ABERTURA DE INSTRUÇÃO
REQUISITOS
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
RAI
INVIABILIDADE
Sumário

A omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a decisão da causa reporta-se, (artigo 120º/CPP), reporta-se, exclusivamente, à falta de diligências tornadas necessárias em virtude do desenvolvimento do processo depois de findas as fases de inquérito e instrução, ou seja, em fase de julgamento.
A insuficiência de inquérito tem por reporte, exclusivamente, as situações cominadas por norma como nulidade, ou seja, ocorre apenas e tão-somente quando não são praticados actos que a lei impõe como obrigatórios, nessa fase processual.
Os actos que a lei impõe como obrigatórios, em fase de inquérito, são apenas aqueles que resultam de norma processual expressa
Com a alteração da redacção dada ao normativo pela Lei 48/2007, sufragou-se no texto a orientação de que apenas a omissão de actos legalmente impostos constitui insuficiência de inquérito determinante de nulidade, único entendimento compatível com a exclusividade de competência do MP para a direcção do inquérito.
 A omissão de diligências que possam ter determinado deficiências de investigação no inquérito crime apenas pode obter satisfação através da reclamação hierárquica
Passada a possibilidade de reclamação hierárquica a existência dessas deficiências passa a configurar-se como questão de maior ou menor aptidão da acusação para vingar em julgamento, onde todos os actos tendentes à descoberta da verdade devem ser praticados (artigo 340º/CPP).
Em caso de arquivamento do inquérito, a faculdade de deduzir instrução visa não apenas obter a comprovação judicial da desadequação ou ilegalidade da decisão de arquivar o inquérito mas, igualmente, submeter a causa a julgamento – o que, num processo de cariz acusatório, como o nosso, acarreta necessariamente a dedução de uma acusação

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:

I – Relatório:
VG_____ , assistente nos autos, veio recorrer do despacho que não recebeu o seu requerimento de abertura de instrução.
II- Fundamentação de facto:
Findo o inquérito dos autos o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:
« A. Enunciado fáctico e respectiva qualificação jurídica
Motivou a abertura dos presentes autos a queixa apresentada em 06.02.2019 por VG_____ , AC___  e MS_____  contra FL______ , AD______ e CR_______  por, e em síntese:
Os denunciantes e um grupo de cidadãos criaram, em 2015, um partido político denominado “PURP – Partido ...”;
Foi criada uma página do partido na rede social Facebook e diversos grupos que incluíam na sua designação PURP, de livre adesão;
Começaram a surgir divergências e foram criadas alianças entre alguns membros do partido no sentido de afastar os denunciantes dos cargos que desempenhavam; sendo que VG_____  foi, até 29.04.2017, presidente da comissão política nacional do PURP, AC___  foi, até 29.04.2017, comissário na comissão política nacional e MS_____    foi, até 29.04.2017, comissária na comissão política nacional;
Os denunciantes constataram que em alguns grupos na rede social Facebook os denunciados denegriram a imagem e o bom nome dos mesmos, mas como estes apagaram as mensagens, não possuem registo das mesmas;
O teor dessas mensagens originou um desentendimento entre os dirigentes do PURP e culminou com a realização de um congresso extraordinário do partido em 20.04.2017, que foi convocado pelo denunciado FL______ ;
Da ordem de trabalhos constava, para além do mais, o ponto “destituição de órgãos do partido”, tendo sido deliberada, na ausência dos denunciantes, a destituição destes das funções que desempenhavam, bem como a sua desfiliação do partido;
Após o congresso, os denunciados mantiveram as atitudes injuriosas, postando mensagens no Facebook, que, entretanto, foram apagadas;
O denunciado FL______ , na qualidade de presidente do PURP, apresentou posteriormente queixa crime contra os denunciantes que originou o Processo nº 6356/17.9T9LSB, que correu termos no DIAP de Lisboa, na qual alega:
- foram negados os acessos ao endereço de email ...@gmail.com, utilizado pelo denunciante VG_____ , considerando ser este o e-mail do partido;
- encontrar-se impedido de aceder aos ficheiros dos filiados;
- não ter acesso aos movimentos, saldos bancários e contas do partido;
- ter-lhe sido recusada a entrega dos bens móveis, dinheiro e restantes bens do partido (sonegação de documentos, imobilizado e merchandising do PURP);
- não ter havido auditoria às contas do partido, cujo prazo legal para apresentação, à data da apresentação da queixa, já havia transcorrido;
- desconhecer a saúde financeira do partido;
- encontrar-se impedido de organizar e preparar as eleições autárquicas, defraudando assim os seus potenciais eleitores;
No âmbito desse inquérito foram inquiridos, na qualidade de testemunhas, os segundo e terceiro denunciados, que confirmaram as alegações constantes da queixa;
Esse Inquérito culminou com um despacho de arquivamento, prolatado em 09.04.2018;
Tudo quanto foi invocado na queixa crime é falso, as acusações são infundadas e apenas visaram denegrir a imagem dos denunciantes;
Após prolação do despacho de arquivamento no âmbito do inquérito supra, os denunciados mantiveram as atitudes injuriosas e difamatórias, postando mensagens no Facebook, que, entretanto, foram apagadas.
*
Tais factos são susceptíveis de consubstanciar, num juízo apriorístico, a prática do crime injúria, p. e p. pelos artigos 181º, 182º e 183º, nº 1, al. a), do crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, 182º e 183º, nº 1, al. a), do crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º, nº 1 e do crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º, nº 1, todas as disposições do Código Penal.
B. Diligências
Realizou-se o inquérito respectivo para investigação dos factos supra vertidos, tendo sido empreendidas todas as diligências necessárias, possíveis e adequadas à descoberta da verdade, mais não se mostrando úteis.
Debrucemo-nos então sobre tais diligências e os elementos probatórios coligidos na sequência daquelas:
Ø   Aquando da apresentação da queixa, pelos denunciantes foi junta aos autos: cópia do Acórdão nº 370/2015 do Tribunal Constitucional que deferiu o pedido de inscrição no registo dos partidos políticos do partido político com a denominação “Partido ...” e da sigla “PURP”, requerido por FL______  e AD____ ; cópia de listagem contendo os resultados globais das eleições legislativas de 4 de Outubro de 2015; cópia dos Estatutos do PURP e ainda alguns prints de mensagens alegadamente trocadas, em 25.02.2017, num grupo da rede social Facebook, entre AC _____, AD_____ , FL______ , nas quais estes últimos informam que retiraram VG_____ , AC___  e João Fernandes como administradores das páginas do PURP, das quais apenas transparece a existência de desentendimentos entre membros do partido – cfr. fls. 8-39;
Ø   Entretanto, foram ainda juntas pelos denunciantes impressões de e-mails datados de 26.02.2017, remetidos por AC _____, em que figura um anexo em pdf com título “Diálogo PURP membro 25.02.2017”, contendo um comentário aparentemente dirigido àquele, com o seguinte teor (transcrição): - cfr. fls. 94 e 95
LINDO!!!!BATO PALMAS, EHHHEHEHEHE
Oh sr°. cordeiro, queixinhas??? Quem semeia ventos .... colhe tempestades ...
Gostou? Está a PROVAR do próprio VENENO, NÃO GOSTA??? Pois ... temos pena ...
Você que, SOEZ e TORPEMENTE, deu o seu AVAL (deu-lhe gozo, CONFESSE?), em que se RETIRASSEM ferramentas de trabalho aos seus "colegas" da CPN, como; a PASSW do E-mail do Partido, ficou INCOMODADO??? Oh que diabo, que coisa tão chata, não é sr°. cordeiro??? Não se faz, pois não, sr°. cordeiro? Tivesse pensado antes, que não está a "lidar" com labregos .... Não esqueça sr°. cordeiro, que nós fizé-mo-lo Às CLARAS, com AVISO PRÉVIO, e o seu grupinho, fê-lo "à má fila", no silêncio da noite/dia, COVARDEMENTE e manhosamente, tipo; secretas do KGB, PIDE, MOSSADA. Como constata, sr°. cordeiro, tivemos mais elevação e urbanidade, ou não acha, sr°, cordeiro???
Olhe, sr° cordeiro, e aquele agressão ao Filiado CC-______, também aprovou, não é verdade? Comigo ... lhe garanto, com as mãos ... ou uma cadeira ... à mão ... não sei o k aconteceria
Isto, você NÃO DÁ IMPORTÃNCIA não é sr°, cordeiro???
Olhe, sr° cordeiro, teve o que merece, porque vocês são uma corja de pessoas, arrogantes, indecorosas, CAGONAS(vaidosas) falsas, feias(de caracter) mesquinhas, podres e a cheirar mal.
Agora, continue a reportar aos seus amiguinhos, tudo o k se vai passando, porque, srº, cordeiro, não tenho qualquer RECEIO deles, porque, nem perco o emprego e .. muito menos, me tiram a reforma, eheheheheh você ... e o grupinho de que faz parte, entendam, de uma vez para sempre, NÃO FAÇAS AOS OUTROS, O QUE NÃO GOSTARIAS QUE TE FAÇAM A TI, entende, sr°,???
Olhe, aproveite a época festiva (CARNAVAL), e mascare-se de PALHAÇO, que lhe assentará, quem nem uma luva, mas, evite Torres Vedras, porque lhe pode aparecer pela frente, uma qualquer MATRAFONA e .. alegadamente o violar (psicológicamente), porque, segundo me disseram, não gostam de CÍNICOS e HIPÓCRITAS, e de pessoas de má índole.
Como estamos no Carnaval. .. um beijinho ... muito sentido.
- MS________prestou declarações, tendo a mesma afirmado, e em síntese, que tomou conhecimento do teor da queixa que esteve na génese do inquérito nº 6356/17.9T9LSB no dia 04.12.2018, após consulta do processo pela sua mandatária; afirmou ainda que não teve acesso aos posts no Facebook, visto que logo a seguir a serem publicados eram apagados, mas que consistiam em conversas entre membros do partido que denegriam a imagem dos assistentes;
- VG_____  , prestou declarações e, para além de confirmar o teor da queixa por si apresentada, declarou que tomou conhecimento da queixa que originou o Inquérito nº 6356/17.9T9LSB no dia 04.12.2018, através da sua mandatária; mais afirmou que não teve acesso aos posts no Facebook, visto que logo a seguir a serem publicados eram apagados, mas que consistiam em conversas entre membros do partido que denegriam a imagem dos assistentes; adiantou ainda que em data que não sabe precisar, mas situada nos anos de 2017 e 2018, no decurso de reuniões da comissão politica nacional , foram-lhe dirigidas expressões “você é um ditador Bokassa, é um fascista, um doutor da treta, é um banana mentiroso”, expressões semelhantes às que eram utilizadas na rede social Facebook;
- Foram ainda juntos pelos denunciantes outros prints de comentários colocados no Facebook, alguns alegadamente da autoria dos denunciados, outros do assistente AC _____, e também de outros cidadãos, aparentemente filiados no partido, que evidenciam a existência de facções no seu seio, sendo tecidas reciprocamente críticas mordazes outras mais veladas ao comportamento e à actuação de uns e outros; são igualmente manifestadas divergências de opinião quanto à matriz do partido, a sua ideologia e linhas orientadoras; figuram ainda dos autos outros prints de mensagens trocadas no Facebook entre diversos cidadãos e o Assistente VG_____  e AC _____, nos quais se podem ler críticas quanto ao rumo do partido, e também algumas mensagens trocadas com o denunciado AD______ que os apelida de mentirosos e incompetentes e os acusa de haverem criado uma página clandestina do PURP, sendo também aquele apodado de mentecapto, insultuoso e intriguista por AC _____; mais ali constam comentários alegadamente produzidos por FL______  que se queixa da desorganização do partido, da falta de documentos e da postura do assistente AC___  – cfr. fls. 127-163;
- Foi ainda ouvido o Assistente AC___  que aduziu que apenas teve conhecimento dos factos caluniosos imputados à sua pessoa e aos demais assistentes no âmbito do Inquérito nº 6536/17.9T9LSB, através da sua mandatária, no dia 04.12.2018; mais referiu não ter conhecimento das palavras utilizadas pelos denunciados nas mensagens do Facebook, pois que foi destituído das suas funções no dia 29.04.2017, aquando da realização do congresso extraordinário do PURP; mais afirmou que mesmo após ter sido bloqueado no acesso à página do Facebook, o que ocorreu em 2017, soube através de membros dessa página do PURP que os comentários se mantinham e no mesmo registo.
- Foi junta aos autos cópia da queixa que esteve na génese do Inquérito nº 6356/17.9T9LSB, em que figura como denunciante o PURP, representado pelo Presidente da Comissão Política Nacional, FL______ , contra, e entre outros, os aqui assistentes, por, e em síntese: – cfr. fls. 185-186vº (excerto)
(...) 9-A Comissão Política Nacional, na sua relação institucional com os restantes órgãos do partido e com os filiados, adopta e sempre adoptou a via electrónica pelo e-mail ...@sapo.pt e a Mesa do Congresso e Conselho Nacional segue a mesma via electrónica pelo e-mail purp.braga2017@gmail.com na sua relação com os restantes órgãos do partido e com os filiados.
10- O expoente recebeu do Sr. Presidente da Mesa e do Conselho Nacional, encaminhado do e-mail purp.braga2017@gmail.com uma mensagem electrónica que recebera pelo e-mail cpn.purp@gmail.com emitida pelo filiado VS___, no qual se intitula para todos os efeitos Presidente da Comissão Política Nacional, cargo este ora exercido pelo aqui expoente, na sequência da sua eleição no congresso de 29 de Abril de 2017.
11- Acresce que o e-mail cpn.purp@gmail.com é completamente desconhecido dos restantes órgãos do partido e não se confunde com o e-mail ...@sapo.pt este sim, o contacto electrónico da Comissão Política Nacional com os restantes órgãos do partido e com os seus filiados.
12- A mais disso, aqueles filiados, aqui denunciados, impedem a Comissão Politica Nacional, nascida do referido Congresso, de aceder às instalações onde desde sempre funciona a sede do partido, que por isso não pode reunir com os vários órgãos do partido, não pode reunir com os filiados, não pode receber a correspondência a ele dirigida, etc, etc ..
13- Aqueles filiados, aqui denunciados, impedem a Comissão Política Nacional do partido a aceder ao correio electrónico do partido, detendo abusivamente a respectiva passe,
14- e por isso Impedem de aceder aos ficheiros de cada um dos filiados,
15-  aos movimentos e saldos das contas bancárias, às contas do partido.
16- Aqueles filiados recusam-se a entregar os bens móveis, dinheiro e restantes bens do partido, apesar de diversas vezes instados a fazer a respectiva entrega.
17- Por virtude dessa recusa, o Partido ..., não lograram ainda fazer uma auditoria às contas do partido e consequentemente ficaram impedidos de, no prazo legal, discutir e aprovar o relatório e as contas relativas ao ano de exercício de 2016, que deviam ser discutidas e aprovados no recente Congresso Nacional extraordinário, realizado em 29 de Abril de 2017.
18- A factualidade referida, motivou uma queixa ao Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional, apresentada pelo Presidente da Comissão Política Nacional, nascida daquele Congresso Nacional.
