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HOMICÍDIO A PEDIDO DA VÍTIMA
CONSENTIMENTO
Sumário
Estando em causa um crime de homicídio a pedido da vítima, p. e p. no artº 134º, nº 1, do C.P., para efeitos do nº 3 do artº 38º do C.P. é indiferente a idade da vítima, sendo certo que a vida - excepção feita a ataques do próprio titular e alguns ataques negligentes – não é livremente disponível (nº 1 do referido artº 38º), como resulta nomeadamente do facto de a lei punir o homicídio a pedido.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
No âmbito do inquérito nº 293/20.7GCSTB que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Setúbal – Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, foram apresentados para primeiro interrogatório judicial os arguidos (…), devidamente identificados nos autos, tendo no fim do mesmo sido proferido despacho que, considerando apenas estar fortemente indiciada a prática pelo segundo de um crime de homicídio a pedido da vítima, p. e p. pelo art. 134º do C. Penal e, por ambos e em co-autoria, um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art. 254º nº 1 al a) do C. Penal, e verificarem-se os perigos de perturbação do inquérito e tranquilidade e ordem públicas, o primeiro de forma mitigada, e nalgum medida também o perigo de fuga, determinou que os referidos arguidos aguardassem os ulteriores termos do processo sujeitos à obrigação de apresentação periódica, com frequência diária, podendo sair da instituição em que se encontram colocados, se acompanhados, para o efeito.
Inconformado com esse despacho, dele interpôs recurso o MºPº, pretendendo que seja revogado e substituído por decisão que considere indiciada a prática pelos arguidos, para além do referido crime de profanação de cadáver ( relativamente ao qual consignou não ter qualquer reparo a fazer ), também o crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131º, 132º nºs 1 e 2 als. e) e j) do C. Penal, o arguido (...) como autor material e o arguido (...) como cúmplice, e, porque indiciados os perigos de continuação da actividade criminosa quanto ao primeiro e de perturbação grave da tranquilidade e ordem públicas quanto a ambos,lhes aplique como medida de coacção a prisão preventiva, para o que apresentou as seguintes conclusões:
a) (...) deu entrada no (...) no dia 2 de Outubro de 2020, data em que os ali se encontravam institucionalizados, apresentando-se desde o início num estado emocional fragilizado e com sinais evidentes de depressão;
b) (...) dizia repetidamente a todos os jovens com quem falava, sem que tivesse relacionamento mais próximo ou estreito com nenhum deles, que queria morrer, que não se suicidava por não ter coragem e pedindo para que o matassem;
c) À excepção dos arguidos, nenhum dos jovens deu relevância ao discurso e pedidos de (...) por ser visível e compreensível para todos que o mesmo não se encontra emocional e psicologicamente, bem;
d) O arguido (...) procurou (...) dizendo-lhe que (...) não estava bem, tendo-lhe a mesma respondido que não deveria dar importância ao discurso deste nem fazer nada do que ele pedisse;
e) O arguido (...) prestou declarações nas quais qualificou o comportamento de (...) como triste e depressivo;
f) À data dos factos, (...) tinha apenas 15 anos de idade;
g) O tipo de crime previsto no Artº 134º do Código Penal – homicídio a pedido da vítima – exige que o agente seja determinado pelo pedido sério, instante e expresso da vítima;
h) O estado anímico de (...), caracterizado por tristeza profunda e depressivo, conhecido por ambos os arguidos, retira à sua conduta a seriedade do pedido que formulou para que o matassem;
i) Para que existe um pedido sério, a pessoa que o faz deve actuar com vontade livre e esclarecida, o que não acontece quando se encontra dominada por estados como o descrito, ou seja, de tristeza profunda e depressões;
j) O pedido formulado por (...) não pode também ser considerado sério, por não ter o mesmo capacidade para o fazer com fundamento numa vontade lúcida e esclarecida, em função da sua idade;
k) O artº 134º nada refere quanto à capacidade da vítima para formular o pedido, devendo-se por isso lançar mão do disposto no Artº 38º, nº 3 de onde resulta que o mesmo só poderá ser validamente feito por maiores de 16 anos;
l) O arguido (...) acompanhou sempre o arguido (...) até terem efectivamente provocado a morte de (...), interagiu com a vítima instando-a a procurá-los se mantivesse o desejo de morrer e procurou o arguido (...) no dia em que concretizaram o crime, com a única intenção de o chamar para executarem o plano que haviam delineado;
m) O facto de não ter praticado nenhum dos actos que conduziu directamente à morte da vítima não o transforma num simples espectador, totalmente alheio aos factos ou à formulação da vontade de (...) no sentido da sua prática;
n) Ainda que assim fosse, a sua passividade sempre representaria uma omissão relevante que permitiu a (...) a prática do homicídio de (...);
o) A presença de (...) e o acompanhamento permanente de (...) em todos os actos que viriam a culminar na morte de (...), consiste no apoio moral para que o autor do crime o praticasse de facto, pelo que o mesmo é cúmplice do crime;
p) O arguido (...) matou (...) movido apenas pelo prazer de provocar a morte de outra pessoa e pela sensação de poder que o controlo sobre a vida de terceiros lhe proporciona;
q) Assim, os factos fortemente indiciados consistem na prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos Artºs 131º, 132º, nºs 1 e 2, alíneas e) e j) do Código Penal;
r) O arguido (...) praticou estes factos no dia 15 de Outubro de 2020, sendo que no Verão de 2020, tinha já atado as patas de uma cadela, animal de companhia que vivia no (...), e preparava-se para a atirar a uma piscina e matá-la por afogamento, o que só não fez por ter sido surpreendido;
s) Resulta dos depoimentos prestados que o arguido (...) foi diagnosticado como psicopata;
t) A conjugação destes factos representa o perigo real de continuação da actividade criminosa;
u) Ambos os arguidos têm um histórico de saídas não autorizadas das instalações da instituição onde se encontravam a residir, o que representa um risco real de que se ausentem para parte incerta;
v) A personalidade e ascendente de ambos sobre os demais jovens, testemunhas nos autos, são fundamento para o concreto perigo de perturbação do inquérito, no que respeita à aquisição e conservação da prova;
w) A natureza e mediatização dos factos em análise determinam a existência de perigo de perturbação grave da tranquilidade e ordem públicas;
x) Apenas a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva permitirá acautelar os mencionados perigos.
O recurso foi admitido.
