CASO JULGADO
TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
TRANSMISSÃO DA FRACÇÃO
QUOTAS
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
Sumário

I) Conforme decorre do artigo 628.º do CPC, ocorre o trânsito em julgado quando uma decisão é já insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz na impossibilidade de a decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
II) De acordo com o critério da eficácia, distingue-se entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1, do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º do CPC.
III) De harmonia com o previsto no atual n.º 6 do artigo 732.º do CPC, a sentença que julgue procedentes os embargos com base em factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda ou com fundamento em inexigibilidade dessa obrigação faz caso julgado material, em desvio à regra do art. 91.º, n.º 2; mas, a sentença de procedência dos embargos que assente na inexequibilidade do título, na incerteza ou na iliquidez da obrigação exequenda faz apenas caso julgado formal, não impedindo que seja instaurada nova ação executiva em que tais condições venham a ser satisfeitas.
IV) A existência de título executivo é um pressuposto processual específico da acção executiva (artigos 10.º, n.º 5, 703.º, 726.º, n.º 2, alínea a), e 734.º, n.º 1, do CPC), pelo que, a decisão transitada que julga que um determinado documento não reúne os requisitos legais para valer como título executivo apenas é obrigatória dentro do processo onde foi proferida, impedindo que acerca da mesma questão se profira nele diferente decisão.
V) Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, título executivo é apenas a acta que contenha a deliberação dos montantes e prazos em que os condóminos devem pagar as contribuições devidas ao condomínio, que é o acto jurídico donde emerge a respectiva obrigação de pagamento.
VI) Subjacente à exigência de que a acta contenha a deliberação dos montantes e prazos de pagamento das contribuições devidas ao condomínio estão razões de segurança jurídica quanto à constituição e delimitação do conteúdo da obrigação exequenda e sua exigibilidade, de modo a assegurar o recurso direcionado e circunscrito à tutela jurisdicional executiva.
VII) O indeferimento liminar do requerimento executivo deve ser reservado para situações em que, sem outras indagações, se verifiquem falhas nos pressupostos processuais ou nas condições de natureza substantiva que impeçam o início da atividade executiva, como a invocação de um título a que reconhecidamente não seja atribuída exequibilidade ou em que esta dependa de elementos que não estão verificados (não se vislumbrando que possam ser obtidos por via de um convite ao aperfeiçoamento).
VIII) Destas situações distingue-se aquela em que, existindo, embora, título executivo, o mesmo, por impossibilidade temporária ou pura omissão, não foi apresentado; neste caso, em lugar do indeferimento liminar, ajusta-se o despacho de convite ao aperfeiçoamento, eventualmente seguido de indeferimento, se persistir a falta do documento.
IX) Decorre do artigo 1438.º-A do CC que vários prédios constituídos em propriedade horizontal podem estar unidos sob um único condomínio.
X) Para que tal suceda e não exigindo a lei as especificações impostas no artigo 1418° do CC, já expressas nos títulos constitutivos respectivos dos edifícios contíguos e visando o artigo 1438°-A do CC a agilização da administração restringida a questões, despesas e receitas próprias, não se vê obstáculo à existência do condomínio previsto no artigo 1438°-A mediante deliberação aprovada pelos condóminos.
XI) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1434.º do CC, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, aplicáveis ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio.
XII) Dispõe o n.º 1 do artigo 6.º do D.L. n.º 268/94, de 25 de outubro – na linha do previsto no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 40333, de 14-10-1955, que estabeleceu o regime jurídico da propriedade horizontal, onde se previa que a acta da sessão que tivesse deliberado quaisquer despesas constituía título executivo, nos termos do artigo 46.º do Código de Processo Civil, contra o proprietário que deixasse de entregar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, à qual acresceriam juros legais de mora - que, a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado “o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
XIII) A ata da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado a aplicação e o montante dessas penas, constitui título executivo contra o proprietário em mora, nos termos do disposto no artigo 6.º do DL 268/94, de 25 de outubro.
XIV) As obrigações contidas no disposto no artigo 1424.º, n.º 1, do Código Civil são obrigações “propter rem” (inerente à coisa em si e não à pessoa do seu proprietário).
XV) O proprietário que deixou de pagar no prazo estabelecido, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 6.º do D.L. n.º 268/94, de 25 de outubro, é aquele que deveria ter pago em devida altura, ou seja, aquele que se considera devedor no momento em que a obrigação se venceu.
XVI) A obrigação de pagamento das despesas de condomínio, correspondentes a prestações ordinárias e de vencimento periódico, destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar o normal funcionamento do condomínio, não se deve, em regra, transmitir-se para o novo adquirente de determinada fracção, não sendo justo onerar o novo proprietário com uma despesa que teve a sua origem na utilização de um bem – durante um período de tempo diverso – por outra pessoa (o anterior proprietário), que foi quem fruiu da fracção durante o período que originou as despesas em causa, pelo que deve ser dele a responsabilidade pelo seu pagamento.
XVII) Assim, em caso de transmissão de fração autónoma, a responsabilidade pelo pagamento de contribuições para o pagamento das despesas referidas em XVI) - e referentes a períodos temporais anteriores à transmissão – incumbe ao alienante da fração e, não, ao adquirente da mesma.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório:
*
Nos autos principais, em 16-12-2019, o exequente CONDOMÍNIO DO CENTRO COMERCIAL… deduziu contra os executados CJ e BJ, execução para pagamento de quantia certa, tendo invocado no respetivo requerimento inicial, nomeadamente, o seguinte:
“(…) TRIBUNAL COMPETENTE, TÍTULO EXECUTIVO E FACTOS (…)
Valor da Execução: 97 457,80 € (Noventa e Sete Mil Quatrocentos e Cinquenta e Sete Euros e Oitenta Cêntimos)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Execuções]
Título Executivo: Ata
Factos:
1 - Os Executados CJ e BJ são proprietários da fração autónoma designada pelas letras “AS”, correspondente à loja n.º 21 da fase “C” do centro comercial… , da fração autónoma designada pela letra “J”, correspondente à loja n.º 42 da fase “C” do centro comercial …, da fração autónoma designada pela letra “K”, correspondente à loja n.º 43 da fase “C” do centro comercial … e da fração autónoma designada pela letra “L”, correspondente à loja n.º 44 da fase “C” do mesmo centro comercial …, e foram proprietários, entre 2 de abril de 2007 e 27 de agosto de 2015, da fração autónoma designada pelas letras “AT”, correspondente à loja n.º 21a da fase “C” do centro comercial ….
2 - Em assembleia geral de condóminos realizada no dia 17 de abril de 2019, foi deliberado o montante das contribuições e despesas devidas ao condomínio Exequente, à data de 31 de dezembro de 2018.
3 - No montante aprovado consta o montante das contribuições e despesas devidas ao condomínio Exequente que deve ser suportado pelos ora Executados (cfr. págs. 8 e 9 da listagem anexa à ata da referida assembleia geral, que dela faz parte integrante).
4 - A dívida dos Executados CJ e BJ, à referida data de 31 de dezembro de 2018, totaliza € 71.943,56, correspondendo:
- à soma das quotizações de condomínio desde janeiro de 2014 a dezembro de 2018 (quotização ordinária e quotização para o fundo comum de reserva), respeitantes à loja n.º 21 da fase C, no total de € 12.410,88;
- à soma das quotizações de condomínio desde janeiro de 2014 a agosto de 2015 (quotização ordinária e quotização para o fundo comum de reserva), respeitantes à loja n.º 21a da fase C, no total de € 4.754,60;
- à soma das quotizações de condomínio desde janeiro de 2014 a dezembro de 2018 (quotização ordinária e quotização para o fundo comum de reserva), respeitantes à loja n.º 42 da fase C, no total de € 24.695,52;
- à soma das quotizações de condomínio desde janeiro de 2014 a dezembro de 2018 (quotização ordinária e quotização para o fundo comum de reserva), respeitantes à loja n.º 43 da fase C, no total de € 15.041,28;
- à soma das quotizações de condomínio desde janeiro de 2014 a dezembro de 2018 (quotização ordinária e quotização para o fundo comum de reserva), respeitantes à loja n.º 44 da fase C, no total de € 15.041,28.
5 - A ata n.º 94, extraída da aludida assembleia geral, quantifica, como se referiu, as responsabilidades dos Executados e identifica a respetiva proveniência. – Documento n.º 1
6 - Está assim vencida e não paga a obrigação dos Executados, no valor de € 71.943,56.
7 - Aos valores em dívida acrescem juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, contados das datas de vencimento, até integral pagamento.
8 - Nos termos do disposto no artigo 16.º do Regulamento do Condomínio, que integra a Ata n.º 93 que se junta como documento n.º 2, acresce ainda uma taxa de 10% ao ano, a título de cláusula penal.
9 - Importa desde já evidenciar ao tribunal que em ação executiva respeitante às quotas vencidas e não pagas até dezembro de 2013, o tribunal entendeu que não existia título executivo (Processo n.º 5119/…T8SNT).
10 - Pretende-se saber se se verifica o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a exceção de caso julgado (exceptio rei judicatae): a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
11 - Há, no caso, identidade de sujeitos, pois os executados e o exequente no processo n.º 5119/…T8SNT são os executados e o exequente na presente ação.
12 - Mas a causa de pedir na ação executiva consubstancia-se na obrigação exequenda, que deve constar de documento com a idoneidade de título executivo, meio de prova legal da sua existência (artigo 703.º do Código de Processo Civil).
13 - E, manifestamente, não há identidade de causa de pedir, já que o exequente deu à execução um novo título, reclamando uma outra falta de pagamento e, consequentemente, uma alegada dívida vencida já após 31/12/2013, data das atas que serviram de base à primeira ação.
14 - Aquilo que a sentença do primeiro processo decidiu foi (na parte de decisão material, à qual se reportará um eventual caso julgado) que a atas então apresentadas não constituem título executivo.
15 - Poderia dizer-se que, para decidir sobre a existência de título executivo, o tribunal teve que apreciar a questão da legalidade e legitimidade do condomínio exequente, que, de algum modo e enquanto questão prejudicial, vão além da mera decisão proferida no processo n.º 5119/…T8SNT sobre a existência de título executivo no que respeita à atas que suportavam tal primeira ação.
16 - Em termos de enquadramento sobre a problemática da exceção de caso julgado quanto às questões prejudiciais, cita-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de março de 2014 (processo n.º 556/12.5TBTMR-A.C1):
“No que respeita ao alcance objectivo do caso julgado, a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga, conforme dispõe o art.º 621º do Novo C. P. Civil (art.º 673º do C. P. Civil de 1961).
Se ninguém põe em causa que o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão e que o seu sentido e alcance são determinados pela fundamentação da mesma, ficando definitivamente julgadas as questões principais que constituem o objecto do processo, tem-se discutido se o mesmo deve ocorrer, relativamente às questões prejudiciais e incidentais que o tribunal tem de resolver para obter a decisão do caso.
Se uma visão restritiva da amplitude do caso julgado deixa bastante a sangrar o interesse da certeza do direito e afecta de algum modo o prestígio da administração da justiça, a sua extensão às questões prejudiciais e incidentais significa ampliar a autoridade da decisão a consequências em que as partes podem não ter cogitado, ao formularem as suas pretensões ou ao organizarem a sua defesa.
O Código de Processo Civil de 1939, no § único, do art.º 660º, tomava posição neste dilema, dizendo que se consideravam resolvidas tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido. E nessa lógica, o art.º 96, b), do mesmo Código, após atribuir competência ao tribunal da causa, para julgar todos os seus incidentes e todas as questões que o Réu suscitasse como meio de defesa, atribuía força de caso julgado ao conhecimento da questão ou do incidente que implique o conhecimento do objecto da acção.
A Revisão do Código de Processo Civil de 1961 eliminou estes dois preceitos com a intenção declarada de não tocar no problema e deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à jurisprudência a sua solução caso a caso, mediante os conhecidos processos de integração da lei, pelo que não é possível retirar da actual redacção do art.º 91º, n.º 2, do Novo C. de Processo Civil - que reproduz o anterior 96.º, n.º 2, do C. Processo Civil de 1961 - qualquer orientação nesta matéria. Quando este artigo dispõe que a decisão das questões e incidentes não constitui caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude, está apenas a abranger aqueles incidentes e questões prejudiciais que não estão abrangidos pelo âmbito do caso julgado definido no art.º 621º do Novo Código de Processo Civil - que reproduz o art.º 673º do C. Processo Civil de 1961.
Necessário é determinar em cada caso quais são os termos em que uma determinada sentença julga, para os efeitos do referido art.º 621º do Novo Código de Processo Civil.
Da análise da doutrina e da jurisprudência sobre esta questão revela-se que não é conveniente adoptar um critério rígido sobre os limites do caso julgado quando às questões prejudiciais, sendo, contudo, possível afirmar que, se o caso julgado não deve abranger o pronunciamento sobre toda e qualquer questão debatida no percurso lógico que conduziu à decisão da acção, justifica-se que ele confira definitividade ao julgamento das questões prejudiciais quando estas se encontrem numa estreita interdependência com a decisão, de tal modo que, mesmo quando as partes não hajam formulado os correspondentes pedidos, provocando pronúncias formais em termos decisórios do tribunal, seja aconselhável impedir uma nova apreciação da mesma questão de modo a evitar uma incompatibilidade prática entre as duas decisões, o que deve ser verificado caso a caso.”
17 - Na doutrina, a obra fundamental sobre a matéria é ainda o exaustivo “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, de JOÃO DE CASTRO MENDES, Edições Ática, 1968.
18 - Sobre as questões prejudiciais, o referido autor (que distingue entre questões prejudiciais, questões incidentais e questões prévias), refere o seguinte (op.cit, págs. 200-201):
“A solução das questões prejudiciais só tem força de caso julgado na medida em que sejam necessárias para fundamentar lógico-juridicamente a decisão; o que equivale a dizer que a decisão das questões prejudiciais não recebe força de caso julgado, só a das fundamentais.
Se A, legatário, pedir a condenação de R, herdeiro, a entregar o objecto do legado, e a obtiver, transitando em julgado a sentença, as questões prejudiciais de saber se A é legatário e se R é herdeiro não ficam decididas definitivamente. Só o ficam a questão de saber se A é legatário para os únicos efeitos de poder exigir a entrega do objecto legado, e se R é herdeiro para os únicos efeitos de dever entregar o objecto do legado. Nesta medida, a qualidade de herdeiro e a de legatário são peças do condicionalismo de que procede a pretensão deduzida em juízo; são elementos da causa de pedir e as interrogações que sobre elas se façam são questões fundamentais e não prejudiciais.
Também se A pede, como proprietário de um prédio, a condenação de R, como proprietário de outro contíguo, a pagar 10 contos como contribuição nas despesas de demarcação dos dois prédios (art. 1353 do Código Civil), a condenação de R e o trânsito em julgado dela deixam indiscutíveis inter partes duas propriedades não simpliciter (para empregar termos da escolástica) mas apenas secundum quid – só na medida em que as propriedades são necessárias para fundamentar o direito a exigir, e o dever de prestar concurso para a demarcação das estremas entre prédios contíguos.”
19 - Transpondo esta lição para o caso dos autos, se o aqui exequente pedir, em sede executiva, que os aqui executados paguem uma determinada quantia, evidenciada na atas juntas com o requerimento executivo na ação n.º 5119/…8T8SNT, e tal ação for liminarmente rejeitada, transitando em julgado a sentença que confirma que aquelas atas não são título executivo, a questão prejudicial de saber se o aqui exequente é um verdadeiro condomínio não ficou decidida definitivamente.
20 - Só ficou decidida definitivamente a questão de saber se era um condomínio para os únicos efeitos de poder exigir o pagamento titulado por aquelas atas.
21 - Só nessa medida, e por relação àquelas atas, é que a questão foi resolvida.
22 - Surgindo uma nova obrigação e uma nova ata, é legítimo voltar a questionar a exequibilidade do título.
23 - E, neste âmbito, é relevante ter presente que a jurisprudência evoluiu e que a questão da legalidade e legitimidade do Condomínio exequente tende a tornar-se (felizmente e bem) pacífica [reconhecendo a força executiva das atas da assembleia geral do condomínio exequente, vd. Decisões do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de novembro de 2016 (proc. n.º 17482/13.3T2SNT.L1 - 6ª Secção), 21 de fevereiro de 2017 (proc. n.º 19704/12.9T2SNT.L1 - 7ª Secção), 2 de março de 2017 (proc. n.º 17483/13.3T2SNT.L1 - 8ª Secção), 14 de março de 2017 (proc. n.º 17479/13.3T2SNT.L1 - 1ª Secção), 25 de janeiro de 2018 (proc. n.º 18829/13.8T2SNT.L1 - 6ª Secção), e 4 de julho de 2019 (proc. n.º 15412/18.5T8SNT.L1 – 6ª Secção)]. Veja-se em especial, reflectindo toda a evolução jurisprudencial sobre a legalidade e legitimidade do Exequente, o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de dezembro de 2019 (proc. n.º 275/17.6T8AMD.L1 - 6ª Secção).
24 - Da ata junta como Documento n.º 2 consta a (re)eleição da atual administração do condomínio. (…)
O VALOR LÍQUIDO indicado corresponde ao valor das seguintes prestações de condomínio:
a) referentes à fração autónoma correspondente à loja 21 da fase C:
- quotizações (incluindo fundo comum de reserva) relativas aos meses de janeiro de 2014 a dezembro de 2018 (no valor unitário de 221,81 euros até dezembro de 2017, e 147,00 euros desde janeiro de 2018);
b) referentes à fração autónoma correspondente à loja 21a da fase C:
- quotizações (incluindo fundo comum de reserva) relativas aos meses de janeiro de 2014 a agosto de 2015 (no valor unitário de 237,73 euros);
c) referentes à fração autónoma correspondente à loja 42 da fase C:
- quotizações (incluindo fundo comum de reserva) relativas aos meses de janeiro de 2014 a dezembro de 2018 (no valor unitário de 413,49 euros até dezembro de 2017, e 404,00 euros desde janeiro de 2018);
d) referentes à fração autónoma correspondente à loja 43 da fase C:
- quotizações (incluindo fundo comum de reserva) relativas aos meses de janeiro de 2014 a dezembro de 2018 (no valor unitário de 253,61 euros até dezembro de 2017, e 239,00 euros desde janeiro de 2018);
e) referentes à fração autónoma correspondente à loja 44 da fase C:
- quotizações (incluindo fundo comum de reserva) relativas aos meses de janeiro de 2014 a dezembro de 2018 (no valor unitário de 253,61 euros até dezembro de 2017, e 239,00 euros desde janeiro de 2018).
No que respeita ao VALOR DEPENDENTE DE SIMPLES CÁLCULO ARITMÉTICO, obteve-se o valor de 8.287,57 euros a título de juros vencidos (aplicando-se a taxa legal supletiva, sucessivamente, desde o dia 9 de cada mês a que respeitariam os pagamentos, até ao presente, 09/12/2019).
Acresce ainda um valor de 17.226,67 euros, por aplicação do artigo 16.º do Regulamento do Condomínio que estabelece a imposição de uma taxa de juro de 10% ao ano, a título de cláusula penal.
No que respeita ao VALOR NÃO DEPENDENTE DE SIMPLES CÁLCULO ARITMÉTICO, deverão os Executados ser condenados a pagar todas as despesas do processo, nomeadamente a taxa de justiça, custas e procuradoria, incluindo despesas com agente de execução, por a elas terem dado causa.”.
Com o referido requerimento foi junta, entre outros documentos, a ata n.º 93, datada de 23-03-2018 e a ata n.º 94, datada de 17-04-2019.
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Em 09-01-2020 foi proferido naqueles autos o seguinte despacho:
“Sem prejuízo da apreciação da questão prévia da existência de caso julgado - que a exequente antecipou no requerimento executivo - deve esta juntar, em 10 dias, título constitutivo da propriedade horizontal e da acta que aprovou o regulamento interno do Centro Comercial …”.
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Por requerimento de 12-01-2020 o exequente veio pronunciar-se sobre o referido despacho dizendo, nomeadamente, que:
“O Condomínio exequente não tem correspondência com um prédio constituído em propriedade horizontal, antes correspondendo à parte comercial (funcionalmente ligada) de quatro prédios constituídos em propriedade horizontal, ou seja, encontra base legal no disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil.
Cita-se, por todos, o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de dezembro de 2019 (proc. n.º 275/17.6T8AMD.L1 - 6ª Secção), o mais aprofundado na análise e decisão da legalidade e legitimidade do Condomínio exequente:
“A propriedade horizontal vem prevista nos artigos 1414º e seguintes do CC, regulando as situações de edifícios cujas fracções independentes, distintas e isoladas entre si, possam pertencer a proprietários diferentes, que assim serão titulares do direito de propriedade sobre as respectivas fracções autónomas e comproprietários das partes comuns do prédio.
Com o DL 267/94 de 25/10 foi aditado ao CC, no final do capítulo que trata a propriedade horizontal, o artigo 1438º-A, que tem a seguinte redacção: “O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou de algumas unidades ou fracções que os compõem”.
Esta disposição legal veio permitir que, juntamente com o condomínio instituído em cada um dos edifícios contíguos, possa coexistir um outro condomínio, incidente sobre partes delimitadas desses edifícios que estejam funcionalmente ligadas entre si por partes comuns que sejam utilizadas para a mesma finalidade, sem prejuízo da coordenação entre ambos os condomínios.
Sobre este instituto tem havido posições divergentes, havendo correntes que entendem que a constituição deste condomínio de edifícios conjuntos terá de obedecer a todos os requisitos exigíveis para a constituição do condomínio, com todas as especificações impostas no artigo 1418º do CC, só assim assumindo uma natureza real oponível a todos, sendo insuficiente uma deliberação com a elaboração de um regulamento no centro comercial (cfr neste sentido ac. STJ 9/03/2004, p. 03A4204, 21/05/2009, p. 08B1734, ambos em www.dgsi.pt) e havendo entendimentos que consideram não ser necessárias tais especificações já existentes, bastando a sua aprovação por deliberação, tendo em atenção que, nos termos do artigo 1429-A do CC, os elementos a incluir num regulamento de condomínio não necessitam de constar no título constitutivo a que se refere o artigo 1418º e que as despesas a considerar neste condomínio de conjunto poderão ser relevantes e obrigatórias apenas para parte dos condóminos, de acordo com o disposto no artigo 1424º do mesmo código (neste sentido ac. STJ 16/10/2008 p. 08B3011, RL 25/01/2018, P. 18829/13 – este relativo ao centro comercial em questão nos presentes autos – 2/03/2017, p. 17483/13, RP 20/11/2015, p. 3361/09, 13/10/2012, p. 1859/11, todos em www.dgsi.pt).
Ficou provado que os quatro edifícios em causa têm zonas comerciais que integram um mesmo centro comercial, sendo as suas áreas comuns destinadas ao mesmo fim e ligadas funcionalmente entre si, verificando-se assim que estão reunidos os pressupostos físicos para a aplicação do artigo 1438º-A.
Quanto à sua constituição, não exigindo a lei expressamente as especificações impostas no artigo 1418º, encontrando-se as mesmas já delimitadas nos títulos constitutivos respectivos dos edifícios contíguos e visando o artigo 1438º-A a agilização da administração restringida a questões, despesas e receitas próprias, não se vê obstáculos à existência do condomínio previsto no artigo 1438º-A mediante deliberação aprovada pelos condóminos.
No caso dos autos provou-se que em 14/06/1986 foi nomeada administração para o centro comercial por maioria de votos e que veio a ser aprovado um regulamento do interno do centro comercial, por assembleias de condóminos de 21/02/2000, 21/05/2001, 11/03/2007 e 11/07/2012.
Encontra-se então constituído o condomínio que abrange apenas as áreas relativas ao centro comercial, sendo certo que, mesmo que se não entendesse a ser válida tal constituição, quer pela forma, quer pelo facto de a deliberação dos condóminos não ter sido unânime, sempre haveria que considerar que a existência de facto deste condomínio desde 1986, com aprovação de um regulamento pelos condóminos, com actualização ao longo dos anos, sempre por aprovação nas assembleias gerais de condóminos, sem notícia nos presentes autos de impugnação, constitui um exercício de posse com acordo tácito dos condóminos, que permite a constituição por usucapião, ao abrigo dos artigos 1417º e 1296º do CC.
O condomínio autor preenche pois a previsão do artigo 12º e) do CPC, que lhe confere personalidade judiciária nas acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
A legitimidade processual activa vem definida no artigo 30º do CPC, como o interesse em demandar, aferido pela relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, sendo que no caso do administrador do condomínio a lei, no artigo 12º e) fornece os critérios dos artigos 1436º e 1437º do CC, estando a personalidade judiciária ligada à legitimidade processual, que se verifica no caso em apreço, face à versão apresentada na petição inicial, em que o administrador do condomínio age no âmbito da cobrança de receitas. Conclui-se, portanto, que o autor tem personalidade judiciária e legitimidade processual.”
Ainda no sentido da legalidade e legitimidade do Exequente por aplicação do artigo 1438.º-A do Código Civil, vd. as decisões do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/2/2016 (proc. n.º 17482/13.3T2SNT.L1, 6ª Secção), 21/2/2017 (proc. n.º 19704/12.9T2SNT.L1, 7ª Secção), 2/3/2017 (proc. n.º 17483/13.3T2SNT.L1, 8ª Secção), 14/3/2017 (proc. n.º 17479/13.3T2SNT.L1, 1ª Secção), 25/1/2018 (proc. n.º 18829/13.8T2SNT.L1, 6ª Secção), e 4/7/ 2019 (proc. n.º 15412/18.5T8SNT.L1, 6ª Secção).