19- Por virtude da recusa em entregar os bens e contas do partido, a Comissão Política Nacional não sabe qual a saúde financeira do partido, designadamente no que tange a donativos, sabendo apenas que foi autorizada a despesa de uma verba de 5.760,00 (Cinco mil setecentos e sessenta) a título de honorários devidos ao filiado AM___ , aqui também denunciado.
20- O partido político aqui denunciante está pois impedido de organizar e preparar-se para as próximas eleições autárquicas, sendo certo que cerca de 14 mil eleitores apostaram no referido partido, que assim está na eminência de fraudar as expectativas legitimamente criadas à volta dele. (...)
- Foi ainda junta cópia da acta relativa ao Congresso Extraordinário, que teve lugar em 29.04.2017, da qual ressalta à evidência a existência de dissensões entre os órgãos do partido – cfr. fls. 187-196;
- Foram juntas cópias das declarações prestadas por FL______ , AD______ e CR_______ no âmbito do Inquérito nº 6356/17.9T9LSB – cfr. fls. 201 a 203º;
- Foi também junta cópia do despacho de arquivamento proferido no âmbito do Inquérito nº 6356/17.9T9LSB, no qual se concluiu não haverem sido recolhidos indícios suficientes de que se tenha verificado a factualidade denunciada uma vez que foram apresentadas versões contraditórias e nenhuma das versões apresentadas colheu maior credibilidade – cfr. fls. 208-209vº;
- Foi ainda inquirido João Manuel de Assunção Fernandes que, na qualidade de testemunha, referiu, e em síntese, que o PURP foi fundado por AD____ e por FL______  e, por falta de capacidade técnica e académica, convidaram o próprio, bem como o VS___, o AC___  e a Maria S___ para integrarem uma lista, que acabou por vencer em congresso, tendo iniciado funções em Novembro de 2014, tendo a testemunha assumido o cargo de Secretário Geral; mais referiu que volvido algum tempo os fundadores do partido começaram a criar entraves aos órgãos do mesmo, a dado passo, passaram a ofensas corporais, difamações e injúrias dirigidas individualmente; mais aduziu que ao perceberem o excelente trabalho da direcção, aqueles quiseram destituí-los e para tal organizaram um congresso extraordinário, sem base estatutária, que culminou com a destituição ilegal dos denunciantes; finalmente, mencionou que desde essa altura que os denunciantes e o próprio têm sofridos ameaças de ofensas corporais e ofensas morais e que, no que tange a VS___, as mesmas tiveram impacto na sua vida profissional;
Ø   Foi ainda inquirido, na qualidade de testemunha, FL______ , tendo este referido que relativamente à factualidade denunciada, efectivamente postou mensagens na rede social Facebook, refutando, no entanto que as mesmas visassem denegrir ou difamar os denunciantes, inclusivamente muitas dessas mensagens eram conversas mantidas com os próprios denunciantes, que na altura eram filiados do PURP, e eram trocadas na decorrência das funções exercidas no partido; quanto aos posts insertos a fls. 33 a 39, afirmou que poderá tê-los postado, não se recordando do seu exacto teor; mais aduziu que os denunciantes foram destituídos em congresso por não terem constituído uma lista opositora;
- Foi também inquirido AD______ que, na qualidade de testemunha, declarou que postou as mensagens insertas a fls. 33 a 39, contudo, não difamou ou denegriu a imagem dos denunciantes, dado que estas mensagens eram conversas mantidas com os mesmos, sendo os seus posts respostas aos posts dos denunciantes; mais acrescentou que os denunciantes foram destituídos em congresso por não terem constituído uma lista opositora e por acórdão do tribunal constitucional;
- Inquirido também e na qualidade de testemunha, CR_______  referiu não se recordar de ter postado mensagens na rede social Facebook, refutando alguma vez ter difamado ou injuriado os denunciantes, esclarecendo que apenas começou a utilizar a rede social Facebook com maior intensidade em 2018 ou 2019, nomeadamente na página do PURP, onde fez vários comentários de índole política mas nunca de carácter pessoal dirigidos a quem quer que fosse; mais evidenciou surpresa pela denúncia contra a sua pessoa, visto que sempre considerou os denunciantes pessoas correctas e com eles manteve um bom relacionamento;
- Foi igualmente ouvido AM_____ que, na qualidade de testemunha, declarou confirmar o teor da queixa por, no seu entender, corresponder à verdade; mais esclareceu já não integrar o PURP desde Junho de 2017, altura em que começou a haver problemas; mais referiu que chegou a ler várias mensagens postadas no Facebook pelos denunciados, mas que estas ficavam visíveis durante pouco tempo, sendo logo a seguir eliminadas;
- VS______ foi ouvido em declarações complementares, tendo dito, no essencial, que a queixa apresentada pelo denunciado FL______  e corroborada pelas então testemunhas AD______ e CR _____ é totalmente falsa e visava denegrir o bom nome dos denunciantes; referiu também que esse inquérito foi arquivado em Abril de 2018, mas apenas tiveram conhecimento do despacho em Dezembro de 2018; aí acusam os denunciantes de serem ladrões, de obstruírem e sonegarem material imprescindível para a realização do congresso, o que é totalmente falso; mais afirmou que foi presidente do PURP desde 2015 até 2017; mais referiu que durante o ano de 2017, os denunciados tiveram várias acções, não só através das redes sociais, como através de telefonemas para membros do partido e amigos a manchar a imagem dos denunciantes com o intuito de ganhar o congresso e ficar com os bens já adquiridos pelo próprio para o partido, sendo que nesses telefonemas era apelidado de “fascista”, doutor da treta” e “mentiroso”; mais aduziu que por ser médico psiquiatra, as declarações dos denunciados tiveram impacto na sua vida profissional; referiu ainda ter consciência que quanto às expressões publicadas na rede social Facebook, pese embora o seu carácter injurioso, face ao lapso temporal decorrido, não poderem as mesmas ser devidamente investigadas neste inquérito;
-Ouvida em declarações complementares, a Assistente MS_____  mencionou que o teor da queixa apresentada pelos denunciados é totalmente falso e que a mesma denigre a sua imagem enquanto membro do partido; mais referiu que tal denúncia caluniosa prejudicou a sua imagem perante colegas de trabalho e do partido e entre amigos; mais mencionou recordar-se que os denunciados apodavam os denunciantes de ladrões e acusavam-nos de não zelarem pelos interesses do partido, o que era falso;
- Também foi ouvido complementarmente o Assistente AC___  que mencionou que exerceu funções enquanto Professor na Faculdade de Ciências de Lisboa e que mantém contacto com diversos colegas, amigos e antigos alunos que tomaram conhecimento das difamações e injúrias de que foi alvo juntamente com os demais assistentes; aduziu igualmente que, não obstante o lapso temporal entretanto decorrido, ainda se recorda de o terem tratado como “patego” e de lhe terem dirigido expressões como “só tens conversas da treta” ou “vai dar banho ao cão e vai levar no cu”; adiantou ainda que nunca respondeu a tais insultos.
C. Subsunção jurídico-penal dos factos
Perscrutada a factualidade supra vertida, temos que, em tese, poder-se-iam convocar os crimes de injúria, p. e p. pelos artigos 181º, 182º e 183º, nº 1, al. a), de difamação, p. e p. pelos artigos 180º, nº 1, 182º e 183º, nº 1, al. a), de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º, nº 1 e de falsidade de testemunho, p. e p. pelo artigo 360º, nº 1, todas as disposições do Código Penal.
Vamos por partes.
Quanto aos crimes de injúria e de difamação:
Alegam os denunciantes, ora assistentes, na queixa apresentada, o que corroboram em sede de declarações, que os denunciados durante o ano de 2017, antes e após o congresso lhes dirigiram mensagens, via rede social Facebook, de carácter injurioso e postaram comentários, acessíveis por diversas outras pessoas, do mesmo jaez, atentatórias do seu bom nome, que foram posteriormente eliminadas.
Mais referiu o Assistente VG_____  que os denunciados, através de telefonemas e mesmo no seio de reuniões da comissão política do PURP, o apodaram de “fascista”, “Bokassa” e “mentiroso”, entre outros epítetos do mesmo jaez.
Mais referem que, após o arquivamento do inquérito nº 6356/17.9T9LSB, que teve lugar em Abril de 2018, lhes chegou ao conhecimento que esses comentários se mantinham em grupos do Facebook, mas que eram logo eliminados.
Foram juntos prints de diversas mensagens postadas no Facebook, umas de 2017 (25.02.2017), outras de 2015 e de 2016 e outras sem se mostrarem datadas, em que se percebe que muitas dessas mensagens obtiveram resposta por parte dos denunciantes, momento em das mesmas tomaram conhecimento e dos respectivos autores, isto para além das que terão sido feitas por outras vias, até presencialmente.
Acresce mencionar que as outras mensagens que terão sido produzidas igualmente nesta altura, e que os assistentes reputam como ofensivas e injuriosas e que no âmbito da própria queixa apresentada assumem nada ter feito, antes “mantendo distância e integridade moral” perante o que contra si era escrito, torna evidente o momento em que tomaram conhecimento dessas “atitudes injuriosas” e de quem as perpetrou.
Por conseguinte, do expendido flui, com meridiana clareza, que, quanto a este segmento factual, quando em 06.02.2019 deu entrada nestes serviços do Ministério Público a queixa apresentada pelos assistentes já havia transcorrido integralmente o prazo de seis meses de que os mesmos dispunham para ser exercido, relativo a este conspecto factual, o respectivo direito de queixa, mostrando-se, por isso extinto, por caducidade. ([1])
Neste particular, estatui o nº 1 do artigo 115º do Código Penal que «O direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores (...)»
Por seu turno, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2012, publicado no D.R. n.º 98, Série I de 2012.05.21, relativamente à forma como se procede à contagem do prazo para exercício do direito de queixa, fixou jurisprudência no sentido de que: «O prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal, termina às 24 horas do dia que corresponda, no 6.º mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir dia correspondente, o prazo finda às 24 horas do último dia desse mês.»
Com efeito, e no que tange aos crimes de natureza particular (como são os crimes de injúria e de difamação) para que o Ministério Público possa promover o processo penal é, desde logo, necessário que exista queixa do ofendido ou doutras pessoas com legitimidade para tal, bem como que se constituam assistentes e deduzam acusação particular (cfr. artigos 49.º, nº 1 e 50º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Ora, o prazo como limite do exercício do direito de queixa é absolutamente essencial, como pressuposto positivo de punição, nos crimes semipúblicos e particulares, para dar início ao procedimento criminal.
Destarte, atentos os elementos mobilizados nos autos, constata-se, assim, que os ofendidos exerceram o direito de queixa quando já havia sido largamente transcorrido o prazo legalmente estabelecido, de seis meses, para o efeito, ou seja, quando o direito de queixa já se encontrava extinto por caducidade, faltando, assim, um dos pressupostos processuais fundamentais para o procedimento criminal por tais crimes.
Quanto aos crimes de denúncia caluniosa e de falsidade de testemunho:
No que ao crime de denúncia caluniosa concerne estatui o nº 1 do artigo 365º do Código Penal: «Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»
Trata-se de um crime de perigo concreto, estando o tipo preenchido em termos de consumação, quando há instauração de um procedimento contra determinada pessoa, sem qualquer fundamento, determinado por intuito meramente persecutório do agente que efectuou a denúncia.
Embora o tipo de crime em causa esteja inserido no capítulo dedicado aos crimes contra a realização da justiça, a doutrina e jurisprudência mais recentes vêm entendendo que, apesar de aí se proteger directamente a realização da justiça – visando o Estado garantir a credibilidade e seriedade do procedimento criminal, disciplinar ou contra-ordenacional em ordem à realização da justiça – é também reflexamente tutelada a liberdade de determinação, a honra e consideração do visado.
Temos então, conforme vem sendo recenseado na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como elementos constitutivos do tipo de crime os seguintes:
- Conduta típica: Denunciar ou lançar suspeita por qualquer meio;
- Sujeito passivo: Outra pessoa (determinada ou identificável);
- Objecto da conduta: Imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, idóneos a provocarem procedimento criminal;
- Destinatário da acção: autoridade e/ou círculo indeterminado de pessoas ( i.e. denúncia a uma autoridade ou suspeita feita publicamente);
- Elemento subjectivo: Dolo qualificado por duas exigências – A consciência da falsidade da imputação e a intenção de que contra outrem se instaure procedimento (Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra n.º 2999/03, proferido pelo Juiz Desembargador Barreto do Carmo, em 07.05.2003, acessível in dgsi.www.dgsi.pt).
Efectivamente, o tipo legal só se considera preenchido se existir dolo (específico) do agente, o qual se traduz na intenção de levar a cabo a imputação, ao visado, de factos que, conscientemente sabe serem falsos e na intenção de que contra o visado seja intentado procedimento, ou, pelo menos, na consciência de que a imputação ao ofendido de determinados factos resultaria, certamente, na instauração contra este de um procedimento.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 11018/08.5TDPRT.P1, de 26.01.2011, Juíza Desembargadora relatora Maria do Carmo Silva Dias, disponível em www.dgsi.pt, trata-se aliás, de um dolo qualificado por duas exigências cumulativas: por um lado, o agente terá de actuar “com a consciência da falsidade da imputação”, por outro, e complementarmente, terá de o fazer “com intenção de que contra ela se instaure procedimento”.
A consciência da falsidade significa que, no momento da acção, o agente conhece, ou tem como segura a falsidade dos factos objecto da denúncia ou suspeita. O que equivale a excluir nesta parte a relevância do dolo eventual, não preenchendo o tipo aquele que age admitindo a possibilidade da falsidade dos factos. Por seu turno, o erro afasta o dolo nos termos gerais, também não preenchendo o tipo o agente que actua convencido da verdade dos factos. Além de que a consciência da falsidade tem de reportar-se aos factos que sustentam a culpa do denunciado e não aos factos invocados para suscitar a respectiva denuncia ou suspeita.
Quanto ao segundo e específico momento subjectivo, a intenção, dir-se-á que, no sentido e para os efeitos do crime de denúncia caluniosa, será bastante que o agente represente como possível a instauração do procedimento (crime, contra-ordenação ou falta disciplinar - associados a penas diferentes e por via disso mais drásticas no caso de crime (nº1) do que contra-ordenação ou falta disciplinar (nº2) como consequência necessária, segura, inevitável da sua conduta.
Em suma, a previsão do tipo legal de crime de denúncia caluniosa do artigo 365º do Código Penal resulta claramente que é seu indispensável elemento subjectivo, o dolo específico, traduzido na intenção de que seja instaurado procedimento contra o visado com base nas imputações que o denunciante tinha consciência de serem falsas.
O preenchimento do tipo objectivo exige ainda que a denúncia ou suspeita seja, no seu conteúdo essencial, falsa. Assim, é maioritariamente entendido que o legislador português aderiu à chamada doutrina da inculpação, para resolver o problema do objecto da falsidade.
Desse modo, só se poderá falar de falsidade quando o ofendido não cometeu a infracção imputada, seja porque esta não ocorreu seja porque ele não figurava entre os seus participantes.
Por outro lado, a falsidade não tem que ser total, bastando que, no essencial, ela se afaste da verdade, sendo irrelevantes os meros exageros ou deturpações, bem como a omissão ou aditamento de pormenores que não contendam com aquele conteúdo essencial ([2]).
