio arguido, conforme consta da sua contestação de fls… e da própria resposta ao despacho de que se recorre de fls…, o que instrui também este recurso.

54. Esta questão era já patente aquando da admissão dos pedidos de indemnização civil, donde o que o Sr. Dr. Juiz a quo observa é que há maxime testemunhas a ouvir referentes ao pedido cível que não constam da pronúncia e dos meios de prova indicados pelo Ministério Público, todavia, tal facto não impediu de as mesmas já terem até sido notificadas para comparecer em audiência de julgamento, conforme decorre de fls… e isso não é insuportável no processo e no seu rito.

55. Desta circunstância, retira-se que também não é certa e não se pode concordar com o fundamento do despacho em crise, no que se refere à conclusão de que há “llimitação dos meios de prova na acção cível conexa com a penal e sua maior latitude na acção cível, o que acautela melhor os interesses das partes”.

56. Não pode aceitar-se que a apreciação da pretensão indemnizatória em acção cível autónoma esteja equipada com um arsenal de institutos jurídico processuais que asseguram um tratamento mais adequado de todas as matérias substantivas e/ou que perante a complexidade que a causa sub judice reveste (mesmo sob o ponto de vista processual), tal reenvio garante uma melhor defesa às partes litigantes.

57. Tem de discordar-se veementemente, desde logo, não só com base no próprio princípio da adesão obrigatória prevista no art. 71º do CPP, como por tal interpretação ser absolutamente contrário ao princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7° do CPP.

58. Por outro lado, não estão requeridos quaisquer meios de prova inadmissíveis no processo penal e que caibam apenas no “arsenal” de meios de prova constantes do processo civil.

59. Terá assim de concluir-se que é legitima e até por princípio obrigatória a tramitação da acção cível enxertada em processo penal e que, pelos motivos expostos a mesma não contende com a necessária celeridade deste último.

60. O poder do tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário, antes impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma excepção.

61. Ora, no caso concreto temos que está apenas em causa:

- o pedido civil deduzido pela recorrente, cujas questões são as da acusação, tem o cerne, precisamente, na mesma matéria da acusação, e nenhum incidente suscitou.

- a questão das excepções invocadas são meios processuais legítimos e defensivos dos demandados e não são de molde a protelar intoleravelmente o processo penal, como decorre da jurisprudência superior invocada e do hiato temporal existente entre a dedução das contestações e o início do julgamento.

- a questão da intervenção provocada (deduzida pelo arguido em sede de contestação), sem que tenha colocado qualquer questão relativamente ao seu estatuto processual e aos seus direitos) da Seguradora AGEAS também é de molde a não protelar intoleravelmente o processo penal, como decorre da jurisprudência superior invocada.

62. Quanto à questão das esxcepções invocadas em sede de contestação e da intervenção suscitada pelo demandado/arguido, estas só têm, ainda, por si, de ser verificadas porquanto:

- por um lado, o douto Tribunal a quo notificou o arguido e demandados para contestar, marcando data para julgamento a 19 de março de 2021, com tempo mais do que suficiente para a tramitação do chamamento e demais questões contraditórias (máxime excepções peremptórias e dilatórias), uma vez que os prazos para contestar terminaram no início de janeiro, tendo a última contestação entrado em juízo no dia 8 de janeiro de 2021, sem se perspetivar qualquer suspensão de prazos, conforme resulta dos autos.

63. Pelo que não há qualquer atraso intolerável que resulte da actividade processual das partes, designadamente da aqui recorrente e o mesmo também não resulta dos autos.

64. A tudo isto sobreveio a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.

65. Ora, o despacho em crise é anterior à referida lei e refere-se só à possibilidade de os prazos (e não das diligências) virem a ser suspensos, o que acabou por ocorrer.

66. Leva isto a concluir que, o presente processo não tem natureza urgente e se coaduna até, no entender da lei, com uma suspensão de todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais.

67. Se a própria lei considera o presente processo susceptível de concreta suspensão de diligências e de prazos, é porque a urgência e celeridade na decisão não são tocadas por essa eventual suspensão, donde, se deve promover sim a revogação e/ou anulação do despacho recorrido ordenando-se outrossim o julgamento simultâneo das questões civil e penal.

68. Ora, sabe-se hoje que a presente Lei e o referido art. 6.º-B instituiu não só a suspensão dos prazos como a suspensão das diligências, donde poderá muito bem estar colocada em causa a realização do julgamento, para a data aprazada, até com o anúncio presidencial e governamental de que o confinamento deverá durar, pelo menos, até final de Março de 2021.

69. Desta forma, com as dificuldades logísticas e de agenda, declaradas no despacho em crise é totalmente previsível que a situação penal do arguido não se definirá nas datas aprazadas para o julgamento.

70. A única razão que o Tribunal a quo poderia ter era a suspensão dos prazos – mas isso não se verificou, pois para processos não urgentes como é o caso do presente foram e estão suspensos os prazos para a prática de actos e as próprias diligências processuais.

71. Veja-se que desde a data de entrada nos autos das contestações até ao início do julgamento medeiam mais de dois meses e dez dias – o que se mostrava, no entender da recorrente, suficiente para a tramitação regular da acção cível.

72. Considera a recorrente que é totalmente admissível o reagendamento do julgamento, designadamente, não por existir no processo qualquer indício de um retardamento intolerável decorrente da tramitação do pedido cível.

73. Esse atraso, que por decorrência da lei não poderá dizer-se intolerável, a dar-se, o que só para efeitos de raciocínio se admite, decorre sim do regime de suspensão de diligências e prazos processuais decorrentes do art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e não de nenhuma questão decorrente do próprio pedido cível.

74. Esse atraso é comum a todos os intervenientes processuais e não pode ser motivo e fundamento para comprimir o direito de alguns deles.

75. De forma que tal le0 de suspensão dos prazos e diligências regulou as questões relativas aos processos crime não urgentes, como é o caso, e ditou a suspensão das diligências a levar a cabo nos mesmos.

76. Ora, sendo o próprio arguido a dar causa, com a sua contestação à acusação pública e ao pedido cível, ao incidente em causa, referido no douto despacho de que se recorre; tendo até requerido e mantido o seu requerimento de prova dessa contestação; e, não tendo promovido a remessa para os meios comuns como podia ter feito, não se vê como possa, a posteriori prevalecer o princípio de celeridade na definição da sua posição penal.

77. Já quanto à aqui recorrente, também a lei a protege, ao impor que deve ver a sua situação definida com brevidade, como decorre do art. 6.º da CEDH e art. 20.º, n.º 4 CRP, como decorre do próprio princípio da adesão, do princípio da concentração e imediação da prova, do interesse no evitar contradição de julgados e da regra da competência do Tribunal a quo para julgar todas as questões em causa – a cível e a penal – não podendo injustificadamente, salvo o devido respeito que é muito, demitir-se da sua função de julgar.

78. De facto, em concreto, não só nenhuma questão suscitada no pedido de indemnização civil da recorrente (tanto que não requereu aquele, naquele, nenhum incidente ou prova que retardasse os autos) inviabiliza uma decisão rigorosa por parte do Tribunal como não influencia a complexidade da prova a produzir.

79. Por outro lado, os factos em apreço remontam há quase seis anos, não se podendo imputar o atraso na realização do julgamento à dedução do pedido de indemnização civil.

80. Nada justificaria, neste momento, a remessa para os meios comuns, senão o tornar ainda mais acentuada a espera da recorrente por uma definição da sua situação jurídica, a angústia e ansiedade por Justiça e por uma decisão definitiva quanto aos factos em causa nos autos e suas consequências jurídicas (cíveis e penais), por parte da aqui recorrente.

81. O processo contém todos os elementos para que se venha a conhecer desse pedido de indemnização cível, cujas questões controvertidas são as mesmas que são objecto da acusação e, consequentemente dizem respeito a uma decisão de cariz criminal.