Só o arguido (...) respondeu, pugnando pela manutenção do despacho recorrido e concluindo como segue:
A) O arguido (...) não actuou com qualquer outra motivação que não a de ajudar a vítima, naquilo que foi o seu entendimento dos factos naquelas circunstâncias concretas;
B) O arguido (...) não actuou como co-autor, porque não só não praticou nenhum facto do qual tivesse resultado a morte da vítima como também, porque não tinha o domínio do facto;
C) Independentemente daquela que fosse a atitude do arguido (...), o arguido (...) teria praticado os factos;
D) Não estava na disponibilidade do arguido (...) impedir a prática do crime através da simples recusa em participar na sua execução;
E) Incorre em erro o Ministério Público ao concluir quanto à motivação do arguido (...), dado que este não agiu de forma alguma movido por qualquer prazer pessoal, não retirou qualquer prazer dos actos que efectivamente praticou nem teve qualquer experiência de tirar a vida a outra pessoa;
F) Resulta inequívoco dos factos que a vítima dizia a todos com quem falava que queria morrer, que não se suicidava apenas por falta de coragem, que pediu a diversas pessoas para o matarem e que chegou mesmo a descrever também a várias pessoas a forma como o deveriam matar;
G) Para além de ter dirigido o pedido para que o matassem directamente aos ora arguidos, a vítima dirigiu igual pedido a vários outros jovens, por diversas vezes, tendo dito que seria por enforcamento e descrito o modo como seria feito: passando uma corda num ramo de uma árvore que depois seria puxada pelos colegas, quando estivesse presa no seu pescoço;
H) O que as testemunhas relataram foram pedidos efectuados pela vítima e não meros desabafos;
I) Desabafos quanto à situação pessoal da vítima, quanto à sua vida e perspectivas, mas acompanhados de pedidos expressos e exactos para que o matassem, por não ter coragem para o fazer;
J) Foi isso mesmo que o arguido (...) confidenciou a duas testemunhas, concretamente a (…) e que declarou, quer no interrogatório judicial, quer no interrogatório na Polícia Judiciária;
K) O facto da vítima ter pedido a todos com quem falava para que o matassem só faz concluir pela existência de um pedido sério, instante e expresso e não o contrário;
L) Se esse pedido não fosse sério, instante e expresso então certamente não seria formulado pelo (…) a todos os jovens com quem falava e incessantemente, ao longo de todo o tempo em que esteve na instituição em causa;
M) O facto de os outros jovens não terem acedido aos pedidos da vítima não significa que não os tenham entendido como sérios, mas sim que não se dispuseram a fazê-lo, o que é algo completamente distinto;
N) Tanto foram os pedidos levados a sérios, que vários jovens, naturalmente preocupados, os relataram a vários adultos da instituição, como foi o caso da testemunha (…);
O) No dia 13 de Outubro de 2020, o arguido (...) aplicou à vítima um "mata-leão" até o deixar inconsciente, após esta os ter abordado e repetido que estava farto e que queria morrer, na sequência do que o arguido (...) lhe perguntou se queria experimentar a sensação de perder os sentidos, tendo a resposta sido positiva, e que após a vítima ter recuperado a consciência, os ora arguidos perguntaram-lhe se tinha a certeza se era aquilo que queria, tendo o mesmo respondido afirmativamente;
P) No dia 14 de Outubro de 2020, cerca das 21h50m os ora arguidos e a vítima saíram das instalações do (...) com o intuito de concretizar o pedido do (...), sendo que este arrependeu-se, dizendo ter medo por estar muito escuro, e que ia pensar melhor durante a noite, o que foi aceite pelos arguidos, tendo inclusivé o arguido (...) dito que fazia bem em pensar e que se decidisse morrer deveria despedir-se das pessoas importantes para a vítima;
Q) No dia 15 de Outubro de 2020, por volta das 09h00m, foi o (...) quem procurou o arguido (...), dizendo-lhe que tinha decidido avançar com o planeado, ou seja, morrer;
R) Existiu um pedido expresso por parte da vítima, dirigido aos ora arguidos para que o matassem, pedido esse que foi reiterado, tendo existido um momento em que a vítima se arrependeu, o que foi aceite pelos ora arguidos, mas, após ponderação e já no dia seguinte, a vítima mostrou-se decidida e reiterou novamente o pedido junto dos arguidos, o que atesta também da seriedade do referido pedido;
S) O estado de espírito e sentimentos vivenciados e expressos a todos pelo (...), atesta da seriedade do pedido e fundamenta-o, tendo sido com base nesses sentimentos - e na insistência reiterada - que o arguido (...) entendeu o pedido formulado pela vítima como sério e alicerçado em motivações pessoais, conforme esta lhe transmitiu;
T) Relatou o arguido (...), em sede de interrogatório na fase de inquérito na Polícia Judiciária que o (...) chorava muito e reclamava muito da vida que tinha, que os pais não queriam saber dele, que não queria estar fechado, queria estar junto da namorada, tinha sentimentos de abandono por parte da família;
U) Estes sentimentos de abandono e ressentimento e estado depressivo e triste da vítima foram transmitidos ao arguido (...) pela vítima mais de uma vez, sendo a última exactamente momentos antes da sua morte, quando inquirido pelo arguido (...) sobre se já tinha pensado o que aconteceria se ninguém encontrasse o seu corpo, que ficaria a apodrecer, tendo a vítima respondido que não se importava, se isso acontecesse é porque ninguém queria saber de si;
V) As motivações para o pedido efectuado pela vítima para que os arguidos o matassem eram conhecidas do arguido (...), tal como o estado de espírito e sentimentos da vítima e foi isso, juntamente com a insistência e reiteração do pedido que convenceu o arguido (...) de que esse mesmo pedido era sério e foi assim que este o entendeu;
W) Não resulta em qualquer momento dos autos que o arguido (...) tivesse qualquer intenção ou motivação para causar ou ver acontecer a morte do (...), que não fosse o pedido realizado por este;
X) Ao afirmar que "resulta dos elementos de prova recolhidos que os arguidos não actuaram determinados pelo pedido da vítima" e que "... a sua motivação é o prazer que retiram da disponibilidade da vida de outro e o poder que lhes transmite a capacidade de dispor dessa vida", o Ministério Público está somente a formular conclusões genéricas e sem qualquer base factual indiciária, pelo menos no que ao arguido (...) diz respeito;
Y) O próprio Ministério Público reconhece que o arguido (...) “(...) não só não praticou nenhum facto do qual tivesse resultado a morte da vítima como também, porque não tinha o domínio do facto;
Z) Reconhece também o Ministério Público que "independentemente daquela que fosse a atitude do arguido (...), o arguido (...) teria praticado os factos. Reconhece ainda o Ministério Público que "não estava na disponibilidade do arguido (...) impedir a prática do crime através da simples recusa em participar na sua execução”;
AA) Era impossível ao arguido (...), não praticando nenhum facto do qual resultasse a morte da vítima, nem tendo o domínio de facto, ter como motivação o prazer retirado da disponibilidade da vida de outro e o poder transmitido pela capacidade de dispor dessa vida;
BB) A testemunha (…) afirmou que, na manhã do desaparecimento da vítima, viu a mesma a deslocar-se com os arguidos atrás de si, regressando estes depois, sem a companhia daquela, recordando-se que o ora arguido (...) tinha uns calções vestidos e apresentava manchas de xixi nas pernas, dizendo que se tinha mijado;