Poder-se-á, também, com acuidade, levantar a questão da relação entre a norma do artigo 365º e a norma prevista no artigo 180º, referente ao crime de difamação.([3]
E aqui neste particular por se mostrarem lapidares, trazemos os ensinamentos expendidos no aresto do Tribunal da Relação de Évora, proferido no Processo nº 850/17.9T9FAR.E1, pelo Juiz Desembargador António João Latas, datado de 26.03.2019, disponível em www.dgsi.pt, aos quais aderimos: «Ou seja, o art. 365º do C. Penal, ao prever especificamente a conduta do agente que, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime com intenção de que contra ela se instaure procedimento, lesando desse modo particular a honra da pessoa visada, faz depender a punição da consciência da falsidade da imputação, pelo que o mesmo art. 365º, delimitando positivamente o conteúdo de ilícito da conduta objetiva que descreve, reduz correspondentemente o âmbito de incidência do art. 180º do C. Penal, cuja aplicação fica excluída naqueles casos, dadas as especiais preocupações de política criminal que subjazem à configuração do tipo penal de Denúncia caluniosa, as quais justificam que se limite a punição da denúncia de crimes (grosso modo) aos casos de consciência de falsidade da imputação.
Isto é, da relação entre as normas dos artigos 365º e 180º, do C. Penal, resulta a exclusão da aplicação do art. 180º do C. Penal sempre que esteja em causa a conduta objetiva descrita no art. 365º, resolvendo-se ao nível da relação entre normas a questão de ilicitude que sempre teria que resolver-se pela consideração do “exercício de um direito” enquanto causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 31º nº 2 b) do C.Penal.
Com efeito, como refere, por todos, Costa Andrade, ob. e vol. cit., pp. 519-20, “A Denúncia caluniosa configura uma incriminação particularmente “irrequieta”. O seu regime (...) vai obedecendo ao equilíbrio historicamente contingente, instável e mutável, entre as exigências de diferentes constelações de valores. (...) Erigida, por exemplo, a realização da justiça em bem jurídico típico, então o propósito de uma “manutenção de uma justiça eficaz, postulado essencial do Estado de Direito...há de reivindicar a maximização do universo dos comportamentos puníveis. Só que uma justiça eficaz reclama a participação ativa de todos, devendo por isso estimular-se os cidadãos a dar notícia dos crimes de que tenham conhecimento. E a fazê-lo sem o risco de “estarem permanentemente com um pé na prisão”, responsabilizados por Denúncia caluniosa”.
Daí que entendamos encontrar-se excluída a punição, nos termos art. 180º do C.Penal, do agente que, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime com intenção de que contra ela se instaure procedimento, sob pena de se deixar entrar pela janela o que se quis fazer sair pela porta ao limitar a punição daquelas condutas aos casos de consciência da falsidade da imputação.»
No que tange ao crime de falsidade de testemunho, estipula o n.º 1 do artigo 360º do Código Penal que «quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.»
Estamos perante um dos crimes contra a realização da justiça, conforme inculca a sua inserção sistemática, em que a falsidade é o étimo essencial da falsidade da imputação, comete o crime de denuncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º do Código Penal, em concurso aparente com o crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180º do CP, sendo este consumido por aquele.
Na verdade, estando o bem jurídico protegido pelo tipo do artigo 180º do Código Penal (difamação) também protegido pelo tipo do artigo 365º do Código Penal (denúncia caluniosa), sendo que este tipo protege ainda outros bens jurídicos, para além de que este é mais gravemente punido do que aquele, há que concluir que, quando se verifiquem, concomitantemente, os restantes elementos do tipo da difamação e da denúncia caluniosa, este tipo consome aquele.
Conforme assinala Medina de Seiça, «O bem jurídico protegido pelo crime de falso testemunho (...) é essencialmente a realização ou a administração da justiça como função do Estado. Quer dizer: o interesse público na obtenção de declarações conformes à verdade no âmbito de processos judiciais ou análogos, na medida em que constituem suporte para a decisão». ([4])
Assim, o tipo objectivo de ilícito pressupõe a falsidade de uma declaração prestada perante autoridade judiciária ou funcionário incumbido de receber determinado meio de prova.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, não carecendo o preenchimento do respectivo tipo de ilícito que o testemunho falso afecte efectivamente a obtenção da verdade material por parte do Tribunal, nem sequer que ocorra um perigo concreto de tal vir a ocorrer. Com efeito, o fundamento do ilícito é logo a própria declaração falsa, independentemente da consideração da sua efectiva influência na decisão.
Configura ainda um crime de mera actividade, porquanto o facto ilícito típico se esgota na prestação do falso testemunho, não sendo necessária a verificação de qualquer resultado dele derivado; e como crime de mão-própria, que só pode ser praticado por determinadas pessoas investidas de certa qualidade.
São elementos objectivos do tipo deste crime legal:
a) A prestação de depoimento falso por parte de quem esteja investido na posição de testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete. Trata-se, por isso, de um crime específico.
b) Ser o depoimento efectuado perante tribunal ou funcionário competente para o receber como meio de prova.
Porém, não basta a verificação do elemento objectivo supra enunciado. Tratando-se de um crime doloso, impõe-se ainda a prova da consciência da falsidade da declaração e a intenção deliberada em faltar à verdade quanto a tal facto.
Todavia, nem toda a declaração falsa prestada por uma testemunha preenche o tipo de ilícito em causa. Com efeito, a falsidade só releva na medida em que o declarante se encontre sujeito a um dever processual de verdade e de completude. Assim, a testemunha deve declarar apenas factos de que tenha conhecimento directo, encontrando-se fora do referido âmbito os seus juízos de valor e as suposições.
O núcleo essencial do tipo delitivo coloca-se na prestação de declaração falsa, desde que feita perante entidade competente e que o agente esteja sujeito a um dever processual de verdade e de completude.
Acerca do entendimento do que se deve considerar como falsidade da declaração, têm-se delineado três teorias, a que Medina de Seiça se refere:
A denominada teoria objectiva, segundo a qual a falsidade reside na contradição entre o declarado e a realidade.
A designada teoria subjectiva, que considera falsa a declaração que não coincida com a representação do declarante no momento da declaração, assentando, pois, na contradição entre a declaração e a ciência ou conhecimento do declarante.
E as teorias ditas intermédias, que põem a tónica na violação do dever processual do declarante, mais orientadas pelo bem jurídico protegido com a incriminação e fazendo residir a falsidade, não no acontecimento histórico, mas sim na percepção que dele a testemunha tenha feito.
Na doutrina, que se divide essencialmente conforme entenda que o artigo 360.º do Código Penal acolhe um conceito subjectivo ou objectivo de declaração falsa, destacamos neste último sentido (concepção objectivista), Medina Seiça e Pinto de Albuquerque, que consideram, na formulação deste último, que «A declaração é falsa quando não corresponde à verdade histórica. A verdade não é a mesma coisa do que a sinceridade: o depoente não deixa de faltar à verdade quando está sinceramente convencido de que está a dizer a verdade, mas o que diz não corresponde à realidade das coisas.» Deste modo, só no caso de se apurar no processo qual a verdade histórica e, portanto, qual a declaração em que o agente faltou à verdade, se mostra preenchido o tipo legal, com a consequente condenação pela prática do crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo apontado artigo 360.º do Código Penal.
No sentido de um conceito subjectivo de declaração falsa, refira-se a posição de Nuno Brandão ([5]) , que perfilhamos inteiramente, e que pela clareza das suas considerações, que se mostram lapidares, e pese embora a sua extensão, aqui nos permitimos transcrever:
«A teoria objectiva reclama a seu favor a sua pretensa superioridade numa perspectiva de referência ao bem jurídico, a correcta administração da justiça. Afirma-se que só relevará a falsidade entendida enquanto discrepância entre o declarado e a realidade histórica, porquanto a administração da justiça só poderá ser posta em perigo no caso de o depoimento contrariar aquela realidade. Se, embora os julgando contrários ao ocorrido, a testemunha declara factos que afinal correspondem à verdade, não faz perigar a boa realização da justiça e como tal não pratica um facto típico de falso testemunho.
A lógica (aparentemente) material desta perspectiva não é, porém, suficiente para esconder o vício substancial de base em que toda a concepção radica, a de tomar a verdade histórica ou material que deve servir de termo de comparação com a declaração objecto de apreciação como um dado prévio e autónomo em relação a essa mesma narrativa trazida ao processo pela testemunha.
Esta perspectiva desconsidera, com efeito, a circunstância de o processo ser desenvolvido com vista a averiguar qual foi o conteúdo do acontecimento real, sendo que a verdade que se alcança no processo não é propriamente a verdade histórica, a realidade qua tale, ocorrida num determinado espaço e num determinado tempo. Bem pelo contrário, a verdade que se declara no processo, mediante tomada de posição do tribunal sobre os factos provados e não provados, é uma verdade processualmente construída, desejavelmente de um modo processualmente válido. Daí que sendo o bem jurídico deste delito a realização da justiça, a exegese do tipo-de-ilícito deste crime de falsidade de testemunho não se possa abstrair e ignorar esse particular modo de reconstituir a realidade que é imanente ao processo.
Ora, das duas, uma: ou a realidade histórica a que a teoria objectiva se pretende referir corresponde a uma espécie de “dado” esculpido num certo tempo e espaço exactos – mas se assim for tratar-se-ia de “coisa” inalcançável, o que redundaria na completa imprestabilidade prático-jurídica do crime de falsidade de testemunho –; ou então é, como só pode ser, a realidade que se constrói no processo e nos termos prescritos pelo direito processual.
Sucede que esta reconstituição da realidade é feita pelo tribunal justamente com base nos meios de prova carreados para o processo e onde muitas vezes avultam decisivamente os depoimentos das testemunhas. Porque assim é, admitir que a falsidade de uma declaração, tomada em ordem à formação de um juízo de facto sobre uma certa realidade, possa ser aferida nem mais, nem menos do que com base naquilo que, através de tal declaração e/ou de outros meios de prova, se vier a declarar como constituindo a realidade significa incorrer num raciocínio circular. Vício que em determinados casos poderá redundar na total impunidade de quem, deturpando a realidade, consegue convencer o tribunal de que os factos se passaram nos termos por si falsamente descritos.
A impunidade que desta forma, à luz da concepção objectiva, pode ser lograda pela testemunha que falta à verdade é fundada logo na atipicidade objectiva da declaração, apesar de através dela a testemunha ter afrontado directa e materialmente o bem jurídico tutelado pelo crime de falsidade de testemunho, a realização da justiça. Pois nesse caso, graças a tal depoimento falso, há uma autêntica negação de justiça. E no entanto, o comportamento da testemunha nem sequer é típico, porque as suas declarações, apesar de falsas, coincidem com a verdade histórica que o tribunal declarou.
(...)Mas há outro argumento que aponta nesse sentido. É que se, por um lado, a concepção objectiva é complacente com quem mente, sobretudo com o mentiroso que mente tão bem que logra convencer o tribunal, por outro lado é impiedosa com quem relatando os factos tal qual os experienciou produz declarações com um conteúdo diferente daquele que o tribunal vem a dar como provado. Nessas situações, a testemunha fala com verdade, mas a teoria objectiva não hesita em afirmar que ela pratica um ilícito-típico objectivo de falso testemunho.
Esta conclusão é de repudiar, porque não tem qualquer correspondência com o sentido social do falso testemunho eticamente censurável, tratando como objectivamente mentiroso o indivíduo que narra uma realidade que corresponde àquela que tem como verdadeira, por representar o circunstancialismo que pessoalmente percepcionou.
Não deixa, aliás, de ser estranho, ainda sob o ponto de vista da valoração social, que para a teoria objectiva aquele que fala com verdade possa passar por mentiroso ao nível do tipo-de-ilícito objectivo, mas já não aquele que embora mentindo, ao menos uma vez, faz declarações que não podem ser comparadas com a realidade histórica ocorrida, pela razão singela de que o tribunal não logra apurar que realidade foi essa.
(...) A razão está do lado de quem coloca a tónica na ligação entre a função processual da testemunha e a tutela do bem jurídico a que o crime de falsidade de testemunho está vinculado. Isto porque o cumprimento pela testemunha do seu dever processual de relatar com verdade os factos sobre os quais é inquirida constitui o penhor mais seguro de uma boa administração da justiça. Nessa medida, a aferição da veracidade do depoimento há-de passar pela comparação entre aquilo que a testemunha declara e aquilo que ela própria percepcionou no momento dos factos, independentemente da realidade eventualmente dada como provada pelo tribunal acerca desses mesmos factos.
Havendo coincidência entre a realidade que a testemunha pessoalmente conheceu e a realidade que ela relata quando é inquirida, o seu depoimento não pode ser considerado como falso para efeitos do tipo objectivo de ilícito do crime de falsidade de testemunho. Logo porque, quando assim é, o seu depoimento não é idóneo a afectar o bem jurídico, sendo, antes pelo contrário, um meio adequado para que a justiça se realize efectivamente. Mas também porque ao assim depor, a testemunha cumpre fielmente o seu dever processual de responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas (art. 132.º-1, d), do CPP; e arts. 559.º e 635.º-1 do CPC), não devendo aqui ser qualificado como típica, nem mesmo no plano do tipo-de-ilícito objectivo, a conduta da testemunha que corresponde exactamente àquilo que dela se espera.
Se, pelo contrário, a testemunha relata uma realidade diferente daquela por si experienciada ao tempo dos factos, o testemunho deve ser qualificado como falso, dado que viola o seu dever de ser fiel à verdade e do mesmo passo pode comprometer o desiderato de uma efectiva realização da justiça no caso concreto. Isto mesmo quando o seu relato vá ao encontro daquilo que o tribunal acabou por dar como provado (v. g., a testemunha, que não estava presente no local onde se deu um acidente de viação, narra ao tribunal os factos tal qual efectivamente ocorreram, como se deles tivesse tido conhecimento directo).
(...) Temos assim que, devendo valer um conceito subjectivo de falsidade, com o conteúdo enunciado supra, no caso de declarações sucessivas de uma testemunha abertamente contraditórias entre si há seguramente motivo para considerar existir falsidade de depoimento no sentido previsto pelo tipo objectivo de ilícito do crime de falsidade de testemunho inscrito no n.º 1 do artigo 360.º do CP. Com efeito, quando esse comportamento da testemunha seja perspectivado na sua globalidade resulta claro que ao longo do processo não transmitiu sempre aos destinatários das suas declarações a realidade por si percepcionada relativamente aos factos objecto da inquirição. Essa falta de fidelidade à verdade, traduzida num desvio da declaração em relação à realidade apreendida pelo próprio declarante e descortinada através de uma visão integrada de toda a sua conduta processual, é por si só suficiente para implicar a prática de um ilícito-típico objectivo de falsidade de depoimento... (...) Assim sendo, o desconhecimento ou a falta de referência à realidade efectivamente ocorrida não constitui obstáculo ao perfeccionamento do tipo objectivo, dado que essa realidade não releva para a aferição do preenchimento do ilícito-típico objectivo.
Não quer isso significar, naturalmente, que sempre que existam discrepâncias entre versões produzidas por uma mesma testemunha durante um processo haja necessariamente o cometimento de um crime de falsidade de depoimento. Ponto é que as divergências espelhem sem margem para dúvidas um comportamento processual da testemunha que em determinado momento se manifestou num relato infiel daquilo que pessoalmente conheceu à altura dos factos sobre os quais é ouvida; e além disso, que os demais elementos do facto punível, desde logo o dolo, possam ser afirmados.»
