PERDA DE INSTRUMENTO DO CRIME
INTERESSE EM AGIR
AMEAÇA
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Sumário


1 - O requerimento do arguido para que as armas apreendidas sejam declaradas perdidas a favor do Estado é um acto processual inútil, porque o perdimento ou não das mesmas não depende da vontade, nem do querer ou deixar de querer do arguido manifestado pelo mesmo.
Assim, o mesmo não tem interesse em agir a esse respeito (artº 401º, nº 2, do C.P.P.), pelo que não pode o mesmo recorrer da parte do acórdão que não declarou as armas perdidas a favor do Estado.

2 – Não faz parte do tipo do crime de ameaça a efectiva lesão do bem jurídico protegido (por isso não é um crime de dano), nem a efectiva colocação em perigo do bem jurídico protegido (por isso não será um crime de perigo concreto), mas também não basta a ameaça com a prática de algum dos crimes a que se reporta o n.º 1 do art.º 153.º do C. Penal, para o preenchimento do tipo.

3 - No que respeita ao tipo do art.º 153.º do Código Penal, exige-se a comprovação no caso concreto, da aptidão genérica das ameaças contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual, para provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação de pessoa determinada.

4 - Se o mal com que se ameaça for de imediato concretizado ou começado a concretizar, deixamos de ter um crime de ameaça para passar a ter o crime em que se concretizou o mal anunciado, praticado na forma tentada ou consumada; assim, é natural que só haverá crime de ameaça se a ameaça não for de imediato concretizada, nisto se traduzindo o requisito da futuridade da ameaça.

5 - Não obstante a quantidade das plantas, substâncias ou preparações envolvidas ter deixado de ser o único critério diferenciador entre o tipo base do crime de tráfico de estupefacientes e o tráfico de menor gravidade, a quantidade de droga traficada, bem como a sua natureza ou o seu grau de pureza, continuam a ser um dos critérios diferenciadores, de forma alguma menosprezável.

Texto Integral


I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo acima identificados, do Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Portimão, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o arguido (...) foi, na parte que agora interessa ao recurso e além doutros arguidos (que são …), condenado pela prática de:
Ø Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão;
Ø Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão;
Ø Um crime de trafico estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos art.º 21.º, n.º 1 e 25.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22-1, na pena de 2 anos de prisão;
Ø Um crime de trafico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22-1, na pena de 6 anos de prisão; e
Ø Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1 al.ª c), da Lei 5/2006, de 23-2, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, pena única de 9 anos de prisão.
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Inconformado com o assim decidido, o arguido (...) interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1) O artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, ao consagrar que a sentença é nula “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, significa, por um lado, que o juiz deve resolver todas as questões que tenham sido submetidas à sua apreciação, bem como aquelas que sejam do seu conhecimento oficioso.

2) Nos presentes autos, o tribunal “a quo” não conheceu do teor do requerimento apresentado pelo arguido em 24 de outubro de 2019, tendo a Meritíssima Juiz Presidente proferido despacho em 25 de outubro de 2019, com o seguinte teor: “Tendo em atenção que existe igualmente um requerimento junto aos autos com o mesmo teor apresentado pelo arguido (...), em que o Ministério Publico ainda não se pronunciou. O Tribunal pronunciar-se-á a final, nomeadamente em sede de acórdão.” “(Ata de Discussão e Julgamento datada de 25 de outubro de 2019).

3) Analisando o conteúdo do acórdão recorrido, verifica-se que em momento algum, o tribunal a quo se pronunciou sobre o requerimento do arguido.

4) Há omissão de pronúncia, quando o tribunal após o acórdão, não se pronúncia sobre um requerimento existente nos autos.

5) É assim manifesto que o douto acórdão, ao não ter conhecido da matéria que deveria ter conhecido, cometeu uma nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal.

6) Padecendo o acórdão da nulidade prevista no artigo 379.º do Código de Processo Penal, deve o acórdão ser declarado nulo e, consequentemente, ser reformado pelo mesmo tribunal, proferindo novo acórdão que supra a omissão apontada.

7) O douto acórdão, ao não se ter pronunciado sobre o requerimento apresentado pelo arguido, violou o artigo 379.º do Código de Processo Penal.

8) O ora recorrente entende que não foi produzida prova suficiente em sede audiência de discussão e julgamento, que sustente a sua condenação pelo crime de ameaça agravada praticado contra o ofendido (…) e pelo crime de ameaça agravada praticado contra o ofendido (…), previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 153º, nº1 e 155º, nº1, alínea a) do Código Penal.

9) E do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1 do DL 15/93, de 22 de janeiro, permitido equacionar o afloramento de erro notório na apreciação da prova.

10) Os elementos com base nos quais o Tribunal “a quo” fundou a convicção de que o arguido praticou os referidos crimes, são manifestamente insuficientes para que se possa concluir pela culpa do mesmo, e pela consequente condenação em cúmulo jurídico a um cárcere de Nove anos a cumprir num Estabelecimento prisional.

11) O Tribunal recorrido formou a sua convicção com base na apreciação crítica, conjugada e em confronto de toda a prova produzida em audiência, que salvo o devido respeito conduziria a uma solução diversa da que se encontra plasmada no douto acórdão.

12) O recorrente considera que relativamente aos crimes de ameaças agravadas a matéria dada como provada deveria ter sido dada como não provada, mais precisamente, parte do primeiro parágrafo, onde se refere “…… conhecido pela alcunha de "(...)" …………. e uma vez no seu interior dirigiu-se ao ofendido (...) e num tom sério e firme proferiu, entre outras, a seguinte expressão: «eu mato-vos»”;

13) Bem como parte do segundo parágrafo, onde se refere “… As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (…), revestiram foros de seriedade e provocaram no ofendido (…)l receio, medo e inquietação, fazendo- o recear pela sua integridade fisica e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança.”;

14) O terceiro parágrafo, onde se menciona” …. e tal como já havia feito em pelo menos duas ocasiões anteriores a esta, cujas datas concretamente não se lograram apurar, num tom sério e grave disse-lhe entre outras coisas "dou-te um tiro que te mato." e o quarto parágrafo, onde se lê “As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) revestiram foros de seriedade e provocaram no ofendido (…) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade fisica e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança.” .

15) A testemunha (...) (em cujo depoimento se baseou o tribunal a quo para dar como provados estes os factos), conforme segmentos transcritos na motivação, nunca disse que conhecia o ora recorrente pela alcunha de “(...)”, aliás em todo o seu depoimento referiu-se SEMPRE ao arguido pelo seu nome, (...).
16) A testemunha também nunca disse que o arguido proferiu a expressão “eu mato-vos” num tom sério e firme, aquilo que a testemunha disse é que o arguido quando entrou no bar à procura do segurança e terá dito “Que ia dar um tiro na cabeça do segurança. Que dava um tiro a toda a gente e a mim” e que “achava que estava a falar a sério”.

17) Ou seja, e em bom rigor, o arguido nunca proferiu a expressão «eu mato- vos»!!!

18) O depoimento da testemunha (...), por mais coerente que se mostre (como referem as Exmªs Juízes na “motivação da decisão de facto” constante do acórdão revivendo), não chega, atento o modo como foi prestado, para dar como assente, sem existência de legítima dúvida, que as palavras proferidas pelo arguido provocaram, efetivamente, no ofendido (...), receio, medo e inquietação, fazendo-o até recear pela sua vida e afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança (factos constantes do 2º parágrafo da matéria de facto dada como provada no acórdão).

19) Aquilo que a testemunha disse é que lhe pareceu que o arguido estava a falar a sério. Mais nada conseguiu esclarecer a testemunha.

20) É a testemunha que também diz que o arguido foi embora e que posteriormente resolveu a situação com ele e ficou tudo bem. Ora, se tivesse medo do arguido, certamente não se encontrava com ele para resolver as coisas!

21) Inexistindo qualquer outro meio de prova, para além do depoimento da testemunha (…), (depoimento contendo as fragilidades acima enunciadas) entendemos não ser de dar como provados tais factos.

22) O douto acórdão de que ora se recorre, entre outros, e com interesse para a decisão da causa, deu como factos dados como provados no âmbito do crime de ameaça agravada praticada contra o ofendido (...), no terceiro e quarto parágrafos, conforme transcrição efetuada na motivação de recurso.

23) A prova dos factos imputados ao arguido no parágrafo 3 e 4 da matéria de facto dada como assente no acórdão sub judice assenta unicamente no depoimento da testemunha (...), conforme trechos transcritos na motivação.

24) O depoimento da testemunha (…) levanta-nos muitas dúvidas e reservas, até porque foi hesitante, incongruente, inseguro, contraditório, impreciso, tal como demonstraremos, não chegando, só por si, e face à ausência de outro meio de prova para além do depoimento da referida testemunha, para a operada condenação do arguido/recorrente.

25) A testemunha (…) depois de ter afirmado, várias vezes, que não se recordava de ter acontecido nada relacionado com o arguido, acabou por dizer que um dos arguidos “foi lá e ameaçou o …”, sem sequer identificar que arguido foi em concreto (de realçar que que para além do arguido/recorrente estavam mais dois arguidos presentes em audiência de discussão e julgamento) e sem sequer mencionar que ele próprio tivesse sido alvo de qualquer ameaça.

26) A testemunha referiu posteriormente que o arguido “lhe chamava nomes, que batia e acontecia”, sem concretizar uma única expressão descrita no libelo acusatório.

27) A testemunha foi insistentemente instada a relatar episódios de que tivesse conhecimento direto ao ser vítima dos mesmos, que permitissem concluir, que o arguido lhe proferiu alguma das expressões descritas na acusação.

28) Respondeu sempre de forma vaga, dizendo que o arguido lhe chamou nomes, mas depois acrescentou que o arguido disse que lhe matava a ele e ao (...) e que o arguido numa das ocasiões que foi ao referido bar, lhe disse que ele estava a olhar para a sua mulher, sendo que essa foi a primeira vez que teve um problema com o recorrente, mas na verdade esta expressão não constitui qualquer ilícito criminal.

29) Mais uma vez instado sobre os referidos episódios que tivessem ocorrido entre si e o arguido, esta testemunha já referiu que numa outra vez o arguido disse que lhe matava e chamou-lhe nomes, mas também disse que “ o coiso dele é querer dar um tiro”, mas que isso não o afetou, nem teve receio porque “na noite dizem tudo e mais alguma coisa”.

30) Só quando o Procurador da República lhe leu aquele episódio da acusação é que a testemunha (constante do terceiro parágrafo da acusação) afirmou ter sido ameaçado.

31) Estando em causa um crime de ameaça agravada, um episódio de tal natureza e relevância seria das primeiras situações que uma testemunha relataria espontaneamente em tribunal, sobretudo quando essa testemunha é a própria vítima.

32) Esta testemunha, como se disse, não relatou espontaneamente este episódio, não obstante as diversas insistências feitas para contar todo o sucedido consigo.

33) Qualquer confirmação tardia deste episódio não deverá merecer, por isso, do tribunal credibilidade.

35) Da audição do depoimento da testemunha não se pode extrair a factualidade em causa.

36) A expressão dada como provada no terceiro parágrafo dos factos dados como assentes “dou-te um tiro que te mato” nem sequer foi referida pela testemunha como tivesse sido proferida pelo arguido, em nenhuma das ocasiões que o recorrente esteve presente no referido bar, pelo que parte do terceiro parágrafo dos factos dados como assentes “ ……… quando se dirigiu ao ofendido (...) e tal como já havia feito em pelo menos duas ocasiões anteriores a esta, cujas datas concretamente não se lograram apurar, num tom sério e grave disse-lhe entre outras coisas "dou-te um tiro que te mato." deveria ter sido dado como não provado.

37) É também a testemunha que refere que nunca teve medo do arguido, nem receio e que na “noite dizem tudo e mais alguma coisa”, pelo que o parágrafo quarto foi incorretamente dado como assente, devendo ser dado como não provado.

38) Nenhum dos efeitos psicológicos dados como assentes no parágrafo quarto, a saber “receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança” foi dado como provado.

39) O Tribunal não deve julgar com base em suposições e incertezas, mas sim com base em prova que seja segura, lógica e coerente, o que não sucedeu nas declarações prestadas pela testemunha (...).

40) O recorrente considera que o parágrafo quinto da matéria de facto dada como provada, na parte onde refere …. o arguido (...) tinha na sua posse, mais concretamente, na sua residência…. os seguintes produtos e objectos – NUIPC 57/18.8GEPTM- cfr. auto de busca e apreensão de fls. 182 e ss “, foi incorretamente dado como provado.

41) O recorrente que tudo o que foi encontrado fora do seu quarto (conforme declarações que prestou), onde se inclui quer os objectos, quer o produto estupefaciente apreendido não era seu.

42) O que foi encontrado (objectos e produto estupefaciente) dentro de uma mochila no chão junto ao móvel da sala, da casa da sua mãe, (…), local onde também residia à data dos factos, para além do arguido, a sua mãe, proprietária do imóvel, a sua companheira, (…) e, temporariamente, (…) não lhe pertencia.

43) O arguido prestou declarações sobre estes factos, confessandos os factos verdadeiros e negando a prática dos outros factos que lhe eram imputados, conforme passagens da gravação que se transcreveram na motivação.

44) A testemunha (...) afirmou ser o proprietário quer da referida mochila (que se encontrava no chão junto ao móvel da sala), quer do produto estupefaciente e objectos que se encontravam no seu interior, conforme segmentos que se transcreveram na motivação de recurso.

45) (…), proprietária do imóvel e mãe do arguido, (…) confirmaram que a testemunha (…) esteve em sua casa da mãe do arguido a dormir nesse período, conforme segmentos que se transcreveram na motivação de recurso.

46) Não há nenhuma prova que suporte que o arguido tinha na sua posse os produtos e objectos melhor discriminados no parágrafo quinto dos factos dados como assentes.

47) Que provas que suportam a presente conclusão?

48) Foi apenas com base no auto de busca e apreensão de fls. 182 e seguintes (sem mais) que o tribunal de primeira instância deu como provado o facto constante no parágrafo quinto da matéria de facto dada como provada na sentença revidenda.

49) Temos uma testemunha que, em plena audiência de julgamento assumiu ser o proprietário quer da referida mochila, quer do produto estupefaciente que a mesma continha, referindo também que o mesmo se destinava quer ao seu consumo, quer à venda.

50) Na verdade, nada foi apreendido na posse do arguido!

51) A testemunha (…), conhecia claramente as características dos produtos estupefacientes que se encontravam na referida mochila, bem como inclusivamente os objectos que se encontravam no seu interior, e que são usados habitualmente para pesar produtos estupefacientes, chegando ao ponto de os concretizar em termos numéricos.

52) O parágrafo quinto impõe decisão diversa da recorrida, devendo o mesmo ser dada como não provado por erro notório na apreciação crítica da prova produzida em julgamento.

53) O recorrente considera que os parágrafos décimo, décimo primeiro e décimo segundo dos factos dados como provados foram incorretamente julgados e devem ser dados como não provados.

54) Inexiste qualquer meio de prova (testemunhal ou documental) para imputar ao arguido a venda de produtos estupefacientes!

55) Inexiste qualquer meio de prova para imputar ao arguido a distribuição de produtos estupefacientes!

56) Inexiste qualquer meio de prova para imputar cedência a terceiros de produtos estupefacientes!

57) Inexiste qualquer meio de prova para imputar que o arguido tenha adquirido um “diferencial” com elevada expressão económica!

58) Não lhe são reconhecidos sinais de riqueza.

59) O acórdão recorrido nem sequer especifica desde quando tiveram lugar essas vendas, distribuição e cedências, se desde há meses ou anos.

60) Apenas afirma que destinava os produtos estupefacientes à venda, distribuição e cedência, sem se especificar desde quando, qual o modus operandi, a quem em concreto eram feitas as vendas, se a um número restrito ou elevado de pessoas, que quantidades eram transacionadas, que tipos, qualidades de substância eram vendidas e se era em “pontos certos e determinados”, como refere o acórdão, porque não concretizar?

61) O que consta da motivação nada adianta relativamente a meios de prova com base nos quais se pudesse chegar a tal conclusão, porque, na realidade os mesmos são, como se disse anteriormente inexistentes.

62) Deverão estas imputação genéricas, correspondentes aos parágrafos 10, 11 e 12 dos factos dados como provados, serem dadas por não escritas e, consequentemente dados como não assentes por erro notório na apreciação crítica da prova produzida em julgamento.

63) O arguido se presume inocente enquanto não for provado o contrário, não lhe competindo provar essa sua inocência, beneficiando do princípio in dubio pro reo, que subsidiariamente se invoca.

64) O recorrente considera que o Tribunal a quo fez errada apreciação e interpretação da prova produzida nos autos e, consequentemente, errada aplicação do Direito aos factos, violando o douto Acórdão recorrido, entre outros, o disposto nos artigos 32º, nº2 da C.R.P., art.º 127°, 355º, 410, nº2, alínea c) do C.P.P..

65) O Tribunal descurou, sublinhe-se totalmente, o circunstancialismo em que os factos ocorreram, ou seja que o arguido era à data dos factos ( ocorridos a 19/07/2018 e 29/11/2018) um consumidor excessivo ou abusivo de canabinóides, consumindo uma média de 75 a 85 gramas de canábis, por dia.

66) Esta agravante que relaciona-se com a adoção de hábitos de consumo de produtos de estupefacientes, a marcar toda a sua trajetória de vida, desde a adolescência, conforme declarações do arguido, de (…) (psicólogo clínico da Instituição GRATO), da sua irmã (…) e da sua companheira (…) (conforme segmentos que se transcreveram na motivação de recurso), do relatório social do arguido constante dos factos dados como provados e ainda conforme documento nº 4 junto aos autos com a contestação ( o qual refira-se nem foi tido em consideração pelo tribunal a quo).

67) Houve por parte do tribunal a quo uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na medida em que, deveria ter ficado igualmente apurado e provado, que “O arguido é consumidor excessivo de canabinoides, consumindo uma média de 75 a 85 gramas de cannabis, por dia.”

68) O acórdão recorrido incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto na alínea a) do nº2 do artigo 410º do CPP, devendo ser determinado o reenvio do processo para novo julgamento relativo à totalidade do objecto do processo com a questão concretamente identificada na decisão de reenvio, caso não seja possível, o tribunal ad quem decidir a causa, nos termos do disposto no nº1 do artigo 426º do CPP.

69) Sem prescindir das questões prévias invocadas, e dos vícios relativos à matéria de facto, e subsidiariamente, resta-nos, tirar as devidas consequências da alteração à matéria de facto provada e não provada consignada no acórdão recorrido.

70) Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, baseada unicamente no depoimento da testemunha (...), não se pode dar como provados os factos descritos nos parágrafos 1º e 2º da matéria de facto da como assente, devendo o arguido deve ser absolvido do aludido crime de ameaça agravada, p e p. pelos artigos 153º, nº1 e 155º, nº1 alínea a) do Código Penal, pelo qual foi condenado.

71) O que se pode extrair das declarações da testemunha (...) é que o arguido naquele local, dia e hora constantes do libelo acusatório disse “Que ia dar um tiro na cabeça do segurança. Que dava um tiro a toda a gente e ao (...)”.

72) Esta expressão para além de não constar da acusação ( referente ao ofendido (...)), também não contém qualquer facto concreto, no sentido de as pessoas supostamente visadas pelas frases reproduzidas, mais concretamente o segurança, as tenha percecionado, é que para além de nenhum segurança se encontrar no local naquele dia e hora, ( o ofendido estava sozinho) portanto não sabemos sequer quem eram os seus destinatários.