CC) O facto do arguido (...) se ter urinado durante os factos que conduziram à morte do (...), afasta completamente qualquer conclusão ou mesmo suspeita de que este arguido possa ter agido com motivação do prazer retirado da disponibilidade da vida de (...) e/ou o poder transmitido pela capacidade de dispor dessa vida;
DD) Ao longo dos 13 dias em que os arguidos conviveram com a vítima, os pedidos realizados por esta foram sucessivos e reiterados, desde o momento em que chegou à instituição, sendo conhecidos de todos;
EE) A concretização do pedido foi falada entre os arguidos e a vítima, nada existindo nos autos que permita infirmar que a descrição anterior feita pelo (...) não tenha sido posteriormente alterada;
FF) Sendo certo que o n.º 3 do art.º 38º do C.P. Penal estipula que o consentimento só é eficaz se for prestado por maior de 16 anos, também é certo que o art.º 134º do mesmo diploma legal, não estipula qualquer limite de idade para o pedido;
GG) A maioria da doutrina tem entendido que se deve aqui considerar quanto ao pedido do art.º 134º do C.P., os 16 anos de idade previstos no referido artigo relativo ao consentimento;
HH) Também entende a doutrina que em casos de fronteira há que considerar a maturidade e lucidez da vítima;
II) Mais do que a questão dos 16 anos já feitos ou quase a fazer, por parte da vítima, há que atender a outros factores para aferir da seriedade do pedido, para efeitos do art.º 134º do C.P., mormente a maturidade, estado de discernimento e ponderação;
JJ) Além há igualmente que ponderar também a idade dos ora arguidos, sendo que o arguido (...), à data dos factos, tinha concretamente 16 anos e 4 meses;
KK) Não se pode de modo algum querer relevar a importância de faltarem 5 meses para a vítima atingir os 16 anos de idade e, consequente e automaticamente retirar com isso seriedade e aceitação ao pedido e, simultaneamente, desvalorizar o facto de o arguido (...) ter apenas mais 4 meses que os 16 anos, exigindo-se-lhe uma maturidade e análise de todas as circunstâncias em causa, como sejam a valoração e interpretação dos sentimentos e estado psicológico da vítima e, necessariamente, do pedido por esta formulado;
LL) Tal como nem todos os jovens presentes na instituição e a quem o (...) dirigiu os pedidos para que o matassem atenderam os mesmos, nem todos os jovens em situações semelhantes ou análogas às da aqui vítima efectuam um pedido semelhante;
MM) A maturidade e discernimento dos jovens não é igual em todos, apenas por força da sua idade, ainda que semelhante, pelo que o factor idade não pode ser o único condicionante a considerar para efeitos do pedido previsto art.º 134º do C.P. (ex vi do art.º 38º), como também não basta aferir da idade do arguido na consideração daquela que foi a sua interpretação daquele mesmo pedido;
NN) O discernimento e valoração das circunstâncias varia de pessoa para pessoa, de jovem para jovem e não ter isso em consideração, não aferindo da interpretação de cada um, em função da sua própria situação psicológica, da sua mentalidade e maturidade, não é algo com que a justiça possa conviver;
OO) Da factualidade imputada aos arguidos resulta estarmos perante um crime de homicídio a pedido, p. e p. pelo art.º 134º do C.P., sendo conforme e adequada a decisão ora recorrida, a qual é de manter quanto a esta matéria;
PP) Não se retira de nada nos autos que as acções do arguido (...) tenham representado um elemento preponderante para a execução dos factos. O que se retira é que, em momento algum o arguido (...) teve qualquer influência na morte do (...);
QQ) Na actuação do arguido (...) não existiu qualquer conselho, fornecimento de informações relevantes, instigação ou qualquer atitude possível de subsumir-se no conceito de auxilio moral e que implicasse qualquer favorecimento ou intensificação da decisão e/ou actuação do arguido (...);
RR) Esteve bem a Exma. Sra Juiz de Instrução Criminal ao concluir que a actuação do arguido (...) resumiu-se a acompanhar a vítima e o arguido (...) ao local dos factos, acedendo ao pedido do (...) e presenciando a atuação do arguido (...), pelo que a decisão recorrida se mostra conforme e adequada, sendo de manter a mesma, também quanto a esta matéria;
SS) A participação do arguido (...) não o indicia como autor, co-autor ou cúmplice de qualquer crime de homicídio, mas tão somente como co-autor de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art.º 254º, n.º 1, al. a):A
TT) Ainda que assim não se entenda, o que somente se admite por mero exercício e dever de patrocínio, sempre se dirá que a matéria factual constante dos autos indiciará - nesse caso - a prática de um crime de homicídio a pedido, p. e p. pelo art.º 134º do C.P., e não um crime de homicídio qualificado;
UU) O contexto de alta especificidade mencionado na douta decisão recorrida, é claro e evidente, resultando efectivamente de factos irrepetíveis por si só, como sucede na generalidade dos homicídios, mas também da personalidade e crescimento interior do próprio arguido (...), o qual declarou em sede de interrogatório de inquérito na polícia judiciária estar bastante arrependido de tudo o que aconteceu e que se fosse hoje diria ao (...) para procurar um psiquiatra;
VV) No que respeita ao arguido (...) em concreto, não se afigura existir perigo de continuação da atividade criminosa, uma vez que não teve nem a iniciativa, nem a execução dos factos, excepto de alguns respeitantes ao crime de profanação de cadáver, que aliás assumiu plenamente;
WW) Não existe presentemente qualquer perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, nem perigo de fuga e de perturbação do inquérito;
XX) O arguido (...) já não se encontra no "(...)" e nem sequer na região de Setúbal, sendo certo que até à data não encetou qualquer fuga ou sequer tentativa de fuga, seja durante o período em que ainda permaneceu no referido Centro seja no tempo que leva na instituição onde presentemente se encontra, tendo cumprido e continuando a cumprir rigorosamente a medida de coacção de apresentações diárias a que está obrigado; A medida de coacção aplicada ao arguido (...) na decisão ora recorrida, de apresentações periódicas diárias, nos termos do art.º 198º do Código de Processo Penal foi correta e justamente decidida, acautelando a situação concreta verificada, sendo a necessária, adequada e proporcional, em respeito pelas previsões legais, não sendo possível aplicar nenhuma outra, conforme resulta da aplicação dos artigos 191º a 193º, 204º e 198º, todos do Código de Processo Penal;
YY) Sendo de manter, quanto às medidas de coacção, a decisão ora recorrida.
Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu extenso parecer, que adiante veremos em mais detalhe, no qual se pronunciou no sentido da manutenção do despacho recorrido, com a alteração respeitante à participação do arguido (...) no crime de homicídio, no qual, diferentemente do que ali foi entendido, considera ter agido como cúmplice.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre decidir.
2. Fundamentação
É do seguinte teor o despacho recorrido, proferido após os interrogatórios dos arguidos:
Osfactosoradescritosbaseiam-senosmeiosdeprovaqueabaixosediscriminam: a) autos de diligência de fls. 107 a 111, 289 e 354 a 364;
b) relatórios de exame pericial de fls. 112 a 125, 460, 500 e 578.; c) auto de apreensão de fls. 186;
d) fotografias de fls. 187 a 195;
e) autos de inquirição de fls. 196 e ss., 201 e ss., 445 e ss., 452 e ss., 456 e ss., 481 e ss., 488 e ss., 505 e ss., 518 e ss., 524 e ss., 527 e ss., 529 e ss., 531 e ss., 542 e ss., 546 e ss. e 549 e ss.; e
f) reportagem fotográfica de fls. 427 a 432. g)CRC´squeserãojuntosnopresentemomento,emboraconstandodohistórico,constandocomoprimários.