Traçado este breve bosquejo sobre os ilícitos em questão, impõe-se verter esses ensinamentos aos factos em apreciação, de molde a aferir da suficiência ou insuficiência dos indícios trazidos aos autos.
D. Apreciação dos indícios quanto aos crimes de denúncia caluniosa e de falsidade de testemunho
O artigo 283º, nº 1 do Código de Processo Penal, vem erigir em critério de decisão de acusação «terem sido recolhidos, durante o inquérito, “indícios suficientes” da prática do crime e da identificação do seu autor. O que significa, pela negativa, que a não suficiência de indícios implica uma decisão de abstenção da acção penal (arquivamento previsto no art. 272º, n º2 do Código de Processo Penal) por parte do MP». ([6])
Em consonância com a definição constante do n.º 2 do citado artigo 283.º do Código de Processo Penal, consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.
Indícios suficientes são, assim, «os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade». ([7])
Não logrando atingir essa convicção deverá o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito.
No que tange à temática da indiciação suficiente e ao referente de aferição, são apontados, na doutrina e jurisprudência, vários critérios.
Há quem entenda que o arguido deve ser levado a julgamento quando há a possibilidade de o mesmo vir a ser condenado, bastando-se assim com a constatação de que é possível a simples ou a mera possibilidade de o arguido ser condenado.
Por outro lado, uma outra medida de «indícios suficientes», e que encontra forte arrimo na letra do artigo 283.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, é aquela que se estriba na fórmula da possibilidade preponderante ou dominante da condenação, quase que assente num modelo estatístico, de que é mais provável a condenação do que a absolvição.
Por último, subsiste ainda a tese, mais exigente, de que só deverá ser proferido despacho de acusação contra o arguido, quando haja uma forte e qualificada possibilidade de a condenação do mesmo vir a ocorrer em fase de julgamento. ([8])
No que a esta temática tange, entendemos ser de sufragar a opinião que tem vindo a ser expendida por Carlos Adérito Teixeira, sustentando que «o critério da possibilidade particularmente qualificada ou de possibilidade elevada de condenação, a integrar o segmento legal da “possibilidade razoável”, responde convenientemente às exigências do processo equitativo, da estrutura acusatória, da legalidade processual e do Estado de Direito Democrático, e que é o que melhor se compatibiliza com a tutela da confiança do arguido, com a presunção de inocência de que ele beneficia e com o “in dubio pro reo” .» ([9])
Assim, cremos que só indícios necessariamente graves ou fortes, consubstanciados em factos que possibilitem uma inferência de tipo probabilístico da prática do ilícito de elevada intensidade, permitem estabelecer uma conexão com aquela prática altamente provável.
Descendo ao caso dos autos, e analisados os elementos probatórios coligidos, importa aferir se os mesmos permitem imputar a autoria dos apontados ilícitos aos denunciados.
Ora, percorrendo o acervo factológico vertido nos autos, afigura-se-nos que não.
Ora, se é inegável que o denunciado FL______  apresentou uma queixa que originou um processo criminal a que foi atribuído o nº 6356/17.9T9LSB em que figuram como denunciados, entre outros, os aqui assistentes, lançando sobre aqueles a suspeita da prática de ilícito criminal (in casu, eventual abuso de confiança), que culminou com a prolação de um despacho de arquivamento por insuficiência da prova indiciária, verificamos, no entanto, que daqueles não se retira qualquer comprovação de que os assistentes – pessoas alvo da queixa efectuada e das suspeitas levantadas pelo denunciado -, não tenham cometido os factos que este lhes imputava.
Para entender que foi praticado pelo aqui denunciado FL______ o crime de denúncia caluniosa era necessário que os factos apurados ao longo da investigação indiciassem, suficientemente, que aquele tinha imputado, aos ora assistentes, as condutas denunciadas no âmbito daqueloutro inquérito, consciente de que as mesmas nem sequer tinham tido lugar, ou seja, haveria que ter resultado do inquérito que a denúncia era, não apenas objectivamente falsa, mas também que o era subjectivamente, que estava em contradição com a verdade dos factos, mas também que o ali denunciante estava plenamente ciente da contradição.
E o certo é que, fazendo parte do tipo objectivo do ilícito em causa a falsidade da denúncia ou suspeita, impunha-se que ficasse demonstrado, com a necessária segurança que o juízo de indiciação suficiente supõe, que a imputação de infracção criminal feita por aquele não foi cometida pelos assistentes e que aquele sabia que as pessoas que denunciou, efectivamente, não cometeram a referida infracção. O tipo de ilícito em causa exige que o agente saiba que o visado é inocente da infracção que lhe imputa e, mesmo assim, faz a denúncia. Exige-se uma denúncia objectiva e subjectivamente falsa, que esteja em desconformidade com a verdade dos factos e que o denunciante esteja plenamente ciente de tal desconformidade, o que vale dizer da mentira.
Ora, a decisão de arquivar o inquérito por falta de indícios suficientes não importa de maneira alguma a negação da versão do aí queixoso e aqui denunciado. Significa simplesmente que os indícios recolhidos se mostraram insuficientes para alicerçar a decisão de acusar, não se podendo, assim, formular um juízo contrário quanto à verdade dos factos.
O que existe é uma abstenção do exercício da acção penal fundamentada em insuficiente indiciação da prática dos factos constantes da queixa apresentada pelo denunciado, mas não a comprovada falsidade de tal imputação.
Impunha-se, ademais, que do material probatório mobilizado nestes autos se tivessem colhido indícios que o aqui denunciado FL______, de má fé, reputou como verdadeiras as imputações que fez aos aqui assistentes.
Pelo que sempre teríamos que concluir que não se encontravam preenchidos os elementos típicos subjectivos do tipo em análise.
De facto, estamos perante um ilícito só punível a título de dolo, conforme já retromencionado, o qual é qualificado por duas exigências cumulativas: o agente terá de actuar “com a consciência da falsidade da imputação”, e, complementarmente, terá de o fazer “com intenção de que contra ela se instaure procedimento”, sendo que a consciência da falsidade significa que no momento da acção o agente conhece ou tem como segura a falsidade dos factos objecto da denúncia ou suspeita (sendo de excluir nesta parte o dolo eventual).
Contudo, tal não se conseguiu apurar, o que afasta manifestamente a possibilidade de considerar preenchido o dolo específico atrás referido pois não resultou demonstrado que o aqui denunciado tivesse feito de má fé.
Não se colheram quaisquer indícios que permitam demonstrar que o aqui denunciado agiu bem sabendo que os aqui assistentes não haviam cometido o crime que imputou aos mesmos e que o fez com o propósito de conseguir que contra os mesmos fosse instaurado, como de facto foi, procedimento criminal.
Acresce que o ambiente de tensões e dissídios no seio do partido propiciador de animosidades entre os seus membros e que culminou com a destituição dos ora assistentes dos cargos que desempenhavam não se mostra, de todo, suficiente para alicerçar tal convicção.
Cumpre realçar que é, neste particular, irrelevante que finda a investigação daquele outro crime imputado pelo aqui denunciado aos ora assistentes, se haja concluído pelo arquivamento por falta de indiciação suficiente.
Ora, não se pode concluir pela falsidade dos factos relatados pelo ora denunciado pelo simples facto de não se terem recolhido indícios dos mesmos.
Restará sempre aos assistentes a tutela da personalidade moral que se mostra protegida no plano juscivilístico (artigos 70.º e seguintes do Código Civil).
Donde termos que concluir que não existem indícios suficientes nos autos que nos permitam imputar a FL______  o apontado crime de denúncia caluniosa.
Já no que tange ao apontado ilícito de falsidade de testemunho, relativamente a AD______ eCR _____ , talqualmente haverá de concluir-se pela inexistência de indícios quanto ao preenchimento do predito delito.
Revertendo o enquadramento legal enunciado para o caso em apreço e tendo presente a materialidade fáctica apurada, desde logo ressalta — até em face do já exposto quanto ao crime de denúncia caluniosa — que não se mostram verificados os elementos típicos do crime de falsidade de testemunho, porquanto não se logrou colher quaisquer indícios de que os denunciados AD______ eCR _____  tivessem faltado à verdade aquando da prestação de declarações, como testemunhas, no âmbito do inquérito nº 6356/17.9T9LSB, que correu termos neste DIAP na sequência da queixa apresentada por FL______ .
Entende-se, pois, em consonância, com o que se deixou dito a propósito do crime de denúncia caluniosa, que não se recolheram indícios que permitam imputar aos denunciados o apontado ilícito, que à semelhança daquele, pressuporia a mesma falsidade.
E. Decisão
Em face do expendido,
a) No que tange aos crimes de injúria e difamação, determino o arquivamento dos autos, por inadmissibilidade legal do procedimento, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 277º, nº 1 do Código de Processo Penal;
b) No que respeita aos crimes de denúncia caluniosa e de falsidade de testemunho, determino, também, o arquivamento dos autos, por carência de indícios, nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem prejuízo de se determinar a sua reabertura, caso emerjam novos elementos de prova, nos termos do artigo 279.º do Código de Processo Penal. ».
1- Foi requerida abertura de instrução pelo assistente contra FL______ , AD___, e CR_______ , mediante o seguinte teor:
«II.
O Assistente vem, através do presente requerimento:
contestar que os crimes de injúria e de difamação estejam prescritos;
contestar que não existam já no processo indícios suficientes da prática dos crimes de denúncia caluniosa e de falsidade de testemunho, e que não seja possível obter provados pelas declarações prestadas pelos denunciados.
III. Resumidamente, recapitulam-se os factos que motivaram a apresentação da queixa pelo assistente.
1. O Assistente considera que as mensagens publicadas no facebook (desde o início de 2017, com a preparação do congresso, e que continuaram após o arquivamento da queixa crime, meados de 2018) e a acção crime tiveram como intenção atacar a sua honra, a sua reputação e bom nome que tem perante as pessoas do partido, como das pessoas da nossa comunidade, uma vez que não há controle de quem poderia ter lido as mensagens da rede social Facebook, ou a queixa e decisão do tribunal.
2. O ora assistente sabe não lhe ser possível obter directamente junto da empresa Facebook Ireland Ltd., sita em 4 Grand Canal Square, Grand Canal Harbour, Dublin 2 Irlanda, o conteúdo das mensagens eliminadas.
Pelo que requereu e requer que as mesmas sejam pedidas.
O MP não pediu a entidade Facebook as mensagens da página do partido na rede social Facebook designada por PURP, conforme foi requerido. Alegando a dificuldade na obtenção das mesmas devido ao curto período que são guardadas.
Mas, as mesma eram essenciais e além das datas em que foram publicadas também ficaria claro a quantidade de vezes e quais as injúrias dirigidas ao assistente.
3.   Desde o início do ano de 2017, foram várias as acções levadas a cabo pelos arguidos, através das redes sociais, nomeadamente o ‘Facebook’, e em reuniões do partido, à procura de alianças de alguns membros para afastar o ora assistente das suas funções dentro do partido, denegrindo a sua imagem e o bom nome.
4.   VG_____ , ora assistente, foi até 29 de Abril de 2017 filiado e presidente da comissão política nacional do PURP, cargo que exerceu com lealdade e zelo.
5.   Nesta data, no congresso extraordinário do PURP, que teve lugar em Lisboa, na Padaria do Povo, sita na em Campo de Ourique, foi deliberada destituição dos órgãos do partido;
Ou seja,
6. O ora assistente foi destituído do cargo de presidente do Purp.
7. Após a realização do congresso extraordinário do PURP, os arguidos mantiveram as atitudes injuriosas e atentativas ao bom-nome e imagem do ora assistente, nos grupos da rede social “Facebook”.
8.   Essas mensagens foram eliminadas.
9. Não satisfeito com a situação gerada, e após o congresso extraordinário do PURP, foi instaurada queixa-crime pelo denunciado FL______ , na qualidade de presidente do PURP, contra o assistente, no DIAP de Lisboa;
10. A queixa-crime originou o processo n° 6356/17.9T9LSB;
Nesta é afirmado que ao actual presidente:
- Foram negados os acessos ao endereço de email - ...@gmail.com, utilizado pelo denunciante VG_____ , considerando ser este o email do partido;
- se encontra impedido de aceder aos ficheiros dos filiados;
- não tem acesso aos movimentos, saldos bancários e contas do partido;
- foi recusada a entrega de bens móveis, dinheiro e restantes bens do partido; (sonegação de documentos, imobilizado e merchandising do Purp”)
- não houve auditoria às contas do partido, cujo prazo legal para apresentação (na data da queixa) já havia passado;
- desconhece a saúde financeira do partido;
- se encontra impedido de organizar e preparar as próximas eleições autárquicas defraudando com isso as expectativas de 14 mil eleitores, os quais apostaram no PURP, e com isso reforçam a ideia de que vão defraudar os mesmos;
- Afirma ainda que esta conduta causa prejuízos e constitui ilícito criminal.
- Tal conduta caracteriza-se pela “obstrução e sonegação de material imprescindível e muito importante à vida do partido”, e “roçam a humilhação perante dezenas de filiados que no PURP apostaram”.
11. Na queixa, o pedido consta em instaurar o competente inquérito para apuramento da factualidade aqui descrita, natureza criminosa da mesma e dos agentes da responsabilidade prática, com o que se pretende e requer o procedimento criminal.
12. Foram ouvidas e apresentadas como Testemunhas, os ora denunciados:
- AD______ (secretário geral),
- e,CR _____  (vogal)
13.   Estas testemunhas mantiveram as acusações iniciais.
14. Em 09 de Abril de 2018, é proferido despacho de arquivamento do processo n° 6356/17.9T9LSB, nos termos do art.° 277° n°1 do Código do Processo Penal;
15. As acusações apresentadas e não provadas são infundadas, pois ao actual presidente e ora denunciado:
- Foram dados os acessos ao endereço de email - ...@gmail.com;
- tinha cópia dos ficheiros dos filiados e os mesmos foram apresentados com a queixa juntamente com a ata do congresso;
- foi dado acesso à conta bancária do partido pelo STJ;
- os bens móveis reclamados, foram pelos mesmos rejeitados;
- as contas são do conhecimento do partido e foram aprovadas no congresso;
- os atuais membros é que são responsáveis por organizar e preparar as próximas eleições;
- os ora denunciantes nunca tiveram qualquer conduta que consubstancie um ilícito criminal.
16. Com esta queixa-crime, os denunciados quiseram apenas denegrir a imagem dos ora denunciantes.
17.   Após o arquivamento, mantiveram-se as difamações e injúrias aos ora denunciantes, em tais grupos da rede social “Facebook”, pelos arguidos.
IV. Dos indícios presentes nos autos e a sua análise jurídica
18. O Assistente sente-se prejudicado profissionalmente e socialmente com as palavras difamatórias, injuriosas, desonrosas, juízos de valor prejurativos, feitas pelos arguidos, que são objecto de conversa entre amigos, muitos dos quais se relacionam profissionalmente com ele.
19. Os arguidos sabem que tais atitudes nas redes sociais prejudicam fortemente a imagem e o bom-nome do assistente e disso se vangloriam, não só entre si, como perante terceiros.