82. Pelo que, salvo o devido respeito que é muito, não se aceita e expressamente se impugnam todos os argumentos e fundamentos da decisão recorrida por não existem, como vimos, questões relativas ao pedido cível susceptíveis de gerar incidentes que levem ao retardamento intolerável do processo penal.

83. O despacho ora recorrido não resolve o problema a jusante ou a montante, servindo apenas para entorpecer ainda mais as pendências da justiça nos presentes autos, além de suscitar eventuais várias novas acções, que na prática já estão intentadas e que podem ficar resolvidas nos presentes autos.

84. Depois, importa reter que os factos em apreço nos autos remontam a 9 e 10 de Abril de 2015, não se podendo imputar o atraso na realização do julgamento à dedução do pedido de indemnização civel nos presentes autos pelos motivos já expostos e demonstrados dos autos supra.

85. Efeito diametralmente oposto se obteria caso se viesse ordenar, ora, a remessa das partes civis para o tribunal civil, volvidos que se mostram quase seis anos desde a ocorrência dos factos.

86. Ao que acresceria - com a dedução do pedido em separado - o desperdício de meios e custos e o risco de julgados contraditórios.

87. Ao contrário do que vai plasmado no douto despacho, tem de concluir-se que a matéria constante do pedido de indemnização cível da demandante deve ser analisada em sede do processo penal, pelo que não existe razão para esse reenvio.

88. Merecendo reparo o despacho recorrido, nos termos melhor constantes do presente recurso, o qual violou os seguintes preceitos legais: artigos 7.º, 71º, 72.º e 82º nº 3 do CPP; art. 6.º da CEDH e art. 20.º, n.º 4 CRP, .

89. Pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, revogar-se o despacho em crise e o reenvio aos meios comuns determinado pelo mesmo, determinando-se que seja ordenada a prossecução dos presentes autos penais com apreciação em simultâneo do pedido de indemnização cível, remarcando-se a audiência de julgamento com data para a audição das testemunhas indicadas quanto ao pedido cível e demais prova, o que se requer.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO PELA OFENDIDA/DEMANDANTE/ASSISTENTE, E, CONSEQUENTEMENTE, DEVERÃO V. EXAS. REVOGAR O DESPACHO ORA RECORRIDO E O REENVIO AOS MEIOS COMUNS DETERMINADO PELO MESMO, BEM COMO DETERMINAR QUE SEJA ORDENADA A PROSSECUÇÃO DOS PRESENTES AUTOS PENAIS COM APRECIAÇÃO EM SIMULTÂNEO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL, REMARCANDO-SE A AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO COM DATA PARA A AUDIÇÃO DAS TESTEMUNHAS INDICADAS QUANTO AO PEDIDO CÍVEL E DEMAIS PROVA, PROSSEGUINDO OS AUTOS OS SEUS TERMOS ATÉ FINAL.

FAZENDO-SE ASSIM, COMO É DE USO, INTEIRA, SÃ E COSTUMADA JUSTIÇA!


*

Também inconformado com a decisão foi interposto recurso da mesma pelo demandante civil (…), extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do despacho de fls … datado de 25-1-2021, em que se decide: «I – Remeter as partes civis para os meios comuns (tribunais cíveis) quanto à apreciação do pedido de indemnização formulado nos presentes autos, com as legais consequências (sem prejuízo de poder ser requerido o desentranhamento de todos os documentos juntos aos autos para efeitos de eventual instauração de acção cível em separado). II – Determinar o prosseguimento dos presentes autos restrito à matéria criminal, devendo a secção notificar o ilustre mandatário do arguido para, no prazo de cinco dias, identificar os requerimentos de prova apresentados referentes à contestação ao despacho de pronúncia; após, conclua.»

2. Dessa forma, o douto despacho em crise e do qual se recorre, remete, ao abrigo do art. 82º nº 3 do CPP, por via da segunda parte do art. 71º do CPP, as partes cíveis para os meios comuns e determina o prosseguindo dos autos apenas para apreciação da responsabilidade penal do arguido.

3. Para tanto, a decisão em crise, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida, funda-se nas vicissitudes que o pedido cível trouxe aos autos, e que o Tribunal condensa, no despacho da seguinte forma: “(em síntese: vários demandados; intervenção de terceiros e inúmeras excepções dilatórias e peremptórias (incidentes da instância), proximidade da audiência de julgamento penal; maior extensão dos meios de prova cíveis face à causa penal; desvirtuamento da tramitação específica processual penal com a profusão e desdobramento de novos articulados e respectivas “respostas”; limitação dos meios de prova na acção cível conexa com a penal e sua maior latitude na acção cível, o que acautela melhor os interesses das partes), permitem considerar que as questões suscitadas quer no petitório cível, quer nas contestações dos demandados - aconselham o reenvio de todas as partes para os meios comuns cíveis, justamente porque as questões levantadas não só protelam o andamento da causa penal como impedem uma cabal e rigorosa decisão dos pedidos formulados e adequada exercitação dos meios de defesa que às partes incumbe e que ao tribunal cabe assegurar em toda a sua extensão”.

4. Ora, o aqui recorrente, assistente/demandante não se conforma com o douto despacho em crise, entendendo que o mesmo está errado na interpretação e aplicação da lei aos autos concretos supra melhor identificados, mormente do art. 71º segunda parte do CPP e art. 82º nº 3 do CPP, razão do presente recurso.

5. Por decorrência directa do erro de julgamento supra impugnado, nos termos supra expostos e que aqui se dão por reproduzidos para todos os devidos efeitos legais, vai errada a subsunção jurídico-penal do direito ao caso sub-iudice por não ter acolhido devidamente a especificidade da matéria em causa nos autos e o âmbito jurídico da mesma, donde o objecto do presente recurso consiste, fundamentalmente, em saber se a remessa das partes cíveis para os tribunais civis para apreciação do pedido de indemnização civil deduzido nos presentes foi bem apreciada pelo Tribunal a quo.

6. O pedido de indemnização cível da aqui recorrente foi admitido nos autos através da decisão constante do despacho a fls…. com a referência 31332926, datado de 4.11.2020, precisamente “Por legal e tempestivo, admito liminarmente os pedidos de indemnização civil deduzidos pelos assistentes contra o arguido (...), a Unidade Local de Saúde do (...) EPE e dos herdeiros da herança aberta e indivisa da falecida (...) - cfr. artigos 78.º e 79.º do Código de Processo Penal”.

7. No referido e admitido pedido de indemnização cível do aqui recorrente esta não suscitou incidentes ou produção de prova acrescida (salvo a testemunhal), donde, o douto Tribunal a quo, ab initio tinha todos os elementos para prever o número de sessões de julgamento e o possível tramite e rito processual, seja do pedido cível, seja da parte criminal, concatenando-o com o número de testemunhas que se lhe apresentava já nos autos.

8. Face a isso e já com esses elementos foi desde logo, através do despacho a fls…. com a referência 31332926, datado de 4.11.2020, designada data para realização da audiência de discussão e julgamento, com a consequente audição das testemunhas (também) do pedido cível.

9. A questão do número de partes cíveis (demandantes e demandados) já se encontrava expressa, clara, patente e conhecida quando o doutro Tribunal a quo admitiu o pedido de indemnização cível do aqui recorrente.

10. Ora, tudo isto é de molde a concluir que o Tribunal a quo percebeu e julgou admissível o pedido de indemnização civil do demandante e aqui recorrente, mesmo sabendo – como admitiu – do número de demandados e que estes, para além do arguido, são dois.

11. Salvo o devido respeito que é muito, não nos parece que deva ser admissível e possível – depois daquela decisão tomada – vir contrafazer a mesma e assentar a sua decisão de remessa para os meios comuns no número de demandados.

12. Assim, o recorrente por certo que a admissão do pedido cível foi realizada já na perspectiva de que o número de partes do mesmo não era intolerável para o andamento do processo penal.