Assim, regressando ao despacho de fls. …, a que se pretende responder, torna-se necessário saber se deve o Exequente juntar o título constitutivo do prédio a que respeitam as fracções autónomas em causa nestes autos de execução (o prédio designado por fase C do centro comercial), ou se deve juntar os quatro títulos constitutivos dos quatro prédios, ou se, face à explicação que antecede, já não se mantém o interesse na junção.
Também no que respeita ao regulamento interno, pretende o Exequente dar resposta ao solicitado pelo tribunal, já que houve diversas alterações ao regulamento deliberadas em assembleia (conforme também se diz na passagem do acórdão atrás transcrita).
A última versão do regulamento interno e as mais recentes deliberações sobre o mesmo foram tomadas na ata n.º 93, já junta aos autos.
Assim, sobre o regulamento interno, torna-se necessário saber se se pretende a ata que aprovou a primeira versão do regulamento ou o conjunto das atas em que houve deliberações sobre o mesmo.
TERMOS EM QUE, de modo a dar o melhor cumprimento ao solicitado, a V. Exa requer se digne esclarecer, nos termos do exposto, o âmbito do solicitado quanto ao título constitutivo e ata que aprova o regulamento interno”.
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Em 07-02-2020 foi, nos referidos autos principais, proferido despacho do seguinte teor:
“Não é manifesta a falta de título executivo, considerando os esclarecimentos ora prestados (referência n.º 16139999, de 12/01/2020), os documentos juntos com o requerimento executivo e a própria controvérsia jurisprudencial existente em torno da questão da natureza jurídica do «condomínio» exequente e da subsunção das actas das respectivas reuniões à previsão do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro.
No que respeita à questão da existência (ou não) de caso julgado material, antecipadamente suscitada pelo exequente no requerimento executivo, o Tribunal não deve decidi-la sem dar aos executados a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, como é seu direito (artigo 3.º, n.º 3, do CPC).
Por isso, sem prejuízo do disposto no artigo 734.º do CPC, impõe-se a citação prévia dos executados, sendo certo que não se descortinam outras causas de indeferimento liminar do requerimento executivo (artigo 726.º, n.º 2, do CPC).
Pelo exposto, cite os executados para, no prazo de 20 dias, pagarem ou se oporem à execução (artigo 726.º, n.º 6, do Código de Processo Civil).”.

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Na sequência da sua citação, em 24-03-2020, dando origem ao apenso A, os executados vieram deduzir oposição à execução por embargos, concluindo pela procedência da oposição, julgando-se verificadas as excepções invocadas e, a final, extinta a execução e pela condenação do exequente como litigante de má fé, em multa e indemnização, invocando, em suma, os seguintes fundamentos:
“I- Da Existência de caso julgado;
II – A Inexistência de título executivo;
a) O vício no requerimento executivo;
b) A inexistência do condomínio,
III – A Prescrição da dívida;
IV – A litigância de má fé”.
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Por despacho proferido no referido apenso A, em 03-06-2020, foram os executados convidados a, “nos termos do artigo 7.º, nºs. 2, 3 e 5 da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto (…) adoptarem o formulário adequado à pretensão de oposição à execução por meio de embargos que ora deduzem, sob cominação do disposto no n.º 2 do citado preceito legal”.
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Em 01-07-2020 no apenso A foi proferido despacho do seguinte teor:
“(…) 1. Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários (artigo 144.º, n.º 10, alínea b), do CPC de 2013, na versão vigente, e artigos 7.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013, de 27 de Agosto).
No caso concreto, verificou-se que o executado utilizou o formulário corresponde ao incidente de oposição à penhora - razão pela qual o sistema informático assim o assumiu - mas anexou ficheiro contendo uma petição inicial de embargos de executado.
Em homenagem ao princípio pro actione, assegurado pelo artigo 7.º, n.º 3, da citado Portaria n.º 280/2013, de 27 de Agosto, julgado aplicável (artigo 144.º, n.º 1, do CPC), por despacho de 04/06/2020 convidou-se a executada, ora requerente, a corrigir a desconformidade, apresentando o formulário específico para a peça processual apresentada, como legalmente exigido (artigo 7.º, n.º 5, da Portaria n.º 280/2013).
Não obstante, a executada não corrigiu a apontada desconformidade, nem nada requereu a tal propósito.
A questão que se coloca é a de saber se o juízo de prevalência imposto pelos citados artigos 144.º, n.º 10, alínea b), do CPC de 2013, na versão vigente, e 7.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013, de 27 de Agosto, em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, implica, no caso concreto, que se considere ser pretensão do executado a dedução do incidente de oposição à penhora e se aprecie como tal a petição inicial de embargos de executado apresentada em juízo no ficheiro anexo.
As consequências de uma interpretação da lei nesse sentido – o de considerar que, na hipótese de a parte utilizar o formulário correspondente ao de oposição à penhora mas juntar um ficheiro contendo uma petição inicial de embargos de executado, deve o incidente seguir como oposição à penhora e ser como tal apreciado e decidido – implicarão necessariamente o indeferimento liminar do requerimento inicial, nos termos do artigo 732.º, n.º 1, alínea b), do CPC, ex vi artigo 785.º, n.º 2, do mesmo código, e a preclusão do direito do executado de se opor à execução por meio de embargos de executado.
Não se afigura ser essa a interpretação correta da lei, em face do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e do direito fundamental de acesso ao Tribunais consagrado no artigo 20.º da Lei Fundamental.
Admite-se, à luz do disposto no 18.º, n.º 2, da Constituição, que a solução penalizadora constante dos artigos 144.º, n.º 10, alínea b), do CPC de 2013, na versão vigente, e 7.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013, de 27 de Agosto, seja necessária à cabal efectivação do modelo de uma justiça informatizada.
Com efeito, a opção legal pela informatização da Justiça e a obrigação imposta às partes de assegurar a uniformidade da informação constante dos formulários e dos ficheiros anexos, sob a cominação em apreço, visa, ela própria, estimular o uso rigoroso do processo electrónico e, desse modo, assegurar a simplificação e a celeridade do processo civil, valores que têm no artigo 20.º da Constituição (nºs 4 e 5) a sua fonte de tutela.
Contudo, não se pode deixar de considerar desproporcional a solução que associe ao mau uso dos meios electrónicos para a prática de actos processuais um efeito cominatório que vá ao ponto de comprometer o próprio exercício do direito substantivo que todo o processo, incluindo o processo electrónico, deve assegurar.
Aliás, como é sabido, o CPC impõe, em várias das suas normas, desde há muito, soluções legais que visam potenciar e dar prevalência uma justiça de mérito sobre uma justiça formal, como é o caso, designadamente, dos artigos 2.º, 6.º, 411.º, 547.º e 590.º, nºs. 2, 3 e 4, do CPC.
Interpretando em conformidade com a Constituição o disposto nos artigos 144.º, n.º 10, alínea b), do CPC de 2013, na versão vigente, e artigos 7.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013, de 27 de Agosto, é, pois, de concluir que a cominação legal aí prevista apenas opera para divergências pontuais entre a informação contida no formulário e a informação constante do ficheiro anexo, respeitante, por exemplo, à identificação das partes e/ou identificação das testemunhas, sendo de excluir a sua aplicabilidade nos casos em que ocorre violação do disposto no artigo 7.º, n.º 5, da Portaria n.º 280/2013, de 27 de Agosto, isto é, em que o formulário adoptado não corresponde à acção e/ou incidente apresentado em juízo no ficheiro anexo a ele junto.
Assim sendo, apesar de o executado, convidado para o efeito, não ter dado cumprimento aos 7.º, n.º 5, da Portaria n.º 280/2013, de 27 de Agosto, adoptando o formulário adequado, deve o Tribunal oficiosamente mandar distribuir e autuar como embargos de executado e dar seguimento processual aos termos da acção (artigo 193.º, n.º 3, do CPC).
Pelo exposto, determino que os autos sejam autuados e distribuídos como embargos de executado.
2. Por legais e tempestivos, recebo os embargos de executado (artigo 732.º, n.º 1, a contrario sensu, do CPC).
Notifique, sendo a exequente nos termos e para os efeitos do artigo 732.º, n.º 2, do CPC”.
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Na sequência – tendo, entretanto, sido determinado o arquivamento do apenso A - , em 04-06-2020, dando origem aos presentes autos (apenso B), os executados vieram deduzir oposição à execução por embargos, concluindo pela procedência da oposição, julgando-se verificadas as excepções invocadas e, a final, extinta a execução e pela condenação do exequente como litigante de má fé, em multa e indemnização, invocando, em suma, os seguintes fundamentos:
“I- Da Existência de caso julgado;
II – A Inexistência de título executivo;
a) O vício no requerimento executivo;
b) A inexistência do condomínio,
III – A Prescrição da dívida;
IV – A litigância de má fé”.
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Recebidos os embargos (cfr. despacho de 09-06-2020), foi notificado o embargado que, em 29-06-2020 apresentou contestação, concluindo pela improcedência dos embargos.
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Em 16-09-2020 foi proferido o seguinte despacho:
“Afigura-se que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, o conhecimento da excepção peremptória de autoridade do caso julgado deduzida, nos presentes autos, pela embargante (artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC).
Trata-se de excepção que já foi debatida nos articulados, pelo que se considera desnecessária a realização de audiência prévia para o efeito do disposto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, do CPC.
Assim, notifique as partes para, em 10 dias, declararem se prescindem do exercício da faculdade de discussão oral prevista no citado preceito legal, podendo, em caso afirmativo, exercê-la por escrito no mesmo prazo”.
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Na sequência, as partes apresentaram os requerimentos de 16-09-2020 e 28-09-2020.
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Em 04-01-2021 foi proferida decisão do seguinte teor:
“(…) Saneador (…)
Como antecipado em despacho anterior, afigura-se que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, o conhecimento da excepção peremptória de autoridade de caso julgado deduzida pelos executados/embargantes, pelo que, tendo a exequente exercido o direito ao contraditório sobre tal questão, procede-se à sua apreciação ao abrigo do artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC, nos termos que se seguem.
Estão provados, por documentos, com relevância para a sua apreciação, os seguintes factos:
1. Em 17/11/2014, o exequente, ora embargado, intentou contra os executados, ora embargantes, acção executiva, que correu termos nesta Secção de Execução sob o n.º 5119/…T8SNT, com base nas actas nºs. 78 e 85 das reuniões da respectiva assembleia geral, para pagamento da quantia de €26.536,76, por quotizações ordinárias e fundos de reserva devidos pelas lojas 21 e 21-A da Fase C, respeitantes ao período de Maio a Dezembro de 2013, pela loja 42 da Fase C, respeitantes ao período de Setembro de 2011 a Dezembro de 2013, e pelas lojas 43 e 44 da fase C, respeitantes ao período de Maio a Dezembro de 2013.
2. Por despacho de 15/12/2015, foi rejeitada a execução, por manifesta falta de título executivo, nos termos dos artigos 820.º e 812.º-E, n.º 1, alínea a), do CPC.
3. A exequente, inconformada, recorreu dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 31/08/2017, transitado em julgado, confirmou o julgado.
4. Em 16/12/2019, veio a mesma exequente intentar contra os ora embargantes nova acção executiva, de que os presentes autos são apenso, com base nas actas nºs. 93 e 94 de reuniões da respectiva assembleia geral, para pagamento da quantia de €97.536,76, por quotizações ordinárias e fundos de reserva devidos pelas lojas 21 e 21-A da Fase C, respeitantes ao período de Janeiro de 2014 a Dezembro de 2018 e de Janeiro de 2014 a Agosto de 2015, respectivamente, e pelas lojas 42, 43 e 44 da Fase C, respeitantes ao período de Janeiro de 2014 a Dezembro de 2018.
Admitem os embargantes que não existe, em rigor, identidade de pedido e causa de pedir entre o processo executivo n.º 5119/…T8SNT e o processo executivo a que se opõem através dos presentes embargos de executado, como antecipado pela exequente no requerimento executivo.
E efectivamente assim é.
De facto, as dívidas executadas em cada uma dessas acções são distintas, tal como distintos os documentos, dados à execução, que as titulam, pelo que se não verifica a excepção dilatória de caso julgado, que exige que haja entre os processos em confronto identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (artigo 581.º, n.º 1, do CPC).
Não obstante, defendem os executados que se verifica a excepção de autoridade de caso julgado, que, como sustentado em aresto que transcrevem, «não requer a tríplice identidade a que alude o n.º 1 do artigo 581.º do CPC, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado».
É, concluem, precisamente o que se passa no caso vertente: «(…) se a decisão que determinou que as actas por meio das quais se pretende o cumprimento de uma obrigação não revestem a natureza de título executivo, e ainda que nestes autos se pretenda atribuir tal virtuosidade a actas diferentes, aquela decisão não pode ser contrariada nos presentes autos».
Porém, com o devido respeito, afigura-se que não assiste razão aos executados/embargantes.
É que apenas as decisões de mérito transitadas, que formam caso julgado material, podem impor a sua autoridade fora do processo (artigo 619.º, n.º 1, do CPC), que é um dos efeitos, de ordem positiva, que decorrem dessa modalidade de caso julgado. Contrariamente, as decisões que recaem unicamente sobre a relação processual, como é o caso daquelas que versam sobre os pressupostos processuais da instância, formando caso julgado formal, apenas têm força obrigatória dentro do processo (artigo 620.º, n.º 1, do CPC).
Ora, a existência de titulo executivo é um pressuposto processual específico da acção executiva (artigos 10.º, n.º 5, 703.º, 726.º, n.º 2, alínea a), e 734.º, n.º 1, do CPC). Assim sendo, a decisão transitada que julga que um determinado documento não reúne os requisitos legais para valer como título executivo apenas é obrigatória dentro do processo onde foi proferida, impedindo que acerca da mesma questão se profira nele diferente decisão.
É manifestamente o caso da decisão proferida na acção executiva n.º 5119/…T8SNT, que se limitou a rejeitar a execução por considerar que as actas dadas à execução não preenchiam os requisitos legais de exequibilidade previstos no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, não sendo demonstrativo do contrário, como é evidente, as razões de direito substantivo invocadas para afastar a qualificação da exequente como um verdadeiro condomínio.
Assim sendo, apesar de a referida decisão ter transitado em julgado, não está o Tribunal obrigado, neste processo, a acatá-la, decidindo no mesmo sentido.
A excepção peremptória de autoridade de caso julgado deve, por isso, improceder.
(…)
Neste pressuposto, reunindo o processo os elementos necessários para tanto, apreciar-se-ão de seguida, ao abrigo do artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC, as demais questões suscitadas no processo pelos embargantes (inexistência de título executivo e prescrição parcial da obrigação exequenda), sendo certo que em relação a todas elas a exequente teve oportunidade de se pronunciar na contestação e as partes prescindiram da faculdade de discussão oral, admitindo-se, por identidade de razão, à luz do princípio da economia processual, que essa declaração valha também para tais excepções, e não apenas para a excepção de autoridade de caso julgado acima apreciada.
Com relevância para a decisão das referidas questões, estão assentes, por documentos e acordo das partes, os seguintes factos:
1. Os Executados CJ e BJ são proprietários da fração autónoma designada pelas letras “AS”, correspondente à loja n.º 21 da fase “C” do centro comercial Babilónia, da fração autónoma designada pela letra “J”, correspondente à loja n.º 42 da fase “C” do centro comercial Babilónia, da fração autónoma designada pela letra “K”, correspondente à loja n.º 43 da fase “C” do centro comercial …e da fração autónoma designada pela letra “L”, correspondente à loja n.º 44 da fase “C” do mesmo centro comercial…, e foram proprietários, entre 2 de abril de 2007 e 27 de agosto de 2015, da fração autónoma designada pelas letras “AT”, correspondente à loja n.º 21a da fase “C” do centro comercial ….
2. Em assembleia geral de condóminos realizada no dia 17 de abril de 2019, foi deliberado o montante das contribuições e despesas devidas ao Condomínio Exequente à data de 31 de dezembro de 2018, conforme acta n.º 94 junta com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. Em assembleia geral de condóminos realizada no dia 3 de Março de 2018 foi deliberado, além do mais, o valor das quotizações mensais a suportar pelos condóminos no ano de 2018, e dada nova redacção ao «Regulamento Interno do Condomínio do Centro Comercial …», conforme acta n.º 93, junta com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. O Centro Comercial Babilónia integra quatro prédios contíguos (fases A, B, C/D e E), sendo cada um desses prédios constituído em propriedade horizontal.
5. Os referidos prédios integram um espaço comercial com lojas e área habitacional, tendo cada um desses prédios entrada pela via pública.
6. Os complexos comerciais dos referidos prédios são contíguos, sendo a passagem de um espaço comercial para outro feita por corredores.
7. Para a gestão do Centro Comercial … foi aprovada, em 1986, o Regulamento Interno do Centro Comercial, cuja redacção foi alterada na reunião a que respeita a Acta n.º 93, cujo teor, na parte respeitante ao referido regulamento, se dá aqui por reproduzido.
8. Na reunião da assembleia geral de condóminos de 27/06/1996 (Acta n.º 28), foi aprovado o prazo de pagamento das quotizações mensais.
9. Na reunião da assembleia geral de condóminos de 24/05/2007 (Acta n.º 72), foi aprovada uma penalização de 10%, pelo atraso no pagamento das referidas quotizações.
10. Nas reuniões da assembleia geral de condóminos de 28/03/2014 (Acta n.º 85), 12/02/2015 (Acta n.º 88), 28/04/2016 (Acta n.º 89), 18/09/2017 (Acta n.º 92) e 23/03/2018 (Acta n.º 93) foram aprovados os valores das quotizações referentes aos anos de 2013/2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, respectivamente.
11. O exequente intentou a execução de que os presentes autos são apenso em 16/12/2019, tendo os executados CJ e BJ dela sido citados em 28/07/2020 e 06/03/2020, respectivamente.
Da inexistência de título executivo
Na petição de embargos, os executados suscitam a questão da inexistência de título executivo, considerando a especificidade económico-social do Centro Comercial…, cuja estrutura jurídica não comporta, a seu ver, «o regime de propriedade horizontal».
A este respeito, reiteram, no essencial, a ideia, sufragada na decisão de rejeição da execução proferida no referido processo n.º 5119/…T8SNT, de que o Centro Comercial … não é verdadeiramente um condomínio, mas uma mera associação irregular ou de facto, pelo que as actas das respectivas deliberações não têm força executiva, à luz do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro.
Porém, não se ignorando as diferentes orientações jurisprudenciais sobre a questão, não se subscreve entendimento propugnado pelos embargantes.
Com se sustenta, em síntese conclusiva, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/03/2017 (processo n.º 17483-13.1T2SNT.L1-8), que se debruçou precisamente sobre a problemática em questão a propósito do Centro Comercial…, «[e]xistindo um centro comercial num bloco de edifícios, unificados pelo próprio centro comercial, e constituindo este um espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, nada obsta à existência de um condomínio específico de tal centro comercial, deliberando os condóminos a constituição de autónomos órgãos de administração».
Tal posição, que vem sendo perfilhada por vários outros, designadamente aqueles o embargado cita na contestação a este respeito, assenta nuclearmente no disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil, que expressamente admite a aplicação do regime da propriedade horizontal, ainda que com as necessárias adaptações, «a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem».
Ora, sendo a ligação funcional entre os edifícios contíguos o aspecto juridicamente relevante que justifica a possibilidade de extensão de regime determinada no citado preceito legal, é de reconhecer no complexo comercial que abrange as lojas de cada um dos edifícios integrantes do Centro Comercial …, com comunicação física entre si, a «unidade de sentido» pressuposta em tal faculdade legal, que se reflecte, no caso concreto, na comunhão de interesses económicos e organizacionais especificamente disciplinados no respectivo regulamento interno.
É, por isso, de reconhecer ao Centro Comercial …, pese embora as suas especificidades (designadamente, a integração no respectivo espaço físico de uma componente habitacional distinta da componente comercial) a natureza jurídica de um condomínio e, em consequência, às actas das reuniões da assembleia geral de condóminos força executiva, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro.
(…)
Cumpre agora apreciar a questão de saber se, sendo de aplicar ao caso sub judice o disposto no citado preceito legal, as actas concretamente dadas à execução preenchem os requisitos de exequibilidade nele consagrados.
Os embargantes defendem que não, alegando que a acta n.º 94, em particular, «não contém, como é exigido legalmente, qualquer referência à data de vencimento das pretensas quotas de condomínio», consistindo «numa mera declaração, a título informativo, da existência de determinadas dívidas, supostamente já vencidas, por parte de alguns condóminos».
Em resposta, afirma o exequente que a referida acta reúne os requisitos de que depende, nos termos do invocado preceito legal, a sua força executiva, na medida em que permite, «de forma clara e por simples aritmética», determinar o valor da dívida dos executados; de todo o modo, «a assembleia de condóminos aprovou os valores das quotizações mensais ou das contribuições devidas ao condomínio, e aprovou o regulamento que inclui a regra relativa à data do vencimento de tais quotizações», como atestado nas atas dadas à execução e naquelas que ora junta, sendo que a respectiva falta de junção sempre seria passível de convite ao aperfeiçoamento.
Cumpre decidir.
Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, «a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».
Como decorre do preâmbulo desse diploma legal, pretendeu-se com tal solução «tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal», dotando o condomínio dum instrumento célere e eficaz para a prossecução de uma das suas principais atribuições, a de «cobrar as receitas» e de «exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas» (artigos 1436.º, alíneas d) e e), e 1437.º, n.º 1, do Código Civil), sem necessidade de prévia instauração de acção declarativa.
Porém, conforme emerge do transcrito n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, título executivo é apenas a acta que contenha a deliberação dos montantes e prazos em que os condóminos devem pagar as contribuições devidas ao condomínio, que é o acto jurídico donde emerge a respectiva obrigação de pagamento.
Subjacente à exigência de que a acta contenha a deliberação dos montantes e prazos de pagamento das contribuições devidas ao condomínio estão, desde logo, razões de segurança jurídica quanto à constituição e delimitação do conteúdo (imediato) da obrigação exequenda e sua exigibilidade, de modo a assegurar o recurso direcionado e circunscrito à tutela jurisdicional executiva, que, como é sabido, é particularmente intrusiva na perspectiva da defesa da esfera jurídica do executado.
A rapidez querida pelo legislador, no que respeita à cobrança desta particular categoria de dívidas, potenciada pela possibilidade de imediata instauração da acção executiva, foi, pois, condicionada, pelo mesmo legislador, pela exigência de um título que preencha os requisitos de exequibilidade (formais e substanciais) expressamente enunciados na lei, de forma a acautelar que a execução servirá apenas para obter a realização coerciva de obrigações já vencidas e cuja existência e conteúdo têm no documento apresentado pelo credor cabal demonstração (acertamento positivo).
Ora, analisando o teor das actas nºs. 94 e 93 dadas à execução, na parte relevante, verifica-se que consta da primeira, não apenas o valor da dívida global dos embargantes, a título de quotas de condomínio e fundo de reserva, aí liquidada, mas também os critérios que levaram à determinação dessa quantia global, enunciados por referência a cada uma das fracções a que respeitam e aos concretos valores das quotas e fundos de reserva vigentes no concreto período de tempo contabilizado (ano/mês), aí igualmente especificado.
Por outro lado, consta efectivamente do artigo 16.º, n.º 1, do Regulamento Interno do Centro Comercial, reproduzido na Acta n.º 93, igualmente junta com o requerimento executivo, que «o pagamento da quotização mensal e outros encargos da responsabilidade dos condóminos/lojistas deverá ser efectuado (…) até ao dia 8 do mês a que respeitam».
O título executivo, formado por ambas as actas, certifica, pois, com rigor e clareza, quer o conteúdo da obrigação exequenda, quer a sua exigibilidade.
De todo o modo, ainda que assim não fosse, certo é que a exequente veio juntar, nos presentes embargos, as actas que aprovaram o valor das quotas de condomínio executadas nos autos principais, o que permitiu confirmar a correspondência com a realidade dos valores que constam como tal na acta n.º 94, junta com o requerimento executivo.
Da excepção de prescrição
Finalmente, os embargantes excepcionam ainda a prescrição das dívidas de condomínio de Janeiro de 2014 (ter-se-á devido a lapso de escrita a referência ao ano de 2013, cujas quotas não são peticionadas na execução) a Janeiro de 2015 - prescrição que a exequente, na sua contestação, reconhece ocorrer.
Embora os embargantes não tenham, como era seu ónus (artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC), invocado as razões de direito em que fundamentam tal excepção, é de presumir que tivessem em mente o prazo de prescrição de 5 anos, efectivamente aplicável, que a alínea g) do artigo 310.º do mesmo código especificamente prevê para as prestações periodicamente renováveis, como é tipicamente o caso das quotas de condomínio.
O exequente intentou a execução de que os presentes autos são apenso em 16/12/2019, pelo que o prazo de prescrição se interrompeu em 22/12/2019, sendo certo que a citação dos executados, que ocorreu depois disso, não é imputável ao exequente (artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil).
Ora, em 22/12/2019 já havia decorrido o prazo de prescrição de 5 anos em relação às quotas de condomínio respeitantes a todo o ano de 2014, pelo que as correspondentes dívidas - e apenas estas - efectivamente prescreveram.
