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REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
ARGUIDO COM PARADEIRO DESCONHECIDO
NOTIFICAÇÃO AO DEFENSOR
Sumário
Nos procedimentos com vista à eventual revogação da suspensão de uma pena de prisão, em situações em que não seja possível proceder à audição do arguido, por razões que sejam imputáveis exclusivamente a este (v.g. porque faltou injustificadamente à diligência marcada, porque se ausentou da morada constante do TIR não tendo procedido a comunicação da sua nova morada, e não sendo o seu paradeiro conhecido), e quando o tribunal não diligenciou por qualquer forma para que essa audição tivesse lugar, ao mesmo tempo que, não tendo sido o defensor do arguido/condenado notificado, para poder pronunciar-se anteriormente ( após a promoção do MºPº) sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não pode considerar-se assegurado, «na sua expressão mínima», o princípio do contraditório, enfermando assim a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, proferida, com a falta do cumprimento de tais circunstancialismos, da nulidade prevista no artigo 119º, al. c), do CPP.
Texto Integral
Decisão sumária ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea d) do Código de processo Penal
I.
Nos presentes autos, provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, juízo local criminal de Lisboa-Juiz 3, veio o arguido AA, melhor identificado a folhas .. a fls. 93, recorrer do despacho que revogou a suspensão da execução da pena (vide folhas 209 e 209 v.), em que o arguido foi condenado pela pratica de um crime de TRAFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE, P.P. PELOS ARTIGOS 21º Nº 1 E 25º AL. A) AMBOS DO DL 15/93 DE 22.01 POR REFERÊNCIA à TABELA I-C ANEXA AO MESMO DIPLOMA LEGAL NA PENA DE 14(catorze) MESES DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO POR 14 (catorze)MESES COM REGIME DE PROVA apresentando as seguintes conclusões: A. O presente recurso é interposto do douto despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, por sentença transitada em julgado em 22 de Janeiro de 2019, no qual o arguido foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21º, 1 e 25º a) do DL 15/93 de 22-1, com referência à tabela I – C, a ela anexa, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova. B. Após a notificação do despacho que revogou tal suspensão, o arguido reage e requer à Meritíssima Juiz a quo, uma oportunidade para ser ouvido nos termos e para os efeitos do artigo 495º do CPP, fundamentando em síntese que, indicou como morada no TIR, a morada onde residia com a sua mãe sito …………………… Lisboa, e que com a separação conjugal de sua mãe, que ocorreu de forma abrupta, foram residir na Rua ………………………….Lisboa, por um período de 6 (seis) meses. C. Na presente data reside na Rua …………………………………. Lisboa, sendo que o arguido não comunicou a alteração da sua morada para efeitos do TIR, junto dos autos, facto pelo qual se penitencia, pese embora, tendo sido contactado pelos serviços da DGRSP, colaborou na entrevista que resultou no plano de Reinserção Social, homologado a fls. 164. (ii) que perante o episódio relatado a fls. 171, (Informação da DGRSP) informação essa de 13 de setembro de 2019, episódio que o arguido lamenta, e do qual se arrepende, pois terá feito confusão com o plano de reinserção que acabara de cumprir ao abrigo de outro processo. D. Tendo esse requerimento tido a douta promoção do Ministério Público, no sentido de, atenta a decisão do Tribunal de revogar a suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado, promovo que se indefira o requerido. (sic) E. No entanto o arguido tem mantido uma postura e vida afastada de factos, como os dos autos e que, o condenaram. F. No período da pena não constam condenações por factos praticados, conforme informação do certificado de registo criminal, tal como não existem processos contra o arguido, também conforme, informação constante nos autos. G. No Plano de Reinserção Social aplicado ao arguido, consta «manter uma conduta responsável e assídua no trabalho e em caso de desemprego (...)», (ii) o arguido trabalha, encontra-se socialmente e familiarmente inserido, reside no seio familiar composto pela mãe, irmão e três sobrinhas. H. Estamos em posição de afirmar, que o arguido ora recorrente cumpriu “quase” na sua plenitude o plano da DGRSP, pois esse plano exige «manter uma conduta responsável e assídua no trabalho e em caso de desemprego , realizar no Centro de Emprego e noutras entidades equiparadas, comprovando junto da técnica de reinserção social as inscrições efetuadas.», o arguido trabalha, tendo de facto falhado às reuniões na DGRSP, mas este lapso por si só, não deve ter como consequência a prisão. (sublinhado nosso) I. O Tribunal a quo, não notificou o arguido para a audição a que alude o artigo 495º do CPP, e devia tê-lo feito, não o tendo feito, no limite devia ter modificado os deveres impostos, conforme constante no artigo 55º do Código Penal. J. O tribunal a quo, não ponderou nenhuma das hipóteses K. Não tendo o tribunal notificado o arguido para a audição a que alude o artigo 495º do C.P.P., entende o arguido/recorrente, que a decisão de revogação da suspensão, constitui nulidade insanável, de conhecimento oficioso, artigo 119º alínea c).