13. Considera o recorrente que é notório que qualquer profissional de saúde, designadamente um médico, como o é o arguido, terá a sua responsabilidade civil transferida para uma seguradora, donde é tolerável e aceitável para o andamento dos autos cíveis e penais o pedido de intervenção de terceiros, mediante o qual o demandado e arguido (...) chama aos autos a Seguradora “(...) – Companhia de Seguros, S.A.”.

14. Parece ao recorrente, salvo o devido respeito que é muito, que esta questão era totalmente previsível em momento anterior do processo e que a experiência da vida e do douto Tribunal leva a concluir que era altamente previsível a dedução deste incidente pelo arguido e demandado cível.

15. A questão de ser o arguido/demandado a introduzir nos autos o chamamento da seguradora – sem prejuízo de ser uma questão altamente previsível -, deveria ter sido ponderada pelo Sr. Dr. Juiz a quo aquando da admissão do pedido cível e da sua posterior tramitação.

16. Não pode o recorrente aceitar, que pelo desenvolvimento previsível e normal da lide civil, decorrente do chamamento realizado pelo demandado veja ela a sua situação indefinida, quando também ela tem o direito de com brevidade e em prazo razoável ver resolvida a sua questão, estando tutelada a sua posição pelo princípio da adesão, constante da lei processual penal.

17. O inverso contraria e ofende o disposto na lei processual penal e no art. 6.º da CEDH e art. 20.º, n.º 4 CRP, tanto mais que no Ac. TR Porto, de 11 de Novembro de 2015, referente ao Processo n.º: 13932/13.7TDPRT-A.P1, cujo relator foi a Dra. Ana Bacelar se refere que “(…) O pedido de intervenção não constitui por si fundamento para a remessa das partes para os tribunais civis, quanto àquele pedido”.

18. O recorrente não pode aceitar, como fundamento da decisão recorrida, o argumento do Tribunal a quo quando diz que: “(…)Tendo em conta o teor das pretensões indemnizatórias deduzidas nos autos, bem como os incidentes suscitados nos articulados, afigura-se-nos desadequado apreciá-las e decidi-las em conjunto no âmbito do presente processo penal” (sublinhado nosso)”.

19. Ora, a questão a ponderar na decisão não é uma questão de desadequação – é uma questão de intolerabilidade.

20. Sucede que, face ao princípio de adesão obrigatória (art. 71.º CPP) – que é a regra – a tramitação processual e a lei processual penal comportam todos os mecanismos adequados ao julgamento da questão cível.

21. Não faria sentido a lei prever o princípio da adesão obrigatória e, depois, os instrumentos processuais serem desadequados.

22. Donde, não se pode aceitar que a dedução de um mero incidente de intervenção de terceiro seja justificação para se considerar intoleravelmente retardado o andamento do processo penal, pois isso contraria a decisão jurisprudencial atrás referida e não constitui, à luz da lei e da prática processual, um atraso intolerável, mesmo tendo em atenção a data de entrada a juízo das contestações – a última em 8.1.2021 – e a data agendada para o julgamento – 19.3.2021.

23. Também O recorrente considera que as questões da ineptidão da PI, ilegitimidade, competência do Tribunal e prescrição não suscitam nenhuma questão transcendente e intolerável, salvo a devida pronuncia do Tribunal a quo em termos de direito e da análise dos factos já de si constantes dos autos, e muito menos gera no processo incidentes que retardem de modo intolerável o processo penal.

24. No que concerne à questão da intervenção de terceiros, tivesse o Tribunal a quo se pronunciado sobre a dita intervenção, ou a mesma teria sido indeferida, não colidindo com a data de julgamento marcada para 19.03.2021, ou, por outro lado, fosse aquela intervenção admitida, teria tido a interveniente tempo de deduzir a respectiva contestação, se assim o entendesse (pois que a última contestação ao pedido cível entrou em juízo em 8.1.2021, nessa data sem existir qualquer perspectiva de suspensão de prazos, sendo que os actos praticados até 1.2.2021 não saíram prejudicados pelo novo art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março).

25. Dessa forma, poderia o chamado, deduzir em tempo a sua contestação, sem colidir com a data de julgamento agendada para o próximo dia 19.03.2021.

26. Pois que, quanto à eventual intervenção provocada requerida pelo demandado e arguido, a mesma, apenas implicava a sua notificação para contestar, não colidindo com qualquer agendamento, se tivesse sido realizada, como podia e devia, em acto subsequente à contestação do demandado e sempre muito antes de 1.2.2021, data em que foi publicada a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e tendo em fundo a data de 19.3.2021 para o início do julgamento, sem prejuízo da mesma poder ser adiada.

27. Assim, salvo o devido respeito que é muito, não fora o retardamento do próprio Tribunal, já poderia e deveria ter sido feito aquele chamamento, na eventualidade de ter sido aceite.

28. Ora, essa omissão do douto Tribunal não pode prejudicar o direito ao aqui recorrente a obter uma decisão em prazo razoável, sendo a mesma absolutamente alheia ao procedimento e retardamento do próprio Tribunal.

29. O incidente de intervenção provocada é algo absolutamente normal do decorrer de um processo penal e/ou de um pedido de indemnização cível em sede de processo penal e nada que provoque um retardamento desadequado e muito menos que seja intolerável principalmente, num processo como o dos autos em que a matéria fáctica da acusação/pronúncia e do pedido cível é a mesma.

30. Desta forma, o recorrente não aceita a conclusão do despacho em crise em que o Tribunal a quo refere que: Ora, como é fácil constatar dos extensos articulados já constantes dos autos no que à vertente cível diz respeito, a intervenção de entidade terceira acima indicada tem essa virtualidade de retardar, previsivelmente, o desejado andamento célere do processo penal.

31. Sucede ainda que o juízo de susceptibilidade ínsito no art. 82.º, n.º 3 CPP é um juízo de prognóstico, de percepção prévia ao que irá acontecer, pelo que, esse juízo era passível de ser realizado aquando da prolacção do despacho de admissão do pedido cível, donde é também extemporânea a decisão de que se recorre, por a mesma ser proferida num estado avançado dos autos, em que o juízo de susceptibilidade de gerar incidentes já deveria e poderia ter sido tomado.

32. Dessa forma, o despacho recorrido não pode manter-se, não só com base no próprio princípio da adesão obrigatória, previsto no art. 71º do CPP, como por ser absolutamente contrário ao princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7.º do CPP, que impõe a competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessem à decisão da causa.

33. O despacho recorrido, a manter-se esvazia o conteúdo o art. 7º e o art. 71º do CPP pois, no entendimento do Tribunal a quo a acção cível faz um tratamento mais adequado, fornece meios mais adequados e proporciona uma maior segurança e todas as pretensões indemnizatórias a julgar no processo penal seriam excepção.

34. Em suma, a invocação da multiplicidade de responsáveis cíveis pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo e o próprio chamamento da Seguradora – sobre o qual ora nos debruçamos mais analiticamente - até é algo que se considera normal, comum, recorrente e, como se disse, altamente previsível no momento de admissão dos pedidos cíveis, pelo que essa não pode ser, sem mais, a razão para vir a fundamentar a remessa das partes para esses tribunais civis, já depois de terem sido apresentadas a juízo as contestações das partes civis.

35. Quanto ao argumento fundador da decisão em crise de que existem agora no processo inúmeras excepções dilatórias e peremptórias, considera a recorrente que é absolutamente legítimo, como não poderia deixar de ser, os demandados reagirem aos pedidos da aqui recorrente e demandante cível com excepções dilatórias e peremptórias.

36. Agora, pensa a recorrente que já não será legítimo ao Tribunal remeter as partes para os meios comuns por haver várias questões a decidir daquela natureza, as quais não põe em crise qualquer aspecto penal da causa e a sua rigorosa decisão, nem tão pouco retardam intoleravelmente o processo penal, pois que se tratam de meios defensivos legítimos dos demandados.