*
Oarguido(...)nãoprestoudeclarações,tendoasprestadooarguido(...),admitindonãosóqueocultaramambosocadáverde(...),comoapedidodopróprio,omataram,paraoefeitotendooarguido(...)preparadoarespetivacorda,ondeopenduraram,apóstambémomesmoarguidoteraplicadoa(...)um“mata-leão”,quedeterminouasuaperdadeconsciência,desconhecendosetalteráimplicadoounãoasuamorteantesdetersidopendurado.Afirmaqueasuaúnicaatuação,paraalémdasdiligenciasrelativasàocultaçãodocadáver,consistiuemacompanhar(...)eoarguido(...)aolocalondeocrimeocorreue,aquandodopendurarde(...)oterseguradoporformaapermitirasuaelevaçãoparaqueacordapassassepelorespetivopescoço. Nãoobstanteasdeclaraçõesoraprestadas,averdadeéqueoarguido(...)jáfoiouvidonoinquéritoafls.558ess.,aíreferindoqueo(...)sólibertouopescoçode(...)quandojánãosentiuarespiraçãoequenãolargouopescoçodomesmoatéteracertezadequeerajácadáver.Maisreferiuque(...)defecoueurinounascalçasduranteo“mata-leão”,conformetalautodeinterrogatório. Nodiadehoje,referiuquenãoapertaramalaçadaaopescoçodo(...),aindaficandoalgumafolga,sendoquedosautosresultaquealaçadaerafixaenãosuscetíveldeserajustada. Doexposto,érazoávelpensarqueamortede(...)teráocorridonomomentoeporviadoaludido“marta-leão”enãoaquandodoseupendurar,nosobreiro,momentoemquejáestariamorto. Igualmente,refereoarguido(...)queasuaatuaçãoderivoudopedidode(...)paramorrereparaomatarem,tendoentretodoscombinadodequeformaofariameemquemomento. Maisreferequejánodiaanteriortinhamtentadolograrofacto,masque(...)desistiudoseuintentoeregressaramacasa,aceitandoosdoisarguidosessadesistênciaeessavontademanifestadanessesentido. Asdeclaraçõesoraprestadaspeloarguidosãoconformescomoconjuntodeelementosprobatóriosjuntoaosautos.Queamortede(...)derivoudeatuaçãodeterceiro,afigura-se-nosresultardesdelogodaformacomoocadáverapareceu,istoé,numpoço,tapadocomterra, dejetosematérias,enroladonumlençolecomumacorda.Paraalémdomais,oautodediligênciadefls.354ess.,concluiqueamorteterátidoetiologiamédicolegalhomicida,atendendo-senomeadamenteàslesõestraumáticasevestígioshemáticosnaroupa.Taléigualmentecorroboradopelofactodeexistirprovatestemunhalabundantenosentidode(...)viramanifestarquequeriamorrer,queestavafarto,masnãotinhacoragemdesesuicidar. 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Asperíciasaolençolecordaencontradosnocadáverde(...)corroboramacoincidênciacomlençóisecordassimilaresusadosno(...)edeacessoaquememtalinstituiçãoseencontravainternado. Istoparadizer,queoselementosprobatóriosnestesautosnãoseresumemàconfissãodoarguido(...),masmostram-secorroboradasporumconjuntodeelementos,sejadenaturezatestemunhal,pericialedocumental,quecorroboramaversãodoaquiarguido(...)noquetocaàautoriadosfactosaquiemapreço. Queracordarecuperadajuntodocadáver,querafacaforamambasreconhecíveiscomosendosimilaresàsutilizadasno(...),querpor (…) afls.453querpor(...),afls.456ess.,oqueacresceaojásuprareferenciado,nosentidodesepuderafirmarcomsegurançaquequemmatou(...)estariainternadonoaludidoCentro,tendoacessoataismateriais,tantomaisqueopoçoondeocadáverfoiencontradoseencontravaigualmentenasproximidadesdessesítio. 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Afls.488ess., (…) norelatoquefazdasmensagenstrocadascom(...)dizquefoiopróprio(...)quempediuao(...)eao (…) paraqueomatassempoiselenãotinhacoragemparaofazer,pedindoqueaquelesdoisoenforcassemequequeriamorrerporenforcamento.Maisdizaaludidatestemunhaquefaceaopedidode(...),(...)eo (…) decidiramfazeravontade,tendocombinadoumdiacom(...)paraaexecuçãodoplano.Aindareferequenodiaseguinte(reportando-seaodiaanterioraodiaemque(...)searrependeu),(...)voltouafalarcom(...)ecomocigano,dizendodestaveztercertezadequequeriairemfrentecomoseupedido.Deigualmodo, (…) aludeaofactode,pelomenos,emduasocasiões,(...)falarcomociganotratando-sede(...),pedindoqueeleomatasseporelenãoconseguirvivermaisnosofrimento.Numasegundavez,(...)teráprocurado(...)e(...)comomesmopedido,dizendoteracertezadequenãoqueriavivermais.Dizessatestemunha,irmãodoaquiarguido(...),queoirmãocontou-lhequefaceàinsistênciaeaofactodeverificarqueo(...)aparentavatercertezadequequeriamorrer,acabouporconseguirconvencer(...)e(...)aretirar-lheavida,comoelequeria.Também (…),afls.529ess.afirmaque,pordiversasvezes,(...)verbalizouaeleeaoutroscolegasquesequeriamatarequesónãoofaziapornãotercoragem,peloquechegoumesmoapediraogrupoqueomatassemporenforcamento,explicando-lheestecomodeveriaserfeito,maisconcretamente:passassemumacordaporumramodeumaárvore,eoscolegaspuxassemocaboquandoamesmaestivessepresanopescoçodele.PorconsiderartalpedidogravechegouafalarcomaDra. (…),médica,Dra. (…),psicólogaeofuncionário (…),nosentidodeoajudaremeodemoveremdapráticadetaisfactos. Doselementosdeprovasuprareferenciados,nãoháduvidaque(...),pordiversasvezes,adiversaspessoas,nãosómanifestouaintençãodemorrer,maspornãotercoragemparaosuicídio,solicitouaterceirosqueomatassem,explanandocomodeveriamorreredequeformaemconcretoodeviamfazer. Talpedido,foiigualmentefeitoaosaquiarguidosconformeconfirmadopeloarguido(...)eemfacedoselementostestemunhaisjásuprareferenciados.Considerandoareiteraçãodomesmopedido,queérealizadodeformaexpressa–queomatassem-,porenforcamentoeconsiderandoquenodiadosfactosfoi(...)quemabordou(...)quefoichamar(...),apósnodiaanteriorseterarrependido,entendemosqueexistemnosautosindíciosfortesqueindicamouapontamparaumpedidoparasermortoporpartede(...),deformaexpressa,reiteradaedeformaséria,tendoinclusiveofalecidoponderadoporumanoitetaldesiderato,mostrando-seresolutonamanhãseguinte,nosentidodeseconcretizarasuamorteporintermédiodeatuaçãode(...)e(...),aquemtinhapedidoqueomatassem.Trata-sedeumpedidoponderado,pensado,refletido,expressoeinsistente,queperduraaolongodealgumtempo.Amortede(...)ocorreporenforcamentoemcombinaçãocomopróprioquantoaolocal,modoetempo,osquaisestãodeacordocomasuavontadeeforamcomomesmocombinado.Nãosevislumbradosautoquehajarazãoalguma,quenãoopedidode(...),comasmencionadascaracterísticasquejustifiqueouexplaneaatuaçãodosaquiarguidos,sendoquenãoseapurouumaqualquerrazãodelitígiooudesentendimentoentreosmesmos,próximaouafastadadamortede(...).Opróprioarguido(...)afirmaqueosfactosporsipraticadosoforamporviadopedidoapresentadopelofalecidoeporconsiderarqueerasériaasuaintenção(nestaparteconforme oautodeinterrogatórioescritonosautos),tantomaisqueofalecidoapresentavacortesdiversosnosbraços.Ofactodeofalecidoseencontraremestadodepressivoetriste,apresentandofortesentimentodeabandonoeressentimento,paraalémdeideaçãosuicida,tudoconformefls.481ess.,nãoretiraaopedidopelomesmoapresentadonemseriedadenemponderação.Nãodeixadesefrisarque,atéconfrontadocomavisãodoseuprópriocorpoficaracéuaberto,aapodrecer,issonãoodemoveudosseusintentos,nemofezretroceder,reiterandooqueeraasuavontade.Nãodeixadeseolvidarqueessavisãosurgeaperguntasdopróprioarguido(...)imediatamenteantesdeconcretizaremoato,oquesófazpressuporumavontadesériaefirme,perguntaqueconstadefls.572dosautos. Destemodo,entendemosqueoselementosprobatóriosconstantesdosautospermitemfundarfortesindíciosdeumcrimedehomicídioapedidodavítimap.ep.peloart.