«Ac. TRL de 30-06-2010 : I. O conhecimento das nulidades, mesmo das insanáveis, não pode ter lugar a todo o tempo, mas apenas enquanto permanecer a relação processual, não podendo ser declaradas uma vez transitada em julgado a decisão final. II. A revogação da suspensão da pena nunca é uma consequência automática da conduta do condenado, dependendo sempre da constatação de que as finalidades punitivas visadas com a imposição de pena suspensa se encontram irremediavelmente comprometidas. III. Perante o que estabelece o n.º 2 do artigo 495.º do CPP, é necessária a audição presencial do condenado antes de se decretar a revogação da suspensão da execução da pena, ou, ao menos, deve possibilitar-se essa audição presencial IV. A preterição desta audição prévia do arguido integra uma nulidade insanável e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal - artigo 119.º, al. c), do CPP. » L. Como resulta dos autos o arguido não praticou qualquer tipo de crime no período da suspensão, período que aliás terminou em 22 de Março de 2020, do CRC do arguido (fls 61), não constam quaisquer condenações por crimes praticados durante o período da suspensão da execução da pena de prisão. M. Com o devido respeito pela Mmª Juíz "a quo", o recorrente entende violadas as normas dos arts. 55º e 56º todos do Código Penal, por não se verificarem "in casu", os requisitos legais exarados no art. 56º nº 1 do C.P. para que se possa decidir pela revogação da suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado, sendo manifestamente exagerado ordenar o cumprimento da pena de prisão de catorze meses. N. «A suspensão da execução da pena de prisão é, no actual regime penal, uma verdadeira pena, de carácter autónomo e não institucional, traduzindo medida de índole reeducativa e pedagógica, por um lado, fundada num juízo de prognose positiva quanto ao comportamento futuro do agente e, por outro, para evitar os danos associados ao cumprimento de uma pena de prisão, desde que fiquem devidamente salvaguardadas as finalidades da punição.» vide acórdão TRE, relator Dr. Carlos Berguete O. No caso em apreço, resulta claro que ficam salvaguardadas as finalidades da punição, máxime, a abstenção por parte do arguido de qualquer prática delituosa, tal como constante nos autos. Termos em que revogando-se o despacho de que ora se recorre e ordenando-se a aplicação de uma medida não privativa da liberdade; Ou, revogando o despacho recorrido e determinando a sua substituição por outro que designe data para audição do arguido, para os efeitos previstos no artigo 495.º, n.º 2 do C. P. Penal, farão, Vossas Excelências, como sempre(…)
O recurso foi admitido através de despacho judicial (fls.238).
O Digno Magistrado do Ministério Público, junto da primeira instância respondeu concluindo pela improcedência do recurso pelos motivos que exarou na sua resposta, que aqui se tem por integralmente reproduzida.
O processo seguiu os seus termos legais.
Junto deste Tribunal foi aberta vista ao Digno Procurador Geral Adjunto, o qual, proferindo parecer secundou a resposta apresentada pelo MºPº na 1ª instância, pugnando pela improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º nº 2 do CPP.
O processo seguiu os seus termos legais.
II.
Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e e 420.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) passando-se a proferir decisão sumária, ao abrigo do artigo 417.º n.º 6 alínea d) do Código de Processo Penal
Mesmo no Tribunal Constitucional, As “decisões sumárias”, proferidas nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, (na redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro), vêm gradualmente assumindo maior relevância na jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que respeita quer aos pressupostos do recurso de constitucionalidade, quer a julgamentos de mérito quando é manifesta a falta de fundamento do recurso (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/).
A questão suscitada e a apreciar no presente recurso reconduzem-se às pretensões do recorrente e contida nas CONCLUSÕES do seu recurso e repete-se:
- a questão suscitada é a da nulidade do despacho recorrido (artigo 119º, al. c), do CPP), por violação do direito de audiência por o Tribunal “a quo” não ter procedido, previamente à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, à audição do arguido/condenado, conforme previsto no artigo 495º, n.º 2, do CPP.