37. Basicamente a questão cível a apreciar é saber se a demandante tem ou não direito a ser indemnizada e por quem, pelo que a análise e julgamento de excepções peremptórias terá na base os mesmos factos da decisão crime.

38. Quanto às excepções peremptórias, estando em causa os mesmos factos, os demandados defendem a sua absolvição por considerarem que não há matéria de facto suficiente para considerar que o arguido (também demandado) cometeu um ilícito criminal.

39. Para além disso, a dedução de excepções dilatórias em causa, em nada retarda intoleravelmente o processo, pois, para todas elas já os autos terão elementos suficientes para a sua decisão, designadamente em face dos documentos existentes nos autos e do próprio despacho de admissão dos pedidos cíveis, dos quais será possível retirar a decisão quanto às invocadas ineptidão da PI, ilegitimidades activa e passivas, incompetência do tribunal e prescrição.

40. A questão de poder haver respostas a essas excepções é uma questão processual normal e corrente, que não constituirá um meio processual inadmissível, injustificado e ilegítimo que se leve a considerá-lo intolerável.

41. Sendo que considera a recorrente que desde o momento de entrada em juízo da última contestação (8.1.021) até ao início da audiência de julgamento (19.3.2021) haveria tempo mais do que suficiente para as respectivas respostas.

42. Veja-se que despacho em crise refere como fundamento para a remessa para os meios comuns o facto de o Tribunal a quo ter de “tomar posição sobre as questões constantes das contestações”, o que “implicaria a produção e profusão de outros articulados e respectivas respostas.”

43. Isso não pode sustentar uma decisão como a de que se recorre, pois traduz uma afronta ao princípio da adesão e ao princípio da competência do juiz da causa.

44. Assim como potencia, o que é indesejado, a realização de julgamentos contraditórios quando está em causa o cerne da mesma matéria, e proporcionaria o julgamento em separado das causas penal e cível que são comuns.

45. Para além disso atentava contra a economia processual e a economia de meios, porquanto num mesmo processo- e com recurso, pois, a uma única jurisdição - se podem resolver todas as questões que envolvem o facto criminoso, sem que se tenha de despender e dispersar custos.

46. Remeter as partes para os meios comuns passados mais de cinco anos depois dos factos, atendendo ao próprio princípio da adesão, só porque há questões a decidir e que as mesmas podem (virtualmente, diz a aqui recorrente) contender com a data de julgamento já marcada (adiante-se numa altura em que não se perspectivava qualquer suspensão de prazos processuais, o que, nesse sentido, não pode e não deve prejudicar os princípios orientadores do processo penal, bem como os próprios interesse protegidos da aqui recorrente – maxime a obter uma decisão sobre a sua pretensão num prazo também razoável) é potenciar a manutenção do conflito, a indefinição de todas as partes envolvidas quanto ao desfecho das suas pretensões, e, no limite, violar-se o princípio da adesão,

47. Só a procedência do presente recurso permitirá que num mesmo processo, com recurso a uma única jurisdição, se resolvam e definiam todas as questões que envolvem o (alegado, ainda) facto criminoso, sem que se tenha de despender e dispersar custos e potenciar diversas decisões sobre a mesma matéria.

48. Assim, deve o presente recurso ser julgado procedente pois assim também o reclamam “o princípio da celeridade processual e o princípio de concentração da actividade probatória, podendo adjungir-se-lhe outras razões, de índole substantiva e formal, como sejam a necessidade de coerência do sistema, traduzida na evitação de julgados contraditórios ou concorrentes, a exigência de unidade do juízo valorativo, evitando a dispersão de julgados e de valorações desencontradas e díspares acerca do mesmo núcleo factual ou do mesmo facto histórico submetido à apreciação de um órgão jurisdicional e, por fim, a sujeição de um determinado evento a um tribunal que, por competência processual, teve uma actividade investigativa que lhe permitiu congregar o maior número de elementos adjutores na formação de um juízo apreciativo mais completo e de maior amplitude.” (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 26 de Abril de 2007, no Proc. n.º 281/05.3TAFIG-A.C1, acessível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/15e67ffc89f765a2802572cf004e2d02?OpenDocument.

49. É também por isso que o argumento aduzido na decisão em crise de que está próxima a audiência de julgamento penal não pode proceder.

50. Nada na lei processual penal impede a remarcação do julgamento e o mesmo muito provavelmente não se irá realizar na data aprazada, em função do disposto no art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

51. Depois, o despacho de que se recorre socorre-se do argumento de que há maior extensão dos meios de prova cíveis face à causa penal.

52. Ora, este argumento também não pode colher, pois a aqui recorrente apenas indicou (a mais) prova testemunhal para a causa cível, mas não acrescentou qualquer meio de prova aos meios de prova penal indicados nos autos.

53. Ao contrário, quem requereu outros meios de prova – designadamente pericial – foi o próprio arguido, conforme consta da sua contestação de fls… e da própria resposta ao despacho de que se recorre de fls…, o que instrui também este recurso.

54. Esta questão era já patente aquando da admissão dos pedidos de indemnização civil, donde o que o Sr. Dr. Juiz a quo observa é que há maxime testemunhas a ouvir referentes ao pedido cível que não constam da pronúncia e dos meios de prova indicados pelo Ministério Público, todavia, tal facto não impediu de as mesmas já terem até sido notificadas para comparecer em audiência de julgamento, conforme decorre de fls… e isso não é insuportável no processo e no seu rito.

55. Desta circunstância, retira-se que também não é certa e não se pode concordar com o fundamento do despacho em crise, no que se refere à conclusão de que há “llimitação dos meios de prova na acção cível conexa com a penal e sua maior latitude na acção cível, o que acautela melhor os interesses das partes”.

56. Não pode aceitar-se que a apreciação da pretensão indemnizatória em acção cível autónoma esteja equipada com um arsenal de institutos jurídico processuais que asseguram um tratamento mais adequado de todas as matérias substantivas e/ou que perante a complexidade que a causa sub judice reveste (mesmo sob o ponto de vista processual), tal reenvio garante uma melhor defesa às partes litigantes.

57. Tem de discordar-se veementemente, desde logo, não só com base no próprio princípio da adesão obrigatória prevista no art. 71º do CPP, como por tal interpretação ser absolutamente contrário ao princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7° do CPP.

58. Por outro lado, não estão requeridos quaisquer meios de prova inadmissíveis no processo penal e que caibam apenas no “arsenal” de meios de prova constantes do processo civil.

59. Terá assim de concluir-se que é legitima e até por princípio obrigatória a tramitação da acção cível enxertada em processo penal e que, pelos motivos expostos a mesma não contende com a necessária celeridade deste último.

60. O poder do tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário, antes impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma excepção.

61. Ora, no caso concreto temos que está apenas em causa:

- o pedido civil deduzido pelo recorrente, cujas questões são as da acusação, tem o cerne, precisamente, na mesma matéria da acusação, e nenhum incidente suscitou.

- a questão das excepções invocadas são meios processuais legítimos e defensivos dos demandados e não são de molde a protelar intoleravelmente o processo penal, como decorre da jurisprudência superior invocada e do hiato temporal existente entre a dedução das contestações e o início do julgamento.

- a questão da intervenção provocada (deduzida pelo arguido em sede de contestação), sem que tenha colocado qualquer questão relativamente ao seu estatuto processual e aos seus direitos) da Seguradora (…) também é de molde a não protelar intoleravelmente o processo penal, como decorre da jurisprudência superior invocada.

62. Quanto à questão das esxcepções invocadas em sede de contestação e da intervenção suscitada pelo demandado/arguido, estas só têm, ainda, por si, de ser verificadas porquanto:

- por um lado, o douto Tribunal a quo notificou o arguido e demandados para contestar, marcando data para julgamento a 19 de março de 2021, com tempo mais do que suficiente para a tramitação do chamamento e demais questões contraditórias (máxime excepções peremptórias e dilatórias), uma vez que os prazos para contestar terminaram no início de janeiro, tendo a última contestação entrado em juízo no dia 8 de janeiro de 2021, sem se perspetivar qualquer suspensão de prazos, conforme resulta dos autos.