20. O ora assistente VG_____  é médico psiquiatra, exercendo a sua actividade no Hospital de S. Bernardo em Setúbal e tem na sua carteira de pacientes várias centenas de pessoas que conhecem as difamações e injúrias aqui apresentadas.
21. As palavras e expressões usadas pelos arguidos: “você é um ditador Bokassa, é um fascista, um doutor da treta, é um banana mentiroso, são muito graves e com elas os arguidos pretendem atingir a honra e bom nome do assistente, e pretendem a sua publicidade usando uma rede social com bastante visibilidade.
O modo de comunicar a informação deve ser limitado pelos princípios da proporcionalidade e da necessidade.
22. O actual presidente do partido, FL______   quis a todo o custo este cargo. Primeiro denegriu a imagem do presidente, apelidando-o de fascista, mentiroso e doutor da treta.
23.   Mesmo tendo dado entrada no Tribunal Constitucional acção para apreciação da validade do congresso, e nomeadamente a sua eleição como presidente, este não aguardou a decisão e agiu como Presidente do PURP.
24. E depois, estando em posse de todos os dados, pastas, bens do partido, mesmo assim, apresentou queixa crime de roubo dos mesmos e acusando o assistente da sua prática, por factos que sabia que eram mentira.
25. Os factos descritos preenchem os requisitos dos crimes de difamação p.p. pelo art° 180°, de injúria p.p pelo art° 181° de publicidade e calúnia p.p. pelo art° 183°, de falsidade de testemunho p.p pelo art° 360°, e de calúnia caluniosa p.p pelo art° 365°, todos do Código Penal;
26. O Assistente entende que o prazo de prescrição e de apresentação de queixa não se verificou. Tanto que o mesmo suspeita que continua a haver conversas sobre a sua pessoa.
27. As declarações dos arguidos, em fase de inquérito, demostram que os mesmos fizeram publicações na rede social Facebook e têm de ser tidas em conta, mesmo que os mesmos afirmem que as mesmas “eram trocadas na decorrência das funções exercidas no partido”, “não se recordar de ter sido postado mensagens”, “comentários de índole política mas nunca de carácter pessoal dirigido a quem que fosse”.
28. Não é lícito falar de alguém ou dirigir-lhe expressões acusatórias, devastadoras, infundadas e desonrosas. Mesmo que sejam tidas em conversas no seio do partido.
29. O Assistente discorda que as mesmas sejam desculpáveis por terem sido proferidas em “ambiente de tensões e dissídios no seio do partido propiciador de animosidades entre os membros”.
30.   Conforme já afirmado, há indícios mais que suficientes para alicerçar a decisão de acusar, e podemos deixar para o juiz a decisão de condenar, e em que termos, os responsáveis pelas palavras, expressões e acusações feitas durante dois anos, ou mais tempo.
31. Os indícios são igualmente graves e fortes e preenchem os requisitos da prática do ilícito.
O Assistente requer assim a abertura de instrução.
O prosseguimento da investigação com abertura da instrução é indispensável para que se faça Justiça.
Os factos elencados no presente requerimento, como suporte dos indícios já recolhidos nos autos e os que se vierem a apurar nos actos de instrução requeridos, provam que os arguidos FL______ , AD____, e CR_______ , praticaram o crime de crimes de difamação p.p. pelo art° 180°, de injúria p.p pelo art° 181°, de publicidade e calúnia p.p. pelo art° 183°, de falsidade de testemunho p.p pelo art° 360°, e de calúnia caluniosa p.p pelo art° 365° todos do Código Penal.
Os indícios permitem a conclusão de que foram dirigidos ao Assistente um juízo de valor desonroso e ofensivo da sua honra, os arguidos sabiam que estavam a difamá-lo, sabiam que o ofendido e terceiros iriam ter conhecimentos das palavras e expressões dirigidas, pois usaram uma rede social. As palavras usadas ultrapassam qualquer razoabilidade e uso da liberdade de expressão ou liberdade de criação artística.
Os denunciados procuraram a justiça para incriminação do assistente por factos que sabiam ser falsos.
As declarações prestadas eram falsas, não correspondem à realidade, desde logo, os denunciados tinham na sua posse bens, dados e documentos que disseram terem sido furtados pelo assistente. Nem tentativa se pode dizer que existiu.
Mais uma vez a honra do assistente foi atacada. A honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior - reputação ou consideração, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos, probidade e lealdade de carácter, protegendo-se a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade", a qual encontra o seu "fundamento essencial" na "irrenunciável dignidade pessoal".
Relativamente ao elemento subjectivo do crime de difamação a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se, com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira "ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respectivas.
É manifesto que o Ministério Publico agiu de forma errada ao ter proferido despacho de arquivamento, não praticando actos que poderia ter praticado, nomeadamente, não pediu as mensagens da página “PURP-Partido ...” nem valorando os documentos juntos aos autos e as declarações dos denunciados.
Pelo exposto, deverá ser declarada a abertura da instrução, nos termos do artigo 287° do CPP, e seguidamente se proceda às seguintes diligências instrutórias (…):
2- O despacho recorrido contem-se nos seguintes termos:
« I. VG_____ , constituído assistente, na sequência do despacho de arquivamento, apresentou um requerimento para a abertura da instrução.
Tal requerimento não é admissível na parte em que pretende a pronúncia de arguidos pela suposta prática de crimes particulares (difamação e injúria, p. e p. pelos arts. 180.º e 181.º do Código Penal) e não contém a descrição de factos cuja prática se subsuma a qualquer outra incriminação, ao contrário do pretendido pelo assistentes, designadamente de falsidade de testemunho ou de denúncia caluniosa, p. e p. pelos arts. 360.º e 365.º do Código Penal, não mostrando o assistente VG_____  também ter legitimidade para requerer a abertura da instrução quanto a estes últimos crimes.
Por isso, não é admissível o requerimento para a abertura da instrução apresentado.
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação, ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286.º, nº1 do Código de Processo Penal).
A instrução não se apresenta, assim, como um novo inquérito, mas consubstancia, tão-só, um momento processual de comprovação da decisão de acusar ou não (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 1996, pgs. 454).
De acordo com o disposto no art. 287.º, n.º1, b), do Código de Processo Penal, apenas pode ser requerida a instrução pelo assistente “... se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação” (sublinhado nosso).
Embora seja manifesto o decurso do prazo prescricional quanto a tais crimes (art. 118.º n.º1, d), Código Penal), nos termos pelos quais for apresentada queixa e pelos factos concretos referidos nos autos, a lei processual não admite a instrução por iniciativa do assistente quanto a esses crimes.
Nem se mostra possível a inclusão no requerimento para a abertura da instrução de crimes novos, que não foram objecto de queixa ou inquérito, e especificamente de factos injuriosos ou difamatórios supostamente ocorridos depois do despacho de arquivamento, porquanto a instrução constitui uma fiscalização da decisão de arquivamento (art. 286.º do Código de Processo Penal).
Neste sentido, indicando como um dos casos de inadmissibilidade de instrução, quando a mesma se refere a factos pelos quais não houve inquérito (art. 119.º, d), do Código de Processo Penal), Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, p. 751, nota k.
Por outro lado, não descreve o assistente os termos concretos de apresentação da queixa/denúncia que efectivamente seja dirigida contra si, nem sequer indica, sendo-lhe possível, a data de tal apresentação de queixa (admitindo-se, por isso, que possam estar em causa factos cujo procedimento já prescreveu), sendo certo que apenas um dos arguidos é referido como sendo o autor dessa denúncia, e que não se vislumbra que os conteúdos genericamente referidos no ponto 10 do RAI indiquem ter a queixa conteúdo criminal quanto a actos do ora assistente (ter sido apresentada por factos susceptíveis de preencher alguma incriminação).
Ou seja, quanto à pretensão de pronúncia pelo crime de denúncia caluniosa, nunca se descreve no RAI que foi concretamente contra si apresentada uma denúncia por parte dos arguidos, cuja falsidade conheciam (independentemente de tal não ter sido apurado nesse inquérito).
Quanto à pretensão de pronúncia dos arguidos pelo crime de falsidade de testemunho, não descreve o assistente que os mesmos, em alguma data concreta, “...perante tribunal ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento...”, tenham prestado depoimento falso, desconhecendo-se quais foram as afirmações proferidas e, em concreto, como é que elas foram contrárias à realidade.
O assistente, no RAI, limita-se a referir que “as declarações prestadas eram falsas, não correspondem à realidade, desde logo, os denunciados tinham na sua posse bens, dados e documentos que disseram terem sido furtados pelo assistente”, não se sabendo, para além do conteúdo das “declarações”, a que bens, dados e documentos se refere, nunca podendo este tribunal conseguir estabelecer a respectiva falsidade.
Para além da inadmissibilidade legal da instrução quanto aos crimes particulares, tendo sido apresentado um requerimento para a abertura da instrução pelo assistente sem a descrição de factos que integram a prática de um crime, e não podendo o tribunal ultrapassar tal omissão (art. 309.º, n.º1 do 1º, f), do Código de Processo Penal), o objecto do processo sobre o qual este Tribunal se podia debruçar mostra-se inútil, porque nunca dele derivaria a pronúncia de qualquer arguido, o que torna inadmissível este procedimento.
A rejeição por inadmissibilidade legal da instrução (prevista no art. 287.º, n.º3, do Código de Processo Penal) inclui, assim, os casos em que aos factos não corresponde infracção criminal – falta de tipicidade – e aqueles em que exista um obstáculo que impeça o procedimento criminal ou a abertura da instrução, designadamente a falta de factos que possam conduzir a uma pronúncia (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado – 1996, 7ª Ed., pgs. 455).
É que, no caso de a instrução ser requerida pelo assistente, o seu requerimento deve, a par dos requisitos exigidos pelo nº 2 do art. 287.º, incluir os necessários a uma acusação (por referência ao disposto no art. 283.º, n.º 3, b), do Código de Processo Penal), os quais serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante à elaboração da decisão instrutória (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado – 1996, 7ª Ed., pgs. 455), sob pena de a instrução ser, a todos os títulos, inexequível.
II.
Nestes termos, a instrução pretendida pelo assistente VG_____  é legalmente inadmissível, assim se indeferindo totalmente o requerimento de abertura de instrução por ele apresentado.» 
***
III- Recurso:
O assistente recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«1. Os factos elencados provam que os arguidos FL______ , António Manuel Mateus Dias, e CR_______ , praticaram o crime de crimes de difamação p.p. pelo art° 180°, de injúria p.p pelo art° 181°, de publicidade e calúnia p.p. pelo art° 183°, de falsidade de testemunho p.p. pelo art° 360°, e de calúnia caluniosa p.p pelo art° 365° todos do Código Penal.
2. Os indícios permitem a conclusão de que foram dirigidos ao Recorrente um juízo de valor desonroso e ofensivo da sua honra, os arguidos sabiam que estavam a difamá-lo, sabiam que o ofendido e terceiros iriam ter conhecimentos das palavras e expressões dirigidas, pois usaram uma rede social. As palavras usadas ultrapassam qualquer razoabilidade e uso da liberdade de expressão ou liberdade de criação artística.
3. As declarações prestadas no inquérito eram falsas, não correspondem à realidade, desde logo, os denunciados tinham na sua posse bens, dados e documentos que disseram terem sido furtados pelo recorrente. Nem tentativa se pode dizer que existiu.
4.   Mais uma vez a honra do recorrente foi atacada. A honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior - reputação ou consideração, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos, probidade e lealdade de carácter, protegendo-se a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade", a qual encontra o seu "fundamento essencial" na "irrenunciável dignidade pessoal".
5.   Relativamente ao elemento subjectivo do crime de difamação a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se, com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira "ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respectivas.
6.É manifesto que o Ministério Publico agiu de forma errada ao ter proferido despacho de arquivamento, não praticando actos que poderia ter praticado, nomeadamente, não pediu as mensagens da página “PURP Partido ...” nem valorando os documentos juntos aos autos e as declarações dos denunciados.
7. As diligências que, deviam ter sido realizadas em inquérito e não o foram – mensagens divulgadas no facebook - são meios de prova cuja produção era essencial para obtenção de prova dos factos alegados.
8.O segmento da «omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», igualmente incluído na al. d) do citado art° 120°, reporta-se à nulidade derivada da omissão de actos processuais na fase de julgamento e de recurso.
9. Partindo da correta ponderação da estrutura acusatória do processo penal (art° 32°, n° 5, da CRP), bem como dos princípios do contraditório e da oficialidade, a solução maioritariamente seguida pela jurisprudência é a de que a insuficiência do inquérito respeita apenas à omissão de actos obrigatórios e já não também a quaisquer outros actos de investigação e de recolha de prova necessários à descoberta da verdade.
10.   No âmbito do recurso deve o tribunal de recurso apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, no caso vertente as questões suscitadas:
a)- A nulidade de insuficiência do inquérito, pois a recolha das provas requeridas possibilitam a obtenção das mensagens, datas e a determinação dos responsáveis pela manutenção da página do PURP;
b)- A existência de indícios suficientes para submeter o arguido a julgamento pela prática dos crimes de difamação p.p. pelo art° 180°, de injúria p.p pelo art° 181°, de publicidade e calúnia p.p. pelo art° 183°, de falsidade de testemunho p.p pelo art° 360°, e de calúnia caluniosa p.p pelo art° 365° todos do Código Penal;
c)- A realização das diligências instrutórias requeridas no requerimento de abertura da instrução, o Juiz de Instrução apura debater em sede adequada (em tribunal), para que se possa abrir um caminho para a procura de uma solução de salvaguarda do direito que cada um tem à sua imagem, reputação e bom nome, o que parece não existir em redes sociais como o facebook;
d) - submissão dos arguidos a julgamento.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, abrindo-se o inquérito ou instrução para produção de prova e ponderação e análise dos indícios apresentados, em conformidade com que se dispôs nas presentes alegações de recurso.».
***
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
«1-   Tratando-se da abertura de instrução pelo assistente, cfr. art.° 287°, n.° 1, al. 6) do C.P.P., relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, é aplicável- ao requerimento a apresentar por aquele o disposto nas als.b) e c) do n.° 3 do art.° 283°, do C.P.P., por remissão feita na parte final do n.° 2 do referido art° 287°.
2-   No requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente, este terá de mencionar não só as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao despacho de arquivamento do Ministério Público, mas também os actos de instrução que pretende sejam realizados, com indicação dos meios de prova que tenham escapado no inquérito (e por isso não foram considerados), bem como deverá enumerar e descrever os factos concretos que pretende imputar ao arguido, esperando que se provem, sendo aplicável o disposto no are 283°, nº3, als. b) e c) - are 28r, nO2 do C.P.P.
3-   Com efeito não é ao juiz que compete compulsar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que poderão indiciar o cometimento pelos arguidos de um crime, pois então, estar-se-ia a transferir para aquele o exercício da acção penal contra todos os princípios constitucionais e legais em vigor - v. ac. RL. 20-05-97, C.J., Ano XXII, T3/143.
4-   De facto, nos termos em que está redigido, o requerimento instrutório do assistente está longe de constituir uma acusação alternativa susceptível de ser integralmente confirmada em sede de pronúncia e ulteriormente submetida a julgamento, e sem uma acusação alternativa não se pode abrir a fase processual da instrução.
