A lei de processo é, por princípio, de aplicação imediata, ou seja, aplica-se às ações pendentes. Com mais rigor se dirá que se aplica aos atos futuros, ainda que praticados em ações pendentes, uma vez que aplicação imediata não é consabidamente sinónimo de aplicação retroativa.
Com efeito, a ideia, proclamada no art.º 12.º do CC, de que a lei dispõe para o futuro significará, na área do direito processual, que a nova lei se aplica às ações futuras e também aos atos futuramente praticados nas ações pendentes
Em consequência ordenou o envio dos autos àquela Magistrada para se pronunciar acerca da instauração ou não de execução por custas.
Inconformada com o assim decidido traz a Magistrada do Ministério Público o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido em 21.10.2020 no âmbito do processo nº. 4/17. 4PBELV a correr termos junto do Juízo Local Criminal de Elvas
2. No referido douto despacho foram violadas normas jurídicas substantivas e processuais, a saber, o artº. 9º nºs. 1, 2 e 3 do C. Civil; o artº. 35º nºs. 1e2 do Regulamento das Custas Processuais e o artº. 11º da Lei nº. 27/2018 de 28 de Março;
3. Com efeito, existindo custas em dívida a Juízo, foi promovido pelo Ministério Público que fosse dado cumprimento ao estatuído no artº. 35º nºs. 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais;
4. Tal promoção do Ministério Público foi indeferida com o fundamento de se entender que, pelo facto da guia para pagamento das custas ter sido emitida em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 27/2018 de 28 de Março, para a eventual ação executiva a propor não tinha competência a Autoridade Tributária, como resulta da atual redação do referido artº. 35º do Regulamento das Custas Processuais, mas sim, o Ministério Público, como resultava da anterior redação do mesmo, isto porque, o artº. 11º da referida Lei, que introduziu tal alteração, prevê que a mesma apenas tem aplicação às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.
5. Tal interpretação viola o disposto no artº. 9º nºs. 1, 2 e 3 do C. Civil.
6. Com efeito, tal interpretação não tem o mínimo de correspondência com a letra da Lei, a qual nada refere no que respeita à data de emissão do título executivo que serve de base à execução, mas à data de início da execução propriamente dita, a qual, só iria ter início, após a entrada em vigor da referida da Lei nº. 27/2018 de 28 de Março, (uma vez que ainda não se iniciou), pelo que, é já da competência da Autoridade Tributária.
7. Também os elementos histórico, sistemático e lógico afastam tal interpretação, uma vez que a ratio e occasio legis da alteração legislativa prendeu-se, entre outros fatores, com a obtenção de uma maior eficácia na cobrança efetiva das dívidas por custas e multas processuais, por um lado, e, por outro, na libertação dos Magistrados do Ministério Público para outras funções de maior complexidade e utilidade prática, com o reforço da credibilização da Justiça.
8. Pelo exposto, deverá ser revogado o douto despacho recorrido, sendo o mesmo substituído por outro que acolha a promoção do Ministério Público de 25.09.2020.
Não teve lugar resposta ao recurso por parte do arguido, apesar de devidamente notificado para o efeito.
Nesta Instância, o Sr. Procurador Geral-Adjunto emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
É do seguinte teor o despacho recorrido:
Veio a Digna Magistrada do Ministério Público promover que seja dado cumprimento ao disposto no artigo 35.º n.ºs 1 e 2 do RCP.
Ora, compulsado o teor da guia não paga (€ 552,00), verifico que a mesma foi emitida em 10/12/2018, tendo como data limite de pagamento o dia 07/01/2019, cfr. ref.ª 29117760 e 30318391.
À data em que a guia foi emitida e não paga, encontrava-se em vigor o artigo 35.º n.º 1 do RCP, na redação conferida pela que preceituava que “Não tendo sido possível obter-se o pagamento das custas, multas e outras quantias cobradas de acordo com os artigos anteriores, é entregue certidão da liquidação da conta de custas ao Ministério Público, para efeitos executivos, quando se conclua pela existência de bens penhoráveis.”
A nova redação do artigo 35.º do RCP que atribui à AT competência para promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial decorre da Lei n.º 27/2019, de 28 de março.
Tal lei entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, sendo que a mesma se aplica apenas às execuções iniciadas a partir dessa data, cfr. artigo 11.º.
Assim, o Tribunal entende que, sendo a conta de custas anterior à entrada em vigor da nova redação do artigo 35.º do RCP, continua a ser do Ministério Público a competência para instaurar execução por custas.
Pelo exposto, vão os autos à Digna Magistrada do Ministério Público para se pronunciar acerca da instauração ou não de execução por custas.
Como sabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.
Com o presente recurso pretende-se apurar do acerto, ou não, do decidido pela M.ma Juiz ao afirmar a competência do MP para promover a execução por dívida de custas.
Para tanto, importa fazer intervir o disposto na Lei n.º 27/2019, de 28.03, a qual procedeu à aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial, como se diz no seu art.º 1.º, n.º 1.