Assim sendo, assiste aos embargantes a faculdade, ora exercida, de recusar o seu cumprimento (artigo 304.º, n.º 2, do Código Civil).
Do incidente de litigância de má fé
Defendem os executados que a exequente deduz pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (artigo 542.º, n.º 2, alínea a), do CPC), alegando, em fundamento, que esta decaiu nas várias acções judiciais que intentou em juízo para cobrança de quotas de condomínio respeitantes às fracções de que são proprietários, sempre pela mesma razão: a de que o Centro Comercial … não é um condomínio.
Porém, não se afigura que a insistente defesa em juízo de um determinado entendimento da lei processual, em relação a dívidas não abrangidas pelo caso julgado (artigos 580.º e 581.º do CPC), possa configurar litigância de má fé, designadamente por via da norma constante da invocada alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
Assim seria de concluir ainda que a exequente tivesse mais uma vez decaído na sua pretensão executiva; tendo tido, no caso concreto, ganho de causa, relativamente a tal questão, por maioria de razão se impõe idêntica conclusão.
Deve, por isso, ser absolvida do pedido incidental de condenação por litigância de má fé.
Decisão
Pelo exposto,
a) julgo improcedente a excepção de autoridade de caso julgado;
b) julgo parcialmente procedente a excepção de prescrição, no que respeita às dívidas de condomínio de Janeiro a Dezembro de 2014 e, em consequência, determino a extinção da execução nesta parte e o seu prosseguimento quanto às restantes dívidas executadas.
c) absolvo a exequente/embargada do pedido de condenação por litigância de má fé.
Custas pela exequente/embargada e pelos executados/embargantes, na proporção de 1/3 e 2/3 respectivamente (artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC) (…)”.
*
Não se conformando com esta decisão, dela apelam os embargantes, pugnando pela revogação da mesma, formulando na alegação que apresentaram, as seguintes conclusões:
“(…) 1. Tendo os Tribunais da 1.ª instância e da Relação de Lisboa decidido que o recorrido não é um condomínio, este entendimento constituiu o pressuposto da decisão que julgou procedentes os embargos dos recorrentes da acção de execução pretérita com n.° 5119/…T8SNT o que inviabiliza a sua nova discussão e a interposição de nova acção executiva com base nos mesmos pressupostos contra os mesmos recorrentes.
2. As decisões do Tribunal da 1.ª instância e a do Tribunal da Relação de Lisboa no processo 5119/…T8SNT constituíram decisões de mérito sobre a inexistência de condomínio do centro comercial….
3. Não se tratam de decisões unicamente quanto à relação processual, pois vão além dos meros pressupostos processuais da instância, pois que decidem quanto à questão prejudicial, a relação jurídica material, a premissa essencial que obsta a decisão sequente. Vejam-se neste sentido os seguintes aresto: Ac. STJ proc. 1049/18.2T8GMR-A.S1, Ac.TRL, proc.11362/18.3T8LSB, de 28.02.2019, Ac. TRP, proc. 1226/15.5PNF.P1.
4. Pelo que, o Tribunal a quo ao concluir como concluiu violou o primado da autoridade de caso julgado formado por decisões judiciais transitadas em julgado na acção executiva com proc. n.° 5119/…T8SNT e os artigos 577.°, al. i) e 726.º, n.° 2, al. b) do CPC.
5. Nos termos conjugados dos artigos 703.°, n.° 1, al. d) e 6.° do DL 268/94, de 25 de Outubro, é conferida força executiva à acta onde foi fixada a obrigação de pagar no futuro e o prazo de pagamento. [Ac. TRG de 08.01.2013, Ac. TRL de 23.03.2012 (inwww.dgsi.pt)]
6. O recorrido no momento da apresentação do requerimento executivo não apresentou as actas de deliberação das quotas dos anos de 2014 a 2017.
7. O recorrido veio posteriormente juntar documentos para confirmar os valores pedidos no requerimento.
8. É manifesto a inexistência do título executivo no momento da sua apresentação.
9. Também é evidente que devido à tipicidade e suficiência que caracteriza o título executivo não é permitido a sanação de qualquer invalidade formal (exequibilidade) ou substancial (pretensão executiva).
10. Pelo que, o Tribunal a quo devia ter julgado pela improcedência do pedido de execução por inexistência de título executivo nos termos do artigo 726.º, n.° 2 , al. a), do CPC.
11. O recorrido não faz prova da existência do condomínio do Centro Comercial … porquanto não se prova a existência: do título constitutivo do centro comercial Babilónia, da existência do regulamento de condomínio, da deliberação dos condomínios sobre a desanexação dos espaços comerciais dos espaços habitacionais, das ligações funcionais, da previsão nas escrituras públicas de propriedade horizontal a possibilidade da desanexação dos espaços comerciais, dos pressupostos ou requisitos para aplicação do regime do artigo 1438.°-A do CC.
12. O Tribunal a quo não analisou a realidade de facto com a realidade plasmada nas certidões de registo predial, as escrituras públicas da propriedade horizontal o que levou a concluir, e mal, a existência de ligações funcionais no Centro Comercial … pela simples alegação sem prova do recorrido.
13. As chamadas ligações funcionais mais não são que fracções autónomas - as lojas - cujas paredes foram derrubadas para permitir a passagem, sem que tenha sido, e que seja possível, a alteração da sua utilização na escritura pública da propriedade horizontal nos termos do art. 1419.° do CC.
14. Não é possível aplicação do regime de 1438.°-A do CC no caso em concreto conforme foi estudada e apreciada a questão, conforme consta ho Parecer Jurídico sobre a Aplicação do Regime de Propriedade Horizontal no Centro Comercial …, por Prof. Doutora Sandra Passinhas, pág 66 e seguintes.
15. A inexistência do condomínio, já apreciada nos autos 5119/…T8SNT, é evidenciada quando a realidade factual está em contradição com o título constitutivo, devendo prevalecer a natureza do estatuto real da propriedade horizontal constante neste título.
16. A evidência da inexistência de condomínio revela-se na prática da gestão dos espaços comerciais, designadamente pela impossibilidade da conversão das lojas em ligações funcionais no título constitutivo e a impossibilidade de alteração a numeração e letras das lojas no título constitutivo por forma a evitar a repetição de letras e números entre muitos outros aspectos práticos relevantes.
17. Sendo impossível converter as lojas em ligações funcionais no respectivo título constitutivo (embora se pareçam corredores) e sendo impossível alterar a numeração e letras das lojas, logo, é evidente que o centro comercial …não é um condomínio, ainda que se pareça um condomínio, por lhe faltar os pressupostos e requisitos que a lei impõe (artigos 1419.° e 1438.°-A CC) para poder criar uma nova propriedade horizontal e título constitutivo.
18. Pelo que, o Tribunal a quo devia ter decidido pela inequívoca inexistência de condomínio no centro comercial…, carecendo assim o recorrido de legitimidade nos autos e o título executivo é inexistente.
19. Nos termos conjugados dos artigos 10.°, n.°5, 703.°, n.° 1, al. d) do CPC e 6.° do DL 268/94, de 25 de Outubro, a acta da assembleia de condomínio só constitui título executivo sobre os montantes em dívida taxativamente prevista na lei.
20. De modo que todos os montantes que não estejam previstos na lei e que venham a ser reclamados pelo condomínio pela via de uma acta de condomínio estão destinados à sua inexigibilidade perante os alegados devedores.
21. Esta matéria é do conhecimento oficioso e não foi apreciada pelo Tribunal a quo que devia ter decidido pela inexistência de título executivo, pelo menos, no que respeita ao valor peticionado a título de cláusula penal no valor de 17.226,67€.
22. Conforme consta no requerimento executivo os recorrentes foram proprietários da fracção autónoma de letra “AT” correspondente a loja 21.A da fase C até ao ano de 2015.
23. As actas dos autos reportam-se as deliberações do condomínio tomadas posteriormente à transmissão da propriedade daquele imóvel (2018 e 2019) e, por isso, são ineficazes em relação aos recorrentes.
24. Esta matéria é do conhecimento oficioso e não foi apreciada pelo Tribunal a quo que devia ter decidido pela inexistência de título executivo, pelo menos, no que respeita ao valor peticionado sobre as quotas devidas pelos recorrentes sobre a fracção autónoma de letra “AT” no valor de 4.754,60€.
Normas violadas:
A conclusão vertida naquela sentença fundamenta-se na errada aplicação da lei, contém vício de nulidade, e viola os artigos, 1417.°, 1419.° e 1438.°-A do CC, 1.°, n.° 2 e 6 do Decreto Lei 268/94, 25 de Outubro, 577.°, al. i), 607.°, n.° 4 e 5, 608.°, n.° 2, 615.°, n,° 1, al. d), 619.º, n.º 1, 620.º, n.º 1, 628.º, 703.º,726.º, n.º 2, al. a) e n.ºs. 4 e 5, do CPC”.
*
O exequente contra-alegou tendo formulado as seguintes conclusões:
“A) As cinco questões levantadas pelos recorrentes (duas delas não abordadas em sede de embargos), são questões que já foram objeto de decisões jurisprudenciais, que aqui se acompanham:
B) No que respeita ao alcance da força de caso julgado formado pelas decisões (em 1ª instância e em sede de recurso) proferidas no processo n.º 5119/…T8SNT (conclusões 1 a 4 das alegações de recurso dos recorrentes), cita-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de março de 2014 (processo n.º 556/12.5TBTMR-A.C1), relevando que, entre o processo n.º 5119/…T8SNT e o caso dos autos, há três relevantes alterações das circunstâncias, que impedem que se considere a autoridade de caso julgado:
- Em primeiro lugar, há uma evidente evolução jurisprudencial a propósito da questão da existência do Condomínio exequente, com a jurisprudência recente, constante e amadurecida, a evidenciar que o primeiro processo foi decidido de forma menos feliz;
- Em segundo lugar, há uma alteração da causa de pedir, com uma nova obrigação exequenda, relativa a outra(s) ata(s);
- Finalmente, o próprio comportamento dos executados, ora recorrentes, que, imediatamente depois de dezembro de 2013 – data a que se referia a dívida exequenda em discussão na ação n.º 5119/…T8SNT, se fizeram representar em assembleias gerais de condóminos do Condomínio ora contestante, discutindo e votando diversas questões condomin[i]ais, conforme documentos juntos com a contestação de embargos.
C) Sobre os requisitos do título executivo, e as consequências da sua eventual falta ou insuficiência (conclusões 5 a 10), acompanha-se a solução do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de julho de 2017 (Processo n.º 837/12.8YYLSB-A.L1-1), e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de setembro de 2019 (processo n.º 35949/11.6TYYLSB-L1-7).
D) Sobre a existência do Condomínio exequente (conclusões 11 a 18), e, nesse âmbito, a sua legitimidade para instaurar uma ação executiva, bem como a possibilidade de aplicação, ao caso do exequente, do disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil, segue-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de dezembro de 2019 (processo n.º 275/17.6T8AMD.L1 - 6ª), que é o mais aprofundado na análise e decisão da legalidade e legitimidade da questão (reflectindo sobre a jurisprudência anterior, contrária e concordante, já que houve um período de grande oscilação jurisprudencial antes dos últimos três anos).
E) Sobre a possibilidade de cobrar, pela via da ação executiva, a cláusula penal peticionada nos presentes autos (conclusões 19 a 21), acompanha-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de abril de 2019 (Processo n.º 286/18.4T8SNT.L1-7).
F) Finalmente, quanto à legitimidade passiva de quem, à data da instauração da execução, já não é proprietário (conclusões 22 a 24), cita-se, por todos, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/07/2007 (processo n.º 0753550).
G) A sentença recorrida não merece censura, fazendo correta interpretação e aplicação das normas legais relevantes”.
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Em 05-05-2021 foi proferido despacho de admissão do recurso.
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Os recorrentes apresentaram ainda, ad hoc, o requerimento de 26-08-2021, no qual vêm, em suma, “invocar a excepção de caso julgado que se verifica pela sentença transitada em julgado na acção declarativa n.º 12365/…T8SNT, que correu termos no Juízo Central Cível de Sintra- Juiz 2, e cujas peças processuais foram juntas com a oposição à execução como documentos 2 e 3, e sobre o qual o Tribunal a quo não se pronunciou”, requerimento sobre o qual o recorrido se pronunciou em 29-08-2021, considerando inexistir a invocada exceção.
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
A) Se a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC?
B) Se a decisão recorrida violou a autoridade de caso julgado formado por decisões judiciais transitadas em julgado na acção executiva com proc. n.° 5119/…T8SNT e na acção declarativa n.º 12365/…T8SNT e os artigos 577.°, al. i) e 726.º, n.º 2, al. b) do CPC?
C) Se o Tribunal recorrido deveria ter considerado inexistir título executivo nos termos do artigo 726.°, n.° 2, al. a), do CPC, por, no momento de apresentação do requerimento executivo, não terem sido apresentadas as actas de deliberação das quotas de 2014 a 2017?
D) Se o Tribunal recorrido devia ter decidido pela inexistência de condomínio no centro comercial …, carecendo o recorrido de legitimidade?
E) Se deve decidir-se pela inexistência de título executivo no que respeita ao valor peticionado a título de cláusula penal no valor de 17.226,67€?
F) Se as actas dos autos, reportando-se a deliberações do condomínio tomadas posteriormente à transmissão da propriedade dos recorrentes sobre a fração autónoma “AT” (Loja 21) (2018 e 2019), são ineficazes em relação aos mesmos?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
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A) Se a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC?
Invocam os embargantes que a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença (sendo aplicável aos autos de oposição iniciados em 2011, o CPC de 1961, atento o disposto no artigo 6.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, enquanto que, às normas que regem a tramitação do presente recurso, inclusive no tocante ao conhecimento de nulidades da decisão, se aplica o CPC na redacção conferida pela mencionada Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, atenta a data em que foi proferida a sentença recorrida – cfr. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-05-2014, proferido no processo 1869/09.9TBVRL-F.P1, relator MANUEL DOMINGOS FERNANDES), uma sentença é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Vejamos se, no caso, o juiz deixou de se pronunciar sobre questões de que devesse conhecer ou se se pronunciou indevidamente sobre uma questão de que não podia tomar conhecimento, sabendo-se que, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades», (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132).
Apenas existirá nulidade da sentença por pronúncia indevida ou por omissão de pronúncia com referência às questões objecto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
A nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Processo 07A091, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A questão a decidir pelo julgador está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.
De acordo com o nº 2 do art. 608º do CPC,“o juiz resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, pelo que, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.
“O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
Assim, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, relator NELSON FERNANDES).
Na realidade, como se referiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (P.º n.º 480/09.9JALRA.C1, relator ORLANDO GONÇALVES): “1.- A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. 2.- O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão”.
Se a decisão não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que a decisão tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos argumentos ou considerações expendidas, designadamente por opostos, irrelevantes ou prejudicados em face da solução adotada.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
Ao invés, haverá nulidade por excesso de pronúncia se, “não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2)” a decisão que venha a conhecer das mesmas (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, p. 737).
No caso em apreço, não divisam os recorrentes que tenha a decisão recorrida decidido questão que não devesse ter conhecido, sendo que ela não se alcança na decisão recorrida. Quanto à omissão de pronúncia ela também não se vislumbra.
Atentemos que o juiz que proferiu a decisão recorrida conheceu – como lhe incumbia – das questões atinentes ao saneamento da causa que efetuou, em conformidade com o que lhe impunha o disposto no artigo 595.º e ss. do CPC, ex vi, do artigo 732.º, n.º 2, do mesmo Código. Em particular: fixou o valor da causa; julgou improcedente a excepção de autoridade de caso julgado; julgou parcialmente procedente a excepção de prescrição invocada; e conheceu do pedido de condenação por litigância de má fé da exequente/embargada.
Em suma: não resulta que tenha existido alguma omissão de pronúncia na decisão recorrida, sendo que, na mesma é feito o adequado “recorte” das questões a decidir nos presentes autos, em perfeita sintonia com o objecto da lide.
Nestes termos, conclui-se, não se verificar a nulidade invocada.
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B) Se a decisão recorrida violou a autoridade de caso julgado formado por decisões judiciais transitadas em julgado na acção executiva com proc. n.° 5119/…T8SNT e na acção declarativa n.º 12365/…T8SNT e os artigos 577.°, al. i) e 726.º, n.º 2, al. b) do CPC?
Entendem os recorrentes que a decisão recorrida violou “o primado da autoridade de caso julgado formado pela sentença transitada em julgado na execução 5119/…T8SNT”.
Para tanto, alegaram o seguinte:
“O recorrido em requerimento executivo refere-se à sentença proferida na acção executiva pretérita com o n° 5119/…T8SNT que correu seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Sintra - Juiz 3.
As partes eram o ora recorrido e os ora recorrentes cujo pedido consistiu as quotas em dívida do condomínio do Centro Comercial….
Pretendeu o recorrido invocar a inaplicabilidade de caso julgado da sentença e acórdão proferidos naquela execução para sustentar a viabilidade do pedido destes autos cuja decisão judicial se recorre.
Os recorrentes invocaram na sede dos embargos a autoridade de caso julgado cuja aplicação não depende da tríplice identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.
De facto, entre as duas acções executivas não há identidade tout court daquela tríade, porquanto o pedido e a causa de pedir destes autos se reportam a quotas vencidas após o ano de 2014.
Mas a aplicação do princípio da autoridade de caso julgado tem lugar quando há identidade quanto à questão fundamental, substantiva e de direito que alicerça ambos os pedidos do recorrido da execução pretérita e a destes autos.
É sobre essa questão fundamental, a relação jurídica material, que foi definitivamente apreciada por sentença e posteriormente por acórdão da Relação de Lisboa, transitada em julgada, que é insusceptível de impugnação (art. 628.° do CPC).
Ora, a questão fundamental que estamos a referir é a questão prejudicial de direito substantivo e que concerne na falta de personalidade e capacidade jurídica do recorrido, ou seja, o recorrido não é um condomínio.
“O recorrido não será seguramente mais do que uma sociedade irregular e como tal devendo ser considerado ” Cfr. Sentença a fls Proc 5119/…T8SNT.
“Não se podendo falar de condomínio, não podendo também as actas atinentes à aprovação das contribuições ter a natureza de título executivo para os efeitos dos disposto no art. 6. n. °1, do DL n.0 268/94 de 25-10 (...) em que se estriba a exequente, em conjugação com o disposto no artigo 703.°, n.°l, d), do CPC. “Cfr. o Acórdão TRL do Proc 5119/…T8SNT.
Ora, a questão fulcral na acção executiva 5119/…T8SNT a identidade do recorrido que é uma questão absolutamente determinante e prejudicial que uma vez transitada em julgado impede a sua reapreciação.
As decisões do Tribunal da primeira instância e a do Tribunal da Relação de Lisboa no processo 5119/…T8SNT constituíram decisões de mérito sobre a inexistência de condomínio do centro comercial ….
Não se tratam de decisões unicamente quanto à relação processual, pois vão além dos meros pressupostos processuais da instância, decidem quanto à questão prejudicial, a relação jurídica material, a premissa essencial que obsta a decisão sequente.
“III- A força de “res judicata ” só é, no entanto, conferida ao conteúdo da decisão sobre as questões ou pretensões suscitadas e às respectivas premissas, se absolutamente derterminantes, pois o caso julgado destina-se, apenas a obstar a decisões concretamente incompatíveis.” Ac. do STJ proc. 1049/18.2T8GMR-A.S1
“II-A força e autoridade do caso tem por finalidade evitar que a regulação definitiva da relação jurídica material possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica. A vinculação à anterior decisão pressupõe o trânsito desta e, diferentemente da excepção do caso julgado, depende apenas da verificação da identidade subjectiva dos litigantes, da existência de uma evidente conexão entre os objectos de cada uma da acções, havendo ainda que apurar se o conteúdo daquela decisão se deve ter como prejudicial em relação à decisão a tomar na acção sequente.” Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 1049/18.2T8GMR-A.S1.
Veja-se neste sentido o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo 11362/18.3T8LSB, de 28.02.2019.
Naquele aresto pode ler-se “a ratio da autoridade de caso julgado entronca com a compreensível e necessária imposição de a decisão de determinada questão essencial não poder, uma vez resolvida por decisão judicial insusceptível de impugnação , voltar a ser discutida mm processo posterior, isto é, desde que concreta questão essencial foi decisiva para procedência ou improcedência de uma primeira acção, qualquer outro Tribunal em acção subsequente encontra-se obrigado a respeitar a autoridade de caso julgado com referência à mesma e referida questão, estando-lhe de todo vedado julga- la em sentido contrário e/ou conflituante, e ainda que a cause de pedir seja diferente
Com a excepção de autoridade de caso julgado pretende-se garantir a certeza jurídica e de paz social, assegurando que, uma vez proferida decisão sobre uma determinada questão, não venha a mesma a ser objeto de posteriores e sucessivas decisões conflituantes.
Ora, a pretensão do recorrido visa, precisamente, o contrário: fazer tábua razão das decisões que sobre uma determinada matéria lhe são desfavoráveis e voltar a invocar a mesma pretensão, sob vestes diferentes, em Tribunal diferente.
Citando o mesmo aresto, “a autoridade de caso julgado”, segundo a doutrina e jurisprudência predominantes, não requer a tríplice identidade a que alude o n°l do art. 581° do CPC, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado, sendo que, e quanto à identidade objectiva, e no seguimento de ensinamento de Castro Mendes “(...) se não é preciso entre os dois processos identidade de objecto (pois justamente se pressupõe que a questão foi que foi num thema decidendum seja no outro questão de outra índole, máxime fundamental) é preciso que a questão decidida se renove no segundo processos em temos idênticos)
Tendo os Tribunais da 1.ª instância e a da Relação de Lisboa decidido que o recorrido não é um condomínio, este entendimento constituiu o pressuposto da decisão que julgou procedentes os embargos dos recorrentes o que inviabiliza a sua nova discussão e por consequente a interposição de nova acção executiva com base nos mesmos pressupostos contra os mesmos recorrentes.
Ora, na esteira da jurisprudência já citada, refere o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2016-06-06, proferido no âmbito do processo 1226/15.5PNF.PI, “o instituto do caso julgado material é analisado numa dupla perspectiva: como excepção de caso julgado e como autoridade de caso julgado. A economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético, que sem tornar extensiva a eficácia. de caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
E para o efeito, o recorrido vai-se transmutando, ora arrogando-se a qualidade de condomínio, ora invocando a existência de “um modelo de organização de gestão de um centro comerciar.
Ora, os factos que suportam as pretensões do recorrido são sempre os mesmos - ainda que com algumas irrelevantes variáveis quanto aos períodos em dívida - apenas variando agora a qualidade em que ele intervém.
Mas, reitere-se, ao decidir como decidiu, a sentença anterior teve como pressuposto fundamental a inexistência de condomínio, pelo que poria em causa os já invocados princípios de estabilidade e certeza jurídica, sentença proferida em sentido contrário.
Mais, à luz da melhor ética jurídica, outra solução não pode proceder senão aquela aqui sufragada (…)”.
Complementarmente, vieram ainda invocar a existência da exceção de caso julgado, com referência ao decidido no âmbito do processo n.º 12365/18.3T8SNT.
Vejamos:
Conforme decorre do artigo 628.º do CPC, ocorre o trânsito em julgado quando uma decisão é já insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade de a decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
De acordo com o critério da eficácia, distingue-se entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1, do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º do CPC.
“Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito) (…).
Nos termos do art.º 613.º agora em vigor (que reproduziu o artigo 666.º do diploma cessante), proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que era lícito suprir (vide n.ºs 1 e 2 do preceitos). Tal regime é aplicável aos despachos por força do n.º 3 do preceito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-10-2015, P.º 231514/11.3YIPRT.C1, rel. MARIA DOMINGAS SIMÕES).
A força obrigatória das decisões que gozam de caso julgado formal é absoluta: mantém-se mesmo que o juiz seja substituído por outro ou o processo seja remetido para outro tribunal ou não pode ser afastada com a mera invocação do princípio da adequação formal (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-12-2011, Pº 545/09.7T2OVR-B.C1, rel. CARLOS QUERIDO).
O n.º 2 do artigo 620.º do CPC determina que se excluem da regra do caso julgado formal “os despachos previstos no artigo 630.º”, exclusão que não significa que esses despachos não tenham força obrigatória dentro do processo, mas sim, que o juiz não estará vinculado a eles de modo absoluto, podendo alterá-los (assim, Rui Pinto; “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 5, consultado em: http://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/).
A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC expressa legalmente o efeito negativo do caso julgado, cujo fundamento constitucional assenta no princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado de Direito, do artigo 2.º da Constituição Portuguesa, à semelhança do que sucede com o trânsito em julgado.
A ocorrência da exceção de caso julgado supõe uma particular relação entre ações judiciais: uma relação de identidade entre os sujeitos e os objetos de duas causas.
Em termos lógicos, pressupõe-se, então, a “repetição de uma causa”, conforme enuncia o artigo 580.º, n.º 1, do CPC.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2021 (Pº 2460/15.6T8LOU-C.P1.S1, rel. OLIVEIRA ABREU):
“São requisitos do caso julgado, quando se propõe uma acção idêntica a outra, já transitada em julgado, a identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir.
Há identidade de sujeitos quando as partes sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível correspondência física e sendo indiferente a posição que adoptem em ambos os processos.
Há identidade de pedido quando se verifica coincidência da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito impetrado. O pedido, não deve ser entendido na pura literalidade em que se declara o petitório, mas com o alcance que decorre da respectiva conjugação como os fundamentos da pretensão arrogada, por forma a compreender o modo específico da pretendida tutela jurídica.