73) O artigo 283º nº 3 alíneas. b) e c) do Código de Processo Penal estabelece que a acusação terá de conter, sob pena de nulidade, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis.

74) De acordo com a estrutura acusatória do processo, consagrado no nº 5 do artigo 32º da CRP, é a acusação que define o objeto de processo, tanto no plano pessoal, dirigindo a ação penal contra um ou mais arguidos determinados, como no dos factos imputados ao arguido e da respetiva qualificação jurídica.

75) Em face da publicação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015 a falta de indicação de factos integradores, seja do tipo objetivo de ilícito, seja do tipo subjetivo de ilícito, implica o não preenchimento, a perfeição, do tipo de ilícito incriminador, e deve, forçamento, conduzir, à absolvição do arguido uma vez que verificado em audiência de julgamento.

76) Tal matéria de facto também não poderia ser dada como provada, tal como se apresenta, porque seria atípica em relação à disposição do nº 1 do artigo 153º CP, o que também acarretava a absolvição do arguido do crime por que foi condenado em primeira instância e teve como ofendido (...).

77) O Tribunal a quo baseou-se sem mais no depoimento de (…), o qual não revelou qualquer credibilidade, para efeitos de integração dos requisitos típicos do crime de ameaça agravada em que este foi ofendido, p e p. pelos artigos 153º, nº1 e 155º, nº1 alínea a) do Código Penal, o arguido também deverá ser absolvido.

78) Mesmo que assim se não entenda, o que só por mera razão o raciocínio admite, quanto ao crime de ameaça agravada praticado contra (...) e (...), o comportamento do arguido dado como provado também impunha sempre a sua absolvição, por não se encontrarem verificados os elementos constitutivos, de natureza objetiva, do crime de ameaça imputado ao arguido.

79) A inverificação do crime de ameaça assenta no facto do mal anunciado ser iminente e não futuro, como exige o tipo legal em causa.

80) O comportamento do arguido dado como provado em relação aos ofendidos (...) e (...) não se projeta no futuro, o mal (causar a morte) não aparece em termos de ocorrer no futuro, mas é antes iminente, atual, sendo que o arguido, após ter proferido tais palavras, nada o impede que esse mal forçamente ocorra, logo após o arguido o ter anunciado, até porque “ na motivação da decisão de facto” o tribunal salienta que a testemunha (...) “nessa altura, pareceu-lhe que o arguido trazia uma arma consigo, pelo menos ficou com essa sensação”, sendo que em casião posterior até chegou a resolver a situação com o arguido.

81) Quanto ao ofendido (...), basta ouvir as declarações do mesmo, para percebermos que a atuação do arguido nem sequer foi idónea a lhe causar medo.

82) Em qualquer das mencionadas declarações não implica a cominação de um mal futuro, porquanto, em nenhuma das situações dadas como assentes, o arguido deu a entender de imediato à pessoa visada que ao anúncio do propósito homicida não se seguiria a sua realização.

83) As expressões utilizadas pelo arguido não se repercutiram na liberdade de decisão e de ação futura das vítimas, incidindo antes sobre o presente.

84) Não se verifica um dos elementos constitutivos, de natureza objectiva, dos crimes de ameaça imputados ao arguido – mal futuro –, pelo que se impõe a sua absolvição quanto a este crime.

85) O Arguido foi acusado da autoria material de tráfico de menor gravidade, revisto e punido pelo artigo 21º, número 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 janeiro, na pena de seis anos de prisão.

86) Analisada a prova produzida na audiência de discussão e julgamento (prova, aliás transcrita), bem como a prova documental e pericial junta aos autos é de concluir que o arguido deverá ser absolvido por este crime.

87) Dos elementos documentais coligidos nos autos, o arguido jamais esteve a ser investigado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, que foi condenado pelo tribunal a quo, tanto assim o é, que o mandado de busca e apreensão à residência ocupada pelo arguido, propriedade da sua mãe, (...), datado de 12 de novembro de 2018 tem como único objetivo a efetiva apreensão de armas, acessórios e munições.

88) Na sequência, desse mandado de busca foi apreendido pelo OPC, in casu pela GNR de Silves, no dia 29-11-2018, na residência de (...), mãe do arguido, onde para além da proprietária à data dos factos também residia o arguido, a sua companheira, (…), uma mochila no chão junto ao móvel da sala que continha no seu interior as quantidades e doses dos produtos de natureza estupefaciente apreendidos, cfr. auto de busca e apreensão de fls. 182 e seguintes e conforme prova testemunhal transcrita anteriormente.

89) O arguido não foi encontrado na posse da referida mochila. (a mochila encontrava-se no chão junto ao móvel da sala, lugar de acesso a qualquer residente).

90) Em audiência de discussão e julgamento a testemunha (...) assumiu ser o proprietário quer da referida mochila, quer do produto estupefaciente que a mochila continha, referindo que o mesmo se destinava ao seu consumo próprio e à venda.

91)A testemunha (...) conhecia claramente as características e quantidades dos produtos estupefacientes que se encontravam no interior da mochila, bem como dos objectos que também lá se encontravam (balanças de precisão), chegando a concretizar em termos numéricos, referindo que eram duas balanças.

92) No decorrer das suas declarações, foi o mesmo constituído arguido, tendo sido extraída certidão das suas declarações e instruído respetivo procedimento criminal, a que corresponde o Processo Nº 3966/19.3T9PTM, a decorrer os seus trâmites no DIAP 1ª secção de Portimão.

93) Inexiste qualquer meio de prova (testemunhal ou documental) para imputar ao arguido a venda de produtos estupefacientes!

94) Inexiste qualquer meio de prova para imputar ao arguido a distribuição de produtos estupefacientes!

95) Inexiste qualquer meio de prova para imputar cedência a terceiros de produtos estupefacientes!

96) Inexiste qualquer meio de prova para imputar que o arguido tenha adquirido um “diferencial” com elevada expressão económica!

97) Não são reconhecidos ao arguido sinais de riqueza.

98) Não existe nos autos prova produzida para imputar ao arguido a responsabilidade pelo produto estupefaciente encontrado na referida mochila, pelo que entendemos que o mesmo deverá ser absolvido pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, número 1 do Decreto-Lei nº 15/93 de
22 de janeiro.

99) Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se aceita deverá o arguido ser condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21º, nº1 e 25º do Dl 15/93, de 22 de janeiro.

100) O conteúdo do produto estupefaciente apreendido arguido é na sua maioria haxixe, que, sendo uma substância legalmente classificada como estupefaciente, com toda a danosidade inerente, se apresenta comparativamente menos perigoso para saúde dos seus eventuais consumidores e para saúde pública em geral, em confronto com outros produtos que são alvo de idêntica qualificação legal, em particular as chamadas
«drogas duras».

101) Não se provou nenhum ato de venda ou cedência a terceiros entendemos que a quantidade detida ilicitamente é impeditiva do enquadramento da conduta no âmbito de uma ilicitude consideravelmente diminuída.

102) A modalidade de ação preenchida (mera detenção) é das menos malignas, tendo-se concretizado numa única atuação, o que também milita no sentido da diminuição da ilicitude.

103) O arguido é consumidor excessivo de produtos estupefacientes (haxixe e canábis).

104) Não lhe são conhecidos quaisquer sinais de riqueza.

105) A quantidade de produto estupefaciente detida, mais precisamente o haxixe e canábis, terá de ser avaliada à luz do facto de, devido às características das substâncias em causa, ser necessária, para confeção de uma dose de consumo individual, uma quantidade de haxixe ou canábis muito superior, em termos de peso líquido, àquela que é requerida para perfazer idêntica dose, no caso dos produtos que se apresentam em pó (como a heroína e cocaína), proporção que é sensivelmente de 1 para 5 para a heroína e de 1 para 2,5 para a cocaína, conforme Mapa anexo à Portaria nº 94/96 de 26/3.

106) Deverá será alterada a qualificação jurídica da conduta do arguido, para efeitos do seu eventual enquadramento no tipo privilegiado do artigo 25º do DL nº 15/93 de 22/1.

107) O Arguido foi acusado da autoria material de tráfico de menor gravidade, revisto e punido pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 janeiro, com referência à Tabela I-C anexo, na pena de dois anos de prisão.

108) No entanto, os factos provados não permitem essa qualificação jurídica, já que se reconduzem apenas ao consumo de estupefacientes por parte do ora recorrente.

109) Não se encontram provados nos autos, o elemento objectivo do crime que foi imputado ao arguido que consiste no facto da droga não se destinar ao consumo pessoal e exclusivo do mesmo, nem o elemento subjectivo, ou seja, o “o dolo genérico”, ou seja, a vontade de desenvolver ou deter sem autorização e sem ser para consumo próprio, o produto estupefaciente.

110) O arguido reconheceu os factos constantes da acusação, designadamente as circunstâncias de tempo, modo e lugar, acrescentando, todavia, que o produto estupefaciente que se encontrava na sua posse tinha comprado naquela noite para seu consumo próprio e exclusivo, sendo que inclusivamente referiu que consumia cerca de 20 charros por dia com 4gr cada., o que foi corraborado pelas declarações do psicólogo clínico do GRATO.

111) Considerando a quantidade de produto estupefaciente apreendida, o facto de não terem sido encontrados objectos que conduzam a considerar-se que cedia ou vendia a terceiros, sendo certo que também não conhecemos qualquer facto indiciador que o produto estupefaciente se destinava à venda ou à cedência mediante contrapartida designadamente económica. Não conhecemos qualquer facto a este respeito, nem o tribunal a quo os mostrou ou os fundamentou, por deles não haver qualquer prova.

112) A que acresce o depoimento dos familiares e do psicólogo clínico da Instituição GRATO que referiram que o mesmo é consumidor excessivo de canabinóides, entende-se nada existir que coloque em causa a versão do arguido.

113) O produto estupefaciente não se encontrava acondicionado em doses individuais, não foram encontrados instrumentos usualmente destinados à venda (sacos plásticos, instrumentos de corte, entre outros)

114) Deve ser dado como provado que «O arguido é consumidor excessivo de canabinoides, consumindo uma média de 75 a 85 gramas de cannabis, por dia.».

115) O arguido deverá ser absolvido do crime de tráfico de menor gravidade, pevisto e punido pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 janeiro, com referência à Tabela I-C anexo, devendo a sua conduta ser subsumida como um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º, nº2, do Decreto-Lei nº15/93 , de 22 de Janeiro.

116) A douta decisão ora colocada em crise viola além dos princípios da legalidade e da tipicidade (art. 29.º da Constituição da Republica Portuguesa), do princípio in dubio pro reo (artigo 32° Constituição da Republica Portuguesa), o disposto no artigo 127.º e 355.º do Código de Processo Penal, bem como do disposto nos artigos 21°, 25° e 4º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro.

117) No que respeita à medida da pena a aplicar ao arguido atenta a factualidade provada, valorando-se nos termos do artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, 72º, nº1, nº2 alínea c) do C.P.

118) No que respeita ao crime de consumo de estupefacientes entendemos que deverá ser aplicada ao arguido uma pena de multa.

119) Quanto ao crime de detenção de arma proibida, e sem prescindir, do invocado sob a epígrafe questão prévia, entende o recorrente que ponderadas as circunstâncias descritas na motivação de recurso a pena a aplicar ao arguido, não deverá ser superior a 1 ano e 6 meses.

Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., requer desde logo o recorrente a análise da questão prévia levantada, e subsidiariamente, a modificação da decisão do Tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto tendo em conta que constam do processo todos os elementos de prova que lhe serviram de base pelo que deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogado o douto acórdão proferido pelo tribunal “a quo”.

Decidindo-se no sentido:

a) Deve ainda o presente acórdão ser revogado por nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº1 alínea c) do Código de Processo Penal e, consequentemente, deverá ser reformado pelo mesmo tribunal, proferindo novo acórdão que supra a omissão apontada.

b) Deve o arguido ser absolvido como autor material de dois crimes de ameaça agravada previsto e punido nos termos dos artigos 153, nº1 e 155º, nº1, alínea a) do Código Penal em que foram ofendidos (...) e (...).

c) Deve o arguido ser absolvido como autor material de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1 e 25º do DL 15/93, 22 de janeiro.

d) Deve o arguido ser absolvido como autor material de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1 do DL 15/93, 22 de janeiro

e) Deve o arguido ser condenado pelo crime de consumo de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 40, nº2 do DL 15/93 de 22 de janeiro, numa pena de multa.

f) Deve o arguido ser condenado por um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86º, nº1, alínea c) da Lei5/2006, de 23.02, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso
Revogando-se o douto Acórdão Recorrido
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O Exmo. Procurador do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:
- O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, "in dubio pro reo" www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.

2- “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.

3- São assim, as conclusões quem fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal.

4- O arguido tem antecedentes criminais.

5- Não contém o Douto Acórdão impugnado qualquer erro de julgamento da matéria de facto, ou outro vício que o inquine.

6- A matéria constante na fundamentação do Douto Acórdão provou-se de modo inequívoco, não se justificando qualquer alteração.

7- As qualificações jurídicas que o Tribunal “a quo” atribui aos factos praticados pelo arguido e provados, afiguram-se-nos adequadas e com total sustentação na Lei Penal, devendo manter-se nos seus precisos termos.

8- As provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu todo e segundo o que preceituam os arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal, entre outros preceitos legais.

9- Não se vislumbram nos autos quaisquer elementos que tivessem de ser indagados e não foram, necessários para se formular um juízo de condenação ou absolvição do arguido, e não ocorreu do Douto Acórdão o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, sendo perfeitamente legal, adequado e comum, atribuir-se mais credibilidade a uns depoimentos que a outros, tudo dependendo das circunstâncias em que eles são prestados, como são prestados e como são avaliados, embora se compreenda que o recorrente possa ter opinião distinta.

10-“A contradição insanável da fundamentação dá-se quando, analisando-se a matéria de facto dada como provada e não provada se chega a conclusões contraditórias, insanáveis, irredutíveis, que não podem ser ultrapassadas recorrendo-se ao contexto da decisão no seu todo e ainda com recurso às regras da experiência comum”., Ac. STJ de 23-10-1997, Proc.97P318, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários de Vinício Ribeiro, Coimbra Editora.

11- Analisado o Douto Acórdão recorrido infere-se que não contém qualquer contradição entre os factos provados, não é insuficiente, nem deveria ter uma decisão distinta.

12- Veja-se a título exemplificativo o que se diz em nota de rodapé no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto:
“Como se refere no Ac. STJ de 20/9/2005, proc. nº 05A2007, “a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos". Elementos que a transcrição não fornece e de que a reapreciação em sede de recurso não dispõe”. In www.dgsi.pt, Acórdão do TRP, de 26-3-2014, proc.201/08.3TASJM.P1.

13- Analisado o Douto Acórdão recorrido de um modo lógico, afigura-se-nos que não contém qualquer contradição entre os factos provados, não é insuficiente, nem deveria ter uma decisão distinta.

14- No que respeita ao princípio do “in dubio pro reo”, não tinha o Tribunal “a quo” de o aplicar, uma vez que não se suscitaram dúvidas fundadas, sérias, relevantes, no que concerne à prática pelo arguido dos factos dados como provados. Sabe-se que o aludido princípio se situa ao nível da apreciação da prova e valoração da matéria de facto e é corolário do princípio da presunção da inocência e só a dúvida sobre a realidade de um facto é que deve ser decidida a favor do arguido.

15- ”O princípio “in dubio pro reo”, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontrem na decisão ou na factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido..” ( in www.dgsi.pt, acórdão do STJ., de
12/07/2005, 05P2315,JSTJ000).

16-Não existindo dúvidas sobre a ocorrência de determinados factos, não havia de ser aplicado o princípio do “in dubio pro reo”, pelo que bem decidiu o Tribunal “ a quo “ ao condenar os
arguidos nos termos já referidos.

17- O Tribunal “a quo” explicou de modo pormenorizado e com sustentação na doutrina e jurisprudência as razões da não aplicação aos arguidos do instituto previsto no art.50º e seguintes do Código Penal, veja-se por favor fls. 34 e seguintes do Douto Acórdão, argumentação essa com a qual concordamos, com o respeito devido.

18- O Tribunal “a quo” teve em consideração para a escolha e medida das penas aplicadas aos arguidos todos os critérios referidos nos arts.40º, 50º, 70º e 71º, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a prisão efectiva adequada às circunstâncias que abonam a favor e contra os arguidos e em sintonia com a respectiva culpa, devendo manter-se nos precisos termos que constam do Douto Acórdão.

19- Não enferma o Douto Acórdão de nenhuma nulidade ou vício, dos previstos nos artigos 379º e 410º, do Código de Processo Penal, tendo sido respeitados os preceitos legais aplicáveis de Direito Europeu, Constitucional e Criminal.

Deve o Douto Acórdão manter-se na íntegra.
Negando provimento ao recurso
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Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II
No acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte, no que se refere ao arguido recorrente (...):
-- Factos provados:
No dia 27-04-2018 no período compreendido entre as 04:20h e as 04:33h, o arguido (...), conhecido pela alcunha de (…) deslocou-se ao estabelecimento de bebidas denominado (…) sito na (…) e uma vez no seu interior dirigiu-se ao ofendido (...) e num tom sério e firme proferiu, entre outras, a seguinte expressão: «eu mato-vos».
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) sendo que o ofendido (...) estava convicto que trazia consigo uma arma de fogo, revestiram foros de seriedade e provocaram no ofendido (...) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança.

No dia 02-05-2018 pelas 03:10h, o arguido (...) encontrava-se no interior do estabelecimento supra identificado (…) quando se dirigiu ao ofendido (...) e tal como já havia feito em pelo menos duas ocasiões anteriores a esta, cujas datas concretamente não se lograram apurar, num tom sério e grave disse-lhe entre outras coisas “dou-te um tiro que te mato.”
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) revestiram foros de seriedade e provocaram no ofendido (...) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança.