63. Pelo que não há qualquer atraso intolerável que resulte da actividade processual das partes, designadamente do aqui recorrente e o mesmo também não resulta dos autos.

64. A tudo isto sobreveio a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.

65. Ora, o despacho em crise é anterior à referida lei e refere-se só à possibilidade de os prazos (e não das diligências) virem a ser suspensos, o que acabou por ocorrer.

66. Leva isto a concluir que, o presente processo não tem natureza urgente e se coaduna até, no entender da lei, com uma suspensão de todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais.

67. Se a própria lei considera o presente processo susceptível de concreta suspensão de diligências e de prazos, é porque a urgência e celeridade na decisão não são tocadas por essa eventual suspensão, donde, se deve promover sim a revogação e/ou anulação do despacho recorrido ordenando-se outrossim o julgamento simultâneo das questões civil e penal.

68. Ora, sabe-se hoje que a presente Lei e o referido art. 6.º-B instituiu não só a suspensão dos prazos como a suspensão das diligências, donde poderá muito bem estar colocada em causa a realização do julgamento, para a data aprazada, até com o anúncio presidencial e governamental de que o confinamento deverá durar, pelo menos, até final de Março de 2021.

69. Desta forma, com as dificuldades logísticas e de agenda, declaradas no despacho em crise é totalmente previsível que a situação penal do arguido não se definirá nas datas aprazadas para o julgamento.

70. A única razão que o Tribunal a quo poderia ter era a suspensão dos prazos – mas isso não se verificou, pois para processos não urgentes como é o caso do presente foram e estão suspensos os prazos para a prática de actos e as próprias diligências processuais.

71. Veja-se que desde a data de entrada nos autos das contestações até ao início do julgamento medeiam mais de dois meses e dez dias – o que se mostrava, no entender da recorrente, suficiente para a tramitação regular da acção cível.

72. Considera o recorrente que é totalmente admissível o reagendamento do julgamento, designadamente, não por existir no processo qualquer indício de um retardamento intolerável decorrente da tramitação do pedido cível.

73. Esse atraso, que por decorrência da lei não poderá dizer-se intolerável, a dar-se, o que só para efeitos de raciocínio se admite, decorre sim do regime de suspensão de diligências e prazos processuais decorrentes do art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e não de nenhuma questão decorrente do próprio pedido cível.

74. Esse atraso é comum a todos os intervenientes processuais e não pode ser motivo e fundamento para comprimir o direito de alguns deles.

75. De forma que tal le0 de suspensão dos prazos e diligências regulou as questões relativas aos processos crime não urgentes, como é o caso, e ditou a suspensão das diligências a levar a cabo nos mesmos.

76. Ora, sendo o próprio arguido a dar causa, com a sua contestação à acusação pública e ao pedido cível, ao incidente em causa, referido no douto despacho de que se recorre; tendo até requerido e mantido o seu requerimento de prova dessa contestação; e, não tendo promovido a remessa para os meios comuns como podia ter feito, não se vê como possa, a posteriori prevalecer o princípio de celeridade na definição da sua posição penal.

77. Já quanto ao aqui recorrente, também a lei a protege, ao impor que deve ver a sua situação definida com brevidade, como decorre do art. 6.º da CEDH e art. 20.º, n.º 4 CRP, como decorre do próprio princípio da adesão, do princípio da concentração e imediação da prova, do interesse no evitar contradição de julgados e da regra da competência do Tribunal a quo para julgar todas as questões em causa – a cível e a penal – não podendo injustificadamente, salvo o devido respeito que é muito, demitir-se da sua função de julgar.

78. De facto, em concreto, não só nenhuma questão suscitada no pedido de indemnização civil do recorrente (tanto que não requereu aquele, naquele, nenhum incidente ou prova que retardasse os autos) inviabiliza uma decisão rigorosa por parte do Tribunal como não influencia a complexidade da prova a produzir.

79. Por outro lado, os factos em apreço remontam há quase seis anos, não se podendo imputar o atraso na realização do julgamento à dedução do pedido de indemnização civil.

80. Nada justificaria, neste momento, a remessa para os meios comuns, senão o tornar ainda mais acentuada a espera do recorrente por uma definição da sua situação jurídica, a angústia e ansiedade por Justiça e por uma decisão definitiva quanto aos factos em causa nos autos e suas consequências jurídicas (cíveis e penais), por parte do aqui recorrente.

81. O processo contém todos os elementos para que se venha a conhecer desse pedido de indemnização cível, cujas questões controvertidas são as mesmas que são objecto da acusação e, consequentemente dizem respeito a uma decisão de cariz criminal.

82. Pelo que, salvo o devido respeito que é muito, não se aceita e expressamente se impugnam todos os argumentos e fundamentos da decisão recorrida por não existem, como vimos, questões relativas ao pedido cível susceptíveis de gerar incidentes que levem ao retardamento intolerável do processo penal.

83. O despacho ora recorrido não resolve o problema a jusante ou a montante, servindo apenas para entorpecer ainda mais as pendências da justiça nos presentes autos, além de suscitar eventuais várias novas acções, que na prática já estão intentadas e que podem ficar resolvidas nos presentes autos.

84. Depois, importa reter que os factos em apreço nos autos remontam a 9 e 10 de Abril de 2015, não se podendo imputar o atraso na realização do julgamento à dedução do pedido de indemnização civel nos presentes autos pelos motivos já expostos e demonstrados dos autos supra.

85. Efeito diametralmente oposto se obteria caso se viesse ordenar, ora, a remessa das partes civis para o tribunal civil, volvidos que se mostram quase seis anos desde a ocorrência dos factos.

86. Ao que acresceria - com a dedução do pedido em separado - o desperdício de meios e custos e o risco de julgados contraditórios.

87. Ao contrário do que vai plasmado no douto despacho, tem de concluir-se que a matéria constante do pedido de indemnização cível da demandante deve ser analisada em sede do processo penal, pelo que não existe razão para esse reenvio.

88. Merecendo reparo o despacho recorrido, nos termos melhor constantes do presente recurso, o qual violou os seguintes preceitos legais: artigos 7.º, 71º, 72.º e 82º nº 3 do CPP; art. 6.º da CEDH e art. 20.º, n.º 4 CRP, .

89. Pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, revogar-se o despacho em crise e o reenvio aos meios comuns determinado pelo mesmo, determinando-se que seja ordenada a prossecução dos presentes autos penais com apreciação em simultâneo do pedido de indemnização cível, remarcando-se a audiência de julgamento com data para a audição das testemunhas indicadas quanto ao pedido cível e demais prova, o que se requer.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO PELO DEMANDANTE CIVIL, E, CONSEQUENTEMENTE, DEVERÃO V. EXAS. REVOGAR O DESPACHO ORA RECORRIDO E O REENVIO AOS MEIOS COMUNS DETERMINADO PELO MESMO, BEM COMO DETERMINAR QUE SEJA ORDENADA A PROSSECUÇÃO DOS PRESENTES AUTOS PENAIS COM APRECIAÇÃO EM SIMULTÂNEO DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL, REMARCANDO-SE A AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO COM DATA PARA A AUDIÇÃO DAS TESTEMUNHAS INDICADAS QUANTO AO PEDIDO CÍVEL E DEMAIS PROVA, PROSSEGUINDO OS AUTOS OS SEUS TERMOS ATÉ FINAL.

FAZENDO-SE ASSIM, COMO É DE USO, INTEIRA, SÃ E COSTUMADA JUSTIÇA!


*

O Ministério Público respondeu a ambos os recursos interpostos nos seguintes termos (transcrição):

“ (…) Uma vez que a matéria versada no recurso é meramente civil e se funda no julgamento do pedido de indemnização civil em separado, o Ministério Público carece de legitimidade interpor/responder ao recurso interposto.”