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas demandas procede do mesmo facto jurídico, entendendo-se a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito, donde se deverá atender a todos os factos invocados que forem injuntivos da decisão, correspondendo, pois, à alegação de todos os factos constitutivos do direito e relevantes no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender, independentemente da coloração jurídica dada, sendo que a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido”.
Tal situação de caso julgado pode ocorrer em termos intraprocessuais, quando se verifique que já foi proferida decisão entre as partes, relativamente a causas de pedir e a pretensões idênticas, ou, em termos extraprocessuais.
Por outro lado, a exceção de caso julgado distingue-se da denominada autoridade do caso julgado: “A excepção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas acções (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido; e visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, por forma a evitar a repetição de causas. A força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre a matéria em discussão, nomeadamente com a sua força vinculativa; e visa o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, por forma a que não volte a ser discutida (podendo funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela excepção)” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-03-2021, Pº 1999/20.6T8BRG.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).
Assim, por exemplo: “O despacho proferido a indeferir liminarmente o incidente de habilitação, entendendo que o mesmo, tendo sido requerido depois de ter sido proferido o acórdão pelo qual se julgou definitivamente a ação, altura em que estavam já findos os termos desta, era manifestamente intempestivo, uma vez transitado em julgado, faz caso julgado formal, impedindo que posteriormente venha o tribunal a proferir novo despacho de sentido contrário” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-01-2016, Pº 2450/10.5TVLSB.E1, rel. MATA RIBEIRO).
Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 13 e ss.) ensaia uma linha de atuação para a aferição, na prática, da relação de identidade entre causas, concluindo que, primeiro, “apura-se a consideração dos efeitos que uma eventual segunda decisão de mérito terá sobre a primeira decisão de mérito”, importando que, a primeira decisão haja transitado em julgado, nos termos do artigo 628.º CPC; “Depois, para efeitos da exceção de caso julgado há que comparar o teor da parte dispositiva da decisão já transitada com o perímetro potencial da decisão a proferir no segundo processo, segundo as soluções plausíveis da questão de direito, para o que relevam o objeto e os sujeitos determinados pelo autor na petição. Em suma: comparar uma decisão passada com uma potencial decisão futura”.
Não poderá olvidar-se que o efeito negativo do caso implica, que transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 574).
Tal proibição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao enunciado seguinte: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida (cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC) independentemente de ser alheia ou ser sua (cf. artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o que apenas poderá ter lugar em sede de recurso.
Finalmente, cumpre referir que o próprio ordenamento jurídico tem uma salvaguarda para a possibilidade de ocorrência de casos julgados contraditórios, valendo (na expressão legal: “cumprindo-se”) a decisão primeiramente transitada – cfr. artigo 625.º, n.º 1, do CPC. Este princípio é aplicável à contradição que exista entre duas decisões que, “dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual” (cfr. n.º 2 do artigo 625.º do CPC).
Assim, conforme se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-11-2020 (Pº 19520/18.4T8LSB.L1-2, rel. MARIA JOSÉ MOURO), “em dois aspectos se pode revelar a força do caso julgado: o da excepção do caso julgado (ou seja, da decisão transitada em julgado) e o da autoridade do caso julgado, não se confundindo uma com a outra. Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem, antes o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, efeito esse que assenta numa relação de prejudicialidade”.
Em síntese, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019 (Pº 355/16.5T8PMS.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES): “1.- O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 2. Quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão). 3.- O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão). 4.- Ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir”.
Quanto à autoridade do caso julgado, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-12-2016 (Pº 80954/14.6YIPRT.P1, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA) concluiu que: “Para a verificação da excepção da autoridade do caso julgado é necessário que na nova acção os mesmos sujeitos (do direito) pretendam discutir de novo o mesmo facto jurídico (a mesma causa de pedir) para o mesmo efeito jurídico (a efectivação de um direito)”.
No que concerne à verificação do referido efeito, quanto a questões prejudiciais ou incidentais, concluiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2014 (Pº 556/12.5TBTMR-A.C1, rel. SÍLVIA PIRES) que: “Se o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão e se o seu sentido e alcance são determinados pela fundamentação da mesma, ficando definitivamente julgadas as questões principais que constituem o objecto do processo, é problemático se o mesmo deve ocorrer relativamente às questões prejudiciais e incidentais que o tribunal tem de resolver para obter a decisão do caso. Não é conveniente adoptar um critério rígido sobre os limites do caso julgado quando às questões prejudiciais, sendo, contudo, possível afirmar que, se o caso julgado não deve abranger o pronunciamento sobre toda e qualquer questão debatida no percurso lógico que conduziu à decisão da acção, justifica-se que ele confira definitividade ao julgamento das questões prejudiciais quando estas se encontrem numa estreita interdependência com a decisão, de tal modo que mesmo quando as partes não hajam formulado os correspondentes pedidos, provocando pronúncias formais em termos decisórios do tribunal, seja aconselhável impedir uma nova apreciação da mesma questão de modo a evitar uma incompatibilidade prática entre as duas decisões, o que deve ser verificado caso a caso”.
Para além destas considerações gerais, cumpre salientar que a doutrina e a jurisprudência se têm defrontado com a questão do caso julgado (e da exceção de autoridade do caso julgado) em sede de embargos de executado.
Lebre de Freitas (Ação executiva e caso julgado, in R.O.A., 1993, II, pp. 227-235) apreciou a questão nos termos seguintes:
“Diversamente da contestação da acção declarativa, a oposição por embargos de executado constitui, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, tendo o carácter duma contra-acção (…) tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia (…): quando tem um fundamento processual, o seu objecto é uma pretensão de acertamento negativo da falta dum pressuposto processual da acção executiva, que, por isso, sendo a oposição procedente, é reconhecida como inadmissível; quando veicula uma oposição de mérito à execução, o seu objecto é uma pretensão de acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva, mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal (…). No primeiro caso, a circunscrição da eficácia da sentença dos embargos ao processo executivo não é duvidosa, uma vez que a sentença mais não produz do que um caso julgado formal (art. 672.° CPC). O segundo caso, porém, leva a equacionar a questão da formação dum caso julgado material (…).
Assim, no caso de oposição de mérito, a procedência dos embargos não se limita a ilidir a presunção estabelecida a partir do título e, embora sempre nos limites objectivos definidos pelo pedido executivo, goza de eficácia extraprocessual nos termos gerais, como definidora da situação jurídica de direito substantivo reinante entre as partes: no caso. por exemplo, do pagamento da dívida constante do título, a sentença não declara tanto que a execução não é já possível com base nesse título como que a obrigação exequenda está extinta pelo facto do pagamento, só indirectamente (…) daí resultando a ineficácia do título. A sentença proferida sobre uma oposição de mérito é assim dotada da força geral do caso julgado (…), sem prejuízo de, quando for de improcedência, os seus efeitos se circunscreverem, nos termos gerais (…). pela causa de pedir invocada (negação dum fundamento da pretensão executiva ou excepção peremptória contra ela), não impedindo nova acção de apreciação baseada em outra causa de pedir”.
Também sobre a questão, que se alterou sensivelmente em 2013 com a introdução do inovador n.º 5 do artigo 732.º do CPC (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho e onde se dispôs que: “Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”), Miguel Teixeira de Sousa (no estudo “Preclusão e caso julgado”, Fev. 2016, pp. 14-15, consultado em: https://www.academia.edu/22453901/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_02.2016) discorre, nos seguintes termos, a que aderimos: “Em referência ao caso julgado da decisão proferida nos embargos de executado, o art. 732.º, n.º 5 [que passou a n.º 6, na sequência da alteração introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro], estabelece que a decisão proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda. Deste regime decorre que, se o executado invocar, por exemplo, que a obrigação exequenda se encontra prescrita (cf. art. 729.º. al. g)) e se o tribunal considerar os embargos improcedentes com este fundamento, o executado não pode invocar, nem na execução pendente, nem em qualquer outra acção, nenhum outro fundamento que demonstre que a obrigação não existe, é inválida ou é inexigível.
Atendendo ao que já se referiu, do disposto no art. 732.º, n.º 5 [n.º 6], não decorre que é o caso julgado da decisão proferida nos embargos que preclude a invocação de um fundamento diverso daquele que o executado invocou nos embargos à execução. Na verdade, a preclusão da invocação de um outro fundamento de inexistência, de invalidade ou de inexigibilidade da pretensão exequenda não ocorre no momento do trânsito em julgado da decisão, mas no momento em que o executado apresenta a petição de embargos. É a partir deste momento que, ressalvada a admissibilidade da alteração da causa de pedir da oposição à execução (cf. art. 265.º, n.º 1), o executado não pode invocar nenhum outro fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda. A referência temporal da preclusão que afecta o executado não é o trânsito em julgado da decisão de embargos, mas o anterior momento da entrega da petição inicial dos embargos à execução.
Posto isto, supõe-se que o sentido do estabelecido no art. 732.º, n.º 5 [n.º 6], só pode ser este: a partir do momento em que se verifica o trânsito em julgado da decisão de improcedência da oposição à execução deduzida com um certo fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda, a preclusão da invocação de um fundamento distinto daquele que foi alegado pelo executado passa a operar através da excepção de caso julgado.
Quer dizer: a preclusão da alegação de um fundamento distinto que já se verificava a partir do momento da entrega da petição inicial dos embargos de executado passa a actuar através da excepção de caso julgado, se esse fundamento for indevidamente alegado numa acção posterior.
Portanto, a excepção de caso julgado não origina a preclusão do fundamento não alegado nos embargos de executado, mas é um meio para impor a estabilização decorrente da preclusão desse fundamento num outro processo.
Fornecendo um exemplo: o executado embargou a execução com fundamento no pagamento do crédito exequendo; os embargos são considerados improcedentes; numa outra execução para obtenção de uma parcela restante do mesmo crédito, o mesmo executado opõe-se à execução com fundamento na invalidade do contrato que constitui a fonte desse crédito; contra esta invocação opera a excepção de caso julgado, dado que, nos primeiros embargos, ficou decidido com força de caso julgado que nada obstava à execução da obrigação exequenda. Como o exemplo demonstra, não é a excepção de caso julgado que produz a preclusão, mas a preclusão que se serve desta excepção para impor a sua função estabilizadora”.
Em ulterior escrito (cfr. Jurisprudência (39), disponível em: https://blogippc.blogspot.com/2019/06/jurisprudencia-2019-34.html), Miguel Teixeira de Sousa, comentando o acórdão do STJ de 19-03-2019 (Pº 751/16.8T8LSB.L2.S1) reportando-se à norma do actual n.º 6 do artigo 732.º do CPC, mas, quanto a saber se o executado poderá invocar em ulteriores embargos fundamentos de defesa que poderia já ter apresentado anteriormente em pregressa execução, desenvolve o seguinte pensamento: “Este regime só pode significar isto: enquanto não for invocado um facto subjectiva ou objectivamente superveniente ao encerramento da discussão nos embargos de executado não pode pôr-se em causa a existência, a validade ou a exigibilidade da obrigação exequenda que foi reconhecida na decisão proferida nos embargos de executado. Aliás, foi esta a razão pela qual em 2013 se introduziu (de forma inovatória, passe a redundância) no actual CPC o n.º 5 [correspondente, como se disse, ao vigente n.º 6] do art. 732.º.
Qualquer outra solução -- nomeadamente a que entende que não há nenhuma preclusão dos fundamentos de defesa do executado -- é, naturalmente, incompatível com o regime do caso julgado estabelecido no art. 732.º, n.º 5, CPC. É exactamente porque está precludida a invocação em processo posterior de qualquer meio de defesa que podia ter sido invocado nos embargos que há caso julgado sobre a existência, a validade ou a exigibilidade da obrigação exequenda. Entender o contrário -- isto é, aceitar que essa preclusão não existe -- implica naturalmente concluir que, afinal, não há caso julgado material sobre a existência, a validade e a exigibilidade da obrigação exequenda”.
Na jurisprudência têm sido várias as situações em que se tem debatido o efeito da decisão dos embargos de executado em caso de instauração de ulterior demanda. Entre outros, abordaram a problemática, ainda que com situações concretas diversas, os seguintes arestos (elencados por ordem cronológica):
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2014 (Pº 2997/11.6TBMTS.P1, rel. PEDRO MARTINS): “I - Nada impede a invocação duma excepção não deduzida [na oposição à execução] (que não respeite à configuração da relação processual executiva) em outro processo. A decisão neste subsequentemente proferida não tem eficácia no processo executivo, mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido” ou (e) à condenação do exequente numa indemnização ao executado. II - A sentença proferida sobre uma oposição de mérito [à execução] é […] dotada da força geral do caso julgado, sem prejuízo de, quando fôr de improcedência, os seus efeitos se circunscreverem, nos termos gerais, pela causa de pedir invocada (negação dum fundamento da pretensão executiva ou excepção peremptória contra ela), não impedindo nova acção de apreciação baseada em outra causa de pedir”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-10-2016 (Pº 998/15.4TBRG.G1, rel. ANTÓNIO SOBRINHO): “Tendo sido deduzidos embargos à execução nos quais se suscitou a questão da validade ou invalidade do negócio jurídico formalizado no escrito e relativo ao contrato de locação de estabelecimento, que constitui o título executivo, sendo esta uma questão relativa ao mérito (validade ou nulidade do contrato), discutida e decidida na sentença que julgou improcedentes os embargos, tal constitui força ou autoridade de caso julgado relativamente a acção declarativa em que mais uma vez se pretende invocar a nulidade do contrato (mais propriamente de uma das suas cláusulas)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-01-2018 (Pº 1301/12.0TVLSB.L1-1, rel. RIJO FERREIRA): “A não utilização dos meios de defesa na execução (designadamente a oposição) não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e, quando utilizados tais meios de defesa, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-10-2018 (Pº 158/14.1TBCBR.C1, rel. FALCÃO DE MAGALHÃES): “I – Constituindo petição duma ação declarativa e não contestação duma ação executiva, a dedução da oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (ónus da contestação, ónus da impugnação especificada) a cargo do réu na ação declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório, não fazendo sentido falar, a propósito, de prova de factos alegados pelo exequente ou de definição do direito decorrente do título executivo, o qual continua, após o decurso do prazo para a oposição como até aí, a incorporar a obrigação exequenda, com dispensa, em princípio, de qualquer indagação prévia sobre a sua real existência. II - Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso. III - A preclusão do direito de invocar outras exceções opera no âmbito do processo executivo, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição, salvo quando ocorra fundamento superveniente (art. 728º-2); mas não opera para além dele. IV - A não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras ações (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-09-2019 (Pº 9531/17.2T8LSB.L1-2, rel. INÊS MOURA): “1. De acordo com o disposto no art.º 732.º n.º 5 do CPC só quando nos embargos tenha sido proferida decisão de mérito transitada em julgado é que fica inviabilizada a possibilidade de as partes discutirem numa outra ação a existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, quanto aos fundamentos ali invocados, pois só nesse caso é que o tribunal se pronuncia e regula a decisão material controvertida.2. A decisão de indeferimento liminar proferida nos embargos de executado fundamentada na extemporaneidade da oposição, não se integra no âmbito da previsão desta norma pelo que não podemos dizer que os efeitos de tal decisão se estendem fora daquele processo e se impõem às partes sem que por elas possa ser questionada a existência ou validade da dívida, designadamente em ação declarativa posterior que venha a ser intentada”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-04-2020 (Pº 268/19.9T8PVZ.P2, rel. PAULO DIAS DA SILVA): “I - De acordo com o disposto no art.º 732.º n.º 5 do Código de Processo Civil só quando nos embargos tenha sido proferida decisão de mérito transitada em julgado é que fica inviabilizada a possibilidade de as partes discutirem numa outra acção a existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, quanto aos fundamentos ali invocados, pois só nesse caso é que o tribunal se pronuncia e regula a decisão material controvertida. II - Tendo a executada deduzido oportunamente oposição à execução, mas extinguindo-se a oposição por decisão de indeferimento liminar proferida nos embargos de executado fundamentada na extemporaneidade da oposição, tal decisão formou apenas caso julgado formal restrito ao processo da oposição. III - Deste modo, tendo a execução prosseguido, nada impede, seja em termos de preclusão seja em termos de caso julgado, que o executado renove a discussão que visou travar na oposição, através de acção onde visa a restituição do enriquecimento sem causa do exequente.”.
Como se explica na fundamentação deste aresto:
“Para a questão que agora nos interessa apreciar importa ter em conta o disposto no art.º 732.º, n.º 5, do Código de Processo Civil que, reportando-se especificamente ao procedimento de oposição à execução, estabelece:
“5- Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.”
Esta norma, introduzida pelo novo Código de Processo Civil, pretendeu pôr fim à controvérsia que existia no âmbito do regime anterior, discussão em que não importa agora entrar, e que se manifestava tanto na doutrina como na jurisprudência, a propósito dos efeitos e do alcance da decisão proferida nos embargos de executado fora daquele processo.
O legislador vem agora expressamente estabelecer que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (…)”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2021 (Pº 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, rel. FERNANDO SAMÕES): “I. A função positiva do caso julgado, designada por autoridade do caso julgado, tem a ver com a existência de prejudicialidade entre objectos processuais, tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, como se depreende dos art.ºs 619.º e 621.º, ambos do CPC, e implica o acatamento da decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. II. A autoridade do caso julgado não requer a tríplice identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam o antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado. III. Relativamente à eficácia subjectiva do caso julgado, embora a regra geral seja a de que ele só produz efeitos em relação às partes, também se estende àqueles  que, não sendo partes, se encontrem legalmente abrangidos por via da sua eficácia directa ou reflexa, beneficiando do efeito favorável, como sucede, designadamente, nas situações de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigos 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do CC. IV. O caso julgado material formado com o trânsito em julgado de decisão anteriormente proferida numa acção tem eficácia relativamente à embargante que não teve nela intervenção quando se discute nos embargos de executado as mesmas questões já discutidas entre a exequente e o executado, por alegadas dívidas comuns e solidárias dos executados e embargantes, casados entre si”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-05-2021 (Pº 4886/19.7T8CBR-A.C1, rel. MARIA JOÃO AREIAS): “I) Os executados têm o ónus de concentrar nos embargos de executado todos os fundamentos de oposição de que se possam socorrer, substantivos e/ou adjectivos, sob pena de não mais o poderem fazer no âmbito da acção executiva e de não mais os poderem invocar em acção autónoma através da qual pretendam obter decisão com eficácia directa na acção executiva. II) A sentença de mérito proferida nos embargos de executado faz caso julgado material quando à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda., que impede a propositura de uma nova acção de repetição do indevido fundada em idêntica causa de pedir. III) O referido em II) impede a propositura de uma nova acção de repetição do indevidamente cobrado na acção executiva fundada em idêntica causa de pedir, mas não prejudica a possibilidade de em acção autónoma se obter tal repetição com base em fundamento não invocado nos embargos”.
Feito este breve excurso, pode concluir-se que, de harmonia com o previsto no atual n.º 6 do artigo 732.º do CPC, “a sentença que julgue procedentes os embargos com base em factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda ou com fundamento em inexigibilidade dessa obrigação faz caso julgado material, em desvio à regra do art. 91.º, n.º 2. Naturalmente que a sentença de procedência dos embargos que assente na inexequibilidade do título, na incerteza ou na iliquidez da obrigação exequenda faz apenas caso julgado formal, não impedindo que seja instaurada nova ação executiva em que tais condições venham a ser satisfeitas” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil, Vol. II, Almedina, 2020, p. 91, nota 8).
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, vemos que a decisão recorrida fundamentou o conhecimento da questão, que julgou improcedente, nos seguintes termos:
“(…) Estão provados, por documentos, com relevância para a sua apreciação, os seguintes factos:
1. Em 17/11/2014, o exequente, ora embargado, intentou contra os executados, ora embargantes, acção executiva, que correu termos nesta Secção de Execução sob o n.º 5119/…T8SNT, com base nas actas nºs. 78 e 85 das reuniões da respectiva assembleia geral, para pagamento da quantia de €26.536,76, por quotizações ordinárias e fundos de reserva devidos pelas lojas 21 e 21-A da Fase C, respeitantes ao período de Maio a Dezembro de 2013, pela loja 42 da Fase C, respeitantes ao período de Setembro de 2011 a Dezembro de 2013, e pelas lojas 43 e 44 da fase C, respeitantes ao período de Maio a Dezembro de 2013.
2. Por despacho de 15/12/2015, foi rejeitada a execução, por manifesta falta de título executivo, nos termos dos artigos 820.º e 812.º-E, n.º 1, alínea a), do CPC.
3. A exequente, inconformada, recorreu dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 31/08/2017, transitado em julgado, confirmou o julgado.
4. Em 16/12/2019, veio a mesma exequente intentar contra os ora embargantes nova acção executiva, de que os presentes autos são apenso, com base nas actas nºs. 93 e 94 de reuniões da respectiva assembleia geral, para pagamento da quantia de €97.536,76, por quotizações ordinárias e fundos de reserva devidos pelas lojas 21 e 21-A da Fase C, respeitantes ao período de Janeiro de 2014 a Dezembro de 2018 e de Janeiro de 2014 a Agosto de 2015, respectivamente, e pelas lojas 42, 43 e 44 da Fase C, respeitantes ao período de Janeiro de 2014 a Dezembro de 2018.
Admitem os embargantes que não existe, em rigor, identidade de pedido e causa de pedir entre o processo executivo n.º 5119/…T8SNT e o processo executivo a que se opõem através dos presentes embargos de executado, como antecipado pela exequente no requerimento executivo.
E efectivamente assim é.
De facto, as dívidas executadas em cada uma dessas acções são distintas, tal como distintos os documentos, dados à execução, que as titulam, pelo que se não verifica a excepção dilatória de caso julgado, que exige que haja entre os processos em confronto identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (artigo 581.º, n.º 1, do CPC).
Não obstante, defendem os executados que se verifica a excepção de autoridade de caso julgado, que, como sustentado em aresto que transcrevem, «não requer a tríplice identidade a que alude o n.º 1 do artigo 581.º do CPC, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado».
É, concluem, precisamente o que se passa no caso vertente: «(…) se a decisão que determinou que as actas por meio das quais se pretende o cumprimento de uma obrigação não revestem a natureza de título executivo, e ainda que nestes autos se pretenda atribuir tal virtuosidade a actas diferentes, aquela decisão não pode ser contrariada nos presentes autos».
Porém, com o devido respeito, afigura-se que não assiste razão aos executados/embargantes.
É que apenas as decisões de mérito transitadas, que formam caso julgado material, podem impor a sua autoridade fora do processo (artigo 619.º, n.º 1, do CPC), que é um dos efeitos, de ordem positiva, que decorrem dessa modalidade de caso julgado. Contrariamente, as decisões que recaem unicamente sobre a relação processual, como é o caso daquelas que versam sobre os pressupostos processuais da instância, formando caso julgado formal, apenas têm força obrigatória dentro do processo (artigo 620.º, n.º 1, do CPC).
Ora, a existência de titulo executivo é um pressuposto processual específico da acção executiva (artigos 10.º, n.º 5, 703.º, 726.º, n.º 2, alínea a), e 734.º, n.º 1, do CPC). Assim sendo, a decisão transitada que julga que um determinado documento não reúne os requisitos legais para valer como título executivo apenas é obrigatória dentro do processo onde foi proferida, impedindo que acerca da mesma questão se profira nele diferente decisão.
É manifestamente o caso da decisão proferida na acção executiva n.º 5119/…T8SNT, que se limitou a rejeitar a execução por considerar que as actas dadas à execução não preenchiam os requisitos legais de exequibilidade previstos no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, não sendo demonstrativo do contrário, como é evidente, as razões de direito substantivo invocadas para afastar a qualificação da exequente como um verdadeiro condomínio.
Assim sendo, apesar de a referida decisão ter transitado em julgado, não está o Tribunal obrigado, neste processo, a acatá-la, decidindo no mesmo sentido.
A excepção peremptória de autoridade de caso julgado deve, por isso, improceder.”.
Apreciando, cumpre evidenciar que, como salientaram os embargantes e como referenciado na decisão recorrida, não se verifica, no caso em apreço e com relação ao processo n.º 5119/…T8SNT, a excepção de caso julgado, a qual supõe a tríplice identidade de sujeitos, pedido e de causa de pedir, entre ambas as causas.
Com efeito, desde logo, as dívidas executadas em cada uma das acções executivas – 5119/…T8SNT e nos presentes autos - são distintas, tal como distintos os títulos dados à execução, sendo diversa a causa de pedir entre ambos os processos.
A questão a decidir é, pois, a de saber se a decisão proferida na ação executiva n.º 5119/…T8SNT se impõe à decisão a proferir nos presentes autos, em termos de os efeitos dela decorrentes impedirem o conhecimento nesta ação executiva.
Os embargos de executado visam, na sua procedência, a extinção, total ou parcial, da execução (art.º 732.º, n.º 4, do CPC), pelo que o pedido a formular pelo embargante é o da extinção da execução.
Ao julgar o pedido de extinção da execução que os embargos de executado expressam, o tribunal atém-se aos fundamentos esgrimidos pelo embargante que, no caso de a execução ter por base um título que não uma sentença, podem ser tanto os especificados no art.º 729.º do CPC como os invocados em processo de declaração (art.º 731.º do CPC).
De entre eles, contam-se os relativos à relação de direito processual e os relativos à relação de direito material, justificativa da emissão do título dado à execução, entre as partes.