No dia 29-11-2018 o arguido (...) tinha na sua posse, mais concretamente, na sua residência sita no (…), os seguintes produtos e objectos - NUIPC 57/18.8GEPTM - cfr. auto de busca e apreensão de fls. 182 e ss.:
- três balanças de precisão;
- Uma faca com vestígios de produto de estupefaciente;
- uma bolsa da marca “Nivea” contendo no seu interior pequenos sacos utilizados no embalamento de produto de estupefaciente;
- uma embalagem com pequenos sacos utilizados no embalamento de produto de estupefaciente;
- dois pedaços de uma substância acastanhada com peso de 3gr que submetida a “teste Identa” resultou positivo para “haxixe”;
- um frasco transparente contendo uma substância em pó com peso de 16,15gr, que submetida a “teste identa” resultou positivo para “canabis”;
- um saco de plástico contendo no seu interior 71gr de “canabis”, tendo este produto reagido positivamente para “canábis” aquando da realização do “teste identa”;
- um saco contendo uma substância de cor verde, com 16,33g, tendo este produto reagido positivamente para “canábis” aquando da realização do “teste identa”;
- uma substância em pedra com 10,95gr tendo este produto reagido positivamente para “MDMA” aquando da realização do “teste identa”;
- dois embrulhos em plástico de cor preta, contendo no seu interior uma substância em pó de cor branca com um peso de 22,66gr, tendo este produto reagido positivamente para “Cocaína” aquando da realização do “teste identa”;
- um saco de plástico contendo no seu interior uma substância em pó de cor branca com um peso de 4,65gr, tendo este produto reagido positivamente para “Cocaína” aquando da realização do “teste identa”;
- quatro pedaços em forma de sabonetes uma substância de cor acastanhada com um peso de 393,74gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- vinte e duas placas de uma substância de cor acastanhada com um peso de 2.077,44gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- duas meias placas de uma substância de cor acastanhada com um peso de 91,98gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- um pedaço de uma substância de cor acastanhada com um peso de 4,79gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- um pedaço de uma substância de cor acastanhada com um peso de 3,86gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- €550 em numerário (20 notas de €20 e 3 notas de €50);
- €264,36 em numerário;

Submetidos os produtos apreendidos a exame laboratorial realizado pelo LPC-Policia Judiciária segundo ao protocolo analítico adequado e de acordo com as especificações normalizadas, constataram e concluíram que se tratava de:
- 2.625gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 11 doses;
- 9.596gr/l (peso líquido) de canabis (fls/sumid.), o equivalente a 30 doses;
- 45.700 gr/l (peso líquido) de canabis (fls/sumid.), o equivalente a 181 doses;
-14.551 gr/l (peso líquido) de canabis (fls/sumid.), o equivalente a 27 doses;
- 10.304 gr/l (peso líquido) de MDMA, o equivalente a 84 doses;
- 3.628 gr/l (peso líquido) de cocaína (cloroidrato), o equivalente a 14 doses;
- 386.930 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 541 doses;
- 2053,786 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 1560 doses;
- 91.810 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 99 doses;
- 4.760 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 3 doses;
- Uma faca com resíduos de cocaína;
- 3.906 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 4 doses;

No dia 19/07/2018 pelas 03:31h, no interior do estabelecimento de diversão nocturna denominado (…), o arguido (...) encontrava-se na posse de 7,100gr (peso bruto) de haxixe e 8.240gr de liamba (peso bruto) bem como de €326,50 em numerário.
Submetido também este produto a exame laboratorial realizado pelo LPC-Policia Judiciária segundo ao protocolo analítico adequado e de acordo com as especificações normalizadas, constataram e concluíram que se tratava de “canabis resina” com um peso líquido de 7.072 gr., o equivalente a 23 doses, e de “canabis (fls.sumid.) com um peso liquido de 7.625gr., o equivalente a 24 doses, ambas as substâncias abrangidas pela tabela I-C anexa ao Decreto-Lei nº 15/93 de 22/01 e à portaria nº 94/96 de 26 de Março.
Ainda na mesma ocasião de tempo e lugar o arguido (...) encontrava-se também na posse de uma arma da marca “Perfecta Automatic”, modelo G5E, de calibre 6.35mm, arma esta que, submetida a exame pericial pela PSP – Núcleo de Armas e Explosivos, constatou-se tratar-se de arma semiautomática que foi transformada mediante intervenção mecânica modificadora, tendo obtido as características que lhe permitem funcionar como arma de fogo, nomeadamente com a introdução de um cano em aço de alma estriada com o propósito de a transformar em arma de fogo calibre 6.35mm. A referida arma não possui nº de série. A referida arma estava municiada, contendo no seu interior cinco munições da marca “S&b”, calibre 6.35mm, mais concretamente, uma na câmara e outras quatro no respectivo carregador.
O arguido (...) tinha na sua posse, quer na sua residência quer no estabelecimento de diversão nocturna acima identificado, os referidos produtos de estupefaciente destinando-os à venda, distribuição e cedência a terceiros e com a referida venda e distribuição o arguido visava obter um “diferencial” com elevada expressão económica para si, o que efectivamente logrou concretizar, designadamente através da sua venda a um número indeterminado de pessoas das quais recebia avultadas quantias em dinheiro.
O arguido fazia uso de todos os objectos acima enunciados que se encontravam no interior da sua residência, concretamente, da balança de precisão, da faca, dos sacos de embalamento, para pesar, cortar e embalar os produtos de estupefaciente, para proceder à sua venda a terceiros como logrou concretizar.
O arguido (...) conhecia perfeitamente as características dos sobreditos produtos, designadamente a sua natureza de produtos de estupefaciente, e bem assim que a sua detenção, oferta, venda, distribuição, compra e cedência de produtos daquela natureza a terceiros é proibida por lei.
Conhecia também as características da arma transformada da marca “Perfecta Automatic” modelo 5E, calibre 6.35mm, sabia que a mesma tinha sido transformada para funcionar como arma de fogo.
Conhecia ainda as características das cinco munições calibre 6.35mm que municiavam a referida arma.
O arguido bem sabia que não sendo titular de autorização especial para a detenção, uso e porte das referidas armas e munições era proibida a sua detenção, uso e porte em qualquer circunstância, bem como no interior estabelecimento de diversão nocturna em que se encontrava aquando do vertido no NUIPC 1285/18.1GBABF em apenso.
O arguido agiu sempre de forma livre e conscientemente, com a liberdade necessária para se determinar segundo essa resolução, bem sabendo que tal conduta era censurável e punida por lei.
(…)
Mais se provou:
(…)
(...) é oriundo de um grupo familiar numeroso, sendo o segundo filho de uma fratria de 7 irmãos. O seu processo de desenvolvimento e socialização decorreu em ambiente sócio familiar problemático, assente num referencial educativo de negligência e ambiente de violência doméstica, associado a um pai alcoólico, que faleceu quando o arguido contava 26 anos de idade.
Desde sempre, a figura da mãe destacou-se pela assumpção da responsabilidade na orientação e providência da subsistência do agregado familiar, através do trabalho desenvolvido como empregada no sector das limpezas. O desempenho educativo do pai foi caraterizado por significativas limitações decorrentes de um quadro de alcoolismo associado a comportamentos de violência doméstica, visando particularmente a companheira pelo que, constituindo-se (...), um dos filhos mais velhos, algumas vezes se confrontou fisicamente com o pai, em defesa da mãe.
Foi neste contexto familiar problemático no qual a reduzida disponibilidade de tempo por parte da mãe (não obstante a atitude de interesse e preocupação), associado ao alcoolismo do pai, originaram alguma incapacidade na gestão do lar e acompanhamento dos filhos.
Durante a adolescência do arguido foram sinalizados, desde idade precoce, problemas comportamentais, bem como dificuldades de integração e aprendizagem escolares que culminou com a intervenção do sistema de promoção e proteção, do sistema de justiça juvenil e, aos 16 anos, do sistema prisional.
O percurso escolar de (...) foi precocemente interrompido, após concluir o 1º Ciclo do ensino básico, por revelar dificuldades de comportamento, aprendizagem e motivação. Posteriormente, já em ambiente prisional, o arguido completou o 9.º ano de escolaridade com a frequência no curso de formação profissional de Técnicas Comerciais.
A adoção de hábitos de consumos de estupefacientes marcou toda a trajetória de vida do arguido desde a adolescência, tendo este iniciado (aos catorze anos de idade) o consumo de substâncias aditivas, realizando a gestão do seu quotidiano diário em prol da problemática aditiva, integrado em grupos de pares conotado por prática de comportamentos desviantes e criminais.
As limitações inerentes à falta de formação escolar e à inexistência de qualificações laborais agravaram a sua situação, assim como a deficiente adesão a um projecto firme de reabilitação face a substâncias aditivas.
Apesar das tentativas de reabilitação, face aos consumos que acusava, com a frequência a consultas por entidade especializada da saúde (então CAT), não obteve resultados satisfatórios. Ligou-se maritalmente a uma jovem de quem tem um filho, tendo referido que permaneceu na África do Sul (em 2004) por período de cerca de cinco meses, país de onde a companheira é natural e onde os pais desta são emigrantes. Retornou a Portugal, a fim de evitar problemas de permanência ilegal, após 4 meses de trabalho na indústria mineira.
A companheira, que o acompanhou no regresso, retornou, ao país de origem, sem lhe dar conhecimento, pouco depois, com o filho de ambos.
Na base desta decisão terá estado a avaliação da conduta parental irresponsável que (...) evidenciou, altura em que o condenado passou, mais uma vez, a assumir convivência com indivíduos conotados com a prática de comportamentos desajustados, mantendo-se inativo em termos laborais.
A nível jurídico-penal o arguido apresenta um padrão persistente de condenações, envolvendo crimes diversos, nomeadamente furtos, roubos, ofensas à integridade física e tráfico de estupefacientes. Cumpriu pena de prisão efectiva ininterruptamente, entre os 16 e os 22 anos de idade e entre os 25 e os 34 anos. Em ambas as reclusões beneficiou de liberdade condicional aos 5/6 da pena e em ambos os casos observaram-se novos contactos com o sistema de justiça pouco tempo após o seu regresso ao meio livre.
No hiato temporal compreendido entre as duas reclusões, (...), apresentou um percurso vivencial bastante conturbado, mantendo-se na dependência do agregado de origem, assumindo uma atitude de inércia nas diligências necessárias para ocupar-se em actividade laboral estruturada. O arguido usufrui ainda de acompanhamento por parte da Equipa de Tratamento do IDT de Beja, efetuando toma de metadona.
Entre o ultimo retorno ao meio livre (dezembro de 2013) e à data que reportam os factos, bem como na actualidade, (...) mantém como principal referência de socialização a família de origem, residentes num Bairro social da cidade de (…). O arguido iniciou acompanhamento no SICAD (Serviço de Intervenção nos comportamentos Aditivos e Dependências) e cumpriu programa de metadona, demonstrando nesses serviços uma evolução relativamente favorável, designadamente no que respeita à problemática aditiva e relações interpessoais.
Atualmente namora com (…), de 26 anos de idade, à aproximadamente um ano com qual tem um filho de 3 meses e, segundo o arguido, mantêm entre si uma relação cordial e respeitadora.
Á data dos factos o agregado familiar do arguido era constituído pela sua progenitora e pela sua namorada que actualmente se encontra desempregada. O agregado residia num bairro social da cidade de lagoa e subsistia dos rendimentos provenientes da actividade laboral exercida pela mãe do arguido, como cozinheira. Segundo o que foi possível apurar, (...), não desenvolvia atividade profissional, trabalhando pontualmente na construção civil com o irmão e na jardinagem com o cunhado. A dificuldade de integração em actividade laboral estruturada e justificada, pela progenitora e pela companheira do arguido, pelo rótulo de ex-presidiário atribuído ao arguido pela comunidade envolvente.
De referir que, segundo fontes familiares, o arguido era acompanhado pelo CRA TO de (…).
Desde a sua entrada no EP de Setúbal o arguido tem vindo a manter um comportamento adaptado à instituição, não havendo registo de processos disciplinares. No EP de Olhão, onde se encontra provisoriamente desde 19/09/2019, no âmbito de audiência de tribunal do presente processo, o arguido tem mantido um comportamento consonante com as normas da instituição.
No EP de Setúbal, o apoio dos familiares passa pelos contactos telefónicos, face à distancia que se encontra a família ( Algarve).
Face ao seu passado e à sua conduta em meio livre, da qual resultou a pena que atualmente cumpre, (...) aparenta efetuar juízo crítico insuficiente, não assumindo a maioria dos factos, alegando ainda descriminação no seu meio de residência.
Provou-se ainda que:
(…)
O arguido (...) foi condenado
No âmbito do processo n.º 150/96, pela pratica em 09.05.1996, de um crime de trafico de estupefacientes na pena de 20 meses de prisão.
No âmbito do processo n.º 43/97, pela pratica em 16.01.1996, de um crime de furto qualificado, na pena única de dois anos e dez meses de prisão (a qual englobou o processo anterior).
No âmbito do processo n.º 11/97, pela pratica em 06.03.1996, de um crime de consumo de estupefacientes na pena de 20 dias de prisão.
No âmbito do processo n.º 74/97, pela pratica em 14.02.1996, de um crime de roubo, na pena de 5 anos de prisão.
No âmbito do processo n.º 90/02.1PAPTM, pela pratica em 19.01.2002, de um crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão.
No âmbito do processo n.º 184/01.0JELSB, pela pratica em 22.06.2001, de um crime de trafico para consumo, na pena de 70 dias de multa à razão diária de €5,00.
No âmbito do processo n.º 550/05.2PAPTM, pela pratica em 06.10.2004, de um crime de roubo, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
No âmbito do processo n.º 1078/04.3GDPTM, pela pratica em 08.10.2004, de um crime de furto qualificado, na pena de 7 anos e 2 meses de prisão.
No âmbito do processo n.º 1124/04.0GDPTM, pela pratica em 25.11.2004, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 18 meses de prisão.
No âmbito do processo n.º 622/04.0GDPTM, pela pratica em 02.07.2004, de um crime de OIF, na pena de 230 dias de multa à razão diária de €3,00.
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-- Factos não provados:
O arguido (...) dirigindo-se ao ofendido (...) “o prometido é devido, o que eu vinha cá fazer faço já, não tenho medo de nada, o segurança não olha mais para a minha mulher”.
O ofendido (...), ao ser confrontado com o estado de exaltação e nervosismo que o arguido apresentava, encaminhou-o para o exterior do referido estabelecimento, altura em o arguido, num acto repentino retirou da parte de trás das costas, da zona da cintura do lado direito, um revólver preto, apontou-o em direcção ao ofendido (...) e ao mesmo, num mesmo tom sério e firme disse-lhe: “o segurança tem sorte de não estar aqui agora senão limpava-o já, já tive dentro 17 anos não me importo de ir mais 25 anos.”- NUIPC 57/18.8GEPTM.
Que o arguido (...) dirigindo-se a (...) disse: “limpo-te o sebo, tás a olhar para a minha namorada”
Que o arguido (...) possuísse um bastão extensível e bem assim que possuísse um IPAD com nº de série: DLXQJ2F3GMLL, objecto este que foi furtado conforme denunciado no processo com NUIPC 626/18.6GDPTM.
O arguido (...) conhecia ainda as características do bastão extensível.
O arguido sabia ainda que o IPAD com nº de série: DLXQJ2F3GMLL que se tratava de bem proveniente do património de terceiros, que não de quem lho entregou, ou, pelo menos representou como possível e até provável tal situação, contudo, não se coibiu de o integrar no seu património.
O arguido aceitou ficar o mencionado bem, tendo perfeita consciência da reprovabilidade do seu comportamento, visando, assim, obter um benefício económico indevido no respectivo património.
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Fundamentação da decisão de facto:
Dispõe o artº 374º, nº 2 do CPP, na parte em que estabelece os requisitos da fundamentação da decisão da matéria de facto, que “a fundamentação” deve conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos (…) que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Deste modo, passamos a fazer uma exposição concisa, mas completa, dos motivos que levaram o Tribunal a dar como provados e como não provados os factos supra referidos, indicando os meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal e fazendo o seu exame crítico, cabendo neste, a razão de ciência das testemunhas (em que o Tribunal se baseou), a forma como depuseram e a sua relação com o litígio, os tipos de documentos em que o Tribunal se baseou, seu valor e origem, bem como o valor, origem e credibilidade da demais prova que acudiu à formação da convicção do colectivo de julgadores, sem esquecer o recurso às regras da experiência comum.
Evitaremos reproduzir o teor da prova, uma vez que, tal não constitui requisito legal para a fundamentação da decisão da matéria de facto, sendo o seu conteúdo sindicável, não por via da motivação da decisão da matéria de facto, mas sim através da leitura dos documentos e relatórios periciais e da audição das gravações dos depoimentos prestados.
Assim,
O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos que resultaram provados constantes da acusação, em primeira linha, nos depoimentos prestados pelas testemunhas e bem assim pelos arguidos.
Na verdade, dois dos arguidos pretenderam apresentar declarações,
O arguido (...) referiu, sumariamente, que o bastão extensível que foi apreendido era do seu pai, o Ipad era da sua companheira, as quantias monetárias eram produto do seu trabalho. No que se reporta ao produto estupefaciente apreendido, o haxixe que foi encontrado na sua posse era para seu consumo, porem o produto estupefaciente que se encontrava dentro de uma mochila à porta de sua casa era de uma pessoa que residia temporariamente na sua casa mas que não quer identificar. Acrescenta que, em casa existiam três pessoas residentes (ele, a mãe e a companheira) e bem assim essa tal pessoa que não quer identificar. Por fim referiu que a arma que lhe foi apreendida não era do próprio, sendo que quando a GNR apareceu ele só se encontrava momentaneamente com ela. Refere que consome produtos estupefacientes desde os 12 anos, primeiro apenas haxixe e mais tarde, cocaína e heroína.
(…)
Foi produzida prova testemunhal, onde em suma
O ofendido (...) (Segurança no Bar …) referiu que o arguido se dirigiu ao bar por diversas vezes, sendo que o ameaçou de morte. Na verdade, o depoente refere que na segunda vez, considerou a ameaça séria (muito embora esteja habituado àquele tipo de comportamentos «não o afectam grandemente» segundo palavras suas) pois o arguido referiu que o matava «dou-te um tiro / mato-te». Esta situação terá ocorrido em Abril/Maio de 2018. Este depoimento resultou claro e objetivo logrando convencer o Tribunal.
A testemunha (...), empregado de bar no Bar (…) referiu que o arguido (...) terá tido uma desavença com o segurança do Bar e mais tarde dirigiu-se novamente ao estabelecimento, seriam cerca das 5 horas, e disse «mato-vos dou um tiro na cabeça do segurança e um tiro a si», num tom ameaçador. Nessa altura, pareceu-lhe que o arguido trazia uma arma consigo, pelo menos ficou com essa sensação. Este depoimento foi coerente e logrou convencer este Coletivo de Juízes.
(…)
A testemunha (…), apenas referiu que lhe havia sido furtado um IPad e que teria o numero de serie que o próprio entregou às autoridades. Porem não sabe quem o furtou.
(…)
No que se reporta às testemunhas de defesa do arguido (...),
A testemunha (...)referiu ter estado a morar em casa do arguido (...) uns 10/15 dias e deixou lá a mala/mochila com o produto estupefaciente que tinha para venda. Deixou-a à porta de casa. Refere que dentro da mala preta estava uma quantidade mais ou menos elevada de produto de estupefaciente que era dele. Foi esquecimento pois ia trabalhar. Porem, não se lembra sequer do nome da mãe do (...) pois só ia lá dormir…
Morava lá em casa a mãe do (...), o (...) e a namorada e pagou «uma media de 250 euros» para lá estar. Tinha haxixe partido mas com uma faca que não estava lá em casa, para alem do restante produto e duas balanças. Esqueceu-se da mochila pois estava à pressa para trabalhar na Construção civil e bem assim porque no dia anterior tinha estado a beber. Comprou a droga em Espanha e era para venda e para consumo próprio…
Desconhece qualquer alcunha ao (...) e só disse agora que o produto estupefaciente era dele pois não queria prejudicar ninguém.
Perante tal depoimento, muito embora a defesa do arguido (...) tivesse prescindido da mãe do arguido (...), (...), o Tribunal chamou-a a depor ao abrigo do disposto no artigo 340º do CPP.
Por esta testemunha foi referido logo que o (...) esteve lá em casa a dormir uma semana e que apenas o conhece dessa estada. Disse logo também que lhe dava de jantar, pelo menos três ou quatro dias (ao contrario do próprio (...) que referiu nem sequer conhecer o nome da mãe do (...) pois só ia lá dormir) e que lá apenas moravam duas pessoas (a depoente e o (...)) para logo a seguir dizer que moravam três pessoas (a depoente, o (...) e o (...) – não indicando assim a companheira do (...) que igualmente depôs que lá morava). Referiu também que como é amigo do filho não lhe cobrou nada (o (...) referiu que terá pago 250 euros) e nunca lhe viu qualquer mochila preta, só sacos de roupa. Acrescentou ainda que a porta de saída que é utilizada é a da cozinha e não a da rua. Alias, toda a gente entra pela porta da cozinha pois a porta da rua não é utilizada e está sempre fechada à chave. (Refira-se aqui que a mochila em causa estava junto à porta que afinal não era utilizada – conforme fotografias junto aos autos e que o próprio (...) disse que ela a porta da rua utilizada para sair). Refere que o (...) não tinha chave de casa (concluindo-se que não podia sair pela porta onde se encontrava a mochila) e que a depoente fazia o jantar quase todos os dias para o filho e para o (...). Confrontada com o facto de a namorada do (...) também viver na sua casa… disse não saber pois era muito raro vê-la! Mas acha que não vivia lá! (muito embora, depois a instancias da Ilustre Defensora acabou por dizer que afinal a companheira do arguido também vivia lá). Um dia, o (...) foi embora e não disse porquê, só lhe agradeceu. Porem, referiu posteriormente que deixou lá a roupa mas também não a viu, nem sabia que ele já não vinha, até porque ele agradecia-lhe todos os dias quando se ia deitar... Igualmente não lhe pediu a roupa mais tarde nem sabe se ele a foi buscar ou se alguém lha deu. Só ao fim de 3 dias soube que foi apreendida droga mas não sabe de quem é a droga e o filho não lhe disse que a droga não era dele.
A testemunha (…), irmã do arguido, que costuma frequentar a casa da mãe, referiu que o irmão vivia em casa da mãe com a companheira. Antes do acontecimento, a mãe estava lá com um rapaz chamado (...) e com o filho. O (...) tinha pena das pessoas e levava-as para casa. Foi a depoente que entregou a roupa ao (...) depois deste acontecimento, entregou a roupa em sacos de plástico, logo no dia 29 e não lhe perguntou por mais nada, nomeadamente pela mochila. Acresce que o bastão encontrado em casa era do pai há mais de 15 anos. Por esta testemunha foi referido que o (...) não jantava com a família e a mãe estava em casa a partir das 17 horas. Por sua vez, a (…) (companheira do arguido) estava sempre em casa e ajudava a mãe da depoente na lide da casa. Por fim referiu igualmente que foi visitar o irmão quando foi preso e ele não lhe disse que a droga não era dele.
Ora estes depoimentos, foram manifestamente titubeantes e incongruentes entre si não logrando convencer o Tribunal.
A testemunha (…), cunhado de facto do arguido (...), referiu que o (...) ajudava-o na construção civil. Esteve uma semana a trabalhar consecutivamente com o depoente e durante 6/8 meses a trabalhar apenas quando o depoente precisava mais. Não sabe que o cunhado era toxicodependente, mas fumava um charrinho de vez em quando (uma vez no intervalo diário), sendo que trabalhava sempre ao seu lado.
A testemunha (…), irmão do arguido (...), referiu que o irmão o ajudava nos serviços de jardinagem ao final do dia e bem assim ao fim de semana. Pagava cerca de 20/25 euros por dia de semana e 50€ ao fim de semana. Mais referiu que o bastão que foi apreendido era do seu pai.
A testemunha (…), companheira do arguido, referiu que vivem juntos desde Abril 2018 em casa da mãe do arguido. Nunca viu qualquer arma de fogo e tem conhecimento que o companheiro fuma cerca de 20 charros por dia e que colocava muito quantidade de canábis em cada charro. Refere ainda que o IPAD apreendido é da própria e que o comprou no OLX em setembro/outubro por 100 euros. Mais refere que lhe foi dado a PW do IPAD quando o adquiriu porem não se lembra se vinha com carregador. Por fim referiu não se dar bem com a sogra e que o (...) terá pernoitado em casa deles por alguns dias pois o companheiro ajudava toda a gente. Também referiu que na noite anterior à busca nem sequer dormiu em casa pois tinha-se chateado com o (...)…
Ora, estes depoimentos foram todos eles contraditórios e titubeantes entre si, apenas sendo todos coincidentes no ponto em que o (...) estava a pernoitar lá em casa e que o produto estupefaciente era dele. Porem, não é pela quantidade de depoimentos que a prova se faz mas pela sua qualidade e assertividade, sendo que neste aspecto inexistiu qualquer elemento em comum.
Ou seja, no que se reporta aos pormenores, uns referem que o (...) lá pernoitava e jantava, outros referem que o (...) só ia lá dormir. Uns referem que a mochila encontrava-se na porta da rua pela qual saia e ter-se-á esquecido, outros referem que essa porta nunca era aberta e inclusivamente estava fechada à chave e que o (...) não tinha chave de casa. Outra contradição flagrante é no que se reporta inclusivamente ao numero de pessoas que viviam em casa, pois que a dona da casa nem sequer referiu inicialmente que a companheira do (...) lá vivia (o que a própria (...) diz que vivia ainda que nesse dia em concreto tivesse ido dormir para casa da mãe), acrescentando que era ela que fazia o jantar para o (...) e para o (...)…. (e não para a (...)) jantar esse que o (...) referiu não ter comido porquanto apenas ia dormir pelo que nem sequer sabe o nome da mãe do (...)….
Ora, da pequena amostra de contradições que supra se expõem necessário se torna tirar a ilação que as testemunhas referidas (todas elas familiares do arguido para além do (...) que se encontrava detido no mesmo EP do ora arguido) não relataram a verdade a este Tribunal e em conclusão não lograram convencê-lo.
Alias não olvidemos que o arguido em sede de primeiro interrogatório e previamente advertido que as suas declarações podiam ser valoradas em audiência de discussão e julgamento (ainda que não lidas conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 14.09.2016 e bem assim o Acórdão da Relação de Évora de 07.02.2017 in www.dgsi.pt onde se pode ler «As declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial pelo arguido, após ter sido advertido do disposto no artigo 141º, nº 4, al. b), do C. P. Penal, porque integradas no processo, consideram-se examinadas em audiência e não têm de ser nela lidas para serem valoradas pelo tribunal na decisão final») havia avançado ainda com outra explicação – esquecendo totalmente o (...) – referiu que a tal mochila era da companheira que já havia ali deixado há alguns dias e que estava à espera que ela regressasse a casa para a confrontar…. Coisa que nunca fez. Terá, entretanto, mudado a sua versão dos factos pois que descobriu - já preso - que a companheira estaria grávida…. quem sabe…
O que realmente se conclui, é que toda a prova da defesa feita em audiência de discussão e julgamento não logrou sequer abanar a convicção do Tribunal para a posse e necessária venda do produto estupefaciente apreendido por parte do arguido, mesmo sem ter em linha de conta as varias versões apresentadas pelo arguido em todo o processo.