Decidindo diremos e transcrevendo o despacho recorrido: Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 22.01.2019, o arguido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova. O período de suspensão da execução da pena já decorreu. Do certificado de registo criminal do arguido não constam condenações por factos praticados no período em causa, nem são conhecidos processos contra si pendentes por ilícitos cometidos nesse lapso temporal. Contudo, de acordo com informação prestada pela DGRSP, o arguido após a elaboração do plano de reinserção social não mais respondeu às convocatórias enviadas, inviabilizando assim a sua execução. É desconhecido o paradeiro do arguido, o que inviabiliza a sua audição. O comportamento do arguido revela absoluto desprezo pelo Tribunal e indiferença perante a pena que lhe foi aplicada, pelo desfecho dos autos e pela sua integração, o que em nosso entender demonstra que as finalidades que estavam na base da suspensão não estão a ser alcançadas. Pelo exposto, revogava-se a suspensão da execução da pena de prisão nos termos do artigo 56°, n.º 1 e 2, do Código Penal e vai cumprir a pena de 14 (catorze) meses de prisão. Notifique.(…)
* Após trânsito, emita mandados de condução ao estabelecimento prisional.
Nestes termos e decidindo diremos:
Estabelece o art. 56.º do CP, sob a epígrafe de “Revogação da suspensão”:
«1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.»
E o art. 55.º dispõe:
«Se durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;
d)Prorrogar o período da suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50º.»
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-06-2009, «A regulação da revogação da suspensão da pena evoluiu entre a versão inicial do C.P. e a versão resultante da revisão de 1995.
Dispunha o nº. 1, do artigo 51º., da versão inicial que a suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometesse crime doloso por que viesse a ser punido com pena de prisão.
Na vigência desta norma, questionava-se se haveria lugar à revogação em caso de a nova condenação ser em pena não efectiva de prisão, nomeadamente se fosse em nova pena suspensa, divergindo a jurisprudência (a título de exemplo, podem ver-se o acórdão do TRL, de 22/10/1986, BMJ, 364, no sentido da não revogação 932 e, em sentido inverso, o acórdão de 28/02/1990, do TRC, CJ, XV, I, 300).
Sobre a questão, Figueiredo Dias pronunciou-se, no sentido de que, em caso de nova condenação em pena de prisão suspensa, não haveria lugar à revogação da anterior suspensão. Se o tribunal da segunda condenação emite um novo e renovado juízo de prognose favorável de socialização do arguido em liberdade, apesar da primeira condenação, seria incoerente que fosse decretada a revogação da primeira suspensão.
Argumenta ainda que o texto da norma, ao prever a revogação quando aplicada pena de prisão, apenas a esta se refere e não à pena de diferente natureza que é a pena de suspensão de execução da prisão.
Era aceite como solução legalmente consagrada a automaticidade da revogação em caso de nova condenação. Porém, criticava-se o acerto dessa perceptividade.
Figueiredo Dias, ensinava: "Um caso há, todavia (art. 51.0-1), em que a revogação é obrigatória: quando, durante o período de suspensão, «o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão». Nesta hipótese, perde-se completamente a correlacionação entre o incumprimento e o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do delinquente, sendo, pois, a adopção pela lei de uma revogação automática profundamente criticável do ponto de vista político-criminal; e tanto mais quanto também ela pode vir a ter lugar depois de decorrido o período de suspensão (infra § 548 s.1. Correcto seria que, qualquer que houvesse sido a natureza do incumprimento culposo das condições de suspensão, esta só fosse revogada se um tal incumprimento revelasse que as finalidades que estavam na base da suspensão já não poderiam, por meio desta, ser alcançadas; ou, dito por outra forma, se nascesse dali a convicção de que um tal incumprimento infirmou o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade".
A versão revista do Código Penal reflectiu esse ensinamento crítico doutrinário e procurou resolver a aludida dúvida jurisprudencial.
Nos trabalhos de revisão, assentou-se na consagração de uma solução de não automatismo da revogação e na necessidade de a condenação fundamento da revogação ser reveladora da impossibilidade de a suspensão cumprir as suas finalidades.