“À luz, pois, da finalidade e do pedido dos embargos de executado, insere-se no mérito da causa, rectius, no mérito da causa dos embargos, todo o fundamento que, independentemente da sua natureza, substantivo ou processual, tem potencialidade abstracta para, a ser julgado procedente, fazer extinguir a execução” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2019, Pº 3503/16.1T8VIS-A.C1.S1, rel. FERNANDO SAMÕES).
Contudo, como se assinala na decisão recorrida, apenas as decisões de mérito transitadas em julgado, que formam caso julgado material, podem impor a sua autoridade fora do processo (artigo 619.º, n.º 1, do CPC), que é um dos efeitos, de ordem positiva, que decorrem dessa modalidade de caso julgado.
Já as decisões que recaiam apenas sobre a relação processual, como é o caso daquelas que versam sobre os pressupostos processuais da instância, formando caso julgado formal, apenas têm força obrigatória dentro do processo (artigo 620.º, n.º 1, do CPC).
No caso, a existência de titulo executivo é um pressuposto processual específico da acção executiva (artigos 10.º, n.º 5, 703.º, 726.º, n.º 2, alínea a), e 734.º, n.º 1, do CPC), pelo que, a decisão transitada que julga que um determinado documento não reúne os requisitos legais para valer como título executivo apenas é obrigatória dentro do processo onde foi proferida, impedindo que acerca da mesma questão se profira nele diferente decisão.
Assim, como já se referiu, a sentença de procedência dos embargos que assenta apenas na verificação da inexequibilidade do título, na incerteza ou na iliquidez da obrigação exequenda, faz apenas caso julgado formal, não impedindo que seja instaurada nova ação executiva em que tais condições venham a ser satisfeitas.
É o caso da decisão proferida na acção executiva n.º 5119/…T8SNT, que se limitou, nos termos do despacho proferido nesses autos em 15-12-2015 – e ulteriormente sancionado pelo Tribunal da Relação de Lisboa - a rejeitar a execução por considerar que as actas dadas à execução não preenchiam os requisitos legais de exequibilidade previstos no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, pelo que, não se mostram violados, pela decisão recorrida, os normativos dos artigos 577.º, al. i) e 726.º, n.º 2, al. b) do CPC.
E também é o caso da decisão que, no âmbito do processo n.º 12365/18.3T8SNT, decidiu – nesse processo e apenas com efeito de caso julgado formal no âmbito do mesmo – pela ocorrência da exceção dilatória de falta de personalidade judiciária.
É que, como magistralmente explicam Antunes Varela et al. (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, 1985, p. 717), “as reservas formuladas quanto à eficácia do caso julgado sobre os factos subjacentes à decisão procedem de igual modo, mutatis mutandis, quanto às relações jurídicas prejudiciais, quanto às excepções reconhecidas ou negadas e quanto às qualificações jurídicas aceites nos fundamentos da decisão.
Essa é, como vimos, a solução para que aponta o disposto no artigo 96.º, n.º 2 [atual artigo 91.º, n.º 2 do CPC em vigor], segundo o qual «a decisão das questões e incidentes suscitados não constitui ….caso julgado fora do respectivo processo», a não ser que algumas das partes requeira o julgamento com essa amplitude”.
Conclui-se, pois, no sentido de que a decisão recorrida não violou a autoridade de caso julgado formado pela decisão proferida na acção executiva n.º 5119/…T8SNT, nem na ação declarativa n.º 12365/…T8SNT, nem o prescrito nos mencionados preceitos legais.
*
C) Se o Tribunal recorrido deveria ter considerado inexistir título executivo nos termos do artigo 726.°, n.° 2, al. a), do CPC, por, no momento de apresentação do requerimento executivo, não terem sido apresentadas as actas de deliberação das quotas de 2014 a 2017?
Invocaram também os embargantes que ocorreu um vício no requerimento executivo, sendo que o Tribunal recorrido deveria ter considerado inexistir título executivo, por, no momento em que aquele foi apresentado, não foram juntas as actas de deliberação das quotas de 2014 a 2017.
Alegaram, para tal efeito, o seguinte:
“Nos termos do artigo 6°, n.° 1, do DL 268/94, de 25-10, diz que “a acta da reunião de assembleia de condôminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui, título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”
Ora, de uma leitura, ainda que menos profunda, do texto da lei acima transcrito resulta que, para que haja título executivo é necessário que (i)se estabeleça, em acta, o montante devido por cada condómino e o prazo para o respectivo pagamento e que (ii), posteriormente, decorrido o prazo para pagamento, a contribuição previamente estabelecida, não seja paga.
Neste sentido, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08.01.2013, disponível em www.dgsi.pt, que refere que(sublinhados nossos) "As contribuições devidas (...) terão de ser entendidas como contribuições que vierem a ser devidas e não como contribuições em dívida.
Desde logo pelo argumento literal da parte final da norma: "constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte. O condómino que deixar de pagar a contribuição no prazo estabelecido. Para o futuro.
Depois, fixar a quantia em divida é uma mera operação contabitística, bastando somar as contribuições e despesas em falta, o que ocorre apenas para prestação de contas".
No mesmo sentido, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.03.2012, também disponível em www.dgsi.pt (sublinhados nossos):
"A questão central (...) é saber o que significa a expressão "contribuições devidas", mais concretamente se reporta às contribuições fixadas e a cargo de cada condómino, a liquidar periodicamente, em regra mensal, ou aquelas que estejam já vencidas e não pagas e como tal reconhecidas em Assembleia de Condóminos (...).
a. Salvo o devido respeito, que é muito, por opinião adversa, partilhamos a primeira posição.
b. É que o sentido da expressão "contribuições devidas ao condomínio" só poderá abranger o valor das contribuições, a cargo de cada um dos condóminos, de acordo com critérios legais (na proporção da sua fracção) a liquidar, em regra, periodicamente.
c. Desde logo porque a assembleia de condóminos quando reconhece que o condômino está em dívida com determinado valor, reconhece apenas que ele deixou de liquidar a contribuição anteriormente fixada, dentro do prazo estabelecido para o efeito, ou seja, não fixa a contribuição que será devida ao condomínio, antes se limita a constatar a existência dessa dívida e, consequentemente, não constitui título executivo (...).
d. Assim, a ata constitui título executivo, relativamente à contribuição devida se o condómino deixar de pagar a sua quota-parte ali fixada e no prazo estabelecido, o mesmo é dizer que, para além da necessidade de fixação da sua quota-parte nessa contribuição, tem de ser fixado o prazo de pagamento. Dito de outro modo, o montante fixado só se torna exigível se o pagamento não for efectuado dentro desse prazo, ou seja, posteriormente à sua aprovação.
e. Donde, conferir-se eficácia executiva à ata onde foi fixada a obrigação a pagar no futuro".
Ora, confrontando o documento em que assenta a pretensão executiva com o ensinamento da douta jurisprudência citada, é mister concluir que, in casu, inexiste o título executivo.
Com efeito, a acta da assembleia geral de condóminos, acta 94, a que se reporta o requerimento executivo, consiste numa mera declaração, a título informativo, da pretensa existência de determinadas dívidas, supostamente já vencidas, por parte de alguns condóminos.
Aquela acta não define quaisquer obrigações para o futuro, limitando-se a uma declaração de (suposta) ciência sobre eventuais dívidas de condomínio.
Manifestamente, a acta em que assenta a execução não contém, como é exigido legalmente, qualquer referência à data de vencimento das pretensas quotas de condomínio.
Pelo que a execução carece de título executivo bastante, tal como definido pelo art. 6.° do Decreto-Lei n.° 268/94, de 25 de Outubro, no que concerne às quotas em dívida desde janeiro de 2014 até Dezembro de 2018.
Contudo, o entendimento do Tribunal a quo, foi no sentido de não existir qualquer vício no título executivo dos autos e mesmo houvesse estaria sanado com a junção posterior de documentos, assim: Cfr. Sentença a fls.
“De todo o modo, ainda que assim não fosse, certo é que a exequente veio juntar, nos presentes embargos, as actas que aprovaram o valor das quotas de condomínio executadas nos autos principais, o que permitiu confirmar a correspondência com a realidade dos valores que constam como tal na acta n. ° 94, junta com o requerimento executivo
Ora, não sufragamos tal interpretação da lei.
O título executivo é o documento que está revestido das formalidades exigidas pela lei substantiva, neste caso, a exequibilidade dos documentos particulares, por disposição especial gozam de força executiva (art.° 6.°, n.° 1, DL 268/94)
Ora, a característica dos títulos executivos está pois na sua suficiência e na tipicidade.
O título executivo trazido pelo recorrido é manifestamente inexequível por não preencher os requisitos para desempenhar a sua função específica e especialmente prevista na lei.
Por estar incompleto o título executivo veio o recorrido compor o título executivo após a entrada do requerimento executivo, o que é inadmissível e ilegal.
Se o recorrido não traz à execução o documento na forma estabelecida por lei a consequência é a de que os factos constitutivos do dever de prestação na execução não são merecedores de tutela executiva.
Ao contrário das acções declarativas, aqui não pode haver lugar à sanação de qualquer invalidade formal (exequibilidade) ou substancial (pretensão executiva).
O recorrido ao juntar à execução as actas de condomínio que vertam os factos constitutivos do dever de prestação invocados por ele, é o equivalente a permitir alterar e acrescentar factos essenciais em sede de uma acção declarativa comum.
Em acção executiva não existe causa de pedir como na acção declarativa, não há lugar a articulados supervenientes.
Na causa de pedir, em sede da acção executiva, de obrigação causal, confunde-se o título executivo com os factos constitutivos do dever de prestação, pois que os factos essenciais são aqueles que se reportam ao único facto jurídico, a acta, do qual procede a pretensão do exequente, como causa constitutiva do direito de executar o pagamento.(Da mesma forma a sentença como título executivo é incontestável a impossibilidade do exequente de vir juntar mais outro documento para justificar a pretensão na pendência da execução).
Logo, a junção de documentos pelo recorrido, na pendência da execução, para dar a forma exequível ao título executivo é um desvirtuamento do primado dos títulos executivos plasmado no artigo 703.° do CPC.
Não se encontrando completo o título executivo do exequente no momento da interposição da acção executiva, a cominação é o de indeferimento liminar pura e simples do requerimento executivo.
Pelo que, o Tribunal a quo devia ter julgado pela improcedência do pedido de execução por inexistência do título executivo.”.
O recorrido contrapôs, nomeadamente, o seguinte, sobre o ponto:
“Os Executados/recorrentes foram sempre convocados para as (e receberam as cópias das atas das) assembleias em que os valores das quotizações, prazos de pagamento e penalizações aplicáveis foram aprovados, concretamente:
a) a assembleia geral de 27 de junho de 1996, em que (ponto 6 da Ordem de Trabalhos, com referência ao n.º 1 do artigo 16.º do Regulamento Interno) é aprovado o prazo para pagamento das quotizações (mensais) – cfr. Ata n.º 28 junta com a contestação de embargos;
b) a assembleia geral de 24 de maio de 2007, em que (ponto 5 da Ordem de Trabalhos) é aprovada a penalização de 10% – cfr. Ata n.º 72 junta com a contestação de embargos;
c) a assembleia geral de 28 de março de 2014, em que (pontos 4 e 11 da Ordem de Trabalhos) são aprovados os valores da quotização referentes a 2013 e a 2014 – cfr. Ata n.º 85 junta com a contestação de embargos;
d) a assembleia geral de 12 de fevereiro de 2015, em que (ponto 4 da Ordem de Trabalhos) é aprovado o valor da quotização referente ao ano de 2015 – cfr. Ata n.º 88 junta com a contestação de embargos;
e) a assembleia geral de 28 de abril de 2016, em que (ponto 3 da Ordem de Trabalhos) é aprovado o valor da quotização referente ao ano de 2016 – cfr. Ata n.º 89 junta com a contestação de embargos;
f) a assembleia geral de 18 de setembro de 2017, em que (ponto 3 da Ordem de Trabalhos) é aprovado o valor da quotização referente ao ano de 2017 – cfr. Ata n.º 92 junta com a contestação de embargos;
g) a assembleia geral de 23 de março de 2018, já junta aos autos com o requerimento executivo, em que (ponto 3 da Ordem de Trabalhos) é aprovado o valor da quotização referente ao ano de 2018 – cfr. Ata n.º 93 junta aos autos com o requerimento executivo.
Nos casos em que é entendimento do tribunal que apenas pode servir como título executivo a ata da assembleia de condóminos onde tenha sido fixada a prestação a pagar por cada um dos condóminos para comparticipação nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, com indicação do respetivo prazo de pagamento, a prática seguida (e correspondida pelo ora contestante) é o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo.
Neste âmbito, não se acompanha a tese defendida pelos recorrentes, antes se acompanhando a jurisprudência expressa em acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de setembro de 2019 (processo n.º 35949/11.6TYYLSB-L1-7): “A insuficiência de título executivo prevista na al. a) do n.º 2 do art. 726.º do Cód. Proc. Civil, que importa o indeferimento liminar do requerimento executivo, tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional, sendo esse o significado de „manifesta‟”.
Assim, também não assiste qualquer razão aos recorrentes na alegação da falta de título executivo.”.
Vejamos:
A decisão recorrida apreciou a questão que já tinha sido suscitada pelos embargantes (cfr. artigos 25.º a 33.º da petição de embargos) nos seguintes termos:
“(…) Cumpre agora apreciar a questão de saber se, sendo de aplicar ao caso sub judice o disposto no citado preceito legal, as actas concretamente dadas à execução preenchem os requisitos de exequibilidade nele consagrados.
Os embargantes defendem que não, alegando que a acta n.º 94, em particular, «não contém, como é exigido legalmente, qualquer referência à data de vencimento das pretensas quotas de condomínio», consistindo «numa mera declaração, a título informativo, da existência de determinadas dívidas, supostamente já vencidas, por parte de alguns condóminos».
Em resposta, afirma o exequente que a referida acta reúne os requisitos de que depende, nos termos do invocado preceito legal, a sua força executiva, na medida em que permite, «de forma clara e por simples aritmética», determinar o valor da dívida dos executados; de todo o modo, «a assembleia de condóminos aprovou os valores das quotizações mensais ou das contribuições devidas ao condomínio, e aprovou o regulamento que inclui a regra relativa à data do vencimento de tais quotizações», como atestado nas atas dadas à execução e naquelas que ora junta, sendo que a respectiva falta de junção sempre seria passível de convite ao aperfeiçoamento.
Cumpre decidir.
Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, «a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».
Como decorre do preâmbulo desse diploma legal, pretendeu-se com tal solução «tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal», dotando o condomínio dum instrumento célere e eficaz para a prossecução de uma das suas principais atribuições, a de «cobrar as receitas» e de «exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas» (artigos 1436.º, alíneas d) e e), e 1437.º, n.º 1, do Código Civil), sem necessidade de prévia instauração de acção declarativa.
Porém, conforme emerge do transcrito n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, título executivo é apenas a acta que contenha a deliberação dos montantes e prazos em que os condóminos devem pagar as contribuições devidas ao condomínio, que é o acto jurídico donde emerge a respectiva obrigação de pagamento.
Subjacente à exigência de que a acta contenha a deliberação dos montantes e prazos de pagamento das contribuições devidas ao condomínio estão, desde logo, razões de segurança jurídica quanto à constituição e delimitação do conteúdo (imediato) da obrigação exequenda e sua exigibilidade, de modo a assegurar o recurso direcionado e circunscrito à tutela jurisdicional executiva, que, como é sabido, é particularmente intrusiva na perspectiva da defesa da esfera jurídica do executado.
A rapidez querida pelo legislador, no que respeita à cobrança desta particular categoria de dívidas, potenciada pela possibilidade de imediata instauração da acção executiva, foi, pois, condicionada, pelo mesmo legislador, pela exigência de um título que preencha os requisitos de exequibilidade (formais e substanciais) expressamente enunciados na lei, de forma a acautelar que a execução servirá apenas para obter a realização coerciva de obrigações já vencidas e cuja existência e conteúdo têm no documento apresentado pelo credor cabal demonstração (acertamento positivo).
Ora, analisando o teor das actas nºs. 94 e 93 dadas à execução, na parte relevante, verifica-se que consta da primeira, não apenas o valor da dívida global dos embargantes, a título de quotas de condomínio e fundo de reserva, aí liquidada, mas também os critérios que levaram à determinação dessa quantia global, enunciados por referência a cada uma das fracções a que respeitam e aos concretos valores das quotas e fundos de reserva vigentes no concreto período de tempo contabilizado (ano/mês), aí igualmente especificado.
Por outro lado, consta efectivamente do artigo 16.º, n.º 1, do Regulamento Interno do Centro Comercial, reproduzido na Acta n.º 93, igualmente junta com o requerimento executivo, que «o pagamento da quotização mensal e outros encargos da responsabilidade dos condóminos/lojistas deverá ser efectuado (…) até ao dia 8 do mês a que respeitam».
O título executivo, formado por ambas as actas, certifica, pois, com rigor e clareza, quer o conteúdo da obrigação exequenda, quer a sua exigibilidade (…).”.
Em nosso entender e adiantando, esta decisão não merece reparo, antes completa adesão, conforme em seguida se explicita.
De facto, toda a execução tem por base um título que determina o fim e os limites da acção executiva, conforme estabelece o n.º 5 do artigo 10.º do CPC.
“O título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor” (assim, Lebre de Freitas; Código de Processo Civil Anotado, vol. I, p. 87).
O título executivo tem de revelar, com um mínimo de segurança, a existência do crédito em que assenta o valor reclamado na execução, sem embargo do executado ter a possibilidade de contestar a existência da dívida.
Atendendo ao disposto pelo n.º 5 do artigo 10.º do CPC, o título executivo tem uma função de certificação (que consiste num documento que demonstra a aquisição de um direito a uma prestação), decide o fim que a ação executiva terá e tem também a importante função de estabelecer os limites da execução, evitando assim que o exequente exija mais do que aquilo que lhe é devido.
O título executivo “determina o porquê, contra quem e para que o credor requer a execução” (assim, Rui Pinto; Manual da Execução e Despejo, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 145).
Exacerbando a função do título, alguma doutrina e jurisprudência considerou que a causa de pedir na execução correspondia ao título executivo (assim, Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., p. 13 e ss.; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, p. 90; e o Ac. do S.T.J. de 19-01-1984, in BMJ 333.º, p. 386).
Contudo, com melhor adequação e ainda no âmbito da vigência temporal do anterior CPC, foi ganhando consistência a orientação daqueles Autores (cfr. Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. 3º, 1989, pp. 272-273; Antunes Varela, na Rev. Leg. Jur., ano 121º, p. 147, em anotação ao Ac. do S.T.J. de 24-11-1983; Campos Costa, no voto de vencido a esse acórdão; Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 1993, p. 60; Teixeira de Sousa, A Exequibilidade da Pretensão, 1991, p. 41; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Civil, p. 32; e na jurisprudência, entre outros, o Ac. do S.T.J. de 28-05-1991, in AJ, 19º, p. 15) que consideravam que não haverá especialidades nesta matéria, no processo de execução, pelo que, a causa de pedir traduz o facto jurídico de onde emerge a pretensão deduzida pelo exequente, sendo a orientação que melhor tutela os interesses em causa na execução e também a que melhor se compatibiliza com a aplicação subsidiária das disposições do processo declarativo, ao executivo, nas quais se encontram o n.º 4 do artigo 581.º.
Pode assim dizer-se que, o título executivo enquanto elemento formal necessário à execução, representado pelo documento de onde consta a obrigação, não se confunde com a causa de pedir da mesma execução, que será o facto jurídico concreto do qual emerge a pretensão apresentada.
A causa de pedir é, pois, o fundamento onde assenta a execução, o qual, apesar de constar do título, não se confunde com ele: “A causa de pedir é o elemento essencial de identificação da pretensão processual, ao passo que o título executivo é um elemento probatório da obrigação exequenda” (A. Varela, Rev. Leg. Jur. ano 121º, p. 148).
Em suma: “A causa de pedir na ação executiva não se reconduz ao título executivo” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020, p. 23, nota 29).
Isso mesmo ressalta do artigo 724.º do CPC, onde se estabelecem os requisitos a que deve obedecer o requerimento executivo, aí se estatuindo o seguinte:
“1 - No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente:
a) Identifica as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e números de identificação fiscal, e, sempre que possível, profissões, locais de trabalho, filiação e números de identificação civil;
b) Indica o domicílio profissional do mandatário judicial;
c) Designa o agente de execução ou requer a realização das diligências executivas por oficial de justiça, nos termos das alíneas c), e) e f) do n.º 1 do artigo 722.º;
d) Indica o fim da execução e a forma do processo;
e) Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges;
f) Formula o pedido;
g) Declara o valor da causa;
h) Liquida a obrigação e escolhe a prestação, quando tal lhe caiba, e alega a verificação da condição suspensiva, a realização ou o oferecimento da prestação de que depende a exigibilidade do crédito exequendo, indicando ou juntando os meios de prova;
i) Indica, sempre que possível, o empregador do executado, as contas bancárias de que este seja titular e os bens que lhe pertençam, bem como os ónus e encargos que sobre eles incidam;
j) Requer a dispensa da citação prévia, nos termos do artigo 727.º;
k) Indica um número de identificação bancária, ou outro número equivalente, para efeito de pagamento dos valores que lhe sejam devidos.
2 - Incumbe ao exequente, quando indique bens a penhorar, fornecer os elementos e documentos de que disponha e que contribuam para a sua exata identificação, especificação e localização, bem como para o acesso aos respetivos registos.
3 - Quando se pretenda a penhora de créditos, deve declarar-se, tanto quanto possível, a identidade do devedor, o montante, a natureza e a origem da dívida, o título de que constam, as garantias existentes e a data do vencimento; quanto ao direito a bens indivisos, deve indicar-se o administrador e os comproprietários, bem como a quota-parte que neles pertence ao executado.
4 - O requerimento executivo deve ser acompanhado:
a) De cópia ou do original do título executivo, se o requerimento executivo for entregue por via eletrónica ou em papel, respetivamente;
b) Dos documentos de que o exequente disponha relativamente aos bens penhoráveis indicados;
c) Do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, nos termos do artigo 145.º.
5 - Quando a execução se funde em título de crédito e o requerimento executivo tiver sido entregue por via eletrónica, o exequente deve sempre enviar o original para o tribunal, dentro dos 10 dias subsequentes à distribuição; na falta de envio, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do executado, determina a notificação do exequente para, em 10 dias, proceder a esse envio, sob pena de extinção da execução.
6 - O requerimento executivo só se considera apresentado:
a) Na data do pagamento da quantia inicialmente devida ao agente de execução a título de honorários e despesas, a realizar nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça ou da comprovação da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de atribuição de agente de execução;
b) Quando aplicável, na data do pagamento da retribuição prevista no n.º 8 do artigo 749.º, nos casos em que este ocorra após a data referida na alínea anterior.
7 - Aplicam-se ao disposto no número anterior os n.ºs 9 e 10 do artigo 552.º, com as devidas adaptações.”.
Não sendo embora a causa de pedir, em si mesmo, o título executivo deverá ser junto com o requerimento inicial (enquanto documento probatório ou de "acertamento" da obrigação exequenda) e deverão ser alegados os factos constitutivos da relação jurídica onde se funda o direito a executar.
No caso, o exequente juntou com o requerimento executivo as actas nºs. 94 e 93 dadas à execução, nas quais se verifica especificado quer o valor da dívida global dos embargantes, a título de quotas de condomínio e fundo de reserva, quer os critérios que levaram à determinação dessa quantia global, enunciados por referência a cada uma das fracções a que respeitam e aos concretos valores das quotas e fundos de reserva vigentes no concreto período de tempo contabilizado, também aí detalhado.
E, do artigo 16.º, n.º 1, do regulamento interno, reproduzido na acta n.º 93, consta também que o pagamento da quotização mensal e outros encargos da responsabilidade dos condóminos/lojistas deverá ser efectuado até ao dia 8 do mês a que respeitam.
Assim, o título executivo, formado por ambas as actas certifica, de facto, com rigor e clareza, o conteúdo da obrigação exequenda e a sua exigibilidade, encontrando-se presente a causa de pedir em que o mesmo se fundamenta.
Na decisão recorrida assinalou-se, ainda que:
“De todo o modo, ainda que assim não fosse, certo é que a exequente veio juntar, nos presentes embargos, as actas que aprovaram o valor das quotas de condomínio executadas nos autos principais, o que permitiu confirmar a correspondência com a realidade dos valores que constam como tal na acta n.º 94, junta com o requerimento executivo.”.
E, de facto, assim é.
Ao contrário do pugnado pelos recorrentes, não se vislumbra que houvesse motivo para o indeferimento liminar do requerimento executivo, nem, igualmente, para a possibilidade de, caso se vislumbrasse alguma insuficiência no mesmo, este poder ser completado ulteriormente com as actas de 2014 a 2017, que foram juntas pelo exequente, em sede de contestação de embargos.
A questão em apreço foi detidamente apreciada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-05-2020 (Pº 22539/17.9T8LSB-A.L1-7, rel. ANA RODRIGUES DA SILVA) onde se concluiu que:
“Considerando as vicissitudes do processo executivo e a possibilidade conferida pelo art. 734º do CPC, a possibilidade de avaliação da existência de título executivo existe ao longo do processo e até ao limite temporal estabelecido por este preceito.
Quando exista uma mera omissão na junção de actas de assembleia de condóminos em que se fixa a quota-parte de comparticipação de cada condómino nas despesas comuns, bem como o prazo e modo de pagamento, deve o tribunal providenciar pela junção de tais actas”.