Finalmente a ainda no que à prova testemunhal diz respeito, foi ouvido o Psicólogo Clinico (...) que acompanhou o arguido (...) por cerca de seis meses, entre junho de 2018 e novembro de 2018, em cinco consultas que referiu que o arguido tinha um consumo abusivo de canábis. Segundo relatado, o arguido consumiria 10/15/20 charros por dia, sendo que cada charro teria cerca de 3 gramas de produto estupefaciente. Referiu igualmente que o arguido é pessoa impulsiva, instável e que sofre de agressividade, irritabilidade e ressentimento, devido ao consumo excessivo de estupefacientes o que vai sempre obstaculizar à vida em sociedade.

Foi tido igualmente em atenção toda a prova documental e pericial que se encontra junto aos autos,
A saber,
57/18.8GEPTM-A
- Auto de noticia por detenção de fls. 28, onde consta que o arguido possuía uma arma que lhe foi retirada pelo gerente do bar e entregue à GNR (corroborando a versão da testemunha …) e bem assim possuía haxixe, liamba e dinheiro;
- Relatório fotográfico de fls. 41 (produto estupefaciente apreendido ao arguido …) e testes rápidos de fls. 42 e 43;
- Auto de apreensão da arma e registo fotográfico da arma, do produto estupefaciente do dinheiro apreendido ao arguido (...) de fls. 57 a 60 e registo de teste rápido de fls. 61 e 62;
- Relatório de diligencia de criminalística de fls. 140 e relatório fotográfico de fls. 143 ao produto estupefaciente apreendido
- Relatório de exame pericial de fls. 170 e 395 dos autos principais.
- Relatório Pericial da arma apreendida de fls. 123;
- Imagens de videovigilância do Bar (…) de fls. 282.
Dos autos principais
- Auto de noticia de fls. 3 (de 27.04.2018, Bar …)
- Auto de noticia de fls. 22 (de 02.05.2018 – ofendido (...)
- Auto de noticia de fls. 96 (de 01.08.2018 – …
- Auto de busca e apreensão de fls. 161 (ao arguido …)
- Relatório fotográfico a apreensão de fls. 165
- Testes Rápidos Identa de fls. 173 e 174
- Auto de busca e apreensão de fls. 182 (ao arguido (...)) e respetivo relatório Fotográfico de fls. 187 e 196.
Neste auto de apreensão e respetivo relatório fotográfico ter-se-á que salientar que
* o IPAD apreendido e supostamente objecto de receptação se encontra no móvel do quarto do arguido, sendo que se trata de um IPAD Pro no valor jurado de 999 euros (fls. 644)
* igualmente nesse móvel, encontram-se varias notas do BCE debaixo de um chapéu/boné, num total de €550,00
* uma balança de precisão foi encontrada no armário da mãe do arguido
* foram encontrados pequenos sacos de plástico para embalamento de produto estupefacientes na mesa de cabeceira do quarto do arguido e numa mala que se encontrava no corredor,
* o bastão extensível encontrava-se na zona comum da casa, em cima do móvel da sala
* foi encontrado produto estupefaciente no quarto do arguido, na sala comum, na cozinha e na mochila que se encontrava no chão da sala
* para alem da quantia encontrada no quarto do visado o arguido ainda tinha na sua posse €264,36, perfazendo então um total de €814,36.
- Auto de noticia de fls. 208 (NUIPC 626/18.6GDPTM)
- Testes rápidos Identa de fls. 222 (MDMA), 223 (canábis), 224 (Haxixe) e 225 (cocaína)
- Exame pericial de fls. 309 – munição
- Exame pericial de fls. 310 – bastão extensível;
- Termo de entrega de fls. 322 e 323;
- Relatório de diligencia criminalística de fls. 330 e respetivo relatório fotográfico de fls. 341 (haxixe e facas);
- Relatório de diligencia criminalística de fls. 351 e respetivo relatório fotográfico de fls. 355
- Auto de exame direto e avaliação de fls. 387;
- Informação de serviço de fls. 389
- Relatório de exame pericial de fls. 395
- Relatório de exame pericial de fls. 418/525 (produto estupefaciente que se encontrava na mochila
- Auto de reconhecimento de fls. 489 (quadro de bicicleta), termo de entrega e factura de fls. 492 e 493.
- Auto de noticia de fls. 535
- Relatório de diligencia criminalística de fls. 598;
- Auto de Busca e apreensão de fls. 609 (…)
- Auto de busca e apreensão de fls. 611 ((...))
- Termo de entrega de fls. 618
- Informação de serviço de fls. 647
- Exame pericial de fls. 681

Ora, aqui chegados e tendo em atenção toda a prova supra referida, o Tribunal não fica com duvidas
Que o produto estupefaciente encontrado na posse do arguido (...) no dia 19.07.2018, para além do consumo, pelo menos parte, se destinava e venda, pois que o arguido (...) detinha 47 doses de haxixe, e bem assim €326,50 (ou seja, lucro) e uma arma (ou seja, proteção para o negócio) e não apenas para consumo como o arguido referiu.
Que todo o produto estupefaciente encontrado em casa do arguido (...) (em vários sítios) no dia 29.11.2018 era propriedade arguido o qual, - tendo em atenção, a quantidade (2454 doses de haxixe, 84 doses de MDMA e 14 doses de cocaína), a apreensão de três balanças de precisão e de sacos pequenos para embalar estupefacientes bem como as facas com resíduos de estupefaciente e 550 euros em notas, - era necessariamente para venda, até porque o arguido apenas referiu o consumo de canábis e não de cocaína ou MDMA.
Que o arguido (...) proferiu as expressões dadas como provadas aos ofendidos (...) Nunes e ao ofendido (...).
(…)
No que concerne aos factos atinentes ao elemento subjectivo que igualmente ficaram provado, por inferência e atendendo, igualmente, às regras da experiência comum, num processo lógico e racional (Ac. da R.E. de 09.10.2001 in C.J., IV, pág. 285 e seguintes), ficou o Tribunal convicto que os arguidos agiram sempre consciente da reprovabilidade da sua conduta, que representaram e quiseram praticar.

Com efeito, resulta das regras da experiência comum e juízos de normalidade que, nos dias de hoje, com a divulgação das necessárias informações pelos media, os cidadãos estão perfeitamente informados relativamente às suas condutas criminosas. Nomeadamente, resulta das regras de experiencia comum que a quantidade de droga apreendida, juntamente com balanças para pesar a droga em doses, sacos pequenos para cada dose e quantias monetárias conduz necessariamente à venda de produto estupefaciente…
Agiram os arguidos de forma livre, consciente e deliberada, com a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação e, por conseguinte, com dolo directo.