Na discussão do art. 54º do anteprojecto de 1987 (correspondente ao artº 51 do CPP 1982 e ao artº 56º do projecto e do CP revisto) estes problemas foram abordados, deles resultando a versão actualmente vigente.
Nessa discussão, Figueiredo Dias realçou a natureza não cumulativa das previsões, ao referir que a parte final da alínea b) estabelecia uma condição comum às duas alíneas.»
Dúvidas não parecem remanescer, portanto, de que deste preceito resulta o não automatismo da revogação da suspensão da execução da pena, exigindo-se que, para além do cometimento de um novo crime ou da violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social, se conclua que as finalidades almejadas com a suspensão da execução da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Os casos de incumprimento culposo das condições da suspensão determinarão a aplicação do regime do art. 55.º do CP.
Essa necessária indagação deverá ser feita dando-se ao condenado a possibilidade de expor as razões que estiveram na base, designadamente, da sua nova actuação criminosa, impondo-se, por isso, ao tribunal o dever de audição do condenado antes de proferir decisão sobre a revogação da suspensão da execução da pena, a fim de, ponderadas as razões expostas por este para o desrespeito daquelas determinações, poder concluir se a possibilidade de atingir as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena ficou irremediavelmente comprometida.
Só assim poderá ser salvaguardado o direito de audiência do arguido consagrado no art. 32.º, n.º 8, da CRP e vertido, na lei processual penal, no art. 61.º, n.º 1, al. b), do CPP, bem como o princípio do contraditório.
Na verdade, uma vez que, como ensina Figueiredo Dias, «a suspensão da execução da pena de prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição», a revogação da suspensão da execução da pena acaba por consistir na aplicação de uma outra pena, conquanto já determinada: a pena de prisão.
Por isso, porque a revogação contende com a liberdade do arguido, atingindo-o na sua esfera jurídica, a mesma terá de processar-se em conformidade com os princípios que enformam o processo penal, designadamente aqueles que merecem consagração constitucional, como é o caso do consignado no art. 32.º, n.º 1, da CRP, segundo o qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa (vide Ac TRL no Processo n.º 1084/11.1PBBRR-B.L1, não publicado).
Uma dessas garantias de defesa consubstancia-se na observância do direito de audiência, que implica que a declaração do caso penal concreto não seja apenas tarefa do juiz ou do tribunal (concepção “carismática” do processo), mas tenha de ser tarefa de todos os que participam no processo (concepção democrática do processo) e se encontrem na situação de influir naquela declaração de direito, de acordo com a posição e funções processuais de cada um.
E o princípio do contraditório tem consagração formal no art. 32.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório».
Resumindo, são dois os fundamentos da revogação da suspensão da pena: o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostos ou do plano de reinserção social ou/e o cometimento de crime e respectiva condenação.
O despacho recorrido suporta-se na verdade num desses fundamentos ( uma vez que o arguido não cometeu após esta condenação nenhum outro crime), ou seja numa violação grosseira dos seus deveres, sendo desconhecido o seu paradeiro, logo, e tendo prestado TIR, não ter comunicado no prazo de 5 dias a alteração da sua morada.
O condenado infringe grosseiramente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social quando, culposamente, os não observa.
Mas a culpa aqui necessária, contrariamente à pressuposta no art. 55º do C. Penal, exige um grau qualificado.
Não é requerido, no entanto, um incumprimento doloso, bastando para a revogação que da conduta provada resulte um modo de agir do condenado especialmente reprovável e portanto, uma conduta onde a falta de cuidado, a imprevidência assume uma intensidade particularmente elevada.
Trata-se, na verdade, de um conceito próximo da culpa grave, portanto, aquela que só é suscetível de ser actuada por uma pessoa particularmente descuidada ou negligente.
O certo é que o ora recorrente após ter sido notificado da sentença , e tendo recorrido da decisão final, decisão essa que foi decidida por este Tribunal da Relação de Lisboa e de ter, depois comparecido junto da entidade competente para elaboração do regime de prova/plano (que foi elaborado), “desapareceu”, sendo desconhecido o seu paradeiro, não que sem antes e em contacto telefónico da DGRSP com o mesmo com vista ao cumprimento do plano, o arguido ter sido agressivo ( vide folhas 171 e tal em 13 de Setembro de 2019) e nunca ter comparecido às entrevistas uma vez que não foi possível notificar o mesmo face a se desconhecer o seu paradeiro.