º134ºdoC.Penal,punívelcompenadeprisãoatétrêsanos. Emfacedoquesãoasdeclaraçõesdoarguido(...),corroboradaspelomenospelasconfidenciasquefoirealizandoquantoaosfactosporsiperpetrados,emconcretofaceàpessoadoseuirmão (…) eàpessoade (…),naausênciadequaisquertestemunhasdosfactosenãotendooarguido(...)prestadodeclarações,asuaatuaçãoresumiu-seaacompanharofalecidoeo(...)aolocaldosfactos,aacederaopedidodofalecidoeapresenciaraatuaçãode(...)quepreparouacordaeaplicouaofalecidoamanobradesignada“mata-leão”que,comosedisse,jásupra,terádeterminadoamortedoaqui(...). Dosautos,avultaque(...)éumapessoaagressiva,instável,impulsivoecomtendênciaparaaviolência,tudoconformeaavaliaçãorealizadapor(...)quenoCentro(…)exercefunçõesdeacompanhamentopsicológico,sendodeprofissãopsicóloga.Peranteessascaracterísticasdoarguido(...)háquenosquestionarmosemquemedidaaintervençãode(...)possaenquadraroconceitodeauxiliomoral,consabidoqueestepressupõeumacontribuiçãodenaturezanãomaterialparaofacto,emqueseaumentaashipótesesderealizaçãotípicaporpartedoautorouacriaçãooupotenciaçãodeumrisconãopermitidoqueultrapasseamedidaadmissível,istoé,umacontribuiçãoqueimpliquefavorecimentooufortalecimentodoautornasuadecisão.Segundo (…),oirmãoteráreceiode(...). (...)nãopraticaatosmateriaistendenteseconducentesàmortede(...),limitando-seaacompanharepresenciaraatuaçãomaterialde(...),queconduziuàmortedofalecido.Nãosenosafiguraqueasuapresençaimplique,faceáscaracterísticasdepersonalidadede(...),tendoomesmoascendentesobre(...),umqualquerfortalecimentonadecisãoadotadapelomesmo,queanossoverteriasidoconcretizadocomousemapresençadoaquiarguido(...).Nãoolvidemosquequando(...)aborda(...)estevaichamar(...),nodiadosfactos,equeésempre(...)quemtomaainiciativa,atéquandoemdiasanterioresconcretizaraaexemplificaçãodoqueseriaummata-leãonapessoade(...).Nãosevislumbradapartede(...)umqualquerconselho,fornecimentodeinformaçõesrelevantes,instigaçãoouqualqueratitudequepossaenquadrar-senoaludidoconceitodeauxiliomoralequeimpliqueosupraaludidofavorecimentoouintensificaçãodadecisãotomadapor(...). Nestamedida,portanto,nãosenosafiguraqueoarguido(...)sejaautor,coautoroucúmplicedocrimedehomicídiosuprareferenciado,mastãosóco-autordeumecrimedeprofanaçãodecadáver,p.ep.peloart.º254º,n.º1,al.a)eprevistocompenadeprisãoatédoisanosoupenademulta. Osarguidossãoprimários,jovens,encontrando-seinternadosno(...)porrazõesqueemconcretoereputadasataispessoassedesconhecemquaissejam,aindaquetalinstituiçãoacolhajovensproblemáticos. Asituaçãopresenteintegraumcontextodealtaespecificidade,irrepetível,nãosecrendoqueemconcreto,severifique,nocasopresenteperigoconcreto,derepetiçãodefactossimilares,mesmoconsiderandoascaracterísticaspessoaisdoarguido(...),jásupraelencadas.Maisespecificoeirrepetíveléocontextoquedeterminouacondutadeambososarguidos,deocultaçãodocadáver,peloquetambémquantoatalilícitonãovislumbramosperigoconcretodecontinuaçãodaatividadecriminosa.Jáquantoaosdemaisperigos,deperturbaçãodoinquéritoetranquilidadeeordempublicas,entendemosambosverificados,aindaquequantoàperturbaçãodoinquéritodeformamitigada,porquantoamaiorpartedaprovatestemunhaljáfoiproduzidanosautos,conformeorevelaaextensãodaprovatestemunhalelencadapeloMinistérioPúblico,quenãoresumetodaaquelaproduzida.Contudo,poderáocorrerporpartedosarguidosalgumatentaçãodetentarinfluenciarepressionarquemjáprestoudeclaraçõesnosautosouaindanãootenhafeito,nosentidodeseadulteraremosconteúdosesentidosdasdeclaraçõesprestadasoudasqueovenhamaser.Deigualmodo,faceaocontornodosfactosindiciariamentepraticadosecontextoemqueocorreram,resultamanifestooperigodeperturbaçãodatranquilidadepública,tudoperigosaquealudeoart.º204º,als.b)ec)doC.PP,sendoqueanossoverexistetambémalgumperigodefugaaquealudeaal.a)detalnormativolegal,porquantoosarguido,sagoraconscientesdosseusatoseconsequênciasenãoestandojáacobertodeumaqualqueresperançadeasuacondutapassardespercebidaeoculta,podemencetarafugadainstituiçãoondeseencontram,queabrangeumterrenocom2hectaresemeio,emqueéfácilasaídapelaredeeemqueosjovensaíinternadospodemlivrementepercorrertalterrenodegrandeextensãoaindaqueestandovisíveis,segundoasnormasdainstituição,perigodefugaaindaque,algomitigado,porquantoosarguidossãojovensenãotêmcapacidadefinanceiraparasedeslocaremsemmeiospróprios,paragrandesdistânciasdainstituiçãoqueosacolhe. Olimitemáximodasmolduraspenaisdosilícitossupramencionados,sejahomicídioapedidocujaautoriafoipraticadadeformaindiciáriapor(...),sejaodeprofanaçãodecadáver,porambososarguidospraticadaemco-autoriamaterialnãopermiteaaplicaçãodeoutramedidadecoaçãoquenãosejaadosart.ºs197ºa199º,frisando-senocasopresentequenemosarguidostêmcapacidadefinanceiraparaprestarcaução,nemsejustificaaaplicaçãodoart.º199ºdoC.P.P..Resta assim a aplicação da medida de coação de apresentação periódica, a que alude o art.º 198ºdo C.P.P., podendo os arguidos sair da instituição se acompanhados, conforme resulta dos autos,medida de coação, de forma diária, em horário que seja mais conveniente à instituição, a começarno dia de amanhã,quantoaambososarguidos,sendoquesãopróximasasmolduraspenaismáximascorrespondentesaosdoisilícitos,eosfactosnãojustificamperiodicidadediversa,medidaqueseaplicaporoutranãoserpossívelaplicar,conformejásupraexposto,porquantotodasasdemaispressupõempenasdeprisãodemáximosuperioratrêsanosoumais(Art.º191ºa193º,204º,als.a)eb)e198º,todosdoC.P.P.).Cumpraodispostonoart.º194º,n.º9doC.P.P.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões que foram submetidas à nossa apreciação são as seguintes:
- qualificação jurídica da factualidade indiciada e da participação do arguido (...);
- inadequação da medida de coacção decretada e sua substituição por prisão preventiva.