Porem, o Tribunal já fica com duvidas e, como tal, dá como não provado - face à prova produzida ou falta dela –
que o bastão extensível estivesse na posse do arguido (…), porquanto o mesmo encontrava-se na zona comum da casa, em cima de um móvel e todas as testemunhas referiram ser do pai do arguido (já falecido…) o que faz gerar a duvida relativamente à sua posse.
Que o IPAD com o numero de serie referido fosse propriedade do arguido face ao depoimento da testemunha companheira do arguido (única prova para alem da apreensão e do auto de furto) que referiu ter ela própria adquirido o IPAD no OLX por 100 euros e lhe terem entregue inclusivamente a PW de acesso, acrescentando comprar muitas coisas no site em causa e nunca ter tido problemas.
Que o Arguido (...) tivesse proferido as expressões dadas como não provadas aos ofendidos (...) e (…), pois na verdade, os ofendidos referiram qual o circunstancialismo que mediou a pratica dos factos mas apenas se lembraram perentoriamente das expressões ora provadas e não as que constavam da acusação, ainda que admitissem tais expressões.
(…)
No que concerne aos factos atinentes à situação económica e social dos arguidos, baseou-se o Tribunal nos relatórios sociais dos arguidos, juntos aos autos, cuja finalidade é precisamente o apuramento da situação pessoal e social dos arguidos, são provenientes de entidade isenta, elaborados com recurso a conjunto de fontes e diligências aptas ao apuramento dos factos referidos, e nenhum outro elemento de prova constante dos autos contraria ou infirma os factos que o Tribunal deu como provados com base nos referidos relatórios, pelo que os mesmos nos mereceram credibilidade.
Quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se nos certificados de registo criminal dos arguidos constantes dos autos.
III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.
De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes, elencadas pela ordem pela qual devem ser conhecidas:
1.ª – Que, nos termos do art.º 379.º, n.º 1 al.ª c), o acórdão recorrido é nulo por não se ter pronunciado sobre o requerimento feito pelo arguido para que a arma de fogo que lhe foi apreendida fosse declarada perdida a favor do Estado, uma vez que não pode ser legalizada;
2.ª – Que no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes o tribunal "a quo" incorreu no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere o art.º 410.º, n.º 2 al.ª a), na medida em que – segundo a conclusão 67 –, deveria ter ficado igualmente apurado e provado, que “O arguido é consumidor excessivo de canabinoides, consumindo uma média de 75 a 85 gramas de cannabis, por dia.”;
3.ª – Que foi por ter avaliado mal a prova produzida em julgamento e violado o princípio "in dubio pro reo" que o tribunal "a quo" deu como provado que o arguido praticou os crimes de ameaça agravada e de tráfico de estupefacientes pelos quais depois o condenou;
4.ª – Que o tribunal "a quo" desrespeitou o acórdão de fixação de jurisprudência (AFJ) n.º 1/2015, publicado no DR 18, SÉRIE I, de 27-1-2015, ao ter condenado o arguido pelo crime de ameaça agravada referente ao ofendido (...);
5.ª – Que, de qualquer forma, não estão preenchidos todos os elementos objectivos dos dois crimes de ameaça agravada, dado o mal enunciado ser iminente e não futuro, como o exige o tipo legal em causa;
6.ª – Que, de qualquer modo, o tráfico de estupefacientes constatado em 29-11-2018 deve ser enquadrado não no art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22-1, pelo qual foi condenado, mas antes no de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º al.ª a) do referido diploma legal;
7.ª – Que, ainda assim, os estupefacientes que o arguido (...) detinha em 19-7-2018 eram para seu consumo pessoal, pelo que – e passamos a citar a conclusão 115 do recurso – o arguido deverá ser absolvido do crime de tráfico de menor gravidade, pevisto e punido pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 janeiro, com referência à Tabela I-C anexo, devendo a sua conduta ser subsumida como um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º, nº2, do Decreto-Lei nº15/93 , de 22 de Janeiro, pelo qual lhe deve ser aplicada uma pena de multa; e
8.ª – Que a pena de 2 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada pelo crime de detenção de arma proibida é exagerada e deve ser fixada em não mais de 1 ano e 6 meses.
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Quanto à 1.ª das questões postas, a de que, nos termos do art.º 379.º, n.º 1 al.ª c), o acórdão recorrido é nulo por não se ter pronunciado sobre o requerimento feito pelo arguido para que as armas que lhe foram apreendidas fossem declaradas perdidas a favor do Estado, uma vez que não podem ser legalizadas:
Em 24-10-2019, o recorrente apresentou requerimento aos autos do seguinte teor:
(…) vem ao abrigo do disposto no art.º 115º, n.º 1, da Lei 50/2019, de 24 de julho e para efeitos constantes do mesmo declarar que realizado o exame às armas apreendidas nos autos e não as podendo manifestar por sua iniciativa, requer que as mesmas sejam perdidas a favor do Estado, por não poderem ser legalizadas.
Sobre este requerimento recaiu despacho, que ficou a constar em acta da sessão de julgamento de 25-10-2019, no sentido de diferir para momento posterior o pronunciamento sobre o requerido, nomeadamente, em sede de acórdão.
Foram apreendidas, com relação ao recorrente, duas armas: um bastão extensível e uma arma de fogo modificada (pistola de alarme transformada por forma a poder deflagrar munição real).
O recorrente veio a ser absolvido da prática de um crime de detenção de arma proibida que lhe vinha imputado na acusação e que se reportava ao bastão extensível.
Contudo, por o bastão extensível e a arma de fogo modificada (pistola de alarme transformada por forma a poder deflagrar munição real) serem armas da classe A (art.º 3.º, n.º 2 al.ª i) e l), da Lei n.º 5/2006, de 23-2 [Regime Jurídico das Armas e Munições], é proibida a sua venda, aquisição, cedência, detenção, uso e porte (art.º 4.º, n.º 1, do mencionado regime jurídico) – pelo que o inelutável destino das mesmas é serem declaradas perdidas a favor do Estado.
Assim, o requerimento do arguido (...) para que tais armas sejam declaradas perdidas a favor do Estado é um acto processual inútil, porque o perdimento ou não das mesmas não depende da vontade, nem do querer ou deixar de querer do arguido manifestado pelo mesmo.
De modo que qualquer que tenha sido a decisão proferida pelo tribunal "a quo" a esse respeito ou mesmo que o tribunal "a quo" tenha omitido pronunciar-se sobre o assunto, carece o arguido (...) de interesse em agir a esse respeito, pelo que não pode o mesmo recorrer dessa parte do acórdão (art.º 401.º, n.º 2). No caso concreto, o único sujeito processual com legitimidade e interesse em agir no tocante a essa questão é o M.º P.º, que não recorreu. O que leva a que só se o tribunal "ad quem" detectar aí a existência de algum assunto de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer é que terá de debruçar-se sobre o tema.
Certo que o art.º 374.º, n.º 3 al.ª c), manda que a sentença termina pelo dispositivo que contém a indicação do destino a dar a animais, coisas ou objectos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas.
Mas a omissão de tal indicação não faz parte das nulidades da sentença elencadas no art.º 379.º, mormente na 1.ª parte da al.ª c) do seu n.º 1 (omissão de conhecimento de questões que devesse apreciar), porque a declaração do imperativo perdimento a favor do Estado de uma arma proibida pode sempre ser efectuada a todo o tempo, antes ou após a prolação do acórdão ou sentença, seja estes condenatórios ou absolutórios, inclusive após o trânsito em julgado dos mesmos.
Improcede, pois, a apontada nulidade.
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Quanto à 2.ª das questões postas, a de que no tocante ao crime de tráfico de estupefacientes o tribunal "a quo" incorreu no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere o art.º 410.º, n.º 2 al.ª a), na medida em que – segundo a conclusão 67 –, deveria ter ficado igualmente apurado e provado, que “O arguido é consumidor excessivo de canabinoides, consumindo uma média de 75 a 85 gramas de cannabis, por dia.”:
O disposto neste art.º 410.º, n.º 2, refere-se aos vícios da matéria de facto fixada na sentença, o que não se deve confundir com os vícios do processo de formação da convicção do tribunal no apuramento e fixação da matéria de facto fixada na sentença.
É por isso que esses vícios têm de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos externos à sentença, ainda que constem do processo.
O da insuficiência da matéria de facto provada para proferimento da respectiva decisão a que se refere a al.ª a) do n.º 2, verifica-se quando há lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação daquela matéria.
Podendo e devendo fazer-se uma total reconstrução dos factos com vista à sua subsunção na concreta previsão legal, houve uma falha naquela reconstrução, o que necessariamente se repercute na qualificação jurídica dos mesmos e/ou na medida da pena aplicada, acarretando a normal consequência de uma decisão viciada por falta de base factual.
Este vício influencia e repercute-se na decisão proferida, a qual, por isso, não poderá ser a decisão justa que devia ter sido proferida.
Não se deve confundir este vício com uma errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, pois neste caso estamos é perante um erro de julgamento.
Nem, por outro lado, tal vício se reduz e atém a uma discordância sobre a factualidade dada como apurada, construída em termos legais – art.º 127.º, do Código de Processo Penal – com base nas “regras da experiência” e formada e apreciada pela “livre convicção da entidade competente”.
Também a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para a matéria de facto provada.
Do que se trata na primeira, é da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito; na segunda, da insuficiência da prova para a matéria de facto dada como provada.
Ali o que se critica é o facto do tribunal não ter investigado, apreciado todos os factos que podia e devia; na insuficiência da prova censura-se o facto do tribunal ter dado como provados factos sem prova suficiente.
E só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal deixe de investigar, podendo fazê-lo, toda a matéria de facto relevante, de tal forma que os factos declarados provados não permitam, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador.
(Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-5-98, Colectânea de Jurisprudência dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, II-199, e de 25-9-97, Boletim do Ministério da Justiça 469-351; e acórdão da Relação de Coimbra, de 27-10-99, Colectânea de Jurisprudência, 1999, IV-68).
Ora compulsada a decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos externos, como manda o corpo do n.º 2 do art.º 410.º, do Código de Processo Penal, não detectamos a existência de qualquer dos vícios de que estivemos a falar.
Na verdade, para apurarmos se determinados pormenores que o tribunal plasmou na matéria de facto assente como provada resultaram efectivamente da prova que foi produzida em julgamento é necessário ir manusear as transcrições do registo magnetofónico da prova. Mas isso é consultar um elemento alheio ao texto da decisão recorrida, o que retira o assunto do âmbito do art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, para o colocar num outro, a que já acima fizemos referência e que é o dos vícios do processo de formação da convicção do tribunal no apuramento e fixação da matéria de facto fixada na sentença.
O que o recorrente impugna é afinal outra coisa: é a convicção do tribunal.
O recorrente quer impor ao tribunal a sua própria convicção, a ideia com que ele ficou da prova, aquilo de que ele se convenceu ou quis convencer.
Na linha de orientação resultante da leitura completa do recurso, resulta que esta questão é posta sobretudo a propósito do produto estupefaciente encontrado ao arguido (...) no dia 19-7-2018, no interior do estabelecimento de diversão nocturna (…), ocasião em que lhe foi encontrado “canabis resina” com um peso líquido de 7,072 gr., e de “canabis (fls.sumid.) com um peso liquido de 7,625gr. (além da quantia de 326 €) – factualidade que determinou o tribunal "a quo" a condená-lo por um crime de trafico estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos art.º 21.º, n.º 1 e 25.º, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22-1, na pena de 2 anos de prisão, que o arguido pretende agora, de acordo com o que resulta da conclusão 115 de seu recurso, seja antes subsumida como um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º, nº2, do Decreto-Lei nº15/93 , de 22 de Janeiro, pelo qual lhe deve ser aplicada uma pena de multa, pois que tal estupefaciente se destinaria na totalidade ao seu consumo, uma vez que alega consumir uma média de 75 a 85 gramas de cannabis, por dia.
O art.º 40.º do Decreto-lei n.º 15/93 foi revogado pela Lei n.º 30/2000, 29-11, excepto quanto ao cultivo. Assim e no que se refere ao consumo, estabelece o art.º 2.º desta Lei n.º 30/2000 que:
1 - O consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior constituem contra-ordenação.
2 - Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
As sanções estão estabelecidas nos art.º 15.º a 24.º daquela lei.
Sendo que o STJ, nos seus acórdãos de 28-9-05, processo 05P1831, CJ dos acórdãos do STJ, 2005, III-170, e de 20-12-2006, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2006, III-252 (ambos também acessíveis em www.dgsi.pt) entende que mesmo que a quantidade detida para consumo próprio exceda o consumo médio individual durante o período de 10 dias fixado pela Portaria XXXX, continua a ser a mencionada contra-ordenação, com as mesmas sanções.
Adiante.
A pretensão do arguido em que se dê como provado que ele à data dos factos consumia uma média de 75 a 85 gramas de cannabis, por dia, merece-nos os seguintes comentários e decisão:
Ouvimos as declarações em julgamento sobre o assunto prestadas pelo arguido, a sua irmã (…) e a sua companheira, (...), e da forma como falam ficou-nos a segura convicção de que sobre o assunto diriam o que fosse necessário dizer para elevar o mais possível a quantidade de canabinoides que o arguido (...) consumia por dia, sendo que, no entanto, (…), cunhado de facto do arguido e para quem este trabalhava esporadicamente na construção civil, chamado a depor sobre os seus hábitos de trabalho, até disse que não sabia que ele era toxicodependente, embora fumasse um charro de vez em quando.
Assim, o arguido disse:
E fumo 20 a 30 charros por dia com 4g por ganza, mas todos os dias.
Ou seja, 120 gramas por dia – o que dá 3 quilos e 600 gramas por mês…
E mais à frente:
Sra. Dra desculpe, nós, mas ninguém sabe como nós fumamos, nós fumamos 4, 5g num charro.
Ou seja, 150 gramas por dia – 4 quilos e meio por mês, portanto…
E o psicólogo clínico do arguido, Dr. (...) que o seguiu durante cerca de seis meses, entre Junho e Novembro de 2018 em 5 consultas, disse:
Eram consumos excessivos, ele relatava que chegava a colocar 3 ou 4g num cigarro de haxixe.
Mandatária do Arguido: Num charro?
Psicólogo: Ok.
Mandatária do Arguido: Isso era num charro que ele fumava?

Psicólogo: Sim.

Mandatária do Arguido: E que quantidades eram essas?

Psicólogo: Ele relatou-me que eram 4 ou 5 e eram mesmo consumos excessivos de canabinoides
Portanto e no máximo, 5 charros de 4 gramas por dia = 20 gramas de canabinoides por dia, 600 gramas por mês – bem longe das agora pretendidos 120-150 gramas por dia, 3,6/4,5 quilos por mês.
Daí que bem tenha andado o tribunal "a quo" ao não ter consignado nos factos provados que o arguido consumia uma média de 75 a 85 gramas de cannabis, por dia. E também que não tenha concluído que a totalidade do produto estupefaciente que em 19-7-2018, no interior do estabelecimento de diversão nocturna (…), lhe foi encontrado se destinassem em exclusivo ao seu próprio consumo, incorrendo assim tão só na contra-ordenação do art.º 2.º desta Lei n.º 30/2000, de 29-11.
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Quanto à 3.ª das questões postas, a de que foi por ter avaliado mal a prova produzida em julgamento e violado o princípio "in dubio pro reo" que o tribunal "a quo" deu como provado que o arguido praticou os crimes de ameaça agravada e de tráfico de estupefacientes pelos quais depois o condenou:
Temos pois que ir ouvir as gravações da prova produzida em julgamento, designadamente a indicada pelo recorrente, para aferir o que se passou.
Não olvidando o ensinamento de Germano Marques da Silva, in Fórum Justitiae, Ano 1, n.º 0, pág. 22, de que «o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas um remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância».
Acreditar ou não num depoente ou acreditar num e não acreditar noutro é uma questão de convicção. Essencial é que a explicação do tribunal porque é que acredita naquele e já não acredita no outro seja racional e tenha lógica.
E quem está numa posição privilegiada para avaliar essa credibilidade é, sem dúvida, o tribunal da 1.ª Instância, que beneficiou da oralidade e da imediação que teve com a prova.
Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre eles num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória na valoração dos depoimentos há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.
Aliás, segundo recentes pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação presencial, apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra, sendo que o tom de voz e a fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder – vide Lair Ribeiro, “Comunicação Global”, Lisboa, 1998, pág. 14. Ora se a audição de uma gravação permite fruir com fidelidade aqueles 7% de capacidade de influência exercida através da palavra e ainda, mas nem sempre, os 38% referentes ao tom de voz, sobram os 55% referentes à fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, a que o tribunal de 2.ª Instância nunca terá acesso.
É que há sempre coisas que os juízes de julgamento viram enquanto ouviam e não ficaram na gravação e das quais, por isso, o tribunal de recurso nunca se aperceberá, sendo por vezes precisamente essas que fazem a diferença e levam o tribunal a quo a tombar para o lado do provado em vez do não provado ou vice-versa.
Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.
A prova testemunhal não é, pois, para ser avaliada aritmeticamente. Ou como se o depoimento de uma testemunha fosse para ser considerada com o rigor de uma escritura de um notário.
Por isso é que o art.º 127.º, do Código de Processo Penal, dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente; salvo quando a lei dispuser diferentemente, o que não é o caso.
Conforme refere o Prof. Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal, II-27) as regras ou normas da experiência "são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto, sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade” e a livre convicção "é um meio da descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade, portanto, uma conclusão livre porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores".
Certo que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-11-98, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, III-201.
Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum – acórdãos do STJ de 6-3-02, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.002, II-44 e da Relação de Évora de 25-5-04, Colectânea de Jurisprudência, 2.004, III-258.
No caso dos autos e em última análise, o que o recorrente pretende é substituir a convicção do tribunal pela sua. E embora desenvolva um quadro argumentativo com o qual pretende demonstrar, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade, não logrou convencer-nos disso, ou seja, de que a decisão do tribunal "a quo" em matéria de facto não é possível ou não é plausível.
É que não basta que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal "a quo" por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção ‘era possível’. Exige-se-lhe que indique a prova que imponha uma outra convicção.
De resto, do que o art.º 412.º, n.º 3 al.ª b), do Código de Processo Penal, fala é da indicação pelo recorrente das provas que imponham uma decisão diversa da recorrida, não de provas que eventualmente também permitam outra decisão de facto.
Recordemos então qual a matéria de facto assente como provada pelo tribunal "a quo" e sobre a qual o recorrente alega não ter sido produzida prova em julgamento.
E vamos por partes.
Na referente ao crime de ameaça contra (...), é o que agora se deixa a negrito:
No dia 27-04-2018 no período compreendido entre as 04:20h e as 04:33h, o arguido (...), conhecido pela alcunha de (…) deslocou-se ao estabelecimento de bebidas denominado (…) sito na (…) e uma vez no seu interior dirigiu-se ao ofendido (...) e num tom sério e firme proferiu, entre outras, a seguinte expressão: «eu mato-vos».
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) sendo que o ofendido (...) estava convicto que trazia consigo uma arma de fogo, revestiram foros de seriedade e provocaram no ofendido (...) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança.
Para dar este episódio como provado, baseou-se o tribunal "a quo" sobretudo no depoimento da testemunha (...).
Alega então o recorrente (...) que a testemunha (...), nunca disse que conhecia o ora recorrente pela alcunha de (…), aliás em todo o seu depoimento referiu-se sempre ao arguido pelo seu nome, (...).
Acontece que o que ficou provado não foi que a testemunha (...) conhecia o arguido por (...), mas antes que o arguido era geralmente conhecido por essa alcunha. Mas, já agora, quem em julgamento disse que o arguido (...) era conhecido com (...) (...) foi … o (...), quase no fim do seu depoimento e mediante pergunta da Senhora Juíza Presidente, muito a custo, um bocado contrariado, lá disse.
Depois, alega o recorrente que a testemunha também nunca disse que o arguido proferiu a expressão “eu mato-vos”; aquilo que a testemunha declarou em julgamento é que o arguido quando entrou no bar à procura do segurança, disse “Que ia dar um tiro na cabeça do segurança. Que dava um tiro a toda a gente e a mim” e que “achava que estava a falar a sério”. Ou seja, alega o recorrente que ele nunca proferiu a expressão «eu mato-vos».
Mas vejamos: que a expressão concreta usada pelo arguido tenha sido, citada em discurso directo, «eu mato-vos»; ou antes, agora em discurso indirecto, «que dava um tiro a toda a gente e a mim», vai dar ao mesmo: ameaça agravada – pelo que neste aspecto a impugnação da matéria de facto é irrelevante.
Depois, põe o recorrente em causa que aquelas palavras do arguido (...) tenham revestido foros de seriedade e provocaram no ofendido (...) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança.
Continuamos no mesmo registo de irrelevância da impugnação da matéria de facto: parecer à testemunha (...) que o arguido (...) estava a falar a sério quando lhe disse que lhe dava um tiro quer dizer, em termos de experiência de vida, que ofendido (...) ficou naturalmente com receio, medo e inquietação, fazendo-o até recear pela sua vida, situação que só mais tarde se terá desvanecido, quando voltaram a conversar. Sendo que este voltar mais tarde a conversarem é uma forma sobejamente conhecida de pacificação posterior de uma situação anterior potencialmente geradora de rancor e por isso perigosa, que assim se resolve a bem e com conversa. E a testemunha (...) também não disse que foi ele que mais tarde foi ao encontro do arguido (...), mas apenas que se encontraram.
De forma que se mantem intocada a matéria de facto assente como provada no tocante ao episódio referente a (...).

Na referente ao crime de ameaça contra (...), é o que agora se deixa a negrito:
No dia 02-05-2018 pelas 03:10h, o arguido (...) encontrava-se no interior do estabelecimento supra identificado (…) quando se dirigiu ao ofendido (...) e tal como já havia feito em pelo menos duas ocasiões anteriores a esta, cujas datas concretamente não se lograram apurar, num tom sério e grave disse-lhe entre outras coisas “dou-te um tiro que te mato.”
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) revestiram foros de seriedade e provocaram no ofendido (...) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança.
Ouvido em julgamento sobre a ocorrência, (…) declarou:
Digno Magistrado M.º P.º

Alguma vez ouviu limpo-te o sebo, estás a olhar para a minha namorada,

Testemunha

Isso foi da primeira vez que ele foi lá…
Digno Magistrado do M.º P.º

Testemunha
Diga?

Digno Magistrado M.º P.º

O Sr. (…) disse-lhe isso?

Testemunha

Sim, sim

Digno Magistrado M.º P.º

Foi uma vez, mais que uma vez….?

Testemunha

Foram duas vezes, dessa vez e foi uma que até teve lá a polícia que o levaram

Digno Magistrado M.º P.º

E ele estava a brincar consigo ou lhe disse de forma séria?

Testemunha

Ele disse de forma séria.

Digno Magistrado M.º P.º

E quanto ao Sr. (...) ele disse algo na sua presença?

Testemunha

Ah , o que ele disse, foi , que me matava a mim e ao (...).


E mais à frente:
Mandatária do Arguido
O Sr. há pouco, não se lembrava. Há pouco, quando lhe começaram a falar

sobre isto, o Sr. não se lembrava. Assim de ter acontecido algo de especial. O Sr. teve medo?
Testemunha

Não.

Mandatária do Arguido Não teve medo? Testemunha
Não

Mandatária do Arguido

Foi por isso que quis desistir do procedimento criminal? Que apresentou na altura?

Testemunha

Não….Perguntaram se eu queria seguir com aquilo para a frente e eu como não queria problemas, não segui.
Mandatária do Arguido

Então o Sr. dessas vezes, portanto, que o Sr. procurador teve a gentileza de repetir o que tinha acontecido, o Sr. nunca teve medo, ou chegou a sentir medo pela sua vida?
Testemunha

Não.

E mais à frente:
Juiz Presidente

Portanto, acabou por encolher os ombros, quer dizer que não teve grande receio, também já disse isto, ou é normal todos os dias lhe dizerem isto, dou-te um tiro?
Testemunha
Não é normal, mas é quase

Juiz Presidente

Não o afeta grandemente é isso?

Testemunha

É quase isso. Por isso na noite dizem tudo e mais alguma coisa.

De resto, é o próprio recorrente que a fls. 36 da motivação de seu recurso admite que disse que matava o (...) e chamou-lhe nomes, e que esta testemunha declarou que “o coiso dele é querer dar um tiro”.
Mais uma vez e de novo, constar dos factos provados ter o arguido dito à testemunha e ofendido (...) em discurso directo "dou-te um tiro que te mato” ou contar o ofendido, citando o arguido em discurso agora indirecto, que “Ah , o que ele disse, foi, que me matava a mim e ao (...)” – é, afinal, o mesmo.

No tocante à impugnação feita pelo arguido (...) de que, tal como ficou provado no acórdão recorrido, As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) (…) provocaram no ofendido (...) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança, diremos que, efectivamente, em face do que o ofendido (...) declarou em julgamento e acima está transcrito, esta parte da matéria de facto não pode ser dada como provada, como o fez o acórdão recorrido, por, desde logo, ir frontalmente contra o que o próprio ofendido asseverou a tal respeito.
Assim, passará tal excerto para o rol dos factos não provados.
Não obstante, mantem-se como provado que As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) revestiram foros de seriedade, por ser isso mesmo que resulta da prova produzida em julgamento:
Digno Magistrado M.º P.º

E ele estava a brincar consigo ou lhe disse de forma séria?

Testemunha

Ele disse de forma séria.