E, na fundamentação do respetivo aresto desenvolveram-se as seguintes considerações:
“Questão que ora se coloca é saber se é ou não possível convidar o exequente a juntar aos autos as actas onde foram definidos os montantes devidos por cada condómino e para cada ano e que, no seu entendimento, estão em dívida.
Parece-nos pacífico que, em caso de título executivo complexo, o despacho relativo à existência de título executivo deva ser precedido de despacho convidando o exequente a suprir os vícios existentes, apenas sendo de rejeitar a execução caso esses vícios não sejam supridos no prazo concedido para o efeito.
Veja-se, neste sentido, o Ac. STJ de 10-04-2018, relator Pinto de Almeida, proc. 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2, onde se pode ler “… uma das linhas mestras que, desde a reforma de 1995, enformam o processo civil é a de garantir a prevalência do fundo sobre a forma, privilegiando-se a providência de mérito, em detrimento da aplicação estrita de normas de índole formal.
Esta orientação concretiza-se, no âmbito da acção executiva, designadamente, no dever de convidar o exequente a suprir a falta de pressupostos processuais e as irregularidades de que enferma o requerimento executivo, desde que sanáveis, como se prescreve expressamente no art. 812-E, nº 3, do CPC.
Será o caso da execução baseada em título de que resulte a incerteza da obrigação ou a inexigibilidade da prestação e não seja imediatamente oferecida e efectuada prova complementar do título.
A formulação desse convite para o aperfeiçoamento do requerimento executivo é ainda possível para além da fase liminar da execução, como decorre do disposto no art. 820º (actual art. 734º) do CPC.
Só no caso de tal convite não ter resposta adequada, não sendo aperfeiçoada a petição e suprido o vício, é que deverá ser decretada a extinção da execução (cfr. art. 812-E, nº 4)”.
Por outro lado, entendemos que, considerando as vicissitudes do processo executivo e a possibilidade conferida pelo art. 734º do CPC, a possibilidade de avaliação da existência de título executivo existe ao longo do processo e até ao limite temporal estabelecido pelo citado preceito. Neste sentido, vide Ac. TRL de 28-04-2016, relator Nuno Sampaio, proc. 7262/13.1TBOER.L1-6 (…).
A este propósito, e também no âmbito de embargos de executado, entendeu-se no Ac. TRC de 23-02-2016, relator Carlos Moreira, proc. 1962/13.3TVPBL-A.C1 que se impunha ao tribunal convidar o exequente a juntar aos autos a acta que se entende ser título executivo, face ao dever constante do art. 590º, nºs 3 e 4 do CPC, mais se referindo que “Certo é que o juiz não deve substituir-se à parte nos seus deveres decorrentes dos princípios do dispositivo, da substanciação e da auto responsabilidade.
Mas quando ele pugne por um entendimento, mais a mais numa matéria jurisprudencialmente controvertida, que é contrário à pretensão defendida pela parte decorrente de uma sua atuação que, com probabilidade, pode ser invertida no sentido propugnado pelo julgador, deve este convidá-la a atuar de modo a facultar-lhe a possibilidade de o impetrante/interessado adequar a sua intervenção e carrear para o processo os elementos que possam obstar ao indeferimento liminar ou precoce.
Tudo em consonância com o papel mais ativo e profícuo que as recentes reformas adjetivas pretendem para o juiz, e em benefício e com prevalência da substancia e da justiça sobre uma menos adequada postura formal que, iniquamente, podem obstar à consecução destes desideratos.
E, neste sentido, e precisamente quanto a esta temática, se tem pronunciado a jurisprudência.
Assim:
Se se indiciar que a ata … existe, embora não tenha sido junta com o requerimento executivo, o juiz deve, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 812.º-E do CPC, convidar o exequente a suprir a irregularidade, apresentando o título em falta e, se for o caso, corrigindo o requerimento inicial» - Ac. da RL de 11.10.2012, p. 1515/09.0TBSCR.L1-2.
«No caso de deficiente alegação e enquadramento no requerimento inicial executivo, quer factual, quer jurídico, pode ter lugar despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo ex vi do previsto no nº3 do art. 812º-E, nº1, do mesmo C.P.Civil decorrente da Reforma de 2007.» - Ac. da RC de 17.12.2014, p. 408/14.4TBVIS.C1.”.
Como se refere neste ultimo acórdão (Ac. TRC de 17-12-2014, relator Luís Filipe Cravo), “se o requerimento executivo deve ser acompanhado do título executivo (cf. art. 810º, nº6, al. a) do aplicável C.P.Civil) e se o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando “seja manifesta a falta ou insuficiência do título” (cf. nº1 do art. 812º-E do mesmo C.P.Civil), outra e diversa deve ser a solução quando se esteja afinal perante uma deficiente alegação e enquadramento, quer factual, quer jurídico, isto é, quando a situação invocada – “acta nº 10 da assembleia de condóminos” – poderia ser enquadrável como constituindo um “documento particular” que valia como título executivo”, situação em que deveria haver lugar a um despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo (…)”.
Conforme decorre do exposto, subscreve-se o entendimento de que as actas juntas com o requerimento executivo conformam, nos termos legalmente exigidos, a pretensão exequenda formulada pela exequenda, sendo que, caso tal não sucedesse, nada obstava à possibilidade de as mesmas serem complementadas com a junção operada em sede de contestação de embargos.
De acordo com o que sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, p. 72): “O indeferimento liminar deve ser reservado para situações em que, sem outras indagações, se verifiquem falhas nos pressupostos processuais ou nas condições de natureza substantiva que impeçam o início da atividade executiva. Desde logo, a invocação de um título a que reconhecidamente não seja atribuída exequibilidade ou em que esta dependa de elementos que não estão verificados (não se vislumbrando que possam ser obtidos por via de um convite ao aperfeiçoamento) (…).
De qualquer destas situações deve distinguir-se aquela em que, existindo, embora, título executivo, por qualquer razão (impossibilidade temporária ou pura omissão) não foi apresentado. Neste caso, em lugar do indeferimento liminar, ajusta-se o despacho de convite ao aperfeiçoamento, eventualmente seguido de indeferimento, se persistir a falta do documento (n.ºs 4 e 5)”.
De facto, “a insuficiência de título executivo prevista na al. a) do nº 2 do art. 726º do Cód. Proc. Civil, que importa o indeferimento liminar do requerimento executivo, tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional, sendo esse o significado de “manifesta”” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2019, Pº 35949/11.6TYYLSB-L1-7, rel. CRISTINA SILVA MAXIMIANO), características que, no caso, como se viu, não existiam em face do requerimento inicial de execução apresentado.
É que, de facto, para que se justifique o indeferimento liminar, o juiz apenas poderá atender ao que constava do requerimento executivo e do título junto, e em nenhum deles se patenteava qualquer insuficiência do título ou vício na sua formação.
Em suma: Não deriva do sucedido nos presentes autos, de acordo com o juízo formulado pelo Tribunal recorrido, alguma nulidade, alguma violação do artigo 726.º, n.º 2, al. a) do CPC, ou algum erro de julgamento, devendo manter-se a decisão recorrida atinente.
A questão suscitada a este propósito pelos embargantes é, pois, improcedente.
*
D) Se o Tribunal recorrido devia ter decidido pela inexistência de condomínio no centro comercial …, carecendo o recorrido de legitimidade?
Invocaram ainda os embargantes que o recorrido carece de legitimidade, por não ser um condomínio.
Alegaram, em suma, que:
“Esta matéria foi sujeita a um Parecer da Jurista reputada Prof. Doutora Sandra Passinhas que se encontra junto aos presentes autos, e foi julgada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo executivo 5119/…T8SNT conforme referido aquando da invocação por nós da Autoridade do caso julgado.
Vejamos os factos assentes por constarem em prova documental como a certidão de registo predial e da escritura da propriedade horizontal.
Existem 4 prédios urbanos com espaços comerciais.
O prédio urbano sito na Rua Elias Garcia n.° …-D e Avenida … Coutinho, n.°s … e …-A, Amadora, com matriz predial n.° … (art. Anterior …), corresponde a Fase A do complexo comercial;
O prédio urbano sito na Avenida Gago Coutinho n.° … a …, Amadora, com matriz predial n.° … (art. Anterior …) corresponde a FaseB do complexo comercial;
O prédio urbano sito na Praceta …Ferreira do Amaral, n.° …, … e …, Amadora, com matriz predial n.° … (art. anterior …), corresponde a Fase ClD do complexo comercial e
O prédio urbano sito na Avenida … Coutinho, n.° …, Amadora, com matriz predial n.° … (art. Anterior …, corresponde a Fase E do complexo comerciai.
Cada prédio urbano está sob o regime da propriedade horizontal conforme o registo predial de cada edifício.
Cada prédio urbano identificado tem condomínio constituído, devidamente registado na Conservatória do Registo Predial da Amadora:
• A fase A tem o condomínio com o NIPC … 035 …;
• A fase B tem o condomínio com o NIPC … … 185;
• A fase C/D tem o condomínio com o NIPC … 023 …;
• A fase E tem o condomínio com o NIPC … 993….
Cada prédio urbano tem um espaço comercial: o primeiro prédio a numeração é do n.º 1 a 96, o segundo prédio a numeração é do n.º 1 a 40, o terceiro prédio a numeração é do n.º 1 a 69 e o quarto prédio a numeração é do n.º 1 a 16.
Os complexos comerciais daqueles prédios são contíguos e estão ligados por fracções autónomas, isto é, as paredes de algumas lojas foram derrubadas para se tomarem corredores.
Por exemplo as fracções autónomas de letras “DM”, “AH” foram destinadas a serem corredores sem que tivesse ocorrido qualquer alteração contrariando frontalmente a finalidade e utilização constante na escritura da propriedade horizontal, (ambas sito no prédio urbano sito na Rua Elias Garcia n.° …-D e Avenida … Coutinho, n.°s … e …, Amadora, com matriz predial n.° … (art. Anterior …)
A leitura que o Tribunal a quo faz destes corredores é no sentido de serem a ligação funcional do Centro Comercial…, o que é totalmente errado.
O recorrido não faz prova da existência das ligações funcionais no dito centro comercial.
No entanto o Tribunal a quo, sem mais, assume a existência sem prestar qualquer esclarecimento para concluir como concluiu. Discorre assim a sentença a fls. cfr.
“Ora, sendo a ligação funcional entre os edifícios o aspecto juridicamente relevante que justifica a possibilidade de extensão de regime determinada no citado preceito legal
(...) O preceito legal invocado pelo Tribunal a quo é o artigo 1438.°-A do CC cujo enquadramento no caso em apreço é completamente errada, desde logo por o caso não preencher os pressupostos ou requisitos para a sua aplicação.
O título constitutivo de cada prédio mantém-se inalterado.
Não há um título constitutivo do Centro comercial Babilónia.
Há confusão de determinação de espaço habitacional do espaço comercial de tal modo que na prática, o dia a dia, os habitantes para chegarem às suas habitações têm de atravessar os corredores do centro comercial.
As escrituras públicas de propriedade horizontal de cada prédio não permite a aplicação do regime de 1438.°-A do CC.
Não deliberação de condóminos que autorizem a aplicação do regime de 1438.°-A do CC.
Ora o recorrido não alega nem prova que são cumpridos os pressupostos ou requisitos para aplicação do regime do 1438.°-A CC como lhe competia.
A determinação e delimitação da realidade tida vulgarmente por centro comercial segue o prisma da empresa e do estabelecimento, no sentido de que traduz o conjunto de pessoas reunidas sob a mesma designação para explorarem segundo as regras comuns os seus estabelecimentos.[citando, Pedro Malta da Silveira, in A Empresa nos Centros Comerciais e a Pluralidade de Estabelecimentos. Centros comerciais como realidade juridicamente relevante, Almedina 1999]
Estamos, pois, perante um fenómeno de concentração comercial, naturalmente de origem associativa (a união de pessoas) com o fito à gestão do conjunto, na criação de uma imagem comum, o aspecto unitário, a integração comercial, a uniformização do período de funcionamento, com regras comuns de funcionamento.
A estrutura jurídica de um centro comercial que tem componente comercial ou exploracional não comporta o regime de propriedade horizontal que é uma estrutura estática destinada fundamentalmente para servir de suporte a uma situação meramente imobiliária [Pedro Malta da Silveira, in A Empresa nos Centros Comerciais e a Pluralidade de Estabelecimentos. Centros comerciais como realidade juridicamente relevante, Almedina 1999, pág. 146]
Daí que não é despicienda a ausência do regulamento de condomínio do Centro Comercial ….
O centro comercial … foi uma das primeiras manifestações desses aglomerados comerciais inseridos em prédios habitacionais, já construídos, sem atender às questões relativas ao condomínio.
O Regulamento Interno do Centro Comercial … criado em 14 de Junho de 1986, é pois inequivocamente um regulamento que resulta da deliberação dos proprietários lojistas e não provém de declarações de vontade e vinculação dos condóminos de um prédio.
Ora, não obstante o regulamento interno conter várias semelhanças e pontos de contacto com que o que caracteriza um regulamento de condomínio, certo é que não é, não pode ser, um regulamento de condomínio que a lei atribui força vinculativa, enquanto conjunto de direitos e obrigações ligadas ao estatuto do direito real - a propriedade singular e a compropriedade que integram o condomínio.
Resulta, então, que cada um dos titulares das fracções autónomas destinadas ao centro comercial detém uma sobreposição de duas qualidades - enquanto donos das fracções autónomas estão sujeitos ao regime da propriedade horizontal e à disciplina estabelecida no Regulamento do condomínio (1429.°-A e 1424.° CC), - enquanto lojistas poderão estar sujeitos ao regulamento interno que foi elaborado para regular as relações dos lojistas entre si.
Portanto o recorrido não representa nenhum dos condomínios dos prédios urbanos A, B, C/D e E porque objectivamente é impossível.
Os espaços comerciais instalados nos edifícios A, B, C/D e E (cfr. artigo 1.° dos factos provados), constituídos por seu turno em propriedade horizontal não passam, por isso, a constituírem um condomínio, [vide, Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, 09-03-2004, proc 03A4204]
O centro comercial constitui uma realidade de natureza económica e comercial não submetida a qualquer regulamentação imperativa ou oponível a terceiros e o edifício, objecto de propriedade horizontal vive sujeito a um estatuto real, consubstanciado em imperativas regras do condomínio, [vide, Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, 09- 03-2004, proc. 03A4204]
Atente-se também no mesmo sentido o douto Acórdão do mesmo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no processo 6273/14.4T2SNT.L1 que versa a mesma questão sobre o mesmo prédio, em que é exequente o Centro Comercial … e outro proprietário lojista, no qual não admite “que a realidade condomínio e centro comercial seja uma realidade idêntica para efeitos de propriedade horizontal. ”
Nem outro poderia ser a orientação.
Nem se poderá in casu aplicar o regime excepcional do artigo 1438.°-A do Código Civil porquanto não existe uma deliberação em assembleia geral de condomínio de cada um dos prédios urbanos identificados que aprove a autonomia do condomínio dos espaços comerciais, nem se poderá dizer que existem condições estruturais em cada um dos prédios urbanos para autonomizarem os espaços comerciais como um condomínio autónomo por, designadamente, não existirem partes comuns próprias, ou espaços perfeitamente delimitados, com funcionalidade própria e, ainda, por as respectivas escrituras públicas da propriedade horizontal não possibilitarem a fragmentação de cada um dos prédios urbanos em causa ou a divisão das partes comuns.
Não é possível a aplicação do artigo 1438.°-A do CC, nos conjunto dos edifícios A, B, C/D e E, quando não há ligação funcional entre estes, não existem partes comuns, constituindo os edifícios autónomos entre si, os telhados estão separados entre si e com entradas autónomas. [vide Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, 2-03-2010, Proc 374/04.4TBRMZ.E1.S1]
Veja-se também no mesmo sentido o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, processo 1021/2019.5T8PVZ.PT. “(…) de um conjunto de edifícios interligados entre si, mas que cada um deles se encontra autonomamente constituído em regime de propriedade horizontal, razão pela qual não pode ser convocado o comando legal plasmado no art. 1438.°-A do C.C, sendo que para a sua aplicação ao conjunto dos oito blocos tronar- se-ia mister proceder à alteração dos títulos constitutivos das propriedade horizontal de cada um dos edifícios (e bem assim dos respectivos registos prediais, com observância do disposto no artl419.0 do mesmo diploma legal, o que, todavia, não se verifica.
O direito da propriedade horizontal caracteriza-se e distingue-se pela sua especificidade que se traduz pela incindibilidade entre a propriedade sobre uma fracção autónoma de um prédio urbano e a compropriedade das partes comuns do mesmo prédio, de tal modo que nenhum destes direitos pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum, [ex vi artigo 1420.° CC]
Qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio, as fracções autónomas constituem a coisa imóvel que embora autónoma faz parte de outra coisa maior - o prédio urbano.[artigo 204.°, n.°2 do CC]
O retrato jurídico da situação de um prédio urbano e as respectivas fracções está regulado no título constitutivo que conforme ensina Henrique Mesquita, A propriedade Horizontal, pág 90 “ o titulo constitutivo é um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes”
De modo que quando a realidade factual estiver em contradição com o título constitutivo, prevalece a natureza de estatuto real da propriedade horizontal constante neste título constitutivo.
Como direito real que é, a propriedade horizontal impõe-se erga omnes, prevalecendo sobre qualquer negócio obrigacional que com elas se não harmonize.
Entendendo o recorrido que a realidade factual do cento comercial - que considera como a certa - está em contradição com todos os títulos constitutivos dos 4 edifícios, cabe ao mesmo modificar cada um dos títulos constitutivos (i.e. o título constitutivo da fase A, da fase B, da fase C/D e da fase E).
Sendo o título constitutivo um negócio formal, sujeito a escritura pública e registo, este só poderá ser modificado com respeito às regras que a lei impõe, designadamente pelo RGEU e pelo RJUE.
Para tanto, a lei exige o acordo de todos os condóminos de cada um dos prédios (A, B, C/D e E), a constar nas actas assinadas por todos os condóminos (de cada prédio) sobre a autonomização de cada um dos espaços comerciais, não valendo aqui o silêncio como declaração de vontade já que o caso não é subsumível na hipótese do artigo 218.°CC. [artigo 1419.° CG]
Assim, sendo certo que cada prédio urbano já identificado como A,B,C/D e E está constituído sob o regime da propriedade horizontal e cujo títulos constitutivo de cada um deles é válido, as fracções autónomas desses prédios estão vinculadas às obrigações reais desses prédios em que estão inseridos.
Ora, pretende o recorrido fazer vingar o título executivo, nos termos do artigo 6.°, n.º 1, do DL 268/94, de 25 de Outubro conjugado com o artigo 703, n.° 1, al. d), do CPC sem que para o efeito disponha do título constitutivo da propriedade horizontal do centro comercial Babilónia.
O título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coactiva da correspondente pretensão através de uma acção executiva.
Esse título executivo incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação, sobre o que vigora o princípio da tipicidade, do qual decorre que os documentos taxativamente elencados na lei podem cumprir a função de títulos executivos.
Não está pois ao dispor do recorrido atribuir força executiva a um documento ao qual a lei não concede eficácia jurídica mormente por não demonstrar a existência jurídica do recorrido como condomínio nos termos do artigo 1417.° do CC.
É manifesta a falta de título executivo, já que o que está em causa é o documento, uma acta de reunião, que não tem a virtualidade de ter força executiva porquanto que a sua proveniência não é condomínio mas antes de uma entidade de carácter associativo de facto. Neste caso, tratando-se de uma acta de reunião de lojistas, tal documento não se enquadra no elenco taxativo de títulos executivos constantes no artigo 703.° CPC.
A inexistência da qualidade jurídica de condomínio do recorrido tem relevância prática, pois que manifesta-se na impossibilidade de alterar formalmente a utilização das fracções autónomas destinadas a lojas para a finalidade de espaço comum (referimos a ligações funcionais), a impossibilidade de cálculo das quotas de condomínio em função da permilagem, a impossibilidade de repartição dos custos de manutenção e reparação das fachadas e telhados por todos condóminos (habitantes e lojistas), a impossibilidade de repartição dos custos de reparação de colectores de esgotos entre todos condóminos ( habitantes e condóminos)
O Tribunal a quo formulou as conclusões sem confrontar a documentação que incumbia ao recorrido juntar como provada situação prevista no artigo 1438.°-A do CC para poder concluir pela existência de ligações funcionais (que não existem) pela existência da unidade de sentido (que não existe).
A execução apresenta-se ela própria como prova da inexistência de condomínio, pelo que o Tribunal a quo não podia concluir como concluiu ao qualificar o recorrido como um condomínio cuja qualidade não é sustentada por nenhum meio probatório”.
Os embargantes juntaram com a petição de embargos um parecer de direito, subscrito pela Professora Doutora Sandra Passinhas, datado de 27-02-2018, no qual se formularam as seguintes conclusões:
“O percurso precedente permitiu-nos confirmar as conclusões que começámos por antecipar e que, agora, replicamos:
1) O título constitutivo determina o estatuto da propriedade horizontal, isto é, as suas determinações têm natureza real, sendo eficazes erga omnes, pelo que permite ao adquirente de uma fração autónoma saber, antecipadamente e com certeza, o estatuto do imóvel que escolheu adquirir, e, simultaneamente, dá-lhe a confiança de que aquele estatuto se manterá (a não ser que ele próprio consinta na sua modificação).
2) A estrutura imobiliária do condomínio exige um regime de administração e gestão que responda à convivência de vários condóminos num mesmo edifício, com a necessidade de compatibilizar os diversos direitos de propriedade, conferindo poderes de uso e fruição exclusiva sobre a fracção autónoma, com a partilha de partes e serviços comuns do edifício, servindo todos ou alguns dos condóminos.
3) Na faculdade de gozar a coisa, inerente ao direito de propriedade, compreende-se a de administrar a coisa objecto desse mesmo direito. Para a propriedade cuja titularidade pertença a uma só pessoa é supérflua uma disciplina da administração; na compropriedade, ao invés, tal disciplina é indispensável. No artigo 1430.°, n.° 1, diz-se, expressamente, que a administração das partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.
4) Estruturalmente, o centro comercial é um empreendimento imobiliário; funcionalmente, visa o exercício de comércio a retalho, através da sua conformação em lojas e espaços destinados à prestação de serviços, distribuídos de acordo com uma cuidada planificação técnica, espaços comuns de circulação e lazer, e infraestruturas de apoio necessárias ou convenientes ao exercício da actividade comercial pelos lojistas. À vertente imobiliária surge intrinsecamente ligada uma vertente empresarial, que alicerçará a adequada fórmula de exploração do centro comercial.
5) Da forma mais consentânea com o princípio da autonomia privada e o princípio da livre iniciativa económica, o legislador português deixou à iniciativa dos empresários e à livre gestão dos seus interesses a modelação da sua estrutura negociai, de acordo com o que entenderem serem as exigências do mercado e dos consumidores, isto é, o legislador delegou na vontade das partes a escolha da fórmula mais conveniente na definição, gestão exploração e desenvolvimento do estabelecimento.
6) Quando um centro comercial ocupa vários edifícios contíguos constituídos em propriedade horizontal, a realidade empresarial, que é o centro comercial, coexiste com várias realidades imobiliárias. E se a realidade imobiliária se caracteriza pela existência de quatro edifícios constituídos em propriedade horizontal, com a sua estrutura administrativa das partes comuns própria e autónoma, o centro comercial carece de uma administração empresarial unitária, que não se confunde com aquela.
7) Cada uma das fracções autónomas, integrada no centro comercial, fica, pois, sujeita ao regime resultante da gestão acordada do centro comercial, com as contingências daí resultantes, mas mantém-se sujeita ao respeito pelo cumprimento do estatuto imobiliário da fracção autónoma de que é titular, isto é, ao estatuto jurídico do edifício onde está integrada.
8) Em concreto, as várias lojas do Centro Comercial… não estão sujeitas, em bloco, ao mesmo estatuto jurídico. Se todas elas estão sujeitas à mesma gestão empresarial do centro comercial, que é e deve ser unitária para todo o centro comercial, cada uma delas estará sujeita a um regime imobiliário consoante esteja integrada no Edifício A, B, C/D ou E.
9) As limitações ou restrições impostas pela dinâmica empresarial do centro comercial não podem alterar a relação imobiliária dos condóminos entre si; a definição de cada fracção autónoma e os exactos limites da sua titularidade estão fixados no título constitutivo, formando o regime imobiliário do edifício constituído em propriedade horizontal, que não pode ser alterado sem o consentimento de todos os condóminos.
10) No momento da divisão do edifício em propriedade horizontal, com a consequente divisão do prédio em fracções autónomas e em partes comuns, ficaram estavelmente estabelecidos os limites e o conteúdo de cada uma das titularidades, isto é, o âmbito do direito imobiliário de cada condómino; e essa definição encontra-se protegida pela específica força normativa do título, que não pode ser alterado sem o consentimento de todos os condóminos. 
11) Não existe qualquer título constitutivo de um condomínio complexo, nem a substituição imobiliária de quatro edifícios constituídos em propriedade horizontal por uma unidade imobiliária complexa, comportando todos os edifícios. A consideração da existência de um condomínio complexo, nos termos do artigo 1438.°-A do Código Civil, careceria, pois, de um título que cumprisse os requisitos legalmente exigidos, e a forma legalmente imposta, que manifestamente não existe.