O Tribunal “a quo” procedeu a todas as tentativas para proceder à notificação do arguido para comparecer às entrevistas da DGRSP, todas elas goradas, pois o arguido não tinha paradeiro conhecido.
O arguido prestou TIR, mas o certo é que pese as obrigações que dele decorrem, este tendo mudado, ao que parece várias vezes de residência, optou por não informar o Tribunal “ a quo”.
O princípio Jurídico “ad impossibilita nemo tenetur” significa que “ninguém é obrigado a fazer coisas impossíveis”, ou seja se o conteúdo de uma obrigação se tornar objectivamente impossível de cumprir para quem se encontra sujeito ao seu cumprimento se verifica uma situação de impossibilidade objectiva, salvo se o obrigado se tiver conscientemente colocado na condução de tornar impossível o seu cumprimento.
O arguido foca-se no presente recurso no facto de não ter sido notificado para os efeitos do disposto no artº 495º nº 2 do CPP e da nulidade dai decorrente.
Será que lhe assiste razão?
Tendo em mente que era desconhecido o paradeiro do arguido esta notificação, e conforme é referido no despacho recorrido seria inútil, e tal conclusão é fácil de compreender, pois se o arguido está em parte incerta e não comunica a sua nova morada, tal inviabiliza qualquer notificação que lhe possa ser feita.
De notar porém, que tendo defensor este foi notificado só do despacho recorrido, nunca tendo vindo informar aos autos do actual paradeiro do arguido, porventura por também o desconhecer, mas nunca o tendo sido previamente nomeadamente da promoção do MºPº quando este promoveu a revogação da suspensão da pena Então sendo a morada constante do TIR e as obrigações dele decorrentes válidas até à extinção da pena (vde Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J nº 6/2010 de 15.4.2010) a notificação do condenado para efeitos de ser ouvido nos termos do artº 495º/2 do C.P.P tanto pode assumir a via do contacto pessoal como a via postal registada por meio de carta ou aviso registado ou mesmo a via postal simples por meio de carta ou aviso para a morada do TIR (artº 113º/1/b), b) e d) do C.P.P).
Se o condenado obstar à sua notificação, por ter alterado a morada constante do TIR sem avisar o Tribunal ou estando notificado na morada constante do TIR, faltar injustificadamente à diligência marcada para a sua audição nos termos e para os efeitos do artº 495º/2 do C.P.P, tem-se por cumprido esse dever com a audição do seu defensor ou com a notificação do mesmo para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da pena de substituição que estiver em causa.»
Ora não se sabia do paradeiro do arguido, esta notificação do arguido nunca foi sequer gizada pelo Tribunal “ a quo”, tendo revogado a execução da suspensão da pena como supra já se fez referência.
Neste caso a jurisprudência dos tribunais superiores é unâmine a infirmar que a observância do principio do contraditório é satisfeita com a notificação do defensor do arguido para se pronunciar sobre a questão, e vide, na verdade, como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 14/09/16 (in www.dgsi.pt/jtrc), “O art.º 495.° n.°2 do CPP, determina que o condenado seja ouvido quando esteja em causa o incumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações. Mas sob pena de paralisação do processo, esta audição só é indispensável quando o condenado seja encontrado.”
No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 06/07/16 (in www.dsgs.pt/jirc), onde se diz que “Antes de ser proferido o despacho de revogação, o tribunal assegurou os direitos de defesa do arguido e do contraditório, notificando-o para comparecer e notificando o defensor para se pronunciar. O arguido não pode assim fundamentar a falta de cumprimento do art. 495. nº2, aplicável ex vi o art. 498. n°3 do CPP, por ter sido ele quem tornou impossível o seu cumprimento, com as ausências injustificadas para início do PTFC e para declarações em tribunal (...) por se ausentar da residência, com paradeiro desconhecido.”
Vide o Ac. TRE de 12-07-2012, se bem que sob outro tema mas conexo com este quanto aos seus efeitos :1. O art. 495.º, nº2 do Código de Processo Penal impõe a audição obrigatória e presencial do arguido, sendo ilegal a decisão de revogação da pena de trabalho a favor da comunidade não precedida de contraditório (art. 498.º, nº 3 do Código de Processo Penal).
2. Nos casos de impossibilidade de localização do arguido, e uma vez esgotadas as diligências adequadas e possíveis a obter a comparência perante o juiz, pode o contraditório ser assegurado na expressão mínima de audição através do defensor.