Assim e em resumo:
Permanece como provado que:
No dia 02-05-2018 pelas 03:10h, o arguido (...) encontrava-se no interior do estabelecimento supra identificado (…) quando se dirigiu ao ofendido (...) e tal como já havia feito em pelo menos duas ocasiões anteriores a esta, cujas datas concretamente não se lograram apurar, num tom sério e grave disse-lhe entre outras coisas “dou-te um tiro que te mato.”
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) revestiram foros de seriedade.
E passa para o rol dos factos não provados que:
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...), tenham provocado no ofendido (...) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança.
Quanto às consequências jurídicas a extrair desta alteração da matéria de facto no tocante à integração dos demais factos provados referentes ao ofendido (...) como preenchendo ou não o crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, pelo qual o arguido (...) foi condenado na pena parcelar de 6 meses de prisão – a esse assunto nos dedicaremos mais adiante.

Passemos agora à impugnação da matéria de facto provada referente aos crimes de tráfico de estupefacientes.
Pretende o arguido (...) que o estupefaciente e as duas balanças de precisão que em 29-11-2018 foram encontrados no interior de uma mochila que estava na sala da casa aonde ele vivia, não lhe pertencem, mas são antes de (...), que lá viveu durante cerca de duas semanas e assumiu em julgamento ser o seu proprietário.
E, na verdade, foi isso que (...) inesperadamente declarou em julgamento, uma vez que até aí nunca houvera notícia de tal no processo:
Mandatária do Arguido

Olhe o Sr. teve algum período da sua vida a residir na casa da mãe do sr. (...)?

(...)

Sim estive lá cerca de uma semana e meia, duas semanas mais ou menos.

Mandatária do Arguido

Recorda-se mais ou menos se isso foi em novembro?

(...)

novembro ou outubro, mais ou menos, eu sai em 6 de outubro de 2018, ou fins de outubro princípios de novembro.[1]

Mandatária do Arguido

E ficou lá até fins de novembro?

(...)

Sim

Mandatária do Arguido

Na casa do Sr. (...)?

(...)

Sim

Mandatária do Arguido

Olhe vou-lhe fazer uma pergunta muito direta: Olhe o Sr. (...) está aqui acusado portanto de um crime de trafico de estupefacientes, por ter sido encontrada na sala, dessa residência, uma mala que continha, uma grande quantidade de droga, essa mala era sua?


(...)

Sim essa mala preta era minha, continha assim uma quantia mais ou menos elevada de estupefacientes.

Mandatária do Arguido

Portanto, a mala que estava na sala era sua?

(...)

Sim era minha.

Juiz Presidente

Olhe a mala que estava na sala era sua, e droga que estava la dentro? Mormente 11
doses de canábis, 30 doses, 181, 7, 84 de MDMA 1589, 69, isto tudo no total 2456 doses de haxixe 82 doses de MDMA e 14 doses de cocaína, era tudo seu?

(...)

sim

Juiz Presidente

É isso? Está muito bem. Sabe o que isso quer dizer? Não sabe?

(...)

Sei, infelizmente sei

Juiz Presidente

E as consequências criminais disso mesmo. Também sabe? Está a me dizer que sim com a cabeça?

(...)

Sei, sei

Na sequência destas declarações, (...) foi constituído arguido, correndo contra si o inquérito 3966/19.3T9PTM, que se encontra a decorrer os seus trâmites no DIAP 1ª Secção de Portimão e o qual não tem ainda acusação.
(...) continuou a ser inquirido no julgamento dos presentes autos como testemunha e declarou mais o seguinte:
Juiz Presidente

E estava a dizer, e estava a dizer que a sua mochila preta estava lá em casa é isso? Era a sua.

(...)

Foi esquecimento, ia trabalhar na altura, esqueci-me lá

Juiz Presidente

Está bem, mas espere lá, a mochila estava onde?

(...)

Estava na sala, à entrada da porta, que era para eu levar quando sair para fora.

Juiz Presidente

E estava a dizer, e estava a dizer que a sua mochila preta estava lá em casa é isso? Era a sua.

(...)

Foi esquecimento, ia trabalhar na altura, esqueci-me lá

Juiz Presidente

Está bem, mas espere lá, a mochila estava onde?

(...)

Estava na sala, à entrada da porta, que era para eu levar quando sair para fora.

Juiz Presidente

Mas viveu em casa da senhora 10 dias é isso?

(...)

15 dias mais ou menos

(…)

Juiz Presidente

E que tinha mais nesta mala, mochila?

(...)

Tinha duas balanças, tinha cerca de 22 placas de 100g, 10g de MDA 10 g de canábis, não sei quantas meias placas partidas, que eu parti na noite anterior.

Juiz Presidente

Sim senhora, e mais, que tinha mais lá na mochila?

(...)

Eram as meias placas que parti, as placas inteiras, o MD, a cocaína, duas balanças…

Juiz Presidente

Sim……

(...)

E acho que não era mais nada.

Juiz Presidente

E como era a mochila?

(...)

Era uma mochila preta, de meter às costas.

Juiz Presidente Qual era a arca? (...)
Não me recordo.

(…)

Juiz Presidente

E esta droga toda era para?

(...)

Era para vender e consumo próprio.

Juiz Presidente

E onde a comprou?

(...)

Comprei em Espanha, nas três mil vivendas, um bairro assim, com um nome um apropriado.

Juiz Presidente

Eu não percebi o nome do bairro?

(...)

No bairro das três mil vivendas

Juiz Presidente Três mil vivendas?
(...)
Sim

Juiz Presidente

E era só sua, é isso?

(...)
Sim.
Sobre este assunto da mochila, foram ainda ouvidas em julgamento a mãe do arguido (...) (…) e a companheira do mesmo (...) – que são as únicas pessoas que poderiam esclarecer mais alguma coisa.
Não pode este Tribunal da Relação deixar de expressar que, lida a reprodução do depoimento do (...) nas alegações no recurso, à partida e sem mais, ficámos deveras perturbados pela circunstância de, num caso de tráfico de estupefacientes em que não foi arrolado como prova quem quer que seja que tenha visto o arguido (...) a vender estupefaciente ou lho tenha comprado, não houve vigilâncias nem escutas telefónicas – apenas a apreensão da mochila contendo o estupefaciente e duas balanças de precisão na sala de estar da casa de família do arguido –, e não obstante o teor do depoimento de (...), o tribunal "a quo" não ter acreditado no mesmo e condenado o arguido (...).
O desconforto daquela nossa assinalada perturbação só se dissipou após ouvirmos várias vezes a gravação dos depoimentos prestados por aquele arguido, pelo (...), pela mãe e pela companheira do arguido, que eram as pessoas que dizem que moravam na altura da ocorrência naquela casa. E ainda (...), irmã do arguido (...).
E… concordamos afinal inteiramente com o teor da parte da fundamentação da decisão da matéria de facto constante do acórdão recorrido referente a este episódio da mochila:
A testemunha (...)referiu ter estado a morar em casa do arguido (...) uns 10/15 dias e deixou lá a mala/mochila com o produto estupefaciente que tinha para venda. Deixou-a à porta de casa. Refere que dentro da mala preta estava uma quantidade mais ou menos elevada de produto de estupefaciente que era dele. Foi esquecimento pois ia trabalhar. Porem, não se lembra sequer do nome da mãe do (...) pois só ia lá dormir…
Morava lá em casa a mãe do (...), o (...) e a namorada e pagou «uma media de 250 euros» para lá estar. Tinha haxixe partido mas com uma faca que não estava lá em casa, para alem do restante produto e duas balanças. Esqueceu-se da mochila pois estava à pressa para trabalhar na Construção civil e bem assim porque no dia anterior tinha estado a beber. Comprou a droga em Espanha e era para venda e para consumo próprio…
Desconhece qualquer alcunha ao (...)[2] e só disse agora que o produto estupefaciente era dele pois não queria prejudicar ninguém.
Perante tal depoimento, muito embora a defesa do arguido (...) tivesse prescindido da mãe do arguido (...), (...), o Tribunal chamou-a a depor ao abrigo do disposto no artigo 340º do CPP.
Por esta testemunha foi referido logo que o (...) esteve lá em casa a dormir uma semana e que apenas o conhece dessa estada. Disse logo também que lhe dava de jantar, pelo menos três ou quatro dias (ao contrario do próprio (...) que referiu nem sequer conhecer o nome da mãe do (...) pois só ia lá dormir) e que lá apenas moravam duas pessoas (a depoente e o (...)) para logo a seguir dizer que moravam três pessoas (a depoente, o (...) e o (...) – não indicando assim a companheira do (...) que igualmente depôs que lá morava). Referiu também que como é amigo do filho não lhe cobrou nada (o (...) referiu que terá pago 250 euros) e nunca lhe viu qualquer mochila preta, só sacos de roupa. Acrescentou ainda que a porta de saída que é utilizada é a da cozinha e não a da rua. Alias, toda a gente entra pela porta da cozinha pois a porta da rua não é utilizada e está sempre fechada à chave. (Refira-se aqui que a mochila em causa estava junto à porta que afinal não era utilizada – conforme fotografias junto aos autos e que o próprio (...) disse que ela a porta da rua utilizada para sair). Refere que o (...) não tinha chave de casa (concluindo-se que não podia sair pela porta onde se encontrava a mochila) e que a depoente fazia o jantar quase todos os dias para o filho e para o (...). Confrontada com o facto de a namorada do (...) também viver na sua casa… disse não saber pois era muito raro vê-la! Mas acha que não vivia lá! (muito embora, depois a instancias da Ilustre Defensora acabou por dizer que afinal a companheira do arguido também vivia lá). Um dia, o (...) foi embora e não disse porquê, só lhe agradeceu. Porem, referiu posteriormente que deixou lá a roupa mas também não a viu, nem sabia que ele já não vinha, até porque ele agradecia-lhe todos os dias quando se ia deitar... Igualmente não lhe pediu a roupa mais tarde nem sabe se ele a foi buscar ou se alguém lha deu. Só ao fim de 3 dias soube que foi apreendida droga mas não sabe de quem é a droga e o filho não lhe disse que a droga não era dele.
A testemunha (...), irmã do arguido, que costuma frequentar a casa da mãe, referiu que o irmão vivia em casa da mãe com a companheira. Antes do acontecimento, a mãe estava lá com um rapaz chamado (...) e com o filho. O (...) tinha pena das pessoas e levava-as para casa. Foi a depoente que entregou a roupa ao (...) depois deste acontecimento, entregou a roupa em sacos de plástico, logo no dia 29 e não lhe perguntou por mais nada, nomeadamente pela mochila. Acresce que o bastão encontrado em casa era do pai há mais de 15 anos. Por esta testemunha foi referido que o (...) não jantava com a família e a mãe estava em casa a partir das 17 horas. Por sua vez, a (...) (companheira do arguido) estava sempre em casa e ajudava a mãe da depoente na lide da casa. Por fim referiu igualmente que foi visitar o irmão quando foi preso e ele não lhe disse que a droga não era dele.
Ora estes depoimentos, foram manifestamente titubeantes e incongruentes entre si não logrando convencer o Tribunal.
(…)
Ora, estes depoimentos foram todos eles contraditórios e titubeantes entre si, apenas sendo todos coincidentes no ponto em que o (...) estava a pernoitar lá em casa e que o produto estupefaciente era dele. Porem, não é pela quantidade de depoimentos que a prova se faz mas pela sua qualidade e assertividade, sendo que neste aspecto inexistiu qualquer elemento em comum.
Ou seja, no que se reporta aos pormenores, uns referem que o (...) lá pernoitava e jantava, outros referem que o (...) só ia lá dormir. Uns referem que a mochila encontrava-se na porta da rua pela qual saia e ter-se-á esquecido, outros referem que essa porta nunca era aberta e inclusivamente estava fechada à chave e que o (...) não tinha chave de casa. Outra contradição flagrante é no que se reporta inclusivamente ao numero de pessoas que viviam em casa, pois que a dona da casa nem sequer referiu inicialmente que a companheira do (...) lá vivia (o que a própria (...) diz que vivia ainda que nesse dia em concreto tivesse ido dormir para casa da mãe), acrescentando que era ela que fazia o jantar para o (...) e para o (...)…. (e não para a (...)) jantar esse que o (...) referiu não ter comido porquanto apenas ia dormir pelo que nem sequer sabe o nome da mãe do (...)….
Ora, da pequena amostra de contradições que supra se expõem necessário se torna tirar a ilação que as testemunhas referidas (todas elas familiares do arguido para além do (...) que se encontrava detido no mesmo EP do ora arguido) não relataram a verdade a este Tribunal e em conclusão não lograram convencê-lo.
Alias não olvidemos que o arguido em sede de primeiro interrogatório e previamente advertido que as suas declarações podiam ser valoradas em audiência de discussão e julgamento (ainda que não lidas conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 14.09.2016 e bem assim o Acórdão da Relação de Évora de 07.02.2017 in www.dgsi.pt onde se pode ler «As declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial pelo arguido, após ter sido advertido do disposto no artigo 141º, nº 4, al. b), do C. P. Penal, porque integradas no processo, consideram-se examinadas em audiência e não têm de ser nela lidas para serem valoradas pelo tribunal na decisão final») havia avançado ainda com outra explicação – esquecendo totalmente o (...) – referiu que a tal mochila era da companheira que já havia ali deixado há alguns dias e que estava à espera que ela regressasse a casa para a confrontar…. Coisa que nunca fez. Terá, entretanto, mudado a sua versão dos factos pois que descobriu - já preso - que a companheira estaria grávida…. quem sabe…
O que realmente se conclui, é que toda a prova da defesa feita em audiência de discussão e julgamento não logrou sequer abanar a convicção do Tribunal para a posse e necessária venda do produto estupefaciente apreendido por parte do arguido, mesmo sem ter em linha de conta as varias versões apresentadas pelo arguido em todo o processo.

Depois de termos ouvido a gravação destes depoimentos, descobrimos mais pormenores que sedimentam ainda mais a decisão de facto da 1.ª Instância quanto à propriedade da mochila.
Assim, quer a mãe, quer a companheira do arguido afirmaram que quando foram visitá-lo à prisão e falaram no assunto, este nunca se lhes queixou de que a mochila não fosse dele – o que é da natureza humana que decerto sucederia caso a mochila não fosse efectivamente sua e sendo certo que a detenção do conteúdo da mesma era a razão principal pela qual estava preso. E a mãe do arguido também afirmou que o (...) se despediu dela na noite anterior à busca, agradecendo-lhe a estadia e que se ia embora no dia seguinte (que foi o dia em que ocorreu a busca, a qual aconteceu depois de ele já ter saído – esquecendo-se assim, e de forma pouco plausível em termos de experiência da vida, da coisa mais importante que tinha lá em casa, uma casa que não era dele e na qual estivera por cerca de 10/14 dias, e que seria precisamente a mochila).
Assim, embora não tenhamos beneficiado das inegáveis vantagens da imediação que o tribunal "a quo" teve com estes depoentes, a audição da gravação (que se encontra em excelente estado) chega para corroborar claramente a decisão da matéria de facto feita pelo tribunal recorrido.

Por outro lado, queixa-se o arguido (...) que também não se fez qualquer prova que permita que lhe seja imputada a venda ou a distribuição ou a cedência a terceiros de produtos estupefacientes, ou que o arguido tenha adquirido um “diferencial” com elevada expressão económica e que os 550 € e os 264,36 € e os 326,50 € que lhe foram apreendidos não fossem provenientes do seu trabalho – como se referem os parágrafos 10, 11 e 12 da matéria de facto assente como provada.
Como consta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-04, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.004, III-197, que seguiremos de perto, o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto provando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta, só por si, conduzir à sua convicção.
Em sede de apreciação, a prova testemunhal pode ser objecto da formulação de deduções ou induções, bem como da correcção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.
Desde logo, é legítimo o recurso a tais presunções, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei, de acordo com o art.º 125.º, do Código de Processo Penal; e o art.º 349.º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351.º, do Código Civil).
Depois, as presunções simples ou naturais (como o são as aqui em causa) são simples meios de convicção e encontram-se na base de qualquer juízo, pois são o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
Como expendia Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, I-333 e ss., as presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cederão perante a simples dúvida sobre a sua exactidão em cada caso concreto.
Também Vaz Serra, em "Direito Probatório Material", Boletim do Ministério da Justiça, n.° 112 pág., 99, diz que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [..] ou de uma prova de primeira aparência».
Daí que esteja correcto o raciocínio desenvolvido pelo tribunal "a quo" na fundamentação da decisão da matéria de facto, quando sobre o tema expendeu:
Que o produto estupefaciente encontrado na posse do arguido (...) no dia 19.07.2018, para além do consumo, pelo menos parte, se destinava e venda, pois que o arguido (...) detinha 47 doses de haxixe, e bem assim €326,50 (ou seja, lucro) e uma arma (ou seja, proteção para o negócio) e não apenas para consumo como o arguido referiu.
Que todo o produto estupefaciente encontrado em casa do arguido (...) (em vários sítios) no dia 29.11.2018 era propriedade arguido o qual, - tendo em atenção, a quantidade (2454 doses de haxixe, 84 doses de MDMA e 14 doses de cocaína), a apreensão de três balanças de precisão e de sacos pequenos para embalar estupefacientes bem como as facas com resíduos de estupefaciente e 550 euros em notas, - era necessariamente para venda, até porque o arguido apenas referiu o consumo de canábis e não de cocaína ou MDMA.
E depois também não se vislumbra como é que os 550 € e os 264,36 € e os 326,50 € (portanto 1.140,96 €, uma pequena fortuna para o arguido) que lhe foram apreendidos possam ser fruto do seu trabalho e não do tráfico de estupefacientes, se ficou assente como provado – e o arguido não impugnou essa parte – que ele não desenvolvia actividade profissional, trabalhando pontualmente na construção civil com o irmão e na jardinagem com o cunhado.

Queixa-se ainda o arguido de ter sido violado o princípio "in dubio pro reo".
A violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-3-99, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1999, I-247; ou quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, esta resultar evidente do próprio texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência, ou seja, quando é verificável que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal – acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3-3-1999 e 4-10-2006, ambos acessíveis em www.dgsi.pt e ainda da Relação de Évora de 30-1-2007, no mesmo sítio da Internet.
Como é sabido, o princípio do in dubio pro reo é um corolário da presunção de inocência, consagrada constitucionalmente no art.º 32.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos (cf. art.º 18.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; 11.°, da Declaração Universal dos Direitos do Homem; 6.°, n.º 2, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais, e 14.°, n.º 2, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos).
Com efeito, enquanto não for demonstrada a culpabilidade do arguido, não é admissível a sua condenação. O que quer significar que só a prova de todos os elementos constitutivos de uma infracção permite a sua punição. Mas esse é um problema de direito probatório em processo penal. Como acentua Hans Heinrich Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal”, Parte General, 4.ª ed., pág. 127 e segs., tal princípio "serve para resolver dúvidas a respeito da aplicação do Direito que surjam numa situação probatória incerta".
Vem tudo isto a propósito de que da leitura da fundamentação da decisão recorrida, resulta que o tribunal a quo não teve dúvidas sobre os factos que deu como assentes, dúvidas que este Tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, também não tem, pois que só se a fundamentação revelasse que o tribunal a quo, face a algum ou alguns factos, tivesse ficado em dúvida "patentemente insuperável", como se referiu no Ac. do STJ de 15-6-00, publicado na Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.000, II-228, ou se, embora o tribunal "a quo" não reconhecesse o estado de dúvida, ele resultasse do texto da decisão recorrida só por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, só não sendo declarada pelo tribunal "a quo" por força de erro notório na apreciação da prova, é que se podia afirmar que havia sido postergado o princípio in dubio pro reo, que sendo um corolário da presunção de inocência, só vale até ser, como foi, elidida em julgamento.
A fundamentação da decisão de facto do acórdão recorrido não evidencia qualquer dúvida que tenha sido solucionada em desfavor do arguido.
E não havendo dúvida, nada há para resolver, pro ou contra quem quer que seja. É que, como bem se salienta no Acórdão do STJ de 14-4-2011 (rel. Cons. Souto de Moura), acessível in www.dgsi.pt., a situação de dúvida tem que se revelar de algum modo, e designadamente através da sentença. A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido.
Em face da prova, resultou a certeza da prática pelo arguido (...) do ilícito pelo qual foi condenado, não tendo havido qualquer violação do princípio in dubio pro reo.