5-   Determina o art.° 286°, n.° 1, do Código de Processo Penal que "a instrução visa a comprovação judiciar da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento".
6-   No RAI o assistente não expõe factos que constituam a prática de ilícitos criminais, nomeadamente os crimes de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art° 360°, e de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art° 365°, todos do Código Penal; sendo certo que os denunciados crimes de injúria e de difamação se encontram prescritos.
7-O despacho recorrido não violou, ao contrário do alegado pelo assistente, o disposto no artigo 287.°, n.° 3 do C.P.P. e consequentemente bem esteve o Mtª JIC ao não admitir a instrução por inadmissibilidade legal da mesma.
Em conclusão, deve ser mantido na íntegra o despacho recorrido (…)».
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto aderiu à contra-motivação.
V- Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([10]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([11]).
As questões colocadas pelo recorrente são:
- a impugnação do despacho de arquivamento do inquérito;
- a impugnação do despacho que não recebeu o requerimento de abertura de instrução (doravante RAI).
***                 
VI- Fundamentos de direito:
1- Da impugnação do despacho de arquivamento do inquérito:
O recorrente refere que vem impugnar o despacho de arquivamento do inquérito, logo no intróito do recurso e, em sede de conclusões, vem desenvolver os entendimentos de que:
- É manifesto que o Ministério Publico agiu de forma errada ao ter proferido despacho de arquivamento, não praticando actos que poderia ter praticado, nomeadamente, não pediu as mensagens da página “PURP Partido ...” nem valorando os documentos juntos aos autos e as declarações dos denunciados.
7. As diligências que, deviam ter sido realizadas em inquérito e não o foram – mensagens divulgadas no facebook - são meios de prova cuja produção era essencial para obtenção de prova dos factos alegados.
8.O segmento da «omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», igualmente incluído na al. d) do citado art° 120°, reporta-se à nulidade derivada da omissão de actos processuais na fase de julgamento e de recurso.
9. Partindo da correta ponderação da estrutura acusatória do processo penal (art° 32°, n° 5, da CRP), bem como dos princípios do contraditório e da oficialidade, a solução maioritariamente seguida pela jurisprudência é a de que a insuficiência do inquérito respeita apenas à omissão de actos obrigatórios e já não também a quaisquer outros actos de investigação e de recolha de prova necessários à descoberta da verdade.
10. No âmbito do recurso deve o tribunal de recurso apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, no caso vertente as questões suscitadas:
a)- A nulidade de insuficiência do inquérito, pois a recolha das provas requeridas possibilitam a obtenção das mensagens, datas e a determinação dos responsáveis pela manutenção da página do PURP»
A questão da nulidade de inquérito é improcedente por diversas ordens de razões.
Em primeiro lugar figura na nossa legislação processual o paradigma, lapidarmente descrito por Alberto dos Reis, de que «das nulidades reclama-se e das decisões recorre-se».
Ora, entendendo o recorrente que a omissão de diligências que refere constitua nulidade, não sendo ela insanável nem de conhecimento oficioso, carecia de ter sido invocada, em prazo, na instância recorrida, o que não sucedeu.
Em segundo lugar, verifica-se que a invocada omissão de diligência probatória não constitui nulidade, porque não cabe no rol das nulidades, que estão taxativamente enumeradas no Código de Processo Penal (doravante CPC), conforme resulta do artigo 120º respectivo.
Como o recorrente bem refere a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a decisão da causa reporta-se, exclusivamente, a falta de diligências tornadas necessárias em virtude do desenvolvimento do processo depois de findas as fases de inquérito e instrução, ou seja, em fase de julgamento. Não tem, portanto, aplicação nos autos.
A insuficiência de inquérito, a que a norma se refere, tem por reporte, necessariamente, as situações cominadas por norma como nulidade, ou seja, ocorre apenas e tão-somente quando não são praticados actos que a lei impõe como obrigatórios, nessa fase processual.
Os actos que a lei impõe como obrigatórios, em fase de inquérito, são apenas aqueles que resultam de norma processual expressa e reconduzem-se: à falta de constituição como arguido (artigos 58º e 59º); falta de prestação de termo de identidade e residência (artigo 196º); falta de interrogatório do arguido ou suspeito susceptíveis de serem notificados para o efeito (artigo 272º/1 e AUJ do STJ, nº 1/2006); omissão de perícia obrigatória (artigos 166º/2 e 351º/1); falta de validação, pela autoridade judiciária, de actos praticados pela polícia criminal (artigo 178º/5,); omissão de comunicação ao ofendido da notícia do crime (artigo 247º/1); omissão de declarações para memória futura, na situação a que alude o artigo 271º/1; omissão de cumprimento do artigo 75º; falta de notificação ao assistente nos termos do artigo 285º/1; falta de pronúncia do MP depois de deduzida acusação particular (artigo 285º/3); omissão de pronúncia do MP sobre um crime denunciado, no despacho final do inquérito e à dedução de acusação pelo MP, por crime particular (artigo 284º/1). Ora, nenhuma destas situações é fundamento da nulidade em apreço, pelo que a declaração da sua improcedência se impõe.
 A questão de saber se a insuficiência do inquérito abrange, ou não, a omissão de diligências de investigação não impostas por lei ocupou a doutrina e a jurisprudência, em face da redacção dada ao preceito até à alteração determinada pela Lei 48/2007. Isto, porque até então, a norma dizia, apenas, que constituía nulidade «A insuficiência do inquérito ou da instrução e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade», ou seja, quanto à fase de investigação nada se concretizava acerca daquilo em que consistiria essa insuficiência. Perante a lacuna, veio a desenvolver-se com forte predominância, doutrina e jurisprudência que, mediante a análise dos preceitos constitucionais e processuais penais relativos à autonomia do MP para o exercício da acção penal (artigos 202º e 219º, da CRP), concluiu que ela excluía das competências do Juiz de Instrução a capacidade de intromissão da apreciação sobre a necessidade ou conveniência da prática de actos de inquérito, não impostos por lei. Entendeu-se que, sendo incontestável que o exercício da acção penal abrange as fases de aquisição da notícia do crime e de realização do inquérito, competindo ao MP, em exclusividade a titularidade do inquérito e consequentemente, a sua direcção e realização (artigos 53º, 262º, 263º e 267º/CPP) em exclusiva subordinação hierárquica (artigo 278º), não podia o Juiz de instrução, em manifesto uso de competências alheias (não excepcionadas pelo artigo 269º), imiscuir-se no pleno exercício dessas competências. Neste sentido vejam-se, por todos, Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, II vol., 5ª ed. revista e actualizada, 124 e ss, e os Acs. do TC, no proc. 395/2004, no DR,II, 09/10/2004; do STJ, de 15/06/2005, no proc. 1556/05-3ª; da RP, de 24/05/2006, no proc. 0546478, de 09/02/2005, de 11/05/2005, no proc. 0512294, de 27/06/2007, no proc. 0741076; da RE, de 08/03/2005, no proc. 264/05-1; da RL, de 04/01/2007, no proc. 8067/06-9ª, todos publicados em www.dgsi.pt, e Ac do STJ, na CJ STJ, 2000, II, 180.
Com a alteração da redacção dada ao normativo pela Lei 48/2007, sufragou-se no texto a supra mencionada orientação, determinando que apenas a omissão de actos legalmente impostos constitui insuficiência de inquérito determinante de nulidade. Aliás, outra coisa não teria sentido, na medida em que, face à exclusividade de competência para a direcção do inquérito, a omissão de diligências que possam ter determinado deficiências de investigação no inquérito crime apenas pode obter satisfação através da reclamação hierárquica , nos termos do artigo 278º/2, do CPP (cf. Ac da RL, em CJ, 1993, I, 160; Ac RL de 04/01/2007, no proc. 8067/06-9ª, em www.dgsi.pt).
Face àquilo que é a letra da lei, coincidente aliás com a doutrina e jurisprudência que se formou unanimemente em momento anterior à nova redacção, não resta senão considerar que apenas nos casos de omissão de actos de inquérito, impostos por norma processual expressa, ocorre a sobredita nulidade.
Diferentemente se passavam as coisas, face ao CPP de 1929, em que a insuficiência de corpo de delito, considerada como omissão de acto de instrução que afectasse a busca da verdade material, constituía nulidade relativa ([12]). Ultrapassada a possibilidade de intromissão do Juiz neste capítulo, em face da autonomia processual da actividade investigatória do MP, caiu esta possibilidade de acção.
A situação agora configurada nos autos, passada a possibilidade de reclamação hierárquica, face aos efeitos do pedido de instrução, acaba por se transformar numa questão de maior ou menor aptidão da acusação para vingar em julgamento, onde todos os actos tendentes à descoberta da verdade devem ser praticados (artigo 340º/CPP).
Em terceiro lugar, na sequência do que acima foi aflorado, o entendimento de que o inquérito desenvolvido é insuficiente para a prova dos crimes, havendo diligências passíveis de acrescer prova válida tem cabimento apenas em sede de reclamação hierárquica, o que o recorrente não deduziu.
Em quarto lugar, as diligências pretendidas sempre seriam manifestamente inúteis, face à posição assumida pelo Ministério Público nos autos, que entende que ocorreu prescrição do direito de acção quanto aos crimes de injúrias e difamação, que seriam os crimes quanto aos quais teria reporte a documentação em causa.
Improcede, consequentemente, a questão colocada.
***
2- Da impugnação do despacho que não recebeu o RAI:
Quanto à impugnação do despacho que não recebeu o requerimento de abertura de instrução, importa analisar a questão sob os diversos prismas que se apresentam.
Desde logo há que considerar que o RAI cujo não recebimento nos ocupa foi requerido apenas por VG_____ , o que determina que os factos em apreço nesta sede se limitem ao rol de factos de que esta precisa pessoa se diz vitima, porque a sua legitimidade para o exercício da acção penal tem essa mesma limitação. Estão fora de apreciação, portanto, todos os factos denunciados de que teriam sido vítimas os demais denunciantes.
A segunda questão que se coloca prende-se com a extinção do direito de queixa relativamente aos crimes de injúrias e difamação.
Nos termos do disposto nos artigos 113º, 115º, 180º, 181º e 188º do Código Penal (doravante CP) o procedimento criminal por crimes particulares depende do exercício do direito de queixa, que se extingue no prazo de seis meses a contar da data em que o respectivo titular tiver conhecimento dos factos e do seu autor.
A queixa relativa ao processo em curso foi apresentada nos serviços do MP a 06/02/2019.
O recorrente nas declarações que prestou, relativamente às mensagens e conversas susceptíveis de integrar os crimes de injúrias e difamação, disse que:
- não teve acesso aos posts no Facebook, visto que logo a seguir a serem publicados eram apagados, que consistiam em conversas entre membros do partido que denegriam a imagem dos assistentes, que durante o ano de 2017 os denunciados tiveram várias acções, não só através das redes sociais como através de telefonemas para membros do partido e amigos, sendo que nesses telefonemas era apelidado de “fascista”, doutor da treta” e “mentiroso”;
- em data que não sabe precisar, mas situada nos anos de 2017 e 2018, no decurso de reuniões da comissão politica nacional, foram-lhe dirigidas expressões “você é um ditador Bokassa, é um fascista, um doutor da treta, é um banana mentiroso”, expressões semelhantes às que eram utilizadas na rede social Facebook;
Mais se demonstra que:
- a impressão de diversas mensagens postadas no Facebook, revelam que elas datam de 25.02.2017, 2015 e de 2016, havendo outras não datadas;
- muitas dessas mensagens obtiveram resposta por parte dos denunciantes, o que significa que das mesmas tomaram conhecimento e dos respectivos autores na altura em que foram publicadas;
- os denunciantes, na própria queixa, assumem nada ter feito relativamente as outras mensagens que  disseram terem sido produzidas igualmente nesta altura, demonstrando terem tido conhecimento delas e dos seus autores no referido período de tempo.
Ora, o que resulta do exposto, é que quanto às mensagens documentadas nos autos – e independemente de saber se são, ou não, subsumíveis a qualquer dos dois referidos crimes – quando a queixa foi apresentada já estava decorrido o prazo de seis meses sobre a data da respectiva consumação e conhecimento dos seus autores, por parte do recorrente.
Quanto ao demais, não tendo sequer sido referidas datas concretas em que os pressupostos insultos foram proferidos, veio agora o recorrente dizer que ocorreram «desde o início de 2017, com a preparação do congresso, e que continuaram após o arquivamento da queixa crime, meados de 2018» o que confirma o entendimento de que o direito de queixa foi exercido, também, quando já se mostrava esgotado o prazo respectivo.
Convém explicitar que aderimos, sem reservas, à exposição feita no despacho de arquivamento proferido nos autos quanto à delimitação do âmbito de abrangência do tipo legal dos crimes de difamação e de denúncia caluniosa. Aquilo que nos autos é susceptível de integrar os crimes de difamação não se retira da participação criminal de que o recorrente foi alvo, mas apenas e exclusivamente das mensagens, telefonemas e conversas, em que diz ter sido denegrido na sua honra, através dos insultos e epítetos de “fascista”, doutor da treta” e “mentiroso”, “você é um ditador Bokassa, é um fascista, um doutor da treta, é um banana mentiroso”. 
Em face do exposto, dúvidas não temos que, relativamente aos concretos actos que, em abstracto, poderiam susceitar a questão de serem subsumíveis aos referidos crimes de injúria e difamação, quando a queixa foi apresentada tinha-se extinguido, por caducidade (e não por prescrição) o respectivo direito.
Esta extinção determinou, e bem, o não cumprimento, por parte do MP, do disposto no artigo 285º do CPP, porque a notificação em causa e a respectiva acusação eram claramente actos juridicamente inúteis nos autos e, como tal, proibidos (artigo 130º/CPC, ex vi artigo 4º/CPP).
  Assim sendo, não se coloca a questão da inviabilidade de a instrução só poder ser requerida pelo assistente desde que o procedimento criminal não dependa de acusação particular, porque não chegou a haver notificação para a dedução dessa acusação.
Confirmado o fundamento pelo qual o MP determinou o arquivamento do inquérito quanto aos dois referidos crimes, impõe-se o não recebimento do RAI nessa parte.
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No que concerne aos crimes de denúncia caluniosa e de falsidade de testemunho ocorre, desde logo, um fundamento de não recebimento do RAI que era comum aos crimes de difamação e injúria. É que ele não preenche os requisitos legais.
O processo penal Português tem uma estrutura eminentemente acusatória, por força da qual o objecto do julgamento é, tão-somente, o objecto da acusação (artigo 32º/5, da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP). São os termos da acusação que fixam os poderes de cognição do Tribunal e os limites do caso julgado. Este efeito tem o nome de vinculação temática do Tribunal e nele se inscrevem os princípios da identidade, unidade e consumpção.
A este propósito o Prof. Figueiredo Dias defende que se «deve pois afirmar que o objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consumpção do objecto do processo penal (…). Os valores e interesses subjacentes a esta vinculação (…) constituem o cerne de um verdadeiro direito de defesa do arguido e deixam transparecer os pilares fundamentais em que se alicerça um Estado que os acolhe» ([13]). «A acusação tem por função a delimitação do âmbito e conteúdo do próprio objecto do processo, é ela que delimita o conjunto de factos que se entende consubstanciarem um crime, estabelecendo assim os limites da investigação judicial. Nisto se traduz o princípio da vinculação temática. Ao vedar os poderes de cognição do juiz a outros factos, que não os contidos na acusação, está a garantir-se ao arguido que só deles tenha de defender-se e que por outros não poderá ser condenado (no processo em curso). A relevância do conceito, em sede de acusação, tem pois uma dimensão de garantia dos direitos e da posição do arguido» ([14]).