3.1. O recorrente insurge-se contra a integração da conduta do arguido (...) no crime de homicídio a pedido da vítima, p. e p. pelo art. 134º do C. Penal, defendendo que a mesma preenche a previsão típica do crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131º, 132º nºs 1 e 2 als. e) e j) do mesmo diploma legal e, bem assim, que a conduta do arguido (...) não é inócua, contrariamente ao que foi considerado no despacho recorrido, devendo antes ser considerado que actuou como cúmplice.
Antes de mais, há que frisar que bulir com a qualificação jurídica dos factos, na fase de inquérito e perante um caso, como o presente, em que as motivações e o envolvimento psicológico dos intervenientes ainda não se encontram definidos com a clareza suficiente para se avançar uma tomada de posição que pode condicionar as decisões, de dedução de acusação, eventual decisão instrutória e decisões finais, é tarefa altamente arriscada. A mais elementar prudência e o bom senso aconselham a que não interfiramos com uma apreciação, feita pela Srª JIC, que teve os arguidos perante si e interrogou aquele que quis prestar declarações, quando essa apreciação, perante os elementos que constam dos autos, não se mostra, muito menos de forma flagrante, desajustada.
A discordância do MºPº recorrente pode, e em nosso entender deve, ser direccionada de forma muito mais profícua para a dedução de uma acusação que reflicta a forma como aprecia o acervo indiciário coligido nos autos, deixando para o julgamento, se a instrução não vier a ser requerida, a apreciação global, em condições ideais de imediação, dos meios de prova e as conclusões que através da sua produção seja possível alcançar.
Isto dito, vamos ainda assim analisar as objecções apresentadas pelo recorrente e que transmitem a clara impressão de que a conduta dos arguidos foi analisada pelos olhos de um adulto sem ter em devida conta, apesar do afirmado em contrário, de que também eles, tal como a vítima, vivenciavam o período já de si conturbado da adolescência, por todas as modificações ao nível físico e psíquico que caracterizam esta fase da vida, com as acrescidas dificuldades de não terem apoio sólido no meio familiar, viverem já nas franjas da criminalidade juvenil e se encontrarem institucionalizados.
No essencial, o recorrente ataca a subsunção jurídica dos factos à previsão típica do art. 134º do C. Penal com base na argumentação que de seguida vamos rever.
Em primeiro lugar, contesta que a vítima tenha formulado um pedido com as características exigidas por aquela norma, ou seja “sério, instante expresso”, para que a matassem. Que andava numa fase de desânimo, profundamente triste e revoltada, como era sabido pelos arguidos, mas que os pedidos que verbalizava naquele sentido não eram sérios e que por isso não lhes deviam ter acedido.
Ora, lidos os profusos depoimentos recolhidos nos autos, não é essa a impressão que deles se colhe.
Desde logo daqueles que provêm de adultos com cargos de responsabilidade na instituição onde arguidos e vítima se encontravam colocados: a vítima dizia que já tinha tentado o suicídio, que queria morrer e o seu discurso era todo em volta da vontade de cometer suicídio (cfr. depoimento de (…), Directora técnica do (...) ); a vítima estava muito triste, talvez em estado depressivo, sentia um forte sentimento de abandono, um estado de tristeza profunda, não queria ficar na instituição, tinha ideação suicida, automutilava-se com golpes nos braços, confidenciou que estava farto de sofrer e queria morrer, não tinha alegria na vida (cfr. depoimento da testemunha (...), psicóloga no mesmo Centro ).
Vários outros depoimentos, de menores que também se encontravam colocados no dito Centro, dão conta das verbalizações da vítima no sentido de que queria morrer mas que ainda não se tinha conseguido suicidar por não conseguir fazê-lo, de tentativas de se atirar do telhado, não consumadas por falta de coragem, da automutilação num dos braços através de cortes feitos com uma gillette, de pedidos dirigidos nomeadamente ao arguido (...) para que o matasse.
Sem se lograr discernir dos autos se este estado de coisas já vinha de trás e se perdurou por um período superior aos dias que precederam o homicídio, certo é que durante esse período a vítima repetiu várias vezes que queria morrer e até chegou a especificar a forma como pretendia que lhe fosse infligida a morte, em concreto através de enforcamento.
Assim, e em face dos indícios coligidos, cremos não merecer grandes reservas a conclusão de que a vítima fez pedido instante e expresso no sentido de que a matassem.
E que esse pedido reiterado tinha foros de seriedade, também não encontrámos razões para disso duvidar. A “ladainha” era sempre a mesma, consistente e não é o simples facto de na véspera se ter “acobardado” por ser de noite que retira seriedade ao seu pedido. Tenhamos em conta o estado de espírito da vítima, que dizia reiteradamente que queria morrer mas que não tinha coragem para se matar. Ou seja, queria o objectivo, mas o “caminho” para o alcançar causava-lhe temor, como, aliás, não é raro suceder com quem acalenta ideias suicidas. E note-se que, depois da “experiência” de perder os sentidos devido ao mata-leão por ela consentido e aplicado pelo arguido (...) no dia 13/10/2020, e depois da hesitação que fez abortar o planeado para a noite do dia seguinte e determinou uma reflexão mais profunda nessa noite, foi a vítima, à semelhança das duas ocasiões anteriores, quem foi procurar os arguidos e pedir-lhes para que executassem o plano traçado para lhe pôr fim à vida.