*

No Tribunal da Relação, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer nos seguintes termos (transcrição):

“Não existe circunstância que obste ao conhecimento do recurso, que foi interposto dentro do prazo. O Ministério Público tem legitimidade e interesse em agir. O regime que lhe foi atribuído é de manter e não se vislumbra fundamento para a rejeição.


*

A assistente/demandante (...) e o demandante (...) interpuseram recurso do despacho do Mmº Juiz do Juízo local criminal de Beja que determinou a tramitação em separado do pedido de indemnização formulado contra o arguido/demandados nos presentes autos.

Optámos por tratar em conjunto as questões neles levantadas, por se nos afigurarem essencialmente idênticas.

Questão Prévia

Permitimo-nos discordar do parecer expendido pelo Ministério Público em 1ª instância na sua resposta, segundo o qual a matéria trazida à discussão neste recurso tem natureza meramente civil, carecendo por isso o Ministério Público de legitimidade para se pronunciar.

Não nos parece que seja bem assim.

O recurso não incide sobre qualquer questão suscitada pelo mérito do pedido enxertado no processo penal. O recurso incide sobre uma determinada interpretação de factos e sua subsunção a determinados preceitos do direito processual penal, sobre os quais o Ministério Público tem toda a legitimidade para se pronunciar. É sobre a verificação de certos pressupostos e regras do direito processual penal que somos chamados a emitir o nosso parecer e não sobre o reconhecimento dos direitos subjectivos das partes no âmbito do pedido cível. Essa é outra questão.

Até por que a eventual procedência do recurso não deixará de ter implicações – maiores ou menores – no andamento do processo penal.


*

Posto isto, que dizer sobre o mérito dos recursos?

Como se pode verificar o despacho recorrido funda-se na existência de vários demandados, na intervenção de terceiros e inúmeras excepções dilatórias e peremptórias na proximidade da audiência de julgamento penal; na maior extensão dos meios de prova cíveis face à causa penal; desvirtuamento da tramitação específica processual penal com a profusão e desdobramento de novos articulados e respectivas “respostas”; limitação dos meios de prova na acção cível conexa com a penal e sua maior latitude na acção cível, permitem considerar que as questões suscitadas quer no petitório cível, quer nas contestações dos demandados - aconselham o reenvio de todas as partes para os meios comuns cíveis, justamente porque as questões levantadas não só protelam o andamento da causa penal como impedem uma cabal e rigorosa decisão dos pedidos formulados e adequada exercitação dos meios de defesa que às partes incumbe e que ao tribunal cabe assegurar em toda a sua extensão.

Salvo melhor entendimento tais fundamentos não nos convencem.

Como tivemos ocasião de dizer numa situação em tudo semelhante a esta:

“Como abundantemente tem sido defendido pelos nossos tribunais superiores – vd. Ac,s da RP de 22/05/09 e de 24/10/12; Ac. da RC de 11/09/13 e Ac. da RL de 02/12/09, in CPP – pág. da PGRL, entre outros – só circunstâncias excepcionais poderão fazer operar a separação das duas instâncias, remetendo as partes para os meios civis, impedindo-se desta forma a obtenção de uma visão de conjunto e os inerentes ganhos em termos de eficácia e celeridade processuais.

Desde logo, por que entre nós vigoram os princípios da suficiência do processo penal – artº 7º do CPP- e da adesão – artº 77º - apenas sendo admissível o pedido em separado nos estritos limites do artº 72º do CPP.

Para determinar se a decisão recorrida é a mais adequada e respeita os critérios do artº 82º nº 3 nada como analisar os seus fundamentos:

Em primeiro lugar a existência de vários demandados, a intervenção de terceiros e inúmeras excepções dilatórias e peremptórias, que são ou poderão vir a ser invocadas não se nos afigura, só por si, susceptível de gerar incidentes que venham a atrasar intoleravelmente o processo penal.

Qualquer pedido de indemnização enxertado no processo penal é susceptível de provocar um acréscimo de tramitação. O que é necessário para fundamentar a decisão de o afastar da tramitação regra imposta pelo artº 71º do CPP é que esse acréscimo seja de tal forma desproporcionado – intolerável no dizer da lei – que produza efeitos nefastos no próprio processo penal atrasando-o significativamente.

E este, apesar de tudo e por aquilo que se expõe nos recursos e com os quais concordamos, não nos parece que seja o caso.

Repare-se que o Mmº Juiz revela até uma certa parcimónia ao qualificar a tramitação conjunta dos pedidos cíveis e da acção penal como apenas desadequada e não como, na expressão da lei, intolerável.

Concluímos assim que, neste segmento da decisão, o Mmº Juiz não tem razão.

Por outro lado, não podemos deixar de reconhecer algum fundamento quando se alega que o poder reconhecido ao titular do processo, de afastar o pedido cível da tramitação conjunta, deverá ser exercido no momento em que tal pedido é formulado – artº 82º nº 1 do CPP – e não em momento posterior, quando da apresentação da contestação. Ora os pedidos formulados pelos demandantes foram aceites, pelo que é legítimo concluir que se entendeu que estes, só por si, não eram susceptíveis de inviabilizar uma decisão rigorosa.

Mas nem sequer as questões levantadas na contestação o são. Nem tampouco a intervenção de terceiro.

Mais, como vem alegado em recurso, poderia ter sido obviado em tempo a necessidade de eventual adiamento do julgamento, não podendo tal ónus ser imputado à conduta dos demandantes ou às implicações dos temas abordados nos dois pedidos.

Reconhecemos que o respeito pelo princípio da adesão – solução que o legislador tomou como mais adequada – tem implicações no processo penal que se traduzem num ónus acrescido para o julgador, obrigando-o a realizar, por assim dizer, dois julgamentos num só. Mas essa é uma opção com a qual temos de nos conformar excepto quando, pela análise do próprio pedido, se constate que são tantas e tão complexas as questões levantadas que muito dificilmente o processo penal será decidido em tempo razoável. Nesse caso haverá como que uma distorção do próprio procedimento penal, sobrepondo-se a questão cível, com a inevitável desvirtuação daquele.

Quer-nos parecer que não será este o caso.

Repetimos, pela identidade das duas situações, o que dissemos a este propósito em momento anterior:

“Ora da análise que fazemos deste excerto do processo uma coisa temos como razoavelmente certa: não foi por culpa das partes civis e dos incidentes gerados pelos seus pedidos que o processo se atrasou! De facto, desde 2015 até ao presente – e mesmo assim com as reservas supra-referidas – só durante o período que medeia entre 10 de Fevereiro de 2020 e 16 de Julho do mesmo ano se pode imputar alguma responsabilidade aos demandantes. E isto sem ter em consideração a situação excepcional de confinamento e suspensão dos prazos judiciais, do conhecimento de todos e que contribuiu para um não despiciendo atraso na tramitação dos processos.

É verdade que o argumento da possível prescrição do procedimento criminal não é de desprezar.

Mas seria muito injusto – seria mesmo faltar à verdade – se tais atrasos fossem imputados aos percalços do pedido cível. E é nesta base de raciocínio que a questão deve ser equacionada, uma vez que é pressuposto da decisão, no respeito pelo enquadramento legal do nº 3 do artº 82º, que o intolerável atraso se deva a incidentes do pedido de indemnização

Não foram estes incidentes os responsáveis pelo atraso do processo, manifestamente.

Pelo exposto afigura-se-nos que assiste razão ao recorrente devendo as duas instâncias ser tramitadas de acordo com as regras previstas nos artºs 7º e 71º do CPP.”

Finalmente não nos podemos esquecer das inúmeras vantagens para as partes, mas também para o sistema de justiça, para a sua credibilidade e coerência, na realização conjunta do julgamento do facto criminoso e do facto gerador da responsabilidade civil. E por uma razão simples verificada à saciedade neste processo – a sua identidade!