12) Uma união dos quatro prédios, com a sua submissão a um estatuto jurídico unitário, se fosse do interesse dos condóminos, exigiria uma alteração do título constitutivo aprovada por unanimidade dos condóminos, nos termos do artigo 1419.° do Código Civil.
13) As partes comuns do edifício são pertença em comunhão de todos os condóminos do edifício, pertencem, imperativamente, aos titulares de todas as fracções autónomas do edifício, integradas ou não no centro comercial.
14) Na propriedade horizontal, como no regime da compropriedade, o poder de uso da coisa dissocia-se da comparticipação na propriedade: os condóminos podem usar todas as partes comuns, desde que não as empreguem para fim diferente daquele a que se destinam e não privem os outros consortes do uso a que têm direito. Mas este regime é supletivo, vale na falta de acordo das partes. Os comproprietários podem acordar entre si numa forma diferente de usar a coisa comum, isto é, sobre o modo de exercício da faculdade de uso da coisa comum, compreendida no direito de propriedade. Esta regulação terá a eficácia que tem o título que a fundamenta: ou a força do título constitutivo ou a força da deliberação que o conceda.
15) Como determina o artigo 1430.° do Código Civil, a administração das partes comuns cabe à assembleia de condóminos e ao administrador de condomínio de cada edifício, que não é, ou pode não ser, o administrador do Centro Comercial.
16) Pertencendo a propriedade e a administração das partes comuns a todos os condóminos titulares de fracções de edifícios constituídos em propriedade horizontal, não é sequer admissível que alguns deles, os lojistas, possam atribuir a sua administração à entidade responsável pela administração do centro comercial, porquanto tal atribuição, afectando e privando os outros condóminos dos seus direitos, seria totalmente ineficaz relativamente a estes.
17) O Centro Comercial … na sua dupla vertente, de estrutura simultaneamente imobiliária e empresarial é, pois, fundamento de um conjunto de permissões e de restrições; as permissões e restrições definidas pela sua estrutura imobiliária - no âmbito das relações entre todos os condóminos do edifício constituído em propriedade horizontal - e aquelas impostas pela dinâmica da sua natureza empresarial - no âmbito das relações entre os vários lojistas e o promotor ou o administrador do centro comercial.
18) Em termos práticos, esta limitação traduz-se no dever de respeito pela administração do centro comercial do estatuto imobiliário das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal. E, portanto, na gestão do centro comercial, aquela não pode ofender os direitos imobiliários dos lojistas, dos outros condóminos, nem as orientações de administração das partes comuns do edifício quando a entidade administradora do edifício não for a entidade administradora da organização comercial.
19) O poder regulamentar foi atribuído pelo nosso legislador a quem institui o condomínio ou ao grupo dele resultante. Os regulamentos são uma expressão de autonomia privada na definição concreta do estatuto do direito real de propriedade horizontal, completando e adaptando o regime legal, ou substituindo-o naquilo que ele tem de supletivo. O regulamento do condomínio é, pois, um conjunto de regras gerais e abstractas, destinado a disciplinar no futuro a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício, com eficácia propter rem, porquanto disciplina as relações internas, no grupo dos condóminos, prescindindo dos indivíduos que o compõem.
20) O regulamento do condomínio, estritamente ligado à estrutura imobiliária, não se confunde com o, quando exista, regulamento de um centro comercial. O regulamento de um centro comercial que tem, acima de tudo, uma vertente empresarial, que alicerçará a adequada fórmula de exploração do centro comercial. O regulamento interno do centro comercial, organizador da sua estrutura empresarial, regulará as relações entre os lojistas e a administração, rectius, dos lojistas entre si e destes com a administração do Centro Comercial.
21) É certo que o regulamento do centro comercial pode, em hipótese, ser o regulamento do condomínio. Mas isso só acontecerá se o centro comercial coincidir com a totalidade do edifício dividido em propriedade horizontal. Não é o caso do centro comercial …que está situado em edifícios constituídos em propriedade horizontal, mas não coincide com eles.
22) O regulamento do centro comercial não vincula, porquanto não tem força para tal, os condóminos do edifício que não são titulares de fracções do centro comercial. Relativamente a estes, o regulamento de condomínio é totalmente ineficaz.
23) O regulamento de condomínio, enquanto elemento modelador do estatuto de um prédio em propriedade horizontal, não pode contrariar a lei nem o título constitutivo. Assim, a fortiori ratione, não o pode fazer o regulamento do centro comercial.
24) Neste sentido, são ineficazes perante os condóminos dos vários edifícios constituídos em propriedade horizontal disposições do regulamento do centro comercial que de algum modo afectem a distribuição e afectação de domínio feita nos títulos constitutivos das várias propriedades em presença, como aquelas constantes do artigo 3.° do Regulamento do Centro Comercial …, sob a epígrafe “Partes comuns”.
25) Certos preceitos regulamentares, como o artigo 8.° ou o artigo 9.° do Regulamento do centro Comercial …, partem de um equívoco fundamental: o equívoco de que o condomínio está sujeito ao centro comercial, quando, na realidade, é o centro comercial que funciona num (vários) edifício(s) constituídos em propriedade horizontal, devendo conformar-se nessa medida com o estatuto imobiliário de cada um dos edifícios - sendo que esse estatuto está definido em cada caso pela lei, pelo título constitutivo e pelo regulamento do condomínio e pelas deliberações tomadas na assembleia de condóminos, que não se confundem, respectivamente, com o regulamento do centro comercial ou com as deliberações tomadas em assembleias de lojistas.
26) Cada condómino, mas todos os condóminos, é responsável pelos encargos comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, nos termos acima descritos.
27) Esta obrigação dos condóminos é uma obrigação real, que tem origem no estatuto da propriedade horizontal, e o legislador, pelo artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 268/94, de 25 de Outubro, determinou que: “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
28) As despesas com as partes comuns do edifício não se confundem (embora possam em determinada medida coincidir) com as despesas com a organização e o funcionamento do centro comercial. Se as primeiras estão a cargo de todos os condóminos, as segundas cabem apenas aos lojistas (mas a todos os lojistas) integrados no centro comercial. E se as primeiras dizem respeito à utilização, conservação e administração das partes comuns, as outras terão eventualmente um conteúdo mais amplo, porquanto abrangerão igualmente as despesas necessárias à dinamização e à administração do centro comercial.
29) As despesas com as partes comuns do edifício são determinadas em assembleia geral de condóminos (não de lojistas, isto é, condóminos titulares de fracções integradas no centro comercial) e são cobradas pelo administrador do condomínio. As despesas com o centro comercial são, por seu lado, determinadas pelo conjunto dos condóminos lojistas e cobradas pelo administrador do centro comercial.
30) O artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 268/94, que confere à acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, o estatuto de título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, não se aplica às actas da reunião de lojistas.
31) Assim é, quer por falta de fundamento legal para essa extensão, quer pela falta da identidade de razão entre a administração de um centro comercial - que é um “empreendimento planeado e integrado”, cabendo ao promotor ou administrador determinar, em cada momento, a diversidade comercial (plano de selecção e distribuição das lojas), as áreas de recreio e lazer, a complementaridade de ramos de actividade, segundo a melhor técnica de tenant mix, exercendo “uma gestão comum, responsável, designadamente, pela disponibilização de serviços colectivos, pela instituição de práticas comuns e pela política de comunicação e animação do empreendimento”, na formulação legal - e a administração de um edifício dividido em propriedade horizontal num título constitutivo sujeito a escritura pública e inscrito no registo predial.
32) As fracções autónomas devem ser utilizadas de acordo com o fim previsto no título constitutivo. O artigo 1422.°, n.° 2, alínea c) determina expressamente que é vedado aos condóminos dar à sua fracção uso diverso daquele a que é destinada.
33) A utilização das fracções DM, AH e EI, do Edifício^, destinadas no título constitutivo a loja, não podem ser usadas, em violação do seu estatuto jurídico, como corredores, porquanto tal utilização consubstancia uma violação do artigo 1422.°, alínea c), do Código Civil. Respeitando-se o fim a que estão destinadas no título constitutivo, nada impediria que, obedecendo aos requisitos do artigo 1425.°, servissem como ligações funcionais entre edifícios contíguos.
34) Nos termos do artigo 1421.°, n.° 1, alínea d), as instalações gerais de água são partes imperativamente comuns a todos os condóminos.
35) Estão, pois, sujeitas ao regime das partes comuns: a propriedade das instalações gerais é incindível da propriedade sobre a fracção autónoma, que não podem ser alienadas separadamente da fracção autónoma, nem sequer são disponíveis pelos condóminos (não podendo por exemplo o condómino renunciar à parte comum como forma de se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição).
36) E também não são partes usucapíveis, porquanto, ainda que se admitisse a usucapião por compossuidores ou admitindo-se uma inversão do título da posse por parte do detentor, sempre se chegaria a um resultado contrário à lei: a privatização de partes que a lei quer, imperativamente, comuns a todos os condóminos.
37) Quer os lojistas, quer os condóminos não lojistas, têm direito à contratualização do serviço de abastecimento púbico de água e de saneamento das águas residuais, nos termos do Decreto-Lei n.° 194/2009, de 20 de Agosto, que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos.
38) O artigo 66.°, n.° 2, do mesmo diploma, estabelece que: “Compete à entidade gestora a colocação, a manutenção e a substituição de instrumentos de medição adequados às características do local e ao perfil de consumo do utilizador, dando cumprimento ao estabelecido na legislação sobre controlo metrológico”.
39) A exploração e gestão dos sistemas municipais de abastecimento de água consubstanciam serviços de interesse geral e visam a prossecução do interesse público, estando sujeitas a obrigações específicas de serviço público.
40) O fornecimento de água é um serviço público essencial, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho, e está sujeito às garantias que esse diploma confere a todos os utentes, isto é, à pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo (artigo 1.°, n.°2).
41) As garantias conferidas ao utente pela Lei n.° 23/96 são imperativas, por força do artigo 13.° do mesmo diploma (“é nula qualquer convenção ou disposição que exclua ou limite os direitos atribuídos aos utentes”).
42) Ainda que se admitisse que a administração do centro comercial era a entidade responsável pelo abastecimento de água às diversas fracções autónomas - o que, mais de trinta anos após a entrada em vigor da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, é impensável -, as condições de suspensão do fornecimento seriam só as admitidas no artigo 5.° da Lei n.° 23/96.
43) Tais condições são aquelas que se prendem com o não cumprimento do contrato, ou o seu não cumprimento pontual.
44) A interrupção ou a suspensão do abastecimento de água nunca pode ser fundamentada em circunstâncias relativas ao não cumprimento pontual do pagamento dos encargos com a administração das partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal, ou dos encargos relativos à administração de um centro comercial.”.
Posição oposta foi assumida pelo embargado, que, em sede de contra-alegações, desenvolveu o seguinte raciocínio e explanou diversas decisões tomadas sobre a questão suscitada, nos termos seguintes:
“No que respeita à existência do Condomínio Exequente, está em causa a aplicação do disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil, nos termos do qual o regime da propriedade horizontal “pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem.”
A complexidade jurídica da questão decorre, em primeiro lugar, de não estarem suficientemente estudadas as “necessárias adaptações” a que se refere o artigo 1438.º-A do Código Civil, no caso dum centro comercial como o centro comercial …, localizado na Amadora e em causa nestes autos, que abrange mais do que um prédio, como já reconhecia INOCÊNCIO GALVÃO TELLES (“Contratos de Utilização de Espaços nos Centros Comerciais”, in “Contratos: Actualidade e Evolução”, Universidade Católica Portuguesa, 1997, pág. 255): “É aconselhável a publicação de legislação sobre os centros comerciais, onde melhor se esclareçam as adaptações a fazer no regime da propriedade horizontal, quando o centro comercial abrange mais de um prédio ou ocupa apenas parte das fracções autónomas em que determinado prédio está dividido.”
O facto de, na prática, não serem muitos os casos de centros comerciais que abrangem mais do que um prédio, também leva a que haja pouca reflexão na jurisprudência e na doutrina, que se dedica sobretudo a outro tipo de questões, sem paralelo com a realidade aqui em causa.
Na análise da (pouca) jurisprudência que se dedicou à questão, há que considerar a evolução verificada na própria realidade dos centros comerciais, já que também ela traduz a existência de realidades de facto muito diversas, contribuindo igualmente para a existência de oscilações na jurisprudência.
Com efeito, se nos anos 1990 era uma realidade “um tanto nebulosa para os juristas, pois a lei não lhe deu ainda uma regulamentação complexa e clara” (in revista “Novos Estilos” n.º 4, abril de 1994), evoluiu sobretudo para as modernos shopping centers, em que a questão da aplicação do regime da propriedade horizontal não se coloca, já que há, geralmente, um único proprietário de todo o imóvel.
Estas dificuldades trouxeram à questão uma aparente controvérsia, que, no entanto, resulta mais do seu deficiente tratamento do que do seu tratamento aprofundado.
Durante cerca de ano e meio, sucederam-se várias decisões do Tribunal da Relação de Lisboa sobre a força executiva das atas do condomínio do centro comercial Babilónia, e a sua natureza, que testemunharam bem essas divergências jurisprudenciais (mesmo nas decisões que vão no mesmo sentido, o que também evidencia o elevado grau de complexidade jurídica que a questão apresenta):
a) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de outubro de 2016, proferido no processo n.º 6273/14.4T2SNT.L1 (7ª Secção), nega razão ao exequente (no sentido de não o considerar um verdadeiro condomínio), e faz aplicar ao caso a jurisprudência de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de março de 2004, expressando que “um centro comercial instalado num edifício constituído em propriedade horizontal não passa, por isso, a constituir um condomínio”, e que “O Regulamento Interno do Centro Comercial (…) não é, não pode ser, um regulamento de condomínio a que a lei atribui força vinculativa, enquanto conjunto de direitos e obrigações ligadas ao estatuto de direito real – a propriedade singular e a compropriedade que integram o condomínio”, e concluindo que “o documento que serve de base à execução enquanto corporiza relações meramente obrigacionais não tem a virtualidade de valer, por si só, como título executivo”.
b) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de novembro de 2016, proferido no processo n.º 17482/13.3T2SNT.L1 (6ª Secção), dá razão ao exequente, decidindo em sentido contrário ao referido em a), assim sumariado: “4.1. - Uma ata de uma assembleia que delibera sobre montantes de contribuições devidas e em dívida a concreto condomínio de um centro comercial, organizado e explorado em regime de propriedade horizontal, pode servir [nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro] de título executivo em execução – para cobrança de montantes de contribuições devidas e em dívida – a instaurar a proprietário de fracção autónoma que alberga uma das várias lojas do referido centro; 4.2. - Para efeitos do referido em 4.1., exigível é, porém, que a deliberação referida seja o resultado da vontade dos proprietários das frações do Centro Comercial, estando tais fracções integradas em edifício/s constituído/s em propriedade horizontal, logo, emane de uma assembleia de condóminos, sendo portanto uma deliberação ligada a instituto do direito real, que não a realidade jurídica suscetível de desencadear apenas efeitos de natureza meramente obrigacional.”
c) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de fevereiro de 2017, proferido no processo n.º 19704/12.9T2SNT.L1 (7ª Secção), dá razão ao exequente, e faz aplicar ao caso a jurisprudência de acórdãos da Relação do porto de 16 de outubro de 2012, e do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2011, concluindo que “é indubitável que estamos perante um espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, pelo que não há fundamento legal para que a globalidade dos condóminos não possam deliberar a constituição de autónomos órgãos de administração.
Pelo como ali se conclui, também no presente caso há que concluir pela legalidade da estrutura do condomínio e da administração das partes comuns em causa, tanto mais que o título constitutivo da propriedade horizontal não exclui o funcionamento de mais de um condomínio, nomeadamente do que se mostra constituído, há muito, e respeita ao espaço do centro comercial.
Assim, e nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 289/94, de 25-10, entendemos que as actas juntas com o requerimento inicial, constituem título executivo, carecendo de fundamento a rejeição da execução.”
d) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de março de 2017, proferido no processo n.º 17483/13.3T2SNT.L1 (8ª Secção), dá razão ao ora exequente, decidindo em sentido muito próximo ao referido em c), assim sumariado: “Existindo um centro comercial num bloco de edifícios, unificados pelo próprio centro comercial, e constituindo este um espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, nada obsta à existência de um condomínio específico de tal centro comercial, deliberando os condóminos a constituição de autónomos órgãos de administração.”
e) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de março de 2017, proferido no processo n.º 17479/13.3T2SNT.L1 (1ª Secção), dá razão ao exequente, concluindo que “em face do disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil, e do entendimento que a jurisprudência vem fazendo desse preceito, é de admitir a constituição de mais do que um condomínio, com administração própria, para gerir as partes comuns que só servem uma zona do edifício, não obstante a constituição de uma só propriedade horizontal”, pelo que “não se pode corroborar o entendimento expresso na decisão recorrida, por a lei não reconhecer apenas condomínios de prédios que integrem todas as frações como ali é referido”, mais concluindo que “Prescrevendo o citado artigo 1429.º-A, do Código Civil, o direito dos condóminos elaborarem o regulamento do condomínio, desde que sejam mais de quatro, e não estando questionado nesta fase do processo que o dito Regulamento interno do Centro Comercial Babilónia não tenha sido elaborado e aprovado nos termos previstos na lei, em face do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, as atas das respetivas assembleias de condóminos constituem título executivo no que concerne às deliberações sobre o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio.”
f) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de março de 2017, proferido no processo n.º 6989/14.5T2SNT.L1 (7ª Secção), não dá razão ao exequente, negando a possibilidade de se autonomizar um único condomínio a partir de quatro prédios, afirmando que se tratará de realidade “cuja criação, podendo não ser contrária à lei, pressuporia o cumprimento de regras legais relativas à constituição da propriedade horizontal, ou seja, por força do art. 1417.º, teria de resultar de um negócio jurídico, ou de usucapião, ou de decisão judicial”, pelo que conclui que “não correspondendo o Centro Comercial …a um condomínio e tendo o seu estatuto simples natureza obrigacional, não lhe é aplicável por analogia o regime legalmente estabelecido para a propriedade horizontal”, e concluindo que “as deliberações tomadas no âmbito da administração do Centro Comercial … quanto a dívidas de comerciantes que nele estão instalados, apesar de constarem das respetivas atas, não podem ser reconduzidas à previsão do art. 6.º do DL n.º 268/94, de 25.10, pelo que não têm a natureza de título executivo”.
g) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de abril de 2017, proferido no processo n.º 18926/13.0T2SNT.L1 (2ª Secção), não dá razão ao exequente, negando a possibilidade de aplicação da regra do artigo 1438.º-A pois “a integração de todas as frações autónomas que compõem o Centro Comercial …num mesmo condomínio tinha de ser operada através da respetiva escritura de constituição da propriedade horizontal. Não sendo suficiente, para esse fim, a mera deliberação dos condóminos titulares das frações destinadas a comércio de cada uma das quatro propriedades horizontais instituídas, traduzida na aprovação do regulamento interno do Centro Comercial…”. Conclui que “Assim, tendo sido instituída autonomamente a propriedade horizontal em quatro edifícios contíguos, julga-se que não pode ser reconhecida a existência de um quinto condomínio, abrangendo parte das frações, as destinadas a comércio, de cada um desses condomínios, sem passar pela alteração, pelo meio próprio, do regime de propriedade horizontal”.
h) A decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de agosto de 2017, proferido no processo n.º 5119/…T8SNT.L1 (2ª Secção), não dá razão ao exequente, pelos motivos referidos no acórdão referido na alínea anterior, considerando que o juíz que agora aqui é relator da decisão singular subscreveu o referido acórdão como 1.º adjunto.
i) A decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de setembro de 2017, proferido no processo n.º 18831/13.0T2SNT.L1 (6ª Secção), dá razão ao exequente, invocando a aplicação da regra do artigo 1438.º-A, e a jurisprudência de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2008.
j) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de dezembro de 2017, proferido no processo n.º 17030/13.5T2SNT.L1 (1ª Secção), não dá razão ao exequente, negando a possibilidade de aplicação da regra do artigo 1438.º-A pois “no caso em apreço não se vê que os 4 prédios (com títulos constitutivos autónomos) onde se insere o CCB tenham decidido, alterando os respectivos títulos, unir-se num único condomínio e estabelecido a existência de uma administração parcelar e autónoma para o centro comercial (ou sequer que as assembleias de condóminos desses condomínios tenham conjuntamente deliberado uma administração parcelar para o centro comercial)”.
k) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de janeiro de 2018, proferido no processo n.º 17554/13.4T2SNT.L1 (1ª Secção), não dá razão ao exequente, reafirmando os fundamentos do acórdão referido na alínea anterior.
l) O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de janeiro de 2018, proferido no processo n.º 188229/13.8T2SNT.L1 (6ª Secção), dá razão ao exequente, suportando-se no acórdão referido em c).
Desde essa data de 25 de janeiro de 2018 (inclusive) todas as decisões proferidas pelos tribunais superiores confirmam a existência (e legitimidade) do Condomínio do Centro Comercial …, e a existência de título executivo no que se refere às atas do Condomínio.
Foi, como se compreende, uma estabilização de grande importância na segurança jurídica (e paz) do condomínio e dos condóminos.
Tal como resulta inequívoco - e é aceite em todas as decisões proferidas e atrás citadas -, estão em causa quatro prédios constituídos em propriedade horizontal, com quatro títulos constitutivos, e um único centro comercial que corresponde a uma parte destes quatro prédios.
A realidade de facto desse centro comercial, o centro comercial…, é uma realidade atípica:
- o centro comercial … corresponde a uma parte (comercial) de um todo organizado em propriedade horizontal;
- o referido todo é constituído por quatro prédios, cada um deles constituído em propriedade horizontal, com títulos constitutivos da propriedade horizontal autónomos;
- o primeiro prédio a ser construído foi o único que (e apenas durante um determinado período de tempo, antes da construção dos demais) constituiu uma unidade isolada, já que todos os outros nasceram sempre ligados a este primeiro (com passagem para ele) pela parte comercial (ao nível da qual não existe separação entre os prédios);
- o número de frações autónomas da parte comercial (mais de 200) é muito superior ao número de frações das restantes partes do todo;
- as referidas frações autónomas da parte comercial, pertencendo a diferentes proprietários, orientaram-se para um modelo de gestão condominal em 1986, ignorando a parte não comercial, sendo que posteriormente, com o aparecimento dos novos prédios, o condomínio passou a considerar a parte comercial destes (funcionalmente ligada).
A solução para a boa decisão não deve ser buscada no parecer da professora Sandra Passinhas (junto aos autos pelos recorrentes, e que, apesar de já ter sido junto num elevado número de processos, nunca foi atendido em qualquer decisão judicial), que se afigura errado por várias razões:
- não considera que o espaço do centro comercial …sempre foi uno e funcionalmente ligado e independente;
- não considera que a entidade gestora do centro comercial … é o conjunto dos proprietários das lojas;
- não considera o artigo 1438.º-A do Código Civil na sua essência, ao sustentar (a fls 44-45) que a aplicação do artigo 1438.º-A pressupõe uma “alteração do título constitutivo aprovada por unanimidade dos condóminos, nos termos do artigo 1419.º do Código Civil”, alteração de que, salvo melhor opinião, nunca resultaria a aplicação do regime da propriedade horizontal, “com as necessárias adaptações” a um conjunto de edifícios, mas antes a aplicação do regime da propriedade horizontal, qua tale, a um novo edifício;
- não resolve a questão da possibilidade de ligação entre propriedade horizontal e centro comercial (…);
- não considera que a jurisprudência sobre um centro comercial num único edifício em propriedade horizontal não corresponde à realidade do centro comercial...
Tal solução deve antes buscar-se nas diferentes decisões jurisprudenciais que analisaram a realidade concreta do centro comercial…, em especial as mais recentes, que já refletem as anteriores.
Com efeito, e com o devido respeito, afastam-se deste rumo da boa solução dois tipos de decisão – um favorável e outro desfavorável – que não parecem corresponder a decisões suficientemente ponderadas:
- a decisão que considera que o ora contestante não é um verdadeiro condomínio porque um centro comercial existente num prédio não constitui, só por si, um condomínio, considera pouco a realidade concreta do caso em apreço, de quatro edifícios contíguos com um centro comercial comum, que sempre obrigaria a ponderar o disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil;
- a decisão que considera que o ora contestante é um condomínio porque é legítima uma autonomização face a uma situação de grande complexidade, é demasiado subjetiva e considera pouco as normas legais que disciplinam o problema, concretamente o disposto no citado artigo 1438.º-A do Código Civil.
Eliminados estes dois sentidos de decisão, sobram outros dois, ainda contraditórios, mas que assumem a necessidade de ponderação do disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil:
a) para alguns, o exequente será um condomínio (por aplicação deste preceito) se existir um momento gerador em que todos os condóminos de todos os prédios contíguos assim o tiverem deliberado constituir, pelo que, no caso concreto do aqui contestante, uma vez que tal não se verificou, não existiria um verdadeiro condomínio (parece ser esta a tese defendida pelos recorrentes);
b) para outros, o ora contestante é um condomínio porque:
- existe um centro comercial num conjunto de diferentes prédios, unificados pelo próprio centro comercial, e constituindo este um espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, com frações autónomas e partes comuns próprias, pelo que é legítima a existência de um condomínio específico de tal centro comercial, deliberando os condóminos a constituição de autónomos órgãos de administração, e a aprovação de regulamento de condomínio, nos termos do artigo 1429.º-A do Código Civil;
- a assembleia de condóminos de um tal centro comercial que abrange mais do que um prédio e é organizado e explorado em regime de propriedade horizontal, está ligada a um direito real, e não a uma realidade jurídica suscetível de desencadear apenas efeitos de natureza meramente obrigacional;
- a ata de tal assembleia, que delibera sobre montantes de contribuições devidas e em dívida a concreto condomínio de um centro comercial, organizado e explorado em regime de propriedade horizontal, pode servir (nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro) de título executivo em execução – para cobrança de montantes de contribuições devidas e em dívida – a instaurar a proprietário de fração autónoma que alberga uma das várias lojas do referido centro.