Pelo exposto e em suma, improcede, pois, a impugnação da matéria de facto efectuada pelo arguido, excepto a parte acima explicitada no tocante ao efeito das ameaças dirigidas ao ofendido (...).
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Quanto à 4.ª das questões postas, a de que o tribunal "a quo" desrespeitou o acórdão de fixação de jurisprudência (AFJ) n.º 1/2015, publicado no DR 18, SÉRIE I, de 27-1-2015, ao ter condenado o arguido pelo crime de ameaça agravada referente ao ofendido (...):
Com o devido respeito, diremos que o recorrente está a fazer uma série de confusões a este respeito.
Vejamos:
Diz o recorrente a fls. 72-74 do seu recurso que … da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, baseada unicamente no depoimento da testemunha (...), não se pode dar como provados os factos descritos nos parágrafos 1º e 2º da matéria de facto da como assente, devendo o arguido deve ser absolvido do aludido crime de ameaça agravada, p e p. pelos artigos 153º, nº1 e 155º, nº 1 alínea a) do Código Penal, pelo qual foi condenado.
Com efeito, o que se pode extrair das declarações da testemunha (...) é que o arguido naquele local, dia e hora constantes do libelo acusatório disse “Que ia dar um tiro na cabeça do segurança. Que dava um tiro a toda a gente e ao (...)”.
Este assunto já acima foi tratado e decidido no sentido de que quer a expressão concreta usada pelo arguido tenha sido, citada em discurso directo, «eu mato-vos»; ou antes, agora em discurso indirecto, «que dava um tiro a toda a gente e a mim», ou até, na versão agora apresentada de que “ia dar um tiro na cabeça do segurança. Que dava um tiro a toda a gente e ao (...)”, vai dar ao mesmo: ameaça agravada – pelo que neste aspecto a impugnação da matéria de facto foi considerada irrelevante.
Retomando a motivação do recurso:
Com efeito, o que se pode extrair das declarações da testemunha (...) é que o arguido naquele local, dia e hora constantes do libelo acusatório disse “Que ia dar um tiro na cabeça do segurança. Que dava um tiro a toda a gente e ao (...)”.
Ora, esta expressão para além de não constar da acusação ( referente ao ofendido (...), também não contém qualquer facto concreto, no sentido de as pessoas supostamente visadas pelas frases reproduzidas, mais concretamente o segurança, as tenha percecionado, é que para além de nenhum segurança se encontrar no local naquele dia e hora, ( o ofendido estava sozinho) portanto não sabemos sequer quem eram os seus destinatários.
Pois. Mas a expressão “Que ia dar um tiro na cabeça do segurança. Que dava um tiro a toda a gente e ao (...)” não consta da acusação, nem do acórdão recorrido. Depois, a ameaça foi proferida contra o (...) e na sua presença e ele é o único ofendido deste episódio e o que está em causa é um só crime de ameaça, pelo que é irrelevante se mais alguém se encontrava ou não no interior de bar ou percepcionou ou não o sentido das palavras e se sentiu ou não intimidado por elas, porque não há mais ninguém considerado como ofendido nesta ocorrência.
O mencionado AFJ n.º 1/2015, publicado no DR 18, SÉRIE I, de 27-1-2015, tem o seguinte teor:
A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.
Como se constata, trata-se de uma invocação despropositada desta AFJ, tudo se reconduzindo antes a uma forma anómala de impugnar a matéria de facto.
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Quanto à 5.ª das questões postas, a de que, de qualquer forma, não estão preenchidos todos os elementos objectivos dos dois crimes de ameaça agravada, dado o mal enunciado ser iminente e não futuro, como o exige o tipo legal em causa:
Antes de mais, convém abordar a questão de estabelecer se resultam consequências jurídicas da circunstância de, no tocante à ameaça de que foi vítima (...), uma parte da matéria de facto que o tribunal "a quo" dera como provada ter passado para o rol dos factos não provados, em resulta da respectiva impugnação operada pelo recorrente.
Recorde-se ter ficado a ocorrência assim definida:
Permaneceu como provado que:
No dia 02-05-2018 pelas 03:10h, o arguido (...) encontrava-se no interior do estabelecimento supra identificado (…) quando se dirigiu ao ofendido (...) e tal como já havia feito em pelo menos duas ocasiões anteriores a esta, cujas datas concretamente não se lograram apurar, num tom sério e grave disse-lhe entre outras coisas “dou-te um tiro que te mato.”
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) revestiram foros de seriedade.
E passou para o rol dos factos não provados que:
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...), tenham provocado no ofendido (...) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa, bem como abalaram o seu sentimento de segurança.
Será que este novo alinhamento da matéria de facto assente como provada e não provada obsta à perfectibilização do crime de ameaça no tocante ao ofendido (...)?
Vejamos:
Como observou o Prof. Figueiredo Dias na comissão de revisão do Código Penal, em Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal, Ministério da Justiça-1993, Rei dos Livros, pág. 500, … o que se exige para preenchimento do tipo, é que a acção reúna certas circunstâncias, não sendo necessário que em concreto se chegue a provocar o medo ou inquietação.
Por exemplo: preenche o tipo, o indivíduo que ameaça outro com uma arma, embora este esteja no interior de uma casa perfeitamente defendido da acção, pois tal acção é normalmente adequada quer do ponto de vista do agente quer do que é geralmente reconhecido.
Isto é, como salienta Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, 1.ª ed., pág. 348 e 349, após a revisão de 1995 o tipo penal de ameaça deixou de ser um crime de resultado e de dano, como sucedia na versão originária do de 1982, para passar a ser um crime de mera actividade e de perigo.
Ou seja, não faz parte do tipo a efectiva lesão do bem jurídico protegido (por isso não é um crime de dano), nem a efectiva colocação em perigo do bem jurídico protegido (por isso não será um crime de perigo concreto), mas também não basta a ameaça com a prática de algum dos crimes a que se reporta o n.º 1 do art.º 153.º do C. Penal, para o preenchimento do tipo.
O legislador não se limitou a escrever no tipo uma conduta genericamente perigosa, de acordo com dados ou regras da vida da experiência quotidiana, como sucede nos crimes de perigo abstracto; exige ainda ao intérprete e aplicador do direito, – como é próprio dos tipos em que o legislador usa expressões do género ”idóneo para lesar”, “susceptível de prejudicar”, “apto a causar dano” – a comprovação no caso concreto de uma aptidão da acção para atingir aqueles bens jurídicos.
No que respeita ao tipo do art.º 153.º do Código Penal, exige-se a comprovação no caso concreto, da aptidão genérica das ameaças contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual, para provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação de pessoa determinada.
A comprovação desta aptidão genérica no caso concreto, corresponde ao juízo de adequação de que fala o tipo legal, o qual deve aferir-se de acordo com um critério objectivo-individual, usando a terminologia do Prof. Taipa de Carvalho, mas atribuindo-lhe um significado não totalmente coincidente.
Objectivo, na medida em que a adequação da ameaça, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, deve ser aferida pelo critério do homem comum, da generalidade das pessoas, e não de acordo com um critério subjectivo, ou seja, segundo as convicções ou valores do agente, que se impusesse averiguar caso a caso. Individual, porque a adequação da ameaça há-de ser aferida face às características psíquicas e mentais do ameaçado e não da generalidade das pessoas ou de determinadas categorias de pessoas. Isto é, dado o carácter individual do bem jurídico tutelado pelo tipo do art.º 153.º (liberdade de decisão e de acção), o que está em causa é a perigosidade particular da acção e não a sua perigosidade geral, contrariamente ao que sucede relativamente aos bens jurídicos supra-individuais.
Assim, pode concluir-se com Taipa de Carvalho que, “… a ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado).
Ora resulta do depoimento do ofendido (...), acima transcrito a propósito da 3.ª das questões posta no recurso, que a ameaça lhe pareceu credível, ele levou-a a sério, mas como não queria problemas, quis desistir do procedimento criminal. A postura de (...), de afirmar que levou a ameaça a sério mas não ficou intimidado, com receio, medo e inquietação, também tem que ser lida na aparência que importa passar para o exterior no contexto da profissão que ele tem, de ser segurança num bar nocturno, que não pode dizer assim sem mais nem menos que fica com medo, senão não serve para as funções que tem e ainda acaba por ser despedido.
Em face do exposto, temos pois que não é por o ofendido (...) não ter ficado intimidado, nem com receio, medo ou inquietação, que o crime de ameaça de que foi objecto deixa de se ter verificado.
O que significa que, afinal, a procedência parcial da impugnação da matéria de facto, que levou à alteração da mesma pela forma acima assinalada, se revela inócua e de nenhum efeito em termos práticos para o recorrente.

Passemos agora à análise da questão concretamente posta pelo recorrente e que é a de que, de qualquer forma, ele entender que não estão preenchidos todos os elementos objectivos dos dois crimes de ameaça agravada, dado o mal enunciado ser iminente e não futuro, como o exige o tipo legal em causa.
Antes de mais, recorde-se a matéria de facto assente como provada no tocante aos dois crimes de ameaça:
No dia 27-04-2018 no período compreendido entre as 04:20h e as 04:33h, o arguido (...), conhecido pela alcunha de “(...)” deslocou-se ao estabelecimento de bebidas denominado (…) sito na (…) e uma vez no seu interior dirigiu-se ao ofendido (...) e num tom sério e firme proferiu, entre outras, a seguinte expressão: «eu mato-vos».
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) sendo que o ofendido (...) estava convicto que trazia consigo uma arma de fogo, revestiram foros de seriedade e provocaram no ofendido (...) receio, medo e inquietação, fazendo-o recear pela sua integridade física e pela sua vida, afectando-o dessa forma no seu normal poder de iniciativa bem como abalaram o seu sentimento de segurança.

No dia 02-05-2018 pelas 03:10h, o arguido (...) encontrava-se no interior do estabelecimento supra identificado (…) quando se dirigiu ao ofendido (...) e tal como já havia feito em pelo menos duas ocasiões anteriores a esta, cujas datas concretamente não se lograram apurar, num tom sério e grave disse-lhe entre outras coisas “dou-te um tiro que te mato.”
As palavras supra descritas, proferidas pelo arguido (...) revestiram foros de seriedade.

Alega então o recorrente que esta factualidade não pode integrar o crime de ameaça agravada, , p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, por o mal enunciado ser iminente e não futuro, como o exige o tipo legal em causa.
Realmente, para que haja crime de ameaça é necessário – e abstraindo dos demais elementos, que agora não vêm ao caso – que a ameaça o seja de um mal futuro. E porquê? Porque se o mal com que se ameaça for de imediato concretizado ou começado a concretizar, deixamos de ter um crime de ameaça para passar a ter o crime em que se concretizou o mal anunciado, praticado na forma tentada ou consumada; assim, é natural que só haverá crime de ameaça se a ameaça não for de imediato concretizada, nisto se traduzindo o requisito da futuridade da ameaça.
É isto o que Taipa de Carvalho quer dizer quando na anotação ao art.º 153.º do "Comentário Conimbricense do Código Penal", tomo I, 1.ª ed., a fls. 343 escreve:
O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex., haverá ameaça quando alguém afirma “hei-de te matar”; já se tratará de violência, quando alguém afirma “vou-te matar já”. (…) Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa (cf. art.º 22.º-2c)).
Ou seja, o “vou-te matar já” só deixa de ser ameaça se for tomado como tentativa da prática de outro crime, v.g. de homicídio; se não for tomado como tentativa de homicídio, permanece como ameaça.
É também este o sentido expresso por Maia Gonçalves, na nota 3 ao referido art.º 153.º (Código Penal Anotado, 8.ª ed., pág. 605):
Não existe agora disposição correspondente à do art.º 152º da versão originária do Código, incriminando o tiro com arma de fogo, o uso de arma de arremesso e a ameaça com qualquer das ditas armas. Tratava-se de disposição especial relativamente ao crime geral ou simples de ameaças que, porém, contrariamente ao que sucedia com o crime simples, era um crime de mera actividade ou formal.
As ameaças levadas a cabo por tais meios, quando não forem subsumíveis a incriminação mais gravosa (v.g. tentativa de homicídio) de modo a ficarem consumidas por tal incriminação, serão subsumíveis à previsão deste artigo.
Ou seja, no caso dos autos, se o recorrido se dirige a uma pessoa e lhe diz «eu mato-vos» e noutra ocasião diz a outra “dou-te um tiro que te mato”, se o agente atirasse de seguida, haveria crime de homicídio ou de ofensa à integridade física, qualquer deles na forma tentada ou consumada (dependendo se acertou ou não o tiro, aonde acertou e o que aconteceu ao visado, se morreu, ficou só ferido ou até saiu ileso), mas não haveria crime de ameaça (nem também o de ameaça) porque a ameaça não perdurou no futuro que se seguiu a ter sido proferida, foi logo concretizada. Se não foi logo concretizada ou não veio sequer a ser concretizada, ou não fez parte do cometimento de outro tipo de ilícito (mato-te já se não vens comigo – sequestro; todos quietos, isto é um assalto, mato já o primeiro que se mexer – roubo; mato-te já se não sais daqui para fora – coacção), o requisito do futuro desenrola-se a partir do proferimento da ameaça até a situação se desmanchar pelo decurso do tempo ou das circunstâncias supervenientes e que no caso foi o agente afastar-se do local e mais tarde ter conversado com os visados e ter então ficado tudo pacificado.
Este assunto foi abordado no acórdão da Relação de Guimarães de 18-5-2009, relatado pelo Exmo. Desembargador Cruz Bucho, acessível in www.dgsi.pt/jtrg, no qual se expendeu o seguinte:
o mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer. Por isso, o mal iminente é ainda mal futuro, porque é um mal que ainda não aconteceu, que há-de ser, que há-de vir, embora esteja próximo, prestes a acontecer.
É claro que sendo o mal iminente poderemos estar perante uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é do respectivo mal, já que segundo a alínea c) do artigo 22º do Código Penal, o anúncio daquele mal pode, segundo a experiência comum, ser de natureza a fazer esperar que se lhe sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores, isto é, actos que preencham um elemento constitutivo de um tipo de crime, ou que sejam idóneos a produzir o resultado típico.
Mas daí se não segue, necessariamente, que deixe de existir uma ameaça.
Quando alguém afirma que “vou-te matar”, poderemos estar perante uma tentativa de homicídio, de tentativa de coacção, que consomem naturalmente a ameaça, ou perante um crime de ameaças.
Tudo depende da intenção do agente.
É que, para haver tentativa não basta a prática de actos de execução é necessário que esses actos sejam de execução de um crime que o agente “decidiu cometer” (art. 22º, n.º1).
Aliás, algumas linhas à frente do excerto acima citado e que tantas incompreensões têm gerado, o próprio Prof. Taipa de Carvalho esclareceu que “Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa (cf. art. 22º-2-c) – op. cit. § 7, pág. 343 (itálico nosso).
Se, por exemplo, o agente não tem intenção de matar, aquela expressão, não integra um acto de execução de um crime de homicídio, mas integra claramente um crime de ameaças, verificados os demais pressupostos deste tipo de crime, nomeadamente a consciência do agente da susceptibilidade de provocação de medo ou intranquilidade [cfr. neste sentido, v.g., o Ac. da Rel. de Lisboa de 17-6-2004, proc.º n.º 3525/04, rel. Almeida Cabral “(…) o agente que no calor de uma discussão, de natureza familiar, diz para a vítima em tom sério ‘mato-te’, comete o crime de ameaças previsto no art.º 153º do Cód. Penal)”,in www.pgdlisboa.pt), o Ac. da Rel. do Porto de 5-1-2000, proc.º n.º 0040533, rel. Pinto Monteiro, em que estavam em causa as expressões “sua filha da puta, eu rebento-te os cornos” e “mato-vos a todos, seus filhos da puta” dirigidas pela arguida à assistente, o Ac. da Rel. do Porto de 25-8-1999, proc.º n.º 9910861, em que estava em causa a conduta da arguida que intimidou a assistente, encostando à cabeça desta uma pistola que sabia não estar municiada, ao mesmo tempo que disse que a matava e que já tinha sete palmos à conta dela de sepultura”, ambos in www.dgsi.pt,], sendo certo que a motivação da ameaça como crime autónomo é irrelevante [neste último sentido cfr. Taipa de Carvalho, cit., §5, pág. 342 e §26, pág. 351, e o Ac. da Rel. do Porto de 18-9-2002, proc.º n.º 0110489, rel. Baião Papão (“Para integrar o elemento subjectivo deste ilícito o que releva é a consciência do agente da susceptibilidade de provocação de medo ou intranquilidade, sendo irrelevante que o agente tenha ou não a intenção de concretizar a ameaça”)].
Nem se diga, como já vimos escrito, que a expressão “eu mato-te” traduz um mal iminente e por isso conforma um acto de execução do crime de que afinal o agente desistiu, não prosseguindo a sua conduta. É que, aquela desistência tem por efeito que a tentativa deixa de ser punível. Mas o que deixa de ser punível é a tentativa de homicídio, sendo o agente punido por ameaça, ofensa à integridade física, coacção etc, se, em determinadas circunstâncias, os actos de execução integrarem a prática de tais ilícitos [assim, no confronto com os crimes de coacção (artigos 154º, 155º, 156º, 163º, 347º) e de extorsão, o Prof. Taipa de Carvalho assinala que o crime de ameaça cede perante os crimes de coacção e de extorsão, “salvo se em relação a estes se verificar uma desistência relevante da tentativa, e aquele se tiver consumado (isto é a ameaça tiver chegado ao conhecimento do destinatário)”, op. cit., §29, pág. 351].
Nem se diga, ainda, que se o mal for iminente a ameaça do mal ou entra no campo da tentativa ou, não entrando, logo se esgota na não consumação do mal anunciado, do que resulta não ter ficado o visado condicionado nas suas decisões e movimentos dali por diante.
A circunstância de o espaço temporal que medeia entre o mal anunciado e a certeza da sua não consumação ser maior ou menor pode ser relevante para efeitos de determinação da medida da pena, mas é indiferente para efeitos de incriminação.”
Também no acórdão da Relação de Coimbra de 23-09-2009, relatado pelos Exmo. Desembargador Belmiro Andrade, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, se decidiu que “O arguido que sem ter efectiva oportunidade de agredir a ofendida ou cometer qualquer acto de execução, exibindo um taco de Basebol diz “eu mato-te sua puta”, comete o crime de ameaças.
E no acórdão 7-1-2008, (relator Ricardo Silva no proc. 1798/07-2, em www.dgsi.pt.):
I – Tudo o que não seja execução eminente ou em curso – caso de uso de violência – é futuro, em termos de anúncio de causação de um mal, sendo indiferente que a expressão usada seja “agora”, “hoje”, amanhã ou para o ano.
II – Futuro é todo o tempo compreendido naquele em que é proferida a expressão que anuncia o mal que o seu autor diz que será causado, não acompanhada, esta, de actos correspondentes à sua simultânea ou absolutamente imediata concretização.
III – Ou seja, sempre que alguém dirija a outrem uma expressão verbal – ou de outra natureza – de anúncio de causação de um mal, não acompanhando essa acção com os actos de execução correspondentes – permanecendo inactivo em relação à execução do mal anunciado –, todo o tempo que durar essa inacção e se mantiver a possibilidade de o mal anunciado se concretizar é o futuro, em termos de interpretação da expressão em causa.
Termos em que improcede a apontada objecção.
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Quanto à 6.ª das questões postas, a de que, de qualquer modo, o tráfico de estupefacientes constatado em 29-11-2018 deve ser enquadrado não no art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22-1, pelo qual foi condenado, mas antes no de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º al.ª a) do referido diploma legal:
Recordemos a matéria de facto assente como provada a que o recorrente alude:
No dia 29-11-2018 o arguido (...) tinha na sua posse, mais concretamente, na sua residência sita no (…), os seguintes produtos e objectos - NUIPC 57/18.8GEPTM - cfr. auto de busca e apreensão de fls. 182 e ss.:
- três balanças de precisão;
- Uma faca com vestígios de produto de estupefaciente;
- uma bolsa da marca “Nivea” contendo no seu interior pequenos sacos utilizados no embalamento de produto de estupefaciente;
- uma embalagem com pequenos sacos utilizados no embalamento de produto de estupefaciente;
- dois pedaços de uma substância acastanhada com peso de 3gr que submetida a “teste Identa” resultou positivo para “haxixe”;
- um frasco transparente contendo uma substância em pó com peso de 16,15gr, que submetida a “teste identa” resultou positivo para “canabis”;
- um saco de plástico contendo no seu interior 71gr de “canabis”, tendo este produto reagido positivamente para “canábis” aquando da realização do “teste identa”;
- um saco contendo uma substância de cor verde, com 16,33g, tendo este produto reagido positivamente para “canábis” aquando da realização do “teste identa”;
- uma substância em pedra com 10,95gr tendo este produto reagido positivamente para “MDMA” aquando da realização do “teste identa”;
- dois embrulhos em plástico de cor preta, contendo no seu interior uma substância em pó de cor branca com um peso de 22,66gr, tendo este produto reagido positivamente para “Cocaína” aquando da realização do “teste identa”;
- um saco de plástico contendo no seu interior uma substância em pó de cor branca com um peso de 4,65gr, tendo este produto reagido positivamente para “Cocaína” aquando da realização do “teste identa”;
- quatro pedaços em forma de sabonetes uma substância de cor acastanhada com um peso de 393,74gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- vinte e duas placas de uma substância de cor acastanhada com um peso de 2.077,44gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- duas meias placas de uma substância de cor acastanhada com um peso de 91,98gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- um pedaço de uma substância de cor acastanhada com um peso de 4,79gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- um pedaço de uma substância de cor acastanhada com um peso de 3,86gr, tendo este produto reagido positivamente para “haxixe” aquando da realização do “teste identa”;
- €550 em numerário (20 notas de €20 e 3 notas de €50);
- €264,36 em numerário;