Continua a ser esta a nossa posição neste processo. Há fundamento para manter em vigor “in casu” o princípio da adesão previsto no artº 71º do CPP.

Esta é a regra e só em condições excepcionais deverá ser derrogada.


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O despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que determine a tramitação conjunta da acção penal e do pedido cível.”

*

Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada qualquer resposta.

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Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

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Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

Nos termos do disposto no art.412º, nº1, do C.P.P., e conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no art.410º, nº2, do C.P.P., mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, págs.74; Ac.STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, págs.96, e Ac. do STJ para fixação de jurisprudência de 19.10.1995, publicado no DR I-A Série de 28.12.1995.

São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação dos recursos, a questão suscitada traduz-se em saber se o despacho recorrido deverá (ou não) ser revogado e substituído por outro que determine a tramitação conjunta da ação penal e do pedido cível.


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Apreciando

Nos termos do disposto no artigo 129.º do Código Penal a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

Como se extrai do artigo 71.º do Código de Processo Penal o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, consagrando, como regra, o princípio da adesão obrigatória da ação cível ao processo penal e como exceção a dedução da ação cível fora do processo penal, encontrando-se as exceções a tal princípio da adesão previstas no artigo 72.º do mesmo Código de Processo Penal.

Com efeito, dispõe o referido artigo 71.º, sob a epígrafe “Princípio de adesão”, que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, dispondo o artº. 82 do mesmo Código que se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal( 1); pode, no entanto, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, estabelecer uma indemnização provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e conferir-lhe o efeito previsto no artigo seguinte (2); o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal (3).

Como resulta da disposição do artigo 71º supra transcrito, consagra o nosso ordenamento jurídico, o princípio da adesão obrigatória no sistema processual.

Optou, assim, o legislador por conhecer e decidir, em princípio, a ação penal e o pedido cível num único e mesmo processo, consagrando uma adesão obrigatória do mecanismo civil ao penal.

A interdependência das ações significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objeto), sendo a ação penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a ação civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (artigo 129º do Código Penal) nos respetivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das ações significa, pois, independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da ação cível ao processo penal (cfr. Ac. STJ de 10/07/2008, www.dgsi.pt).

Como refere Germano Marques da Silva, «Sucede é que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo».

Com o exercício da ação civil o que está em causa no processo penal é o conhecimento pelo tribunal de factos que constam da acusação e do respetivo pedido de indemnização e que, consequentemente, são coincidentes no que refere á caracterização do ato ilícito. Atributo próprio do pedido cível formulado será o conhecimento e a definição do prejuízo reparável.

O itinerário probatório é exatamente o mesmo no que toca aos factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo, apenas, que acrescentar que em relação a esta há, ainda, que provar os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito

Ou seja, com a consagração do princípio da adesão resolvem-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos. Por outro lado, salienta-se a manifesta economia de meios uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos quando afinal o tribunal a quem se atribuiu competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime.

Vejamos, então, se deve ou não ser confirmada a decisão de remeter as partes civis para os meios comuns.

Como já se disse vigora no nosso Código de Processo Penal o princípio de adesão, de acordo com o qual o pedido civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só podendo sê-lo em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (artigo 71º do CPP).

É esta, por assim dizer, a regra a observar. Sucede, porém que a lei para além de dar ao lesado a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, deduzir em separado o pedido civil, concede também ao tribunal a possibilidade de oficiosamente, ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando:

a) as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa; ou

b) foram suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal (artigo 82º, nº 3 do CPP).

De acordo com o nº3 do art. 82º do CPP, o tribunal pode – oficiosamente ou a requerimento – decidir interromper a tramitação do pedido de indemnização civil no processo penal, levando a que o lesado tenha que instaurar a respetiva ação nos tribunais civis para ver apreciado e decidido o seu pedido, quer se trate de caso abrangido pela obrigatoriedade de adesão, quer estejamos perante uma das hipóteses em que o lesado podia ter optado pela jurisdição civil.

O art. 82º nº3 do CPP prevê dois tipos de situação em que tal pode ocorrer, atendendo a razões distintas. Por um lado, acolhe a ideia que a adesão do processo civil ao processo penal não pode sacrificar as exigências específicas do processo penal, nem os valores que lhe estão subjacentes, pelo que o reenvio para os tribunais civis visará evitar o retardamento excessivo do processo penal. Por outro, admite que se ponha termo à junção das duas ações, civil e penal, quando as questões suscitadas pelo pedido cível inviabilizem a sua decisão rigorosa no processo penal.

Atribui-se, assim, ao tribunal o poder-dever de assegurar que o processamento conjunto da ação civil e da ação penal não ponha em causa a prossecução das finalidades próprias de cada um dos respetivos processos, independentemente da iniciativa das partes civis ou dos sujeitos do processo penal, máxime o Ministério Público ou o arguido.

O retardamento intolerável do processo penal pode resultar, assim, de o atraso provocado pelo processamento conjunto da ação civil pôr em causa a efetividade da pretensão punitiva do Estado, nomeadamente por comprometer a produção de provas essenciais em tempo útil; pode igualmente resultar de o atraso comprometer significativamente o dever de o Estado assegurar, no processo penal, os direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente do arguido, máxime o seu direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa; por último, pode o atraso colocar em crise a última das finalidades primárias do processo penal: o restabelecimento da paz jurídica comunitária ou paz social, particularmente relevante em crimes especialmente graves, designadamente quando se trate de crimes contra as pessoas.

“Trata-se de uma manifestação da natureza jurídica civilística da relação processual do enxerto, consagrando-se a sua autonomia, a qual se comprime e reduz quando há que dar prevalência aos interesses perseguidos pelo processo penal, mas que sempre se reafirma quando cessam as razões que fundamentam a aderência (cfr. José Costa Pimenta in CPP, anot, 2ª edição, Rei dos Livros, 267). Trata-se, no dizer do mesmo autor, de uma válvula de segurança destinada a evitar a falência prática do sistema de adesão.

Retomando a orientação do artigo 82º nº 3 do CPP, já vimos que o juiz, numa decisão que não pode ser arbitrária ou discricionária, só pode remeter as partes para os tribunais civis se entender que não tem condições de decidir rigorosamente a questão civil, ou se houver o risco de atrasar intoleravelmente a decisão a proferir nos autos.

No caso sub judice imputa-se ao arguido a prática de factos que remontam ao ano de 2015, descritos no despacho de pronúncia, e se reportam a eventual responsabilidade criminal fundada na prática de actos médicos no âmbito da sua actividade profissional de médico, e o tribunal recorrido fundamentou assim a decisão de remeter as partes para os meios comuns:

” Ora, como é fácil constatar dos extensos articulados já constantes dos autos no que à vertente cível diz respeito, a intervenção de entidade terceira acima indicada tem essa virtualidade de retardar, previsivelmente, o desejado andamento célere do processo penal.

Com efeito, para além da extensão e alguma complexidade das questões cíveis a apreciar e já suscitadas ( note-se a variedade de documentos bem como a extensão dos articulados e dos meios de prova requeridos, máxime testemunhal), a eventual decisão de chamar a juízo, para contestar o pedido inicialmente formulado, bem como para tomar posição sobre as questões constantes das contestações implicaria a produção e profusão de outros articulados e respectivas respostas que, previsivelmente, desvirtuaria, em muito, o andamento do processo penal em curso, o arrastaria para adiamento de audiência de julgamento para data muito posterior (dado que a data já agendada é incompatível com o exercício do contraditório entre demandantes, demandados cíveis e chamados) e remeteria para segundo plano o julgamento penal, manipulando-o, em virtude da variedade de questões cíveis a apreciar e meios de prova a produzir no que à vertente cível respeita, o que arrastaria, porventura em vários meses, injustificadamente, a causa penal, considerando que os factos datam já de 2015 (em sentido muito próximo, nos seus pressupostos de oportunidade de reenvio para os meios comuns, o Ac. da RP de 15.06.2011, José Piedade, www.dgsi.pt/jtrp).