E nem se diga que a concreta forma como foi executado o homicídio desrespeitou ou divergiu de forma digna de nota do pedido feito pela vítima. Entre a morte por enforcamento e a morte por asfixia pela aplicação de um mata-leão a diferença não é grande e a vítima até já tinha tido um “ensaio” anterior, estando por isso mais ciente da forma como a situação se ia desenrolar, do que iria sentir e de como o seu corpo iria reagir, não havendo qualquer notícia de que tenha sido muito particular no sentido de que não aceitava morrer daquela forma e fazia questão de morrer pendurado numa corda.
Chama o recorrente à colação o depoimento prestado por (…), assistente social do referido Centro, para dele concluir que o arguido (...) conhecia o estado em que a vítima se encontrava e até havia sido advertido para não fazer o que ela pedia.
Sucede, porém, que desse depoimento não resulta claro se a conversa que teve com aquele arguido teve lugar antes ou depois do dia 15/10/2020. De facto, a testemunha afirmou que tal conversa ocorreu “em data precisa que não recorda, mas que acredita ter sido em outubro/2020” e questionada “sobre se consegue indicar se o (...) estava já desaparecido nesta data, disse que não se recorda se ele estava ainda no (…) ou não”. Da impossibilidade de situar essa conversa antes ou depois daquela data logo decorre a falência da argumentação do recorrente nela alicerçada.
Por outro lado, as condutas violentas, o sadismo dirigido a animais e o diagnóstico de psicopatia que terá sido feito ao arguido (...), factores assaz inquietantes como assinala o Exmº PGA, não invalidam que ele tenha agido a pedido da vítima, independentemente de poder ter retirado, ou não, prazer do acto que perpetrou, questão que terá de ser apreciada e tratada em outras instâncias.
E nem é rigorosamente exacto que, após o homicídio, os arguidos retomaram as suas rotinas diárias com toda a normalidade, existindo várias referências nos autos a comportamentos de um e de outro que denotam nervosismo e preocupação com a situação bem como receio de que fosse descoberto o que tinham feito.
Considera também o recorrente que a vítima se encontrava em grandes dificuldades e que manifestava sérias perturbações psicológicas e psiquiátricas, sendo tal situação conhecida de todos.
Convenhamos que quem pede a outrem que o mate está, regra geral, numa situação de grave perturbação psicológica, mesmo nos casos, diversos do presente, em que por detrás da mesma esteja um sofrimento ou uma condição física real. Então, se, para o preenchimento do tipo do art. 134º fosse exigível que a vítima estivesse no seu total são juízo, a previsão típica ficaria esvaziada… Além de que o sofrimento psíquico pode ser tão ou mais difícil de suportar que o sofrimento físico.
Sustenta, ainda, o recorrente que, pelo facto de ainda não ter feito 16 anos e por se encontrar num estado de perturbação psicológica e emocional, conhecida dos arguidos, não podia prestar consentimento válido para que a matassem.
No que toca a idade, e não constando da norma do art. 134º qualquer restrição a esse respeito, chama o recorrente à colação a norma do art. 38º nº 3 do C. Penal.
Da comparação entre a redacção originária do C. Penal de 1982 com a actualmente vigente constata-se que esta não manteve a exigência de que a vítima morta a seu pedido fosse “imputável” e “maior”.
Mas também cremos que não restam dúvidas de que sempre será imprescindível que a pessoa em causa tenha capacidade para entender a natureza e conteúdo do pedido e esteja plenamente consciente das consequências da sua aceitação. Só assim poderá formular um pedido com a seriedade requerida pela lei.
Esta questão levanta diversas outras que não encontram, para já, resposta nos elementos que se encontram nos autos e que provavelmente só poderão ser clarificadas recorrendo a perícias realizadas com base nos elementos colhidos pelas psicólogas do Centro, que tiveram contacto directo com a vítima.
E, se é certo que a vítima, nascida em 16/3/2005, tinha 15 anos e 7 meses na data em que o homicídio foi perpetrado e que se encontrava a vivenciar um quadro depressivo assaz grave, não é menos certo que a norma a que o recorrente se arrima não tem, no caso, aplicação, na medida em que os requisitos de fundo do consentimento nela previsto, constantes do seu nº 1, demandam que ele se refira a interesses jurídicos livremente disponíveis pelo seu titular e que o facto não ofenda os bons costumes. Ora, a vida – excepção feita a ataques do próprio titular e alguns ataques negligentes – não é livremente disponível, como resulta nomeadamente do facto de a lei punir o homicídio a pedido.[1]
Antes de concluirmos, porque afronta algumas dúvidas e perplexidades que este caso concita, porque se reveste de grande interesse e merece a nossa inteira concordância, permitimo-nos aqui transcrever parte do parecer elaborado pelo Exmº PGA:
Este crime e a forma como foi executado convoca várias reflexões contraditórias cuja dialéctica não é de fácil resolução.
Há um autêntico abismo a separar as duas posições em confronto e o que é curioso é que ambas partem, praticamente, da mesma factualidade, com alguns detalhes divergentes, mas cuja relevância integram dois mundos totalmente diferentes em termos de valoração ético-jurídica.
Na verdade, o cerne da divergência entre a Mmª JIC e o Ministério Público está no relevo que cada um atribui ao pretenso consentimento da vítima na produção do resultado típico.
A senhora Procuradora tem razão quando afirma que o consentimento, para se afirmar jurídico-penalmente relevante, tem de ser prestado por alguém maior de 16 anos – artº 38º nº 3 do CP -.
Isso é verdade mas não tem, na economia deste processo, relevância de maior uma vez que estamos na presença de bens jurídicos indisponíveis.
Isto é, o consentimento seria também juridicamente irrelevante se a vítima fosse um adulto.
O que importa, todavia, na análise que se impõe fazer para avaliar da maior ou menor relevância prática deste consentimento para, a partir daí, perscrutar as verdadeiras intenções dos arguidos ao levar a cabo o crime, é saber até que ponto essas intenções corresponderam ou não à vontade expressa, esclarecida e decidida da vítima ou se, pelo contrário, outros factores intervieram na motivação.
A Mmª JIC aderiu à tese que lhe foi apresentada pelos arguidos. O Ministério Público defende a existência de motivações completamente distintas, nomeadamente que os arguidos “actuaram movidos apenas pelo prazer que retiraram da sua prática e pela experiência de tirarem a vida a outra pessoa“ – sic.
Para além de desvalorizar os constantes apelos da vítima para obter auxílio de terceiros para atingir os seus propósitos, desconsiderando a seriedade de tais apelos, atenta a idade, a fragilidade psicológica decorrente do internamento que rejeitava, o estado depressivo da vítima e o facto de serem praticamente desconhecidos, o Ministério Público socorre-se de elementos adicionais, sobretudo no que concerne ao (...), para lhes imputar intenções completamente distintas das que alegaram em sua defesa e que se consubstanciariam em agir de acordo com o que lhes tinha sido pedido.
Que dizer?
Não negamos que os elementos disponíveis sobre a personalidade do arguido (...) são inquietantes.
Demonstra uma propensão para agir com violência e de forma desproporcionada às contrariedades que não pode ser olvidada nem menosprezada.