Não sendo deduzida acusação pelo Ministério Público, quando em causa estejam crimes de natureza pública ou semi-pública, o assistente pode requerer a abertura de instrução «relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação» (artigo 287º/1-b), do CPP), visando a instrução, neste caso, a «comprovação judicial da decisão de arquivar o inquérito em ordem a submeter (…) a causa a julgamento» (artigo 286º/1, do CPP), o que se compreende por ser a manifestação da efectivação da competência, atribuída aos assistentes, de «deduzir acusação independente da do Ministério Público» (artigo 69º/2-b), do CPP), essencial à efectiva protecção dos interesses que a lei quis proteger com a atribuição da capacidade de incriminação, de que são titulares (artigo 68º/1-a), do CPP). «O “objecto do processo”, na instrução requerida pelo arguido é fixado pelos factos constantes da acusação do MP ou do assistente. O “objecto do processo” na instrução requerida pelo assistente é fixado pelos factos constantes do requerimento de abertura de instrução» face ao facto de o MP se ter abstido de acusar» ([15]).
Esta faculdade deve ser entendida, no entanto, sem perder de vista a estrutura acusatória do processo penal, consagrada pelo artigo 32º/5 da CRP. Porque a actividade do assistente, na parte em que visa suprir deficiências da acusação, se traduz na efectivação de poderes de colaboração com o Ministério Público, como se pressupõe que suceda com a abertura de instrução, está subordinada a duas condicionantes: a explicitação dos motivos de facto e de direito que o levam a discordar da posição assumida pelo MP e a prática do acto omitido, necessário à prossecução dos termos da acção penal.
Nesta perspectiva, o artigo 287º/2, do CPP, refere que o requerimento de abertura de instrução «não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à (…) não acusação do MP, bem como se for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c)», o que carece de articulação com a exigência contida no artigo 283º/3, do CPP, de que a acusação contenha, sob pena de nulidade «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada» e «a indicação das disposições legais aplicáveis».
O requerimento de abertura de instrução, quando não tenha havido acusação, contém, pois, necessariamente, duas partes: uma em que o requerente enuncia os motivos de discordância relativamente ao despacho de arquivamento do MP; outra em que, substituindo-se à acusação pública em falta, o assistente deduz a sua acusação, com a narração dos factos susceptíveis de integrar a factispecie do tipo legal de crime (no seu elemento objectivo e subjectivo), as circunstâncias de modo, tempo e lugar (e outras com relevo para a determinação da sanção a aplicar) e a menção das disposições legais aplicáveis.
A lei não exige a sujeição de qualquer destas partes a formalidades especiais, o que, no entanto, não significa que prescinda da substância – a enunciação perceptível dos factos pertinentes ao preenchimento do tipo legal de crime e dos demais, a que o artigo 283º/CPP faz referência – ou que não as sujeite a exigências de forma mínimas, adequadas à satisfação dos ónus impostos.
Dizendo de outro modo, o exercício do direito ao acesso à justiça, faz-se mediante o cumprimento dos ónus (mais ou menos complexos) que a lei processual determina (daí, entre outras razões, a imposição de representação por Advogado).
Ora, em caso de arquivamento do inquérito, a faculdade de deduzir instrução visa não apenas obter a comprovação judicial da desadequação ou ilegalidade da decisão de arquivar o inquérito mas, igualmente, submeter a causa a julgamento – o que, num processo de cariz acusatório, como o nosso, acarreta necessariamente a dedução de uma acusação. Não tendo sido formulada, no caso, pelo Ministério Público é ónus do assistente, requerente da actividade instrutória, formulá-la.
Este entendimento é o que unanimemente tem sido defendido na jurisprudência, quer das Relações, quer do Supremo, quer mesmo do Tribunal Constitucional. Veja-se, a título de exemplo:
- O ac. do TRP, no proc. 1585/07.0TASTS-P1, de 23/09/2009, onde se refere que: «Quando não há acusação e o assistente pretende que o agente seja julgado pelos factos que lhes atribuiu, o requerimento de abertura de instrução assume, materialmente, a função da acusação e desempenha, no processo, o papel desta. Na definição do objecto processual que vai ser submetido ao conhecimento e decisão do juiz há uma similitude processual de função e, por isso, uma assimilação funcional entre a acusação do Ministério Público e o requerimento do assistente para a abertura de instrução, nos casos em que não tenha sido deduzida acusação. O requerimento do assistente deve, em termos materiais e funcionais, revestir o conteúdo de uma acusação alternativa, de onde constem os factos que entenda estarem indiciados e que integrem o crime que lhe deve imputar, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório»;
- A resenha de jurisprudência, feita no ac. RL, no proc. 1984/07.7PBAMD-A.L1, de 27/05/2010;
- O ac. da RC, de 17/09/2006, no proc. 60/03.2.TABLSI, onde se refere que: «O requerimento de abertura de instrução, para além das razões de facto e de direito da divergência relativamente ao despacho de não acusação tem de revestir a forma de uma verdadeira acusação (pelo que a) remissão para a participação não tem a virtualidade de sanar a omissão da descrição dos factos»;
- Os acs da RC, de 17/09/2003, no processo 2359/03, e os ac.s da RG de 14/02/2005, na CJ 2005, I, 299, e de 04/05/2005, no proc. 1272/04-2;
- O ac. do STJ, de 25/10/2006, no proc. nº 06P3526, onde se refere que o requerimento para abertura de instrução «deve constituir uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objecto do processo, e que fundamente a aplicação aos arguidos de uma pena»;
- O  ac. do TC, no proc. 358/2004, onde se refere que: «o objecto da instrução (tem) de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e (…) tal definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis, o que decorre de princípios fundamentais do processo penal, designadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória»;
- O ac. TC nº 674/99, publicado no DR, II, 25/02/2000.
 Aliás, atenta a estrutura da fase instrutória do processo, jamais a lei poderia prescindir da indicação pelo acusador – público ou assistente - da factualidade pertinente à sujeição ao arguido a julgamento.
Por outro lado, a instrução tem natureza jurisdicional e não investigatória.
O artigo 289º/1, CPP dispõe que «a instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda dever levar a cabo e obrigatoriamente por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o MP, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado, mas não as partes civis». Contudo, porque há que respeitar a estrutura acusatória do processo penal é exactamente a acusação que determina o objecto do processo e, embora a instrução seja uma fase em que vigora o princípio da investigação, a autonomia do juiz não significa que tenha poderes conformadores ou substitutivos da acusação. «A estrutura acusatória do processo e o inerente princípio da acusação limita a liberdade de investigação ao próprio objecto da acusação» ([16]).
A propósito referem os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Anotada, pág. 206: «a estrutura acusatória do processo penal implica, além do mais, a proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja, que o juiz de instrução seja também o órgão de acusação. Daqui resulta que o juiz de instrução não pode intrometer-se na delimitação do objecto da acusação no sentido de o alterar ou completar, directamente ou por convite ao assistente, requerente da abertura da instrução». E refere o Prof. Germano Marques da Silva, em «Processo Penal», 125: «Integrando o requerimento de instrução razões de perseguibilidade penal, aquele requerimento contém uma verdadeira acusação; não há lugar a uma nova acusação; o requerimento funciona como acusação em alternativa, respeitando-se, assim, "formal e materialmente a acusatoriedade do processo", delimitando e condicionando a actividade de investigação do juiz e a decisão de pronúncia ou não pronúncia».
Manifestação da supremacia do princípio da vinculação temática do Tribunal aos factos descritos na acusação formal, quer ela seja proveniente do Ministério Público, quer do assistente, são ainda as normas contidas nos artigos 309º/1 e 379º/1, al. b), do C.P.P. Segundo a primeira que «a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos (…) no requerimento para abertura da instrução»; nos termos da segunda é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º/CPP. Ou seja, tal como a sentença não pode condenar por factos diferentes dos descritos na acusação ou pronúncia (fora dos casos especialmente previstos), também a pronúncia não pode imputar ao arguido factos diferentes dos que constam da acusação ou do requerimento para abertura da instrução.
Verificada a ausência de factos no requerimento instrutório, vem-se entendendo, tal como fez o despacho recorrido, que se está perante uma situação de inadmissibilidade legal de instrução, sujeita ao regime do artigo 287º/3, do CPP. É que, para além de o requerimento ser nulo, por falta de requisitos legais mínimos (de forma ou de fundo), a actividade judiciária instrutória que pretende desencadear resumir-se-ia à prática de actos inúteis e, como tal, proibidos por lei, na medida em que a pronúncia nunca poderia ter lugar.
Não podendo o Juiz substituir-se ao assistente na descrição de factos essenciais à imputação objectiva e/ou subjectiva do crime em questão, sempre estará impedido de deduzir pronúncia, por falta da enunciação desses factos, pronuncia essa que se configura como condição de prosseguibilidade do processo.
Sem acusação o processo não tem objecto porque, além do mais, o JIC não pode substituir-se ao acusador na definição daquele, sob pena de diminuição das garantias de defesa do arguido (com manifesta violação dos princípios constitucionais vertidos nos artigos 18º e 32º/1 e 5, da CRP), de atentado ao princípio da igualdade de armas e de violação do princípio de independência do julgador. Souto de Moura resume a questão nestes termos: «se o assistente requerer instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será a todos os títulos inexequível. O juiz ficará sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver acusados. Aquilo que não está na acusação e no entendimento do assistente lá devia estar pode ser mesmo muito vasto. O Juiz de instrução “não prossegue” uma investigação, nem se limitará apreciar o arquivamento do M.º P., a partir da matéria indiciária do inquérito. O juiz de instrução responde ou não a uma pretensão. Aliás, um requerimento de instrução sem factos, subsequente a um despacho de arquivamento, libertaria o juiz de instrução de qualquer vinculação temática. Teríamos um processo já na fase de instrução sem qualquer delimitação do seu objecto, por mais imperfeita que fosse, o que não se compaginará com uma fase que em primeira linha não é de investigação, antes é dominada pelo contraditório» ([17]).
Vejamos agora se estamos, ou não, perante um requerimento de abertura de instrução nulo por falta de factos, que determine a inadmissibilidade legal da instrução.
Ora, apreciado o conteúdo do RAI o que se verifica é que dele não consta:
- Uma enumeração dos factos acusados, de modo a perceber-se quais são efectivamente aqueles factos que o assistente pretende que sejam apreciados em julgamento;
- a discriminação dos factos acusados a cada um dos denunciados, ainda que não sua vertente puramente objectiva;
- A menção aos elementos subjectivos de factos objectivamente determinados;
- Que concretos crimes são imputados a cada um dos denunciados. 
Vai-se mesmo ao ponto de pedir investigação autónoma, sob a afirmação de que a investigação feita em inquérito foi insuficiente, como se a instrução fosse a simples continuação de um inquérito.
No caso dos autos, colocam-se duas questões que determinam o destino do recurso: a primeira, de saber se é ónus do assistente ou do JIC a identificação dos eventuais responsáveis criminais pelos crimes cometidos – que o assistente nem refere quais sejam, dentre os denunciados -  ou seja dos arguidos a pronunciar por cada um deles e a enunciação dos factos que devem ser levados à pronúncia; a segunda, de saber se os factos agora extraídos do requerimento de abertura de instrução são bastantes e adequados à configuração de uma acusação.
Quanto à primeira questão, a lei é clara ao referir que é ónus do requerente da instrução proceder à identificação do arguido e à narração dos factos em que se contém os termos da acusação, nos termos a que se refere o artigo 283º/3 – a) e b), por remissão do artigo 287º, do CPP.
Sendo esse ónus do assistente, e não do Tribunal, não é legítimo entender que, desde que haja factos, dispersos pelo requerimento de instrução, que permitam a imputação de uma acusação a alguém, cabe ao Tribunal concatená-los, ordená-los e formar a sua própria versão da acusação e identificar a pessoa a quem devem ser imputados. Essa implícita pretensão (face ao teor do requerimento de instrução e do recurso) não tem suporte nem nos termos, nem no espírito da lei. Entre o requerimento de instrução e o início das diligências requeridas não é pressuposto nenhum despacho judicial de saneamento do requerimento instrutório. Logo por aqui se inviabiliza semelhante pretensão. E sendo-o, a conformação da acusação é ónus do assistente que jamais se transmuta em ónus do Tribunal.
 Sobre essa matéria a doutrina e a jurisprudência são absolutamente uniformes, não se vislumbrando que dúvidas se possam colocar. Veja-se, por todos, o acórdão do STJ, de 22/03/2006, no processo 357/05-3, com plena aplicação no caso concreto, que refere que «verificando-se que o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo recorrente não se apresenta estrutura do como uma acusação, da qual conste a narração, ainda que sumária, dos factos e a indicação dos ilícitos criminais que o assistente imputa a cada um dos denunciados, e pelos quais entende deverem os mesmos ser pronunciados, antes se mostrando delineado como um recurso do despacho de arquivamento elaborado pelo MP, mostra-se correcta a decisão recorrida de rejeitar a instrução. Com efeito, a omissão dos elementos de facto, a inobservância dos requisitos de uma acusação, em que no fundo e estruturalmente se deve converter o requerimento, conduzindo à não formulação e delimitação do thema probandum, fazem com que a suposta acusação, pura e simplesmente, falte, não exista, ficando a instrução sem objecto». Neste sentido, ainda o ac. TC, de 20/12/2011, no site respectivo.
Quanto à segunda questão, o recorrente nem se pronuncia no recurso, mas como se vê pela simples leitura do texto transcrito, o recorrente não fez constar do RAI uma menção minimamente ordenada e sequencial dos factos constantes dos autos, quer em termos objectivos e muito menos em termos de imputação do elemento subjectivo dos crimes - em termos de poder ser considerada uma peça acusatória.
Por outro lado, os factos relevantes não podem ir além daqueles que foram denunciados e se mostravam já indiciados dos autos na data da acusação, sendo ilegítima qualquer extensão dos mesmos a períodos de tempo distintos ou qualquer aditamento.
Isto porque visando a instrução a comprovação da decisão de arquivar ou acusar (artigo 286º/1, do CPP), o seu âmbito é limitado à apreciação, no essencial, à prova já produzida mas que não tenha sido considerada no despacho de não acusação, tendo por reporte os factos e crimes denunciados sobre os quais se pretende ver exarado um despacho de pronúncia.
Isto determina que uma pronúncia só se pode fazer a partir da descrição do núcleo de factos – os já suficientemente indiciados e aqueles que se considera que que assim se configurarão no final da instrução – que se entende que são imputáveis a pessoas determinadas e configuram a prática de determinado um crime.
Como refere o Conselheiro Souto de Moura ([18]) «O nº 1 do art. 286º do CPP refere que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Esse controlo é pedido facultativamente e a legitimidade para o fazer prende-se directamente com o tipo de pretensão do requerente. Assim, pelo que respeita ao assistente, este requererá a instrução “relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.”   