3.A preterição da audição presencial do arguido, sendo ela possível, integra a nulidade do art. 119.º, al. c) do Código de Processo Penal; mostrando-se aquela inviável, a preterição da audição através do defensor, integra a irregularidade do art. 123..º do Código de Processo Penal.
Também a Relação de Évora, em Acórdão de 12/07/12, afirma: “No caso, e da leitura que fazemos do art. 495 nº2 do CPP, o direito de audiência concorre com o direito de presença, ou seja, a garantia do contraditório implica a audição presencial do arguido. É certo que desta garantia do contraditório na modalidade de direito de presença não decorre a inviabilização de decisão na falta do arguido, ou seja, na impossibilidade de o fazer comparecer perante o juiz o que, no limite, colocaria a decisão judicial na disponibilidade deste, ou, pelo menos, a possibilidade de poder retardar intoleravelmente o processo.
(…)
Mas a inviabilização da audição presencial - por comportamento imputável ao próprio arguido - não contagia nem compromete o exercício do contraditório na vertente de direito de audiência.
Ou seja, exigindo a lei que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial - vendo, ouvindo e intercomunicando directamente - frustrada aquela, é ainda possível garanti-lo na sua expressão mínima - audição no processo através do defensor (o defensor exerce no processo os direitos que a lei reconhece ao arguido - art. ° 63. n.°1 do CPP).
Assim, envidados todos os esforços necessários à audição presencial do condenado, o contraditório imposto pelo citado art. 495º, nº2 do CPP, ter-se-á por cumprido com a notificação do seu defensor. ( vide também e neste sentido o Ac. TRP de 9-09-2015 in www. dgsi.pt)
A jurisprudência tem decidido massivamente que o contraditório imposto pelo citado art. 495º, nº2 do CPP, ter-se-á por cumprido com a notificação do defensor do arguido.
A título de exemplo, no sumário do Acórdão da RE de 12-07-2012 e AC TRC 25-09-2019, pode ler-se: «1. O art. 495.º, nº2 do C. P. Penal impõe a audição obrigatória e presencial do arguido, sendo ilegal a decisão de revogação da pena de trabalho a favor da comunidade não precedida de contraditório (art. 498.º, nº 3 do C. P. Penal). 2. Nos casos de impossibilidade de localização do arguido, e uma vez esgotadas as diligências adequadas e possíveis a obter a comparência perante o juiz, pode o contraditório ser assegurado na expressão mínima de audição através do defensor. 3. A preterição da audição presencial do arguido, sendo ela possível, integra a nulidade do art. 119.º, al. c) do C. P. Penal;
Na situação dos autos, onde o arguido se colocou na situação de impossibilidade da sua audição presencial, ausentando-se da morada indicada no TIR prestado no processo, sem cuidar, como era seu dever, de fornecer ao tribunal a sua nova morada.
Igualmente de salientar que o Tribunal recorrido nem sequer designou data para a audição do arguido nos termos do artº 495º nº 2 do CPP, que estabelece o seguinte:
-(…)
«Artigo 495.º
1– (…)
2– O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.
3– (…)
4– (…).»
Uma não audição presencial do arguido, como obriga o nº2 do artº 495 do CPP, é assim devida, única e exclusivamente, a si próprio, e não a qualquer inoperância, ineficácia ou incumprimento de regras por parte do tribunal que, ao invés, fez tudo o que estava ao seu alcance para notificar o ora recorrente para a sua tomada de declarações, tendo até tentado apurar novas moradas onde aquele pudesse residir.
É certo que a audição do condenado é obrigatória, como estipula o referenciado comando legal, mas na esteira dos arestos citados, sob pena de paralisação intolerável do processo, essa audição só é indispensável quando o condenado seja encontrado, não podendo por isso o arguido fundar uma hipotética nulidade pela sua não audição depois de ter sido ele próprio a tornar impossível a realização da mesma, ausentando-se, sem justificação, da morada indicada nos autos, e colocando-se numa situação de paradeiro desconhecido, não sendo possível apurar a sua nova morada.
Nesses casos, como é o presente, a observância do principio do contraditório previamente exigida para a revogação suspensão da pena seria satisfeita com a notificação do defensor do arguido para se pronunciar sobre a questão.
No entanto no caso dos autos tal diligência foi omitida, como sucedeu na situação sub judice, em que o defensor do arguido não foi notificado da promoção do MP no sentido daquela revogação e do cumprimento efectivo da pena de prisão.