Submetidos os produtos apreendidos a exame laboratorial realizado pelo LPC-Policia Judiciária segundo ao protocolo analítico adequado e de acordo com as especificações normalizadas, constataram e concluíram que se tratava de:
- 2.625gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 11 doses;
- 9.596gr/l (peso líquido) de canabis (fls/sumid.), o equivalente a 30 doses;
- 45.700 gr/l (peso líquido) de canabis (fls/sumid.), o equivalente a 181 doses;
-14.551 gr/l (peso líquido) de canabis (fls/sumid.), o equivalente a 27 doses;
- 10.304 gr/l (peso líquido) de MDMA, o equivalente a 84 doses;
- 3.628 gr/l (peso líquido) de cocaína (cloroidrato), o equivalente a 14 doses;
- 386.930 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 541 doses;
- 2053,786 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 1560 doses;
- 91.810 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 99 doses;
- 4.760 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 3 doses;
- Uma faca com resíduos de cocaína;
- 3.906 gr/l (peso líquido) de canabis resina, o equivalente a 4 doses;
(…)
O arguido (...) tinha na sua posse, quer na sua residência quer no estabelecimento de diversão nocturna acima identificado, os referidos produtos de estupefaciente destinando-os à venda, distribuição e cedência a terceiros e com a referida venda e distribuição o arguido visava obter um “diferencial” com elevada expressão económica para si, o que efectivamente logrou concretizar, designadamente através da sua venda a um número indeterminado de pessoas das quais recebia avultadas quantias em dinheiro.
O arguido fazia uso de todos os objectos acima enunciados que se encontravam no interior da sua residência, concretamente, da balança de precisão, da faca, dos sacos de embalamento, para pesar, cortar e embalar os produtos de estupefaciente, para proceder à sua venda a terceiros como logrou concretizar.
O arguido (...) conhecia perfeitamente as características dos sobreditos produtos, designadamente a sua natureza de produtos de estupefaciente, e bem assim que a sua detenção, oferta, venda, distribuição, compra e cedência de produtos daquela natureza a terceiros é proibida por lei.
(…)
O arguido agiu sempre de forma livre e conscientemente, com a liberdade necessária para se determinar segundo essa resolução, bem sabendo que tal conduta era censurável e punida por lei.

Ora bem.
Estabelece o art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93, citado apenas na parte que agora interessa ao caso: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, ... vender ... ceder ... ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.º 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
E o art.º 25.º al.ª a), do mesmo diploma legal, prescreve o seguinte, citado também apenas na parte que agora interessa ao caso:
«Se, nos casos dos artigos 21.º ..., a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
«a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI ».
O citado art.º 25.° daquele D.L. n.º 15/93 – tráfico de menor gravidade – não exige que o agente detenha e/ou destine à venda uma quantidade diminuta de droga.
Na realidade, a lei anterior é que dava relevo à detenção de quantidade diminuta de droga. Agora o que releva no art.º 25.° do D.L. 15/93, é a ilicitude ser tida como «consideravelmente diminuída» em resultado de uma avaliação global da situação de facto e, a título exemplificativo, indicam-se alguns dos elementos de um tal «circunstancialismo atenuativo», nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações estupefacientes.
Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-11-97, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 471, pág. 163, têm interesse, designadamente, o período de tempo da actividade, o número de pessoas adquirentes da droga, a repetição de vendas ou cedências, as quantidades vendidas ou cedidas, os montantes envolvidos no negócio de tráfico de estupefacientes e a natureza dos produtos
Também o Ac. STJ de 18/2/99 (in C.J., Ac. STJ, VII, tomo I, págs. 220 e segs.) refere que, para efeitos de consideração do tráfico de menor gravidade, podem ser levadas em conta outras circunstâncias, além das previstas no mencionado art.º 25.°. E explicita que «o vigente Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, não acolheu a técnica usada pelo seu antecessor D.L. 430/83, de 13/12, em cujo art.º 24.° se aludia a "quantidades diminutas", definindo estas como as que "não excedem o necessário para o consumo individual durante um dia".
«Presentemente, a intenção político-legislativa (...) é, sobretudo, a de permitir ao julgador operar com melhor segurança, por mais ampla ser a abrangência, a distinção, identificando-lhes as diferenças entre casos de tráfico importante (ou significativamente importante) e os de tráfico menor (ou de menor gravidade).»
De acordo com tal jurisprudência e apoiando-se na melhor doutrina nesta matéria (cf. Lourenço Martins, in "Droga e Direito”, Aequitas, Ed. Notícias, págs. 146 e segs.), ali se conclui que «... para lá do registo da "quantidade", tem de atender-se à "qualidade" das substâncias traficadas, aos "meios utilizados e à modalidade ou circunstâncias da acção", elementos do preceito que não reveste natureza taxativa».
Isto significa que o julgador tem agora ao seu dispor um leque mais diversificado de itens pelos quais poderá aferir do enquadramento da conduta de um agente na previsão do art.º 25.º; mas não quer dizer que cada caso concreto forneça ao julgador elementos suficientes para analisar a situação por todos e cada um de tais itens. Naturalmente que o julgador se terá de contentar em utilizar os que a matéria de facto devidamente apurada permita avaliar.
Assim, não obstante a quantidade das plantas, substâncias ou preparações envolvidas ter deixado de ser o único critério diferenciador entre o tipo base do crime de tráfico de estupefacientes e o tráfico de menor gravidade, a quantidade de droga traficada, bem como a sua natureza ou o seu grau de pureza, continuam a ser um dos critérios diferenciadores, de forma alguma menosprezável (neste sentido: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-7-2007, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos deste tribunal, 2007, II-234).
De modos que é também por ele que faremos o cotejo da acção imputada ao arguido (...), para aferir então da razão ou falta dela por parte do recorrente.
E é logo por aí que vemos da sem razão do recorrente ao pretender que ele, com o seu total de 2.613,664 gramas de cannabis, 10,304 gramas de MDMA e 3,628 gramas de cocaína e três balanças de precisão fosse punido pela previsão do art.º 25.º al.ª a).
Por outro lado, o facto de se tratar de tráfico maioritariamente de haxixe também não impõe a aplicação ao crime da previsão do art.º 25.º al.ª a) do D.L. n.º 15/93. Como se decidiu no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 29-5-03, in Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.003, II-205: «Acresce que o facto de a "cannabis" ser considerada uma droga "leve" não permite que a sua detenção, por si só, leve a concluir que a respectiva ilicitude possa ser tida como consideravelmente diminuída, pois, como é sabido, ela gera apetências gradativamente mais exigentes, acabando por ser o acesso directo à iniciação de drogas perniciosas».
Posto isto, existe pois na matéria de facto assente como provada todo um circunstancialismo que impõe a rejeição da ideia de que a ilicitude da conduta do arguido fosse a tal ponto “consideravelmente diminuída” que nos leve a aderir à sua pretensão de enquadrar essa conduta na previsão do art.º 25.º – e não podemos deixar de integrar tal actividade pela previsão do art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, pelo qual foi condenado.
Como muito bem se observa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2008, proferido no processo 08P2964 e acessível em www.dgsi.pt, é de notar que, se o tráfico de pequena gravidade vive, por regra, da actividade do dealer de rua, nem por isso o dealer de rua terá que ver a sua responsabilidade, sempre, enquadrada, no dito art. 25.º. É sabido como, em sede de ilicitude, e portanto em sede de malefício causado à sociedade, o papel do pequeno e médio traficante é essencial a todo o sistema de tráfico. O abastecimento normal, do consumidor local, faz-se através deles e, sem eles, os chamados barões da droga poucos lucros aufeririam.
Improcede, assim, a pretensão de que a ocorrência de 29-11-2018 seja enquadrada pelo tráfico de menor gravidade previsto no art.º 25.º al.ª a) do Decreto-lei n.º 15/93.
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Quanto à 7.ª das questões postas, a de que, de qualquer modo, os estupefacientes que o arguido (...) detinha em 19-7-2018 eram para seu consumo pessoal, pelo que – e passamos a citar a conclusão 115 do recurso – o arguido deverá ser absolvido do crime de tráfico de menor gravidade, pevisto e punido pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 janeiro, com referência à Tabela I-C anexo, devendo a sua conduta ser subsumida como um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º, nº2, do Decreto-Lei nº15/93 , de 22 de Janeiro, pelo qual lhe deve ser aplicada uma pena de multa:
Recordemos a matéria de facto assente como provada a que o recorrente alude:
No dia 19/07/2018 pelas 03:31h, no interior do estabelecimento de diversão nocturna denominado (…) sito na Rua (…), o arguido (...) encontrava-se na posse de 7,100gr (peso bruto) de haxixe e 8.240gr de liamba (peso bruto) bem como de €326,50 em numerário.
Submetido também este produto a exame laboratorial realizado pelo LPC-Policia Judiciária segundo ao protocolo analítico adequado e de acordo com as especificações normalizadas, constataram e concluíram que se tratava de “canabis resina” com um peso líquido de 7.072 gr., o equivalente a 23 doses, e de “canabis (fls.sumid.) com um peso liquido de 7.625gr., o equivalente a 24 doses, ambas as substâncias abrangidas pela tabela I-C anexa ao Decreto-Lei nº 15/93 de 22/01 e à portaria nº 94/96 de 26 de Março.
(…)
E depois, temos que também foi dado como provado que:
O arguido (...) tinha na sua posse, quer na sua residência quer no estabelecimento de diversão nocturna acima identificado, os referidos produtos de estupefaciente destinando-os à venda, distribuição e cedência a terceiros e com a referida venda e distribuição o arguido visava obter um “diferencial” com elevada expressão económica para si, o que efectivamente logrou concretizar, designadamente através da sua venda a um número indeterminado de pessoas das quais recebia avultadas quantias em dinheiro.
(…)
Antes de mais, convém lembrar que aquele art.º 40.º foi revogado pela Lei n.º 30/2000, 29-11, excepto quanto ao cultivo, passando a vigorar em sua substituição a Lei n.º 30/2000, de 29-11 (regime jurídico do consumo de estupefacientes), que transformou o consumo de estupefacientes em contra-ordenação (art.º 2.º, n.º 1 desta Lei n.º 30/2000).
De qualquer forma e desde logo, para que procedesse a pretensão do arguido de que os estupefacientes que ele em 19-7-2018 detinha eram para seu consumo pessoal, impunha-se que outra matéria de facto tivesse ficado assente como provada quanto ao destino dos estupefacientes.
É óbvio que, tendo ficado como provado que o arguido destinava os estupefaciente que lhe foram encontrados em 19-7-2018 à venda, distribuição e cedência a terceiros e torna-se impossível enquadrar tal conduta pela Lei n.º 30/2000
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Quanto à 8.ª das questões postas, a de que a pena de 2 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada pelo crime de detenção de arma proibida é exagerada e deve ser fixada em não mais de 1 ano e 6 meses:
Fazendo, porventura, fé em que em resultado da impugnação da matéria de facto seria absolvido dos crimes de ameaça e de tráfico de estupefacientes e remanescesse apenas a condenação pela detenção de arma proibida, optou o recorrente por impugnar apenas o quantum da pena que lhe foi aplicada por este último ilícito, ignorando as penas parcelares dos demais quatro crimes, bem como a consequente pena única.
Pelo que apenas a impugnação da pena concreta aplicada pelo crime de detenção de arma proibida será, assim, tratado de seguida.
O tribunal "a quo" justificou do seguinte modo a escolha e graduação desta pena parcelar (citado apenas na parte que agora mais interessa ao crime em causa, o de detenção de arma proibida):
(…)
O crime de detenção de arma proibida é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias (artigo 86º, n.º 1, alíneas c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro).
(…)
Conforme supra referido, os crimes de (…) detenção de arma proibida (…) são punidos, em alternativa, com pena de prisão ou com pena de multa.
Os critérios a atender na escolha da pena, entre prisão e multa, vêm apontados no artº 70º do C.P., determinando esta norma que, o tribunal deve preferir a multa, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tais finalidades são, segundo resulta do disposto no artº 40º, nº 1 do C.P., a protecção dos bens jurídicos e a reinserção do agente na comunidade.
Assim, a escolha entre prisão e multa, nos termos do artº 70º do C.P., depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial (Ac. R.C. de 17/1/96, C.J., tomo I, pág. 38).
As necessidades de prevenção geral são elevadas.
As necessidades de prevenção especial são igualmente gritantes no que se reporta ao arguido (...), de acordo com os vastos antecedentes criminais que possui.
(…)
No que se reporta às armas, a arma semi automática estava municiada e pronta a ser utilizada.
Neste quadro, fácil é de concluir que, só uma pena de prisão realizará de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial positivas (arts 70º e 40º, nº 1 do C.P.) em relação ao arguido (...).
(…)
Na determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artº 71º do C.P.).
Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (“As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o artº 71º, nº 2, al. a) do C.P.
A culpa, como fundamento último da pena funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (artº 40º, nº 2 do C.P.). A prevenção geral positiva (“protecção de bens jurídicos”), fornecerá o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, é dentro daqueles limites que devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (F. Dias, ob. cit., págs. 227 e segs.; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e segs.; e Ac. S.T.J. de 9/11/94, B.M.J. nº 441, pág. 145).
As necessidades de prevenção geral são medias/elevadas, atendendo à frequência com que crimes desta natureza vêm ocorrendo.
(…)
No que se reporta à detenção de arma proibida, não olvidemos que o arguido possuía uma arma e as respetivas munições prontas a ser utilizadas e bem assim que a trazia consigo.
(…)
Fazem-se, assim, sentir elevadas as exigências de prevenção especial positiva em relação aos arguidos (...).
(…)
Milita a favor dos arguidos (…) o facto de não possuir antecedentes criminais, porém, diga-se, a não existência de antecedentes criminais é o que se espera de todo e qualquer homem médio e inserido socialmente.
O mesmo já não milita a favor do arguido (...) que possui antecedentes criminais por trafico de estupefacientes, roubo, furto qualificado, ofensas à integridade física, resistência e coacção e consumo de estupefacientes.
Nestes termos, e à luz do disposto nos arts 21º, nº 1, 25º e 40º, n.º2, do D.L. 15/93, 86º, n.º 1, alínea c) e d) da Lei 5/2006, de 23.02, 153º, n.º 1, 155º, n.º 1, alínea a), e 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal,
entendemos adequado e proporcional aplicar ao arguido (...):
(…)
- a pena de dois anos e seis meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida (1 a 5 anos)
No tocante à escolha e graduação da pena que a um arguido há-de ser imposta, é a medida da sua culpa que condiciona decisivamente a pena concreta a aplicar-lhe.
Para além de ser fundamento, a culpa concreta é o máximo de condenação possível e nunca, em caso algum, as razões de prevenção poderão impor uma pena que ultrapasse essa culpa concreta do agente (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, pág. 238 e ss.).
Do que se trata é de sancionar um delinquente concreto que, num determinado circunstancialismo, cometeu um facto jurídico-penalmente relevante, desvalioso, merecedor de censura penal.
Deve assumir-se a pena como sanção adequada, proporcionada aos factos e ao agente, e, procurando-se com ela dar satisfação aos fins de prevenção-ressocialização do agente, evitar-se que outros cometam infracções semelhantes.
Há que ponderar, na situação concreta, como elementos ou factores a reflectirem-se na culpa, a gravidade da ilicitude, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o crime, as condições pessoais do agente e sua situação económica e, em suma, em todo o demais condicionalismo mencionado não só no corpo como nas respectivas alíneas do n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal.
No tocante aos presentes autos, a decisão recorrida valorou correctamente todos os índices necessários no caso concreto à fixação da pena, que se mostra justa e ponderada, sendo pois imerecidas as críticas que o recorrente lhe dirige.
IV
Termos em que se decide negar provimento ao recurso e manter na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelo arguido recorrente (...), fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade de tratamento das questões suscitadas, em seis UC’s (art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa).
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Évora, 21-9-2021
Martinho Cardoso, relator
Maria Leonor Esteves, adjunta
(assinaturas digitais)


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[1] Ouvida repetidas vezes a gravação do depoimento de (...) e concluimos que o que ele disse nesta altura não foi bem isto, mas antes o seguinte:
Novembro ou outubro, acho que é novembro ou outubro, uma coisa assim. Eu saí em 6 de outubro de 2018, saí em outubro, saí no dia 6 de outubro… entre finais de outubro, princípios de novembro.

[2] Nesta parte, discordamos do tribunal "a quo", pois que na parte final do seu depoimento e tal como já acima assinalámos, (...) acabou por revelar que (...) era conhecido por “(...)s”.