Obviamente que os factos pelos quais o Mº Pº não acusou e deveria ter acusado só podem ser factos com relevância penal, factos que portanto integram um tipo legal de crime. E também têm que ser factos apurados no inquérito, à custa da prova aí produzida.
É por isso que, como se disse no acórdão 28/5/2014, proferido no Pº 13/13.2YGLSB.S1, desta 5ª Secção do STJ, o assistente “só pode requerer a abertura da instrução colocando-se numa posição em que defende que, na situação adquirida no inquérito, na altura em que foi encerrado, o MP devia ter acusado em vez de proferir despacho de arquivamento. A instrução não se destina a completar o inquérito, ou seja, a realizar diligências necessárias para decidir se a decisão do juiz de instrução deve ser de pronúncia ou de não pronúncia, como já eram para decidir se a decisão final do inquérito devia ser de acusação ou de não acusação.
De duas uma: o assistente entende que, perante os elementos de prova recolhidos no inquérito, a decisão do MP deve ser de acusação e não de arquivamento, ou considera que as diligências realizadas não são suficientes para decidir pela acusação ou não acusação. Só no primeiro caso pode requerer a abertura de instrução”
Também P. P. Albuquerque é muito claro quando defende posição igual, no sentido de que, face ao arquivamento do inquérito, o assistente pode reagir requerendo a instrução se a factualidade provada implicava, a seu ver, a dedução de acusação, ou reclamando hierarquicamente nos termos do art. 278º do CPP, quando entende que a base factual é insuficiente para deduzir acusação, mas o Mº Pº podia e devia ter produzido diligências de prova que alargassem essa base factual. O que o assistente não pode fazer é, depois de requerer a audição de testemunhas no inquérito, pedir ao JIC que as ouça porque o Mº Pº o não fez.
Portanto, “intervenção hierárquica para o caso de omissão ou insuficiência de prova no inquérito e a instrução para o caso de erro na valoração da prova já existente no inquérito” (In “Comentário do Código de Processo Penal” Universidade Católica Editora, 4ª edição, pág. 749). ».
No caso, o pedido de abertura de instrução foi configurado como uma pura discordância dos motivos invocados pelo despacho de arquivamento e pedidos de produção de prova, a partir da enunciação dos pontos da denúncia, dele não tendo sido feito constar uma enunciação concreta de factos apurados em inquérito, segundo a interpretação do recorrente, nem uma concreta imputação criminosa a cada um dos denunciados.
Tal enunciação não se mostra feita nem em termos de descrição objectiva dos acontecimentos nem em termos do elemento subjectivo dos crimes.
Num crime doloso (como aqueles agora em causa) hão-de constar, necessariamente, da acusação - pela absoluta relevância de que se revestem, face à necessidade de imputação do crime ao agente - factos que sejam susceptíveis de integrar a materialidade da conduta descrita no tipo e que levem a concluir que cada agente agiu:
- Livremente, ou seja, que pôde determinar a sua acção – assim se afastando as causas de exclusão da culpa; 
- Com o conhecimento dos elementos e circunstâncias descritos no tipo legal de crime e do resultado da sua conduta (elemento intelectual do dolo);
- Deliberadamente, ou seja, que quis o facto criminoso (elemento volitivo);
- Conscientemente, o que significa que é imputável (imputabilidade);
- Sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento emocional do dolo).
Constituindo o crime a negação dos específicos valores jurídico-criminais, na avaliação da sua verificação há que estabelecer uma ligação entre ele e a pessoa do seu agente, o que conduz, necessariamente, à averiguação sobre a possibilidade de formulação de um juízo de censura ético-jurídica dirigida a esse mesmo agente. Necessário se torna, sempre, determinar se o facto ilícito, enquanto tal, é imputável pessoalmente ao agente e a que título.
Nada disto consta do RAI em causa.
É dos termos do requerimento de abertura de instrução que têm que constar a narração dos factos a que se refere o artigo 283º/3-b) do CPP e não da interpretação, mais ou menos ponderada, que o leitor do requerimento possa fazer.
Não é legítimo nem legal transpor para os ombros dos arguidos a interpretação possível de uma peça equívoca, que não contém a enunciação clara dos factos que pretende que lhe sejam imputados, em manifesta contrariedade à norma. E, caso o requerimento instrutório agora em análise não tivesse sido “parado” pelo despacho recorrido seria precisamente isso que se estaria a exigir dos denunciados (identificados), a quem, por outro lado, não se pode pedir maior apuro técnico do que ao assistente.
Se a questão era, tal como foi configurada, de pura discordância da motivação do despacho do M.P., por não se acompanhar o entendimento que lhe esteve subjacente, de que não havia indícios suficientes para acusar, o recorrente tinha ao seu dispor, como já se referiu, a reclamação hierárquica, onde impera efectivamente a liberdade de forma da exposição, desde que não prejudique a percepção do conteúdo. E aí sim, poderia discutir a questão nos termos em que o fazem.
Em conclusão, do requerimento de instrução não consta a enunciação de factos que possam ser considerados uma acusação.
Decai, pois, a pretensão implícita no recurso, de que cabe ao Tribunal de Instrução (e agora ao da Relação) proceder à análise, palavra por palavra, do teor do requerimento de abertura de instrução, para separar os factos aí referidos dos juízos e opiniões, menções à prova e expectativas probatórias da assistente, e depois, dentre aqueles, descortinar os que servem à estrutura de uma eventual acusação, concatená-los e produzir a possível acusação, que previsivelmente estaria na mente da requerente. Esta pretensão é a denegação total do papel do assistente e do Advogado, de coadjutores na administração da Justiça e configura a descoberta da forma de deixar nos ombros do Juiz o ónus de formular a pretensão de actuação jurisdicional e decidi-la, deixando aos interessados o papel de policiamento da conformidade da actividade judicial com resultados pretendidos ou, pior ainda, com a forma pela qual se iriam obter esses resultados.
Face ao exposto, não resta senão a compreensão de que a pretensa “acusação” formulada pelo assistente não existiu e que, ainda que considerados os factos que do requerimento de abertura de instrução se possam extrair, sempre estaria votada ao insucesso, por não contemplar a factualidade pertinente à identificação dos infractores e à imputação do ilícito - por falta de factos que permitam a completa subsunção ao tipo legal objectivo e ao tipo legal subjectivo.
Qualquer decisão instrutória que versasse sobre este requerimento de abertura de instrução ver-se-ia na contingência de não pronunciar os arguidos, pura e simplesmente ou, acrescentando factos não articulados, de ser nula por se envolver numa alteração (mais do que) substancial (artigo 309º/CPP).
Resta a conclusão de que nos autos ocorre uma verdadeira situação de inadmissibilidade legal de instrução, por o requerimento de instrução evidenciar uma narração de facto omissa, inapta a sustentar um despacho de pronúncia e, consequentemente, inapta a sustentar a aplicação de uma pena ou medida de segurança.
Conforme foi decidido no A.U.J. nº 7/2005: «não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentando nos termos do artigo 278º/2 do CPP, quando foi omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamento a aplicação de uma pena ao arguido». A previsão normativa contida na decisão transcrita aplica-se, sem tirar nem por, ao caso dos autos.
Não sendo lícito aperfeiçoamento, torna-se liquido que o despacho recorrido fez uma correcta apreciação dos factos e aplicação do direito, não devendo ser revogado. Até porque a exigência de rigor na delimitação do objecto do processo, sendo uma concretização das garantias de defesa, não consubstancia uma limitação injustificada ou infundada do direito de acesso aos Tribunais, pois tal direito não é incompatível com a consagração de ónus ou de deveres processuais que visam uma adequada e harmoniosa tramitação do processo. O rigor na explicitação da fundamentação da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios Tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao Direito. Além do mais, a exigência feita ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público, no momento em que acusa.
Diga-se mais que, não fora a completa inaptidão do RAI para servir como acusação, analisados os autos e bem assim aquilo que deles retira o recorrente, não há factos que suportem a imputação quer do crime de denúncia caluniosa quer do de falsidade de testemunho.
Aqui se dá por reproduzido tudo aquilo que a respeito o MP fez constar do despacho de arquivamento, adequadamente exposto e concordante com as normas em causa. E, aqui se repete, quanto ao crime de denúncia caluniosa que « São elementos objectivos do tipo deste crime legal:
a)A prestação de depoimento falso por parte de quem esteja investido na posição de testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete. Trata-se, por isso, de um crime específico.
b)   Ser o depoimento efectuado perante tribunal ou funcionário competente para o receber como meio de prova. (….)
Ora, se é inegável que o denunciado FL______  apresentou uma queixa que originou um processo criminal a que foi atribuído o nº 6356/17.9T9LSB em que figuram como denunciados, entre outros, os aqui assistentes, lançando sobre aqueles a suspeita da prática de ilícito criminal (in casu, eventual abuso de confiança), que culminou com a prolação de um despacho de arquivamento por insuficiência da prova indiciária, verificamos, no entanto, que daqueles não se retira qualquer comprovação de que os assistentes – pessoas alvo da queixa efectuada e das suspeitas levantadas pelo denunciado -, não tenham cometido os factos que este lhes imputava.
Para entender que foi praticado pelo aqui denunciado FL______ o crime de denúncia caluniosa era necessário que os factos apurados ao longo da investigação indiciassem, suficientemente, que aquele tinha imputado, aos ora assistentes, as condutas denunciadas no âmbito daqueloutro inquérito, consciente de que as mesmas nem sequer tinham tido lugar, ou seja, haveria que ter resultado do inquérito que a denúncia era, não apenas objectivamente falsa, mas também que o era subjectivamente, que estava em contradição com a verdade dos factos, mas também que o ali denunciante estava plenamente ciente da contradição.
E o certo é que, fazendo parte do tipo objectivo do ilícito em causa a falsidade da denúncia ou suspeita, impunha-se que ficasse demonstrado, com a necessária segurança que o juízo de indiciação suficiente supõe, que a imputação de infracção criminal feita por aquele não foi cometida pelos assistentes e que aquele sabia que as pessoas que denunciou, efectivamente, não cometeram a referida infracção. O tipo de ilícito em causa exige que o agente saiba que o visado é inocente da infracção que lhe imputa e, mesmo assim, faz a denúncia. Exige-se uma denúncia objectiva e subjectivamente falsa, que esteja em desconformidade com a verdade dos factos e que o denunciante esteja plenamente ciente de tal desconformidade, o que vale dizer da mentira.
Ora, a decisão de arquivar o inquérito por falta de indícios suficientes não importa de maneira alguma a negação da versão do aí queixoso e aqui denunciado. Significa simplesmente que os indícios recolhidos se mostraram insuficientes para alicerçar a decisão de acusar, não se podendo, assim, formular um juízo contrário quanto à verdade dos factos.
O que existe é uma abstenção do exercício da acção penal fundamentada em insuficiente indiciação da prática dos factos constantes da queixa apresentada pelo denunciado, mas não a comprovada falsidade de tal imputação.
Impunha-se, ademais, que do material probatório mobilizado nestes autos se tivessem colhido indícios que o aqui denunciado FL______ , de má fé, reputou como verdadeiras as imputações que fez aos aqui assistentes.
Pelo que sempre teríamos que concluir que não se encontravam preenchidos os elementos típicos subjectivos do tipo em análise. ».
Outro tanto se passa quanto ao crime de falsidade de testemunho. Mais uma vez, com recurso às palavras do MP que bem sintetizam a questão, repetimos que «Revertendo o enquadramento legal enunciado para o caso em apreço e tendo presente a materialidade fáctica apurada, desde logo ressalta — até em face do já exposto quanto ao crime de denúncia caluniosa — que não se mostram verificados os elementos típicos do crime de falsidade de testemunho, porquanto não se logrou colher quaisquer indícios de que os denunciados AD______ e CR _____  tivessem faltado à verdade aquando da prestação de declarações, como testemunhas, no âmbito do inquérito nº 6356/17.9T9LSB, que correu termos neste DIAP na sequência da queixa apresentada por FL______ .
Entende-se, pois, em consonância, com o que se deixou dito a propósito do crime de denúncia caluniosa, que não se recolheram indícios que permitam imputar aos denunciados o apontado ilícito, que à semelhança daquele, pressuporia a mesma falsidade.»
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Em face do exposto, resta a declaração de improcedência do recurso.
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VII- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 ucs.
Texto processado e integralmente revisto pela relatora.

Lisboa, 19/5/2021.
Graça Santos Silva
A. Augusto Lourenço
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[1] Como escreve o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências jurídicas do crime, pág. 674, “Neste sentido se pode afirmar – com a nossa doutrina e a nossa jurisprudência absolutamente dominantes –que se trata ali de um prazo de caducidade. O período de tempo decisivo para a contagem deste prazo é pois aquele que medeia entre a tomada de conhecimento e a deposição da queixa, não entre a prática do facto e a tomada de conhecimento: este relevará só, nos termos gerais, para efeitos de prescrição do procedimento criminal”.
[2] Assim, seguindo esta lição do Prof. Costa Andrade, concluímos que sempre que alguém imputar a outrem, perante autoridade ou publicamente, com intenção de que contra ele se instaure procedimento, factos ofensivos da sua honra ou consideração, com consciência
[3] Assim vide MANUEL DA COSTA ANDRADE in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pp. 536 e segs.
[4] MEDINA DE SEIÇA, in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Coimbra Editora, Tomo III, p. 460.
[5] 5 BRANDÃO, NUNO, in Inverdades e consequências: considerações em favor de uma concepção subjectiva da falsidade de testemunho. Anotação aos acórdãos da Relação do Porto de 30.01.2008 e da Relação de Guimarães de 29.06.2009 in RPCC 2010, 3, p. 477 e segs.
[6] TEIXEIRA, CARLOS ADÉRITO, “Indícios suficientes”: parâmetro de racionalidade e “instância” de legitimação concreta do poder-dever de acusar, in Revista do CEJ, 2º semestre 2004, nº1, p. 153.
[7] 7 Cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 10/09/2008, Proc. n.º 195/07.2GBCNT.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, vide Ac. STJ de 21/05/2008, processo n.º 07P3230, disponível em www.dgsi.pt: «Tanto a doutrina como a jurisprudência têm realçado que a “possibilidade razoável” de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa: “(...) os indícios são suficientes quando existe “uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição»).
[9] TEIXEIRA, CARLOS ADÉRITO, op.cit., p. 189. Assim, sempre que no espírito do magistrado surjam dúvidas sérias de que o arguido, perante os meios de prova existentes no processo, venha a ser condenado, não deve sujeitá-lo a julgamento, ou seja, não deve acusá-lo. É o princípio in dubio pro reo, omnipresente na fase de julgamento, que deve também estar presente na fase de inquérito e de instrução.
[10] Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[11] Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.
[12] Cf Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, I vol. Reimpressão da U.C., 1981, pág. 274.
[13] Cf «Direito Processual Penal», I, 1974, 145.
[14] Cf. Francisco Isasca, em «Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português», 54.
[15] Paulo Pinto Albuquerque, em «Comentário do Código de Processo Penal», 2.ª ed. actualizada, UCP, 769-770, em anotação ao artº 303º do CPP.
[16] Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 129.
[17] Em «Jornadas de Direito Processual Criminal», 119 -120.
[18] Decisão proferida no processo 3/17.6YGLSB, do STJ.