Assim sendo, o tribunal a quo no seu procedimento, omitiu, previamente à decisão de revogar a pena, a notificação do defensor do arguido.
Neste caso a nossa jurisprudência é praticamente unânime em associar tal falta a uma nulidade como fomos deixando supra expresso, pois os mínimos não foram cumpridos quanto ao contraditório com a notificação do defensor do arguido, o qual só vem a ser notificado da decisão da revogação da suspensão da pena.
Em suma:
O tribunal não designou qualquer data com vista à audição pessoal do condenado, e também da audição de técnico, pois foi elaborado um plano de reinserção social, como se pode bem constatar a folhas 160 a 162 dos autos.
Nos termos da lei, nada obstava a que fosse designada data e hora para essa audição, procedendo-se à notificação do condenado por via postal como era facultado pelo termo de identidade e residência prestado, o que não ocorreu.
Não há dúvida de que o artigo 495.º, n.º2, impõe o exercício do contraditório, constitucionalmente tutelado no artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa, e que esse contraditório, em casos em que não seja possível obter a comparência do condenado para a audição pessoal aí prevista, pode ser exercido na sua expressão mínima de audição através do defensor, a quem deve ser dada a oportunidade de, em momento prévio ao despacho de revogação, se pronunciar quanto à promoção do Ministério Público.
Ou seja, exigindo a lei que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada aquela é ainda possível garanti-lo na sua expressão mínima – audição no processo através de defensor (“o defensor exerce no processo os direitos que a lei reconhece ao arguido” – artigo 63.º, n.º1, do C.P.P.).
Ocorre que tal não aconteceu nos presentes autos, pois nunca foi designado dia para a audição presencial do condenado e também o defensor deste não foi notificado da promoção do Ministério Público datada de 21.11.2020.
Entendemos assim que o despacho recorrido não foi antecedido do exercício do contraditório, pois a decisão judicial de revogação da suspensão veio a ser proferida após promoção do Ministério Público nesse sentido, da qual não foi dado conhecimento ao condenado, fosse em audição presencial, fosse através da sua defensora, para que tivesse a possibilidade de sobre ela se pronunciar.
Logo, não tendo sido designado dia para a audição do condenado, nos termos do artigo 495.º, n.º2, e não tendo sido sequer notificada o seu defensor para exercer o contraditório em relação à promoção do Ministério Público no sentido da revogação da suspensão, ocorreu uma nulidade insanável, por preterição do contraditório, nos termos do artigo 119.º, al. c), do C.P.P., que torna insanavelmente nulo o despacho recorrido que revogou a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 122.º, n.º 1, do C.P.P.).
Concluindo, utilizando mormente diferente fundamentação do recurso apresentado pelo arguido, se conclui pelo provimento do recurso do recorrente.
De facto a doutrina e jurisprudência maioritárias acolhem o entendimento de que, previamente à decisão sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, impõe-se, como regra, a obrigatoriedade da audição pessoal e presencial do arguido/condenado e que a preterição dessa audição, integrará a nulidade insanável prevista na al. c) do artigo 119º do CPP.
Porém, em situações em que não seja possível proceder àquela audição, por razões que sejam imputáveis ao arguido/condenado (v.g. porque faltou injustificadamente à diligência marcada, porque se ausentou da morada constante do TIR, não sendo conhecida a sua nova morada/ caso dos autos, etc.), e não tendo o tribunal diligenciado para que essa audição tivesse lugar, e não tendo sido o defensor do arguido/condenado notificado, para poder pronunciar-se sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não pode considerar-se assegurado, «na sua expressão mínima», o princípio do contraditório, enfermando assim a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, proferida, nesse circunstancialismo, da nulidade prevista no artigo 119º, al. c), do CPP( AC TRE 21-05-2019 e AC TRL de 27.11.2018, o qual seguimos de perto, ambos in www.dgsi.pt), o que se declara, julgando-se, se bem com outros fundamentos, provido o recurso apresentado pelo arguido.
DISPOSITIVO
1º Nestes termos julga-se provido o recurso, anulando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que determine a omitida notificação do recorrente nos termos legais para se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público e designe dia para a audição prevista no artigo 495.º, n.º2, do C.P.P.
2.º Não são devidas custas.
3º Notifique-se, nos termos legais e diligências legais.
Lisboa, 16 de Setembro de 2021 (elaborado em computador e integralmente revisto pela Juíza Desembargadora signatária nos termos do disposto no artº 94º nº 2 do C.P.P.)