Mas isto só por si, com todo o respeito por opinião contrária, não nos parece suficiente para justificar um juízo de probabilidade alta em termos de excluir a versão dos factos defendida no despacho recorrido.
Se é verdade que a visão propugnada pelo Ministério Público é perfeitamente defensável – e é – não é menos verdade que a tese subjacente à decisão em crise também o é.
Isto é, qualquer das duas constitui, neste momento e com os dados disponíveis, hipóteses explicativas inteiramente plausíveis.
Não deixamos de revelar alguma dificuldade em reconhecer relevância ao consentimento prestado por um menor para a prática de um acto tão radical e que ofende em tão elevado grau o sentimento ético-jurídico da comunidade.
É óbvio que não pode ser relevante, pelo menos com as implicações que decorrem do artº 38º do CP. Mas essa é outra questão. O que se discute aqui e agora é, de um ponto de vista subjectivo, do ponto de vista da motivação dos arguidos para a realização dos factos ilícitos, que relevância assumiu tal consentimento.
Para nós, para a generalidade da comunidade jurídica, será irrelevante.
Mas para os arguidos será que o foi?
A responsabilidade penal e a culpa em direito penal regem-se por regras distintas de outros ramos de direito como, por exemplo, o direito civil.
Em direito penal a culpa, que se traduz em responsabilização penal, mede-se em função da capacidade do sujeito concreto em avaliar o desvalor da sua conduta no momento da prática do acto criminoso e de se determinar de acordo com a valoração que fez, ou que se impunha que fizesse.
E se isto é verdade para qualquer adulto, mais curial se torna na avaliação da culpa de um menor – não é pelo facto de serem penalmente imputáveis que os arguidos deixam de ser menores, com todo o quadro mental e axiológico próprio de um menor -.
Voltando aos nossos factos.
Temos dúvidas, nesta fase do processo e sem ter conhecimento directo das pessoas concretas que estamos a avaliar, em inclinarmo-nos para qualquer uma das teses em confronto.
Temos dificuldade em afirmar que os arguidos praticaram este crime por prazer em retirar a vida a um ser humano. Não conseguimos descobrir no processo factos inequívocos que indiciem isso. Também não é menos verdade que é muito preocupante a forma desinibida como se prestaram a executar um acto desta natureza.
Mas essa é uma outra questão, quiçá para dilucidar em julgamento.
Neste momento não estamos a elaborar sobre a existência deste ou de aquele crime, embora essa discussão seja de capital importância para a decisão do recurso. O que nos convoca é decidir se os arguidos deverão aguardar os termos ulteriores do processo em liberdade, como já estão há algum tempo, ou se deverão ficar em reclusão.
O que é que é necessário, do ponto de vista cautelar, determinar agora?
As medidas de coacção regem-se por três grandes princípios.
Necessidade, adequação e proporcionalidade – artº 193º do CPP -.
Admitindo que o Ministério Público tem razão – como já o dissemos, temos as nossas dúvidas, neste momento – a prisão preventiva até se poderia considerar necessária, pois tanto a Mmª JIC como o recorrente, admitem que algumas das circunstâncias do artº 204º do CPP ocorrem neste caso.
Já temos mais dúvidas em considerá-la adequada, mas admitamos que sim, face às exigências cautelares concretas – embora não seja seguro que outras medidas menos gravosas não lograssem atingir o mesmo fim -.
Quanto à proporcionalidade desta medida aqui sim, aqui as dúvidas são imensas. Repare-se, tudo depende do enquadramento jurídico dos factos como se referiu atrás.
Será legítimo, existindo fundadas dúvidas sobre a interpretação desta factualidade, partir de um determinado pressuposto fáctico-jurídico para, a partir daí, escolher a medida de coacção, optando pela mais gravosa prevista na lei?
Será inteiramente descabido – até por nos situarmos ainda numa fase interlocutória do processo onde não se dispõe de todos os elementos relevantes – fazer apelo ao princípio da dúvida fazendo-o funcionar, como não pode deixar de ser, a favor dos arguidos?
Não poderá ser essa a chave para a resolução, precária, do problema?
Pensamos que sim.
Finalmente também não será despiciendo o facto de sobre o evento já terem decorrido quase 8 meses. Será que não se terão atenuado as exigências cautelares que o caso requeria? Será que, encontrando-se os arguidos em liberdade cumprindo, tanto quanto se sabe, as medidas de coação decretadas, fará ainda sentido implementar medidas adicionais e extremamente gravosas, medidas que são apenas, frise-se, de natureza cautelar e não traduzem um juízo final sobre a sua culpa e a realidade dos factos?
Não se encontrarão já asseguradas todas as finalidades que se pretendem alcançar com as medidas de coacção?
Alguma se revelou ineficaz, inadequada ou insuficiente?
Não sabemos em concreto mas, a ausência de novas informações, fazem-nos presumir que não.
Em suma, de tudo quanto acima ficou exposto resulta, se não totalmente infundamentada, pelo menos, prematura e até temerária a alteração, neste momento da qualificação jurídica dos factos indiciados.
No que concerne à participação do arguido (...), tem total pertinência o que acima dissemos em relação ao prosseguimento dos autos. Independentemente de também a este respeito concordarmos com a argumentação aduzida pelo Exmº PGA no seu parecer ( no qual conclui que o arguido (...) é seguramente cúmplice, tendo auxiliado, material e moralmente, o arguido (...) ), tomar aqui posição a esse respeito não releva para o objectivo primordial do recurso que é alteração das medidas de coacção, funcionando a questão da qualificação jurídica dos factos indiciados como condição imprescindível para alcançar esse desiderato.
Dito de outra forma: não relevando para a alteração da medida de coacção determinar qual o grau de participação deste arguido no crime de homicídio, posto que não se encontram fundamentos nesta sede para alterar a subsunção dos factos ao crime p. e p. pelo art. 134º do C. Penal tal como efectuada pela Srª JIC, não se reveste de qualquer utilidade estar aqui a apreciar essa questão, que será dilucidada no momento próprio, nada impedindo o MºPº de defender o seu entendimento deduzindo acusação com base nele.
3.2. O recorrente também pugnou pela alteração da medida de coacção decretada, pretendendo que aos arguidos fosse aplicada a prisão preventiva.
Ora, a argumentação com que sustentou esta pretensão dependia estritamente do acolhimento daquela outra que fundamentava a alteração da qualificação jurídica dos factos indiciados.
E, não tendo procedido esta, também não pode ser alterada a medida de coacção, desde logo porque, como foi explicado no despacho recorrido, os limites máximos das molduras penais dos crimes que se consideraram indiciados não permitirem a aplicação de outras medidas de coacção para além da que foi decretada e de uma outra ( caução ) que os arguidos manifestamente não têm condições de prestar.
4. Decisão
Por todo o exposto, julgam improcedente o recurso, mantendo o despacho recorrido.
Sem tributação.
Évora, 21 de Setembro de 2021
Leonor Esteves
Breguete Coelho
_________________________________________________
[1] Veja-se para maiores desenvolvimentos o tratamento desta questão no Código Penal Português de Maia Gonçalves, em anotação ao art. 38º.