Procedendo-se, entre o mais, à alteração ao Regulamento das Custas Processuais, conforme decorre do seu art.º 5.º, nomeadamente o seu art.º 35.º. Inciso normativo que, para o que ora importa, passou a dispôr no seu n.º 1 que compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.
E no seu n.º 2 que cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas.
Importando, ainda, ter em linha de conta o disposto no art.º 10.º, da predita Lei, em que foi revogado, entre outros, o art.º 57.º, do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
Inciso normativo que, sob a epígrafe de legitimidade do Ministério Público como exequente, referia que competia ao Ministério Público promover a execução por custas e multas judiciais impostas em qualquer processo.
A razão de ser de alteração é nos dada pela Proposta de Lei n.º 149/XIII – que esteve na base da Lei n.º 27/2019, de 28.03 –, onde na sua exposição de motivos se dá nota de ser pacífica e corrente a utilização do processo de execução fiscal para a cobrança de custas judiciais no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.
E que dada a natureza tributária destas dívidas, e o balanço francamente positivo da utilização do processo de execução fiscal para a cobrança de custas judiciais no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal preconizam, assim, o repensar do processo de execução por custas na jurisdição dos tribunais judiciais, numa lógica de coerência e unidade do sistema jurídico.
Para lá de que a transferência para a Administração Tributária e Aduaneira das cobranças de créditos de custas judiciais dos tribunais comuns, à semelhança do que já se verifica nos tribunais administrativos e fiscais, não causando impacto relevante nos serviços da administração tributária, permitirá direcionar a atividade dos oficiais de justiça para a tramitação dos processos executivos, reforçando de forma substancial os meios humanos nos juízos de execução, desta forma contribuindo para a diminuição da pendência.
Que a competência para a execução por custas, com a predita Lei n.º 27/2019, de 28.03, deixou de estar na esfera do MP e passou para a esfera da administração tributária não suscita qualquer dissensão entre os aqui intervenientes processuais.
Depois, importa ter em linha de conta o disposto no art.º 11.º, da predita Lei que versa sobre a sua entrada em vigor. Aí se diz que a presente Lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data.
Tendo a Lei sido publicada a 28 de Março 2019, a mesma entrou em vigor a 27 de Abril de 2019.
Importando, de seguida, definir qual o âmbito de aplicação da Lei – este o pomo de discórdia nos presentes autos.
Para tanto, importa fazer intervir o que se diz no art.º 12.º, do Cód. Civ., sob a epígrafe de aplicação das leis no tempo.
Onde se diz no seu n.º 1, que a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Como se vem entendendo, por regra, uma lei processual como aquela que está em causa é de aplicação imediata, tendo aplicação às ações pendentes.
Como decorre do ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, a lei nova aplica-se imediatamente aos actos que houverem de praticar-se a partir do momento em que ela entra em vigor; quanto aos actos já praticados à sombra da lei antiga, subsiste o império desta lei. (1)
Ou como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio de Nora, a ideia, proclamada neste artigo (art.º 12.º do CC), de que a lei dispõe para o futuro significará, na área do direito processual, que a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuramente praticados nas acções pendentes. (2)
Veja-se, ainda, o Acórdão do STJ, de 3.07.2014, no Processo n.º 378/1993.P1. S1, onde se mencionou que a lei de processo é, por princípio, de aplicação imediata; ou seja, aplica-se às acções pendentes. Com mais rigor se dirá que se aplica aos actos futuros, ainda que praticados em acções pendentes, uma vez que aplicação imediata não é consabidamente sinónimo de aplicação retroactiva.
No caso concreto não se discute que a dívida de custas decorreu e culminou o seu apuramento na vigência da Lei Velha.
Porém, não está em causa o apuramento da dívida, antes a sua execução. E a predita execução só poderá ter-se em vias de se iniciar, quando for remetida certidão bastante aos serviços competentes para o efeito.
O que tal ocorre quando o MP promove a 25.09.2020 se desse dê cumprimento ao disposto no art.º 35º nºs. 1 e 2, do RCP (na redacção dada pela Lei n.º 27/2019, de 28.03).
A predita Lei já está, então, em vigor, competindo, pois, à administração tributária receber pertinente certidão e iniciar pertinente execução por custas e não ao MP, como refere a M.ma Juiz a quo.
Sem necessidade de outras delongas ou considerandos, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que ordene a remessa de pertinente certidão à administração tributária para proceder à execução da dívida de custas.
Termos são em que Acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, se revoga o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que ordene a remessa de pertinente certidão à administração tributária para proceder à execução da dívida de custas.
Sem custas, por não devidas.
(texto elaborado e revisto pelo relator).
Consigna-se que o presente Aresto tem voto de conformidade da Sra. Desembargadora
Fernanda Palma.
----------------------------------------------------------------------------------------1 Ver, Jurisprudência crítica sobre o processo civil, in RLJ Ano 81.º, p. 202.
2 Ver, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª Edição, página 49