Acresce que se desconhece qual a duração da suspensão dos prazos dos processos não urgentes anunciada pelo Primeiro-ministro no pretérito dia 21 de Janeiro de 2021, o que implicará o protelamento do prazo para os demandantes responderem às excepções invocadas.

Todas estas são circunstâncias que desaconselham o julgamento do pedido cível e seus incidentes no processo penal.

Destarte, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando a cadência de intervenção dos demandantes e demandados civis na causa e os aspectos de forma a observar no seu desenvolvimento processual, confluindo todo o processo para o momento principal: a audiência de julgamento (Ac. do STJ de 08.02.2001, Simas Santos, www.dgsi.pt/jstj). A acção cível assumirá no processo penal – sempre – uma natureza acessória, subalterna, secundária em face dos interesses almejados e a proteger no processo penal (Ac. do STJ de 11.10.2001, Pereira Madeira, www.dgsi.pt/jstj). O interesse público na celeridade do processo penal sobrepõe-se ao interesse privado na indemnização pedida, o qual sempre poderá ser tutelado por outra via: os meios comuns civis (Ac. da RL, de 12.11.1997, Rodrigues Simão, www.dgsi.pt/jtrl).

Tendo em conta todas estas circunstâncias entende-se que as pretensões indemnizatórias não podem ser adequadamente apreciadas e decididas no presente processo penal, por não se harmonizar com as regras do processo penal (cf.Ac. da RL de 12.06.2001, Desemb. Adelino Salvado, www.dgsi.pt/jtrl), atenta a sua finalidade, onde sobreleva, como se disse, o valor da celeridade, em ordem à definição do estatuto do arguido.

Estas vicissitudes que as acções cíveis enxertadas despoletaram (em síntese vários demandados, intervenção de terceiros e inúmeras excepções dilatórias e peremptórias (incidentes da instância), proximidade da audiência de julgamento penal; maior extensão dos meios de prova cíveis face á causa penal; desvirtuamento da tramitação específica processual penal com a profusão e desdobramento de novos articulados e respectivas “respostas”; limitação dos meios de prova na acção cível conexa com a penal e sua maior latitude na acção cível o que acautela melhor os interesses das partes), permitem considerar que as questões suscitadas quer no petitório cível, quer nas contestações dos demandados aconselham o reenvio de todas as partes para os meios comuns cíveis, justamente porque as questões levantadas não só protelam o andamento da causa penal como impedem uma cabal e rigorosa decisão dos pedidos formulados e adequada exercitação dos meios de defesa que às partes incumbe e que ao tribunal cabe assegurar em toda a sua extensão.”

Porém, tal conclusão não sustenta suficientemente a opção pela exceção que a remessa das partes para os tribunais civis deve constituir.

Desde logo, porque a lei exige que o atraso no processo penal seja intolerável, isto é, insuportável, inadmissível, inaceitável. E um atraso, mesmo que de alguns meses, não estando o arguido privado de liberdade, de modo nenhum se pode considerar intolerável, tanto mais quanto um eventual atraso acaba por ser compensado com a desnecessidade de intentar um novo processo.

E não é a circunstância de os articulados já constantes dos autos serem extensos, a (eventual) intervenção de entidade terceira, a complexidade das questões cíveis a apreciar, o número de testemunhas a inquirir ou a suspensão dos prazos de atos e diligências que permite concluir pelo intolerável atraso do processo penal, sob pena de, como referem os recorrentes “ (…) pela ordem de ideias do douto Tribunal a quo no despacho recorrido, todas as pretensões indemnizatórias cíveis, teriam de prosseguir em acção cível autónoma, a partir do momento em que viessem a ser contestadas pelos arguidos no uso do seu legítimo direito de defesa e contraditório e no uso dos mecanismos legais ao seu dispor para o efeito, esvaindo de todo o conteúdo o art. 7º e o art. 71º do CPP e tornando estas normas vazias – pois, no seu entendimento de que a acção cível faz um tratamento mais adequado, fornece meios mais adequados e proporciona uma maior segurança, todas as pretensões indemnizatórias seriam excepção, nem que não fosse pelo potencial abstrato de incidentes.”

Mais se dirá que, como os fundamentos do pedido civil são os factos da atividade criminal, não vemos quais as complexidades doutras matérias de cariz civilista que possam ser “adicionais” às questões a decidir na parte penal e que inviabilizem uma decisão correta sobre a procedência ou improcedência dos pedidos indemnizatórios.

Com efeito, no que tange aos pedidos cíveis não vemos qualquer desvantagem. Isto porque nos pedidos cíveis deduzidos não se mostram suscitadas questões que pela sua complexidade ou dificuldade pudessem inviabilizar uma decisão rigorosa. Aqui como na instância cível as condições para o conhecimento dos pedidos são as mesmas.

Quanto ao protelamento do processo penal, que parece ter sido esse o fundamento em que assentou o despacho recorrido, é certo que passaram cerca de seis anos sobre a data dos factos, mas o que decorre dos autos é que o atraso verificado não assentou no surgimento de incidentes que pela sua natureza e complexidade pudessem levar ao retardamento intolerável do processo. Tanto assim é que no momento próprio, quando admitidos os pedidos de indemnização civil, não foi ordenada a remessa para os meios comuns. Por outro lado, como vimos, a remessa para os meios comuns visa precisamente evitar esse intolerável atraso.

Tal remessa, a ocorrer, traria um prejuízo acrescido para as partes, pois que a somar ao retardamento do processo acresceriam as desvantagens da dedução do pedido em separado como o desperdício de meios e custos e o risco de julgados contraditórios.

Conclui-se, pois, que o processamento conjunto da ação civil não retarda intoleravelmente o processo penal (retardamento intolerável que, aliás, o despacho recorrido não invoca, limitando-se a dizer que “ (…) as questões suscitadas quer no petitório cível, quer nas contestações dos demandados aconselham o reenvio de todas as partes para os meios comuns cíveis, justamente porque as questões levantadas não só protelam o andamento da causa penal como impedem uma cabal e rigorosa decisão dos pedidos formulados e adequada exercitação dos meios de defesa que às partes incumbe e que ao tribunal cabe assegurar em toda a sua extensão” (…)Todas estas são circunstâncias que desaconselham o julgamento do pedido cível e seus incidentes no processo penal “), não põe em causa a efetividade da pretensão punitiva do Estado, nomeadamente por comprometer a produção de provas essenciais em tempo útil nem compromete significativamente o dever de o Estado assegurar, no processo penal, os direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente do arguido, máxime o seu direito a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, nem o restabelecimento da paz jurídica comunitária ou paz social, particularmente relevante em crimes especialmente graves, designadamente quando se trate de crimes contra as pessoas.

Assim, no confronto entre as vantagens e desvantagens decorrentes da decisão recorrida, não há dúvida de que estas superam aquelas, tanto mais quanto os demandantes valorizam a circunstância de resolver definitivamente e num único processo a questão. E a remessa das partes para os meios comuns traria um prejuízo acrescido para as partes, pois que, como já dissemos, a somar ao retardamento do processo acresceriam as desvantagens da dedução do pedido em separado como o desperdício de meios e custos e o risco de julgados contraditórios.

Não há, pois, razão para remeter para o tribunal civil a discussão dos pedidos cíveis formulados no processo criminal, devendo o julgamento a realizar proceder também à apreciação dos pedidos cíveis.


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Decisão

Face ao exposto acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedentes os recursos e, consequentemente, revogam a decisão recorrida e determinam que o julgamento a realizar no processo principal abranja a apreciação dos pedidos de indemnização civil formulados nos autos.

Sem custas.

Notifique e comunique, de imediato, à primeira instância.


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Elaborado e revisto pela primeira signatária

Évora, 21 de setembro de 2021

Laura Goulart Maurício

Maria Filomena Soares