Como se explica seguidamente, é a segunda alternativa (atrás identificada sob a alínea b)) a que se afigura correta.
O condomínio do Centro Comercial … existe como condomínio desde 1986, sendo que a ata n.º 1, da primeira assembleia geral, é de 14 de junho de 1986.
Na altura, existia apenas um edifício, a que hoje se chama a Fase A do centro comercial.
Independentemente da legalidade com que o condomínio foi constituído, não pode ser ignorado o efeito jurídico que teve a entrada em vigor do artigo 1438.º-A do Código Civil, introduzido na década de 1990, sobre a realidade fatual existente.
Com efeito, as chamadas fases B, C/D e E (correspondentes aos outros três edifícios contíguos) aparecem já na década de 90, acolhendo o condomínio, o regulamento e a administração constituídas em 1986, nunca tendo existido uma separação rígida ao nível do centro comercial, antes tendo existido sempre passagem entre as diferentes fases – a que correspondem diferentes prédios em propriedade horizontal – através do centro comercial: ou seja, o centro comercial … é um só, e o visitante do centro nunca tem a perceção de estar a “atravessar” diferentes prédios.
Ora, acolhendo a primeira alternativa apresentada, de cada vez que surgia um novo edifício, e apesar de haver um único centro comercial, o condomínio existente deixava de existir, sendo necessário que houvesse um novo “momento gerador” por deliberação de todos os condóminos de todos os prédios.
Assim seria quando surgiu a Fase B, e depois com o surgimento da Fase C/D, e depois com o surgimento da Fase E: o condomínio do Centro Comercial … estaria sempre a desaparecer e a renascer… por mero efeito da construção de novos edifícios.
Trata-se duma interpretação que não é razoável, e o Direito deve rejeitar interpretações destituídas de razoabilidade.
O condomínio nasceu uma única vez: em 1986.
E quando entrou em vigor o artigo 1438.º-A do Código Civil, consolidou-se a legalidade daquela entidade como um verdadeiro condomínio, pois, por força da lei, é-lhe aplicável o regime da propriedade horizontal, “com as necessárias adaptações”, pois está em causa um conjunto “de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem.”
A correta interpretação e aplicação do artigo 1438.º-A do Código Civil impõe que se considere o ora contestante como um condomínio (…).
Nos últimos três anos, como referido, a jurisprudência dos tribunais superiores tornou-se constante, aceitando a existência e legitimidade do Condomínio do Centro Comercial .., por aplicação do disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil, e confirmando a existência de título executivo no que se refere às atas do Condomínio.
A par das decisões proferidas nas execuções instauradas pelo aqui exequente, merecem destaque as decisões judiciais proferidas – em 1ª e em 2ª instância – no âmbito da ação declarativa n.º 275/17.6T8AMD.
A decisão proferida em primeira instância, pelo Juízo Local Cível da Amadora (Juiz 1) é a primeira sentença proferida pelo Juízo da Amadora, tribunal onde se localiza o centro comercial, e que tem conhecimento da ligação funcional existente, após as referidas decisões contraditórias do Tribunal da Relação de Lisboa.
É uma decisão que refere expressamente considerar esta jurisprudência recente (num sentido e no outro) e que, bem, decide pela existência jurídica e personalidade judiciária do condomínio aqui contestante.
O acórdão da Relação de Lisboa proferido nos mesmos autos (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de dezembro de 2019 - proc. n.º 275/17.6T8AMD.L1 - 6ª Secção), já referido nos autos de execução principal, é o mais aprofundado na análise e decisão da legalidade e legitimidade do Condomínio exequente: “A propriedade horizontal vem prevista nos artigos 1414º e seguintes do CC, regulando as situações de edifícios cujas fracções independentes, distintas e isoladas entre si, possam pertencer a proprietários diferentes, que assim serão titulares do direito de propriedade sobre as respectivas fracções autónomas e comproprietários das partes comuns do prédio.
Com o DL 267/94 de 25/10 foi aditado ao CC, no final do capítulo que trata a propriedade horizontal, o artigo 1438º-A, que tem a seguinte redacção: “O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou de algumas unidades ou fracções que os compõem”.
Esta disposição legal veio permitir que, juntamente com o condomínio instituído em cada um dos edifícios contíguos, possa coexistir um outro condomínio, incidente sobre partes delimitadas desses edifícios que estejam funcionalmente ligadas entre si por partes comuns que sejam utilizadas para a mesma finalidade, sem prejuízo da coordenação entre ambos os condomínios.
Sobre este instituto tem havido posições divergentes, havendo correntes que entendem que a constituição deste condomínio de edifícios conjuntos terá de obedecer a todos os requisitos exigíveis para a constituição do condomínio, com todas as especificações impostas no artigo 1418º do CC, só assim assumindo uma natureza real oponível a todos, sendo insuficiente uma deliberação com a elaboração de um regulamento no centro comercial (cfr neste sentido ac. STJ 9/03/2004, p. 03A4204, 21/05/2009, p. 08B1734, ambos em www.dgsi.pt) e havendo entendimentos que consideram não ser necessárias tais especificações já existentes, bastando a sua aprovação por deliberação, tendo em atenção que, nos termos do artigo 1429-A do CC, os elementos a incluir num regulamento de condomínio não necessitam de constar no título constitutivo a que se refere o artigo 1418º e que as despesas a considerar neste condomínio de conjunto poderão ser relevantes e obrigatórias apenas para parte dos condóminos, de acordo com o disposto no artigo 1424º do mesmo código (neste sentido ac. STJ 16/10/2008 p. 08B3011, RL 25/01/2018, P. 18829/13 – este relativo ao centro comercial em questão nos presentes autos – 2/03/2017, p. 17483/13, RP 20/11/2015, p. 3361/09, 13/10/2012, p. 1859/11, todos em www.dgsi.pt).
Ficou provado que os quatro edifícios em causa têm zonas comerciais que integram um mesmo centro comercial, sendo as suas áreas comuns destinadas ao mesmo fim e ligadas funcionalmente entre si, verificando-se assim que estão reunidos os pressupostos físicos para a aplicação do artigo 1438º-A.
Quanto à sua constituição, não exigindo a lei expressamente as especificações impostas no artigo 1418º, encontrando-se as mesmas já delimitadas nos títulos constitutivos respectivos dos edifícios contíguos e visando o artigo 1438º-A a agilização da administração restringida a questões, despesas e receitas próprias, não se vê obstáculos à existência do condomínio previsto no artigo 1438º-A mediante deliberação aprovada pelos condóminos.
No caso dos autos provou-se que em 14/06/1986 foi nomeada administração para o centro comercial por maioria de votos e que veio a ser aprovado um regulamento do interno do centro comercial, por assembleias de condóminos de 21/02/2000, 21/05/2001, 11/03/2007 e 11/07/2012.
Encontra-se então constituído o condomínio que abrange apenas as áreas relativas ao centro comercial, sendo certo que, mesmo que se não entendesse a ser válida tal constituição, quer pela forma, quer pelo facto de a deliberação dos condóminos não ter sido unânime, sempre haveria que considerar que a existência de facto deste condomínio desde 1986, com aprovação de um regulamento pelos condóminos, com actualização ao longo dos anos, sempre por aprovação nas assembleias gerais de condóminos, sem notícia nos presentes autos de impugnação, constitui um exercício de posse com acordo tácito dos condóminos, que permite a constituição por usucapião, ao abrigo dos artigos 1417º e 1296º do CC.
O condomínio autor preenche pois a previsão do artigo 12º e) do CPC, que lhe confere personalidade judiciária nas acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
A legitimidade processual activa vem definida no artigo 30º do CPC, como o interesse em demandar, aferido pela relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, sendo que no caso do administrador do condomínio a lei, no artigo 12º e) fornece os critérios dos artigos 1436º e 1437º do CC, estando a personalidade judiciária ligada à legitimidade processual, que se verifica no caso em apreço, face à versão apresentada na petição inicial, em que o administrador do condomínio age no âmbito da cobrança de receitas.
Conclui-se, portanto, que o autor tem personalidade judiciária e legitimidade processual.”
Conclui-se que houve, na apreciação da questão da existência jurídica, personalidade judiciária e legitimidade do Condomínio ora contestante, um período de grande oscilação jurisprudencial, a que se seguiu (a partir de 25 de janeiro de 2018) a estabilização na conclusão de que o ora contestante tem existência jurídica, personalidade judiciária e legitimidade (…)”.
A decisão recorrida concluiu no sentido de que o recorrido constitui um condomínio, expendendo o seguinte:
“Na petição de embargos, os executados suscitam a questão da inexistência de título executivo, considerando a especificidade económico-social do Centro Comercial…, cuja estrutura jurídica não comporta, a seu ver, «o regime de propriedade horizontal».
A este respeito, reiteram, no essencial, a ideia, sufragada na decisão de rejeição da execução proferida no referido processo n.º 5119/…T8SNT, de que o Centro Comercial … não é verdadeiramente um condomínio, mas uma mera associação irregular ou de facto, pelo que as actas das respectivas deliberações não têm força executiva, à luz do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro.
Porém, não se ignorando as diferentes orientações jurisprudenciais sobre a questão, não se subscreve entendimento propugnado pelos embargantes.
Com se sustenta, em síntese conclusiva, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/03/2017 (processo n.º 17483-13.1T2SNT.L1-8), que se debruçou precisamente sobre a problemática em questão a propósito do Centro Comercial …, «[e]xistindo um centro comercial num bloco de edifícios, unificados pelo próprio centro comercial, e constituindo este um espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, nada obsta à existência de um condomínio específico de tal centro comercial, deliberando os condóminos a constituição de autónomos órgãos de administração».
Tal posição, que vem sendo perfilhada por vários outros, designadamente aqueles o embargado cita na contestação a este respeito, assenta nuclearmente no disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil, que expressamente admite a aplicação do regime da propriedade horizontal, ainda que com as necessárias adaptações, «a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem».
Ora, sendo a ligação funcional entre os edifícios contíguos o aspecto juridicamente relevante que justifica a possibilidade de extensão de regime determinada no citado preceito legal, é de reconhecer no complexo comercial que abrange as lojas de cada um dos edifícios integrantes do Centro Comercial …, com comunicação física entre si, a «unidade de sentido» pressuposta em tal faculdade legal, que se reflecte, no caso concreto, na comunhão de interesses económicos e organizacionais especificamente disciplinados no respectivo regulamento interno.
É, por isso, de reconhecer ao Centro Comercial…, pese embora as suas especificidades (designadamente, a integração no respectivo espaço físico de uma componente habitacional distinta da componente comercial) a natureza jurídica de um condomínio e, em consequência, às actas das reuniões da assembleia geral de condóminos força executiva, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro.”.
Vejamos:
A questão centra-se na interpretação sobre o artigo 1438.º-A do CC onde se estabelece o seguinte: “O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem”.
Tal como salienta Jorge Alberto Aragão Seia (Propriedade Horizontal; 2.ª ed., Almedina, 2002, p. 222), “com esta norma decidiu-se estender o âmbito da incidência do instituto, por forma a submeter ao respectivo regime conjuntos de edifícios. Salvaguardou-se, porém, a independência das frações ou edifícios e a dependência funcional das partes comuns como características essenciais do condóminio”.
Conforme refere Henrique Sousa Antunes (Direitos Reais; Universidade Católica Editora, 2017, p. 405), “a aplicação do regime da propriedade horizontal a várias edifícios, permitida pelo artigo 1438.º-A, parece legitimar a possibilidade de constituição de uma assembleia restrita de condóminos para gestão das partes comuns que sirvam apenas certo ou certos edifícios, sem prejuízo de a constituição estar dependente da existência de “edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem”.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-02-2017 (Pº 34/16.3TBGMR.G1, rel. CARVALHO GUERRA): “I- A regra da unidade de administração e condomínio, no sentido de que, em princípio, a cada edifício constituído em propriedade horizontal corresponde um condomínio e uma administração constitui, de facto, o paradigma legal, como decorre do disposto nos artigos 1414º e seguintes do Código Civil. II- Tal regra comporta a excepção prevista no artigo 1438º-A do mesmo Código, quando está em causa conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que as compõem, em que se admite a constituição de um só condomínio”.
De acordo com o que sublinha o embargado, foram já diversas as vezes em que os tribunais apreciaram a questão – em sentidos diversos, diga-se - que ora é suscitada pelos embargantes, remetendo-se, neste ponto, para as decisões jurisprudenciais reportadas na alegação do embargado.
Ora, sem desmerecer entendimento contrário, afigura-se-nos que a questão foi certeiramente apreciada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-01-2018 (Pº 18829/13.8T2SNT.L1-6, rel. TERESA SOARES), onde se tecerem, a respeito, as seguintes considerações:
“(…) É certo que o caso dos autos tem características particulares, pois o Condomínio exequente foi constituído antes da existência física dos blocos mais recentes, cujos espaços comerciais se foram integrando no dito condomínio.
A primeira Administração do Condomínio foi nomeada em 1986, na Assembleia Geral de Condóminos do Centro Comercial –Acta 1, fls 147-tendo o bloco A sido constituído em propriedade horizontal em 1984, donde consta piso zero e zero um destinado a Centro Comercial- fls 96; posteriormente vieram a ser construídos os três outros blocos contíguos, constituídos também em propriedade horizontal, todos com pisos destinados centro comercial (1994-fls203; 1995-fls. 141).
A Administração foi-se alargando às fracções comerciais que iam sendo construídas e integradas no centro comercial (segundo invoca o exequente).
Pese embora estas particularidades julgamos não haver impedimento legal à aplicação do regime de propriedade horizontal, no atinente a administração das partes comuns que representem um grupo de fracções de vários blocos, ligados entre si, desde que esse grupo funcione como uma unidade com interesses comuns entre si e distintos dos interesses das restantes fracções de cada bloco, como é o caso das fracções que compõem um centro comercial integrado em bloco(s) que também é composto por fracções destinadas a fins não comerciais.
(…) As necessidades de adaptação às novas realidades levaram a que, em 1994, o legislador aditasse ao regime da propriedade horizontal disciplinado pelo Código Civil, o art.º 1438.º-A.
Sob a epígrafe «Propriedade horizontal de conjuntos de edifícios» diz-nos: “O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem.”
Decorre deste preceito não exigir a lei que à constituição de um prédio em regime de propriedade horizontal tenha que forçosamente corresponder um único condomínio. Assim, poderão num mesmo prédio co-existirem dois condomínios, desde que haja justificação prática para tal, assim como vários prédios constituídos em propriedade horizontal, podem estar unidos sob um único condomínio.
Neste sentido o ac.STJ de 16 de Outubro de 2008, proferido no processo 08B3011, relatado pelo Cons. Salvador da Costa, a propósito desta problemática onde se conclui que “a unidade do título constitutivo da propriedade horizontal não exclui o funcionamento de mais de um condomínio.”
Aí pode-se ler: ”Trata-se de um edifício constituído em propriedade horizontal, que, segundo o respectivo título constitutivo, é composto por um edifício habitacional e centro comercial, composto de cave, sub-nível, rés-do-chão e treze andares, integrando no seu conjunto cento e sessenta e quatro fracções autónomas. Ocorre, ademais, uma administração autónoma das partes comuns relativas a cerca de vinte frações autónomas, ou seja, cerca de um oitavo das que integram todo o edifício que foi objecto de constituição da propriedade horizontal.
Mas trata-se de zona devidamente delimitada do edifício, em que os blocos a nascente e a poente têm entradas próprias, ou seja, de construções sobre um único espaço físico perfeitamente delimitado.
Ademais, é o caso de um bloco com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, pelo que não há fundamento legal para que a globalidade dos condóminos não possa deliberar a constituição de autónomos órgãos de administração.
A conclusão é, por isso, no sentido da legalidade da estrutura de condomínio e de administração das partes comuns em causa, ou seja, de que a unidade do título constitutivo da propriedade horizontal não exclui o funcionamento de mais de um condomínio.
Consequentemente, não ocorre a situação de inexistência jurídica ou a invalidade do condomínio em representação do qual o recorrido realizou as obras nas partes comuns no edifício em causa, naturalmente com efeitos de caso julgado restritos a este processo - artigo 96º do Código de Processo Civil.”
No mesmo sentido e para um caso com contorno idênticos ao caso dos autos se pronunciou o Ac. do TRPorto, citado pelo recorrente, datado de 16/10 de 2012, onde se decidiu: ”Goza de personalidade judiciária, relativamente a execução para cobrança de dívida pela comparticipação nas despesas comuns, o condomínio de parte de um prédio em propriedade horizontal, referente a espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, fracções autónomas e partes comuns próprias, aprovado pela generalidade dos respectivos condóminos com vista à administração autónoma dessa mesma parte, sem prejuízo da coordenação da administração geral, não dependendo a sua constituição da especificação do título constitutivo da propriedade horizontal.”
Noutro acórdão do mesmo tribunal, de 30/11 de 2015, proc. 3361/09.2TBPVZ.P1 decidiu: “no caso de situações de propriedade horizontal de edifícios integrados por blocos, como ocorre no caso vertente, em que algum ou alguns deles é servido por partes comuns que lhe são exclusivamente inerentes, ou seja, que não sirvam funcionalmente outros blocos, não se vê proibição legal de que todos os condóminos aprovem a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo, como é natural, da coordenação com a administração geral nos pontos em que ela deva existir. Por outro lado, também não se vislumbra, no arquétipo legal subjacente a esta questão, norma no sentido de que a referida solução só possa ser admitida no caso de o título constitutivo da propriedade horizontal especificar os elementos relativos a cada um dos aludidos blocos prediais, designadamente as fracções em que se decompõem e as partes comuns que lhe estão afectas. E, tal exigência não se justifica, porque as questões que se prendem com a regulamentação do uso, fruição e conservação de partes comuns não têm, em tais casos, de constar do título constitutivo da propriedade horizontal (artigo 1429.º-A do Código Civil).”
Recentemente, no processo 17483/13.1T2SNT.L1, proveniente do mesmo tribunal onde foi tratada a questão objecto do presente recurso e estando em causa o mesmo condomínio, decidiu este tribunal da relação pela inexistência de obstáculo à constituição de diversos órgãos de administração, assim concluindo constituir título executivo a acta dada à execução – Ac. datado de 2/3 de 2017, acessível na base de dados da dgsi, como todos os demais citados.
Contrariamente ao invocado pelos recorridos no regulamento junto aos autos está identificado o "condomínio do Centro Comercial" com NIF de pessoa equiparada a pessoa colectiva e analisados nos seus dizeres vemos que em nada difere dum vulgar regulamento de condomínio, no que toca aos direitos e deveres dos condóminos: estão discriminadas as despesas consideradas comuns, a sua repartição de acordo com a permilagem -arts.º 13.º e 14.º -, os orgãos Administrativos, estando expressamente previsto que a Assembleia de condóminos é composta pelos proprietários das frações do Centro /ou respectivos representantes legais -art.º 20”.
Efetivamente, a “pedra de toque” do caso em apreço afigura-se-nos a seguinte: Ao contrário do pugnado no parecer junto pelos embargantes (vd. conclusões 11.ª e ss.), a aplicação do regime da propriedade horizontal a conjuntos de edifícios, em conformidade com o disposto no artigo 1438.º-A do CC, não depende de algum título constitutivo que, no caso, existe relativamente aos quatro prédios que formam o conjunto de edifícios, funcionalmente ligados – ou seja, pelo menos, de acordo com a função que foi atribuída relativamente à utilização das lojas do centro comercial, como destinadas à atividade comercial – entre si por partes comuns que se mostram afetadas ao uso de, pelo menos, algumas unidades ou frações que os compõem.
Resta, pois, concluir que, com respeito às atas juntas pelo embargado, “nenhum obstáculo existe para se julgar as actas com força executiva, em relação aos respectivos condóminos.
Salientemos apenas, como se faz nas decisões enunciadas, que nestes casos, haverá necessidade dos vários orgãos de administração se articularem entre si para tratarem e decidirem as questões que possam ser comuns ao prédio, ou a cada um dos prédios, como por exemplo, assunto atinente às coberturas do prédio.
Porque as razões argumentativas nos merecem concordância, não vemos motivos para nos afastarmos da linha destas decisões” (assim, o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-01-2018, Pº 18829/13.8T2SNT.L1-6, rel. TERESA SOARES).
Ou seja (mais uma vez, citando o referido aresto): “Não há impedimento legal à aplicação do regime de propriedade horizontal, no atinente a administração das partes comuns que representem um grupo de fracções de vários blocos, ligados entre si, desde que esse grupo funcione como uma unidade com interesses comuns entre si e distintos dos interesses das restantes fracções de cada bloco, como é o caso das fracções que compõem um centro comercial integrado em bloco(s) que também é composto por fracções destinadas a fins não comerciais. (…) As necessidades de adaptação às novas realidades levaram a que, em 1994, o legislador aditasse ao regime da propriedade horizontal disciplinado pelo Código Civil, o art.º 1438.º-A decorrendo deste preceito não exigir a lei que à constituição de um prédio em regime de propriedade horizontal tenha que forçosamente corresponder um único condomínio. Assim, poderão num mesmo prédio co-existirem dois condomínios, desde que haja justificação prática para tal, assim como vários prédios constituídos em propriedade horizontal, podem estar unidos sob um único condomínio”.
No mesmo sentido, vd. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-02-2016 (Pº 132/14.3TBBCL.G1, rel. ANABELA TENREIRO) e de 17-12-2018 (Pº 3428/16.0T8GMR.G1, rel. SANDRA MELO).
Conforme se explanou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-12-2019, referente aos prédios em questão nos autos (Pº 275/17.6 T8AMD.L1, rel. TERESA PARDAL, junto com a contestação do embargado): “A propriedade horizontal vem prevista nos artigos 1414° e seguintes do CC, regulando as situações de edifícios cujas fracções independentes, distintas e isoladas entre si, possam pertencer a proprietários diferentes, que assim serão titulares do direito de propriedade sobre as respectivas fracções autónomas e comproprietários das partes comuns do prédio.
Com o DL 267/94 de 25/10 foi aditado ao CC, no final do capítulo que trata a propriedade horizontal, o artigo 1438º-A, que tem a seguinte redacção: “O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou de algumas unidades ou fracções que os compõem.
Esta disposição legal veio permitir que, juntamente com o condomínio instituído em cada um dos edifícios contíguos, possa coexistir um outro condomínio, incidente sobre partes delimitadas desses edifícios que estejam funcionalmente ligadas ente si por partes comuns que sejam utilizadas para a mesma finalidade, sem prejuízo da coordenação entre ambos os condomínios.
Sobre este instituto tem havido posições divergentes, havendo correntes que entendem que a constituição deste condomínio de edifícios conjuntos terá de obedecer a todos os requisitos exigíveis para a constituição do condomínio, com todas as especificações impostas no artigo 1418° do CC, só assim assumindo uma natureza real oponível a todos, sendo insuficiente uma deliberação com a elaboração de um regulamento no centro comercial (cfr neste sentido ac. STJ 9/03/2004, p. 03A4204, 21/05/2009, p. 08B1734, ambos em www.dgsi.pt) e havendo entendimentos que consideram não ser necessárias tais especificações já existentes, bastando a sua aprovação por deliberação, tendo em atenção que, nos termos do artigo 1429-A do CC, os elementos a incluir num regulamento de condomínio não necessitam de constar no título constitutivo a que se refere o artigo 1418° e que as despesas a considerar neste condomínio de conjunto poderão ser relevantes e obrigatórias apenas para parte dos condóminos, de acordo com o disposto no artigo 1424° do mesmo código (neste sentido ac. STJ 16/10/2008 p. 08B3011, RL 25/01/2018, P. 18829/13 - este relativo ao centro comercial em questão nos presentes autos - 2/03/2017, p. 17483/13, RP 20/11/2015, p. 3361/09, 13/10/2012, p. 1859/11, todos em www.dgsi.pt).
Ficou provado que os quatro edifícios em causa têm zonas comerciais que integram um mesmo centro comercial, sendo as suas áreas comuns destinadas ao mesmo fim e ligadas funcionalmente entre si, verificando-se assim que estão reunidos os pressupostos físicos para a aplicação do artigo 1438º-A.
Quanto à sua constituição, não exigindo a lei expressamente as especificações impostas no artigo 1418°, encontrando-se as mesmas já delimitadas nos títulos constitutivos respectivos dos edifícios contíguos e visando o artigo 1438°-A a agilização da administração restringida a questões, despesas e receitas próprias, não se vê obstáculo à existência do condomínio previsto no artigo 1438°-A mediante deliberação aprovada pelos condóminos.
No caso dos autos provou-se que em 14/06/1986 foi nomeada administração para o centro comercial por maioria de votos e que veio a ser aprovado um regulamento do interno do centro comercial, por assembleias de condóminos de 21/02/2000, 21/05/2001, 11/03/2007 e 11/07/2012.
Encontra-se então constituído o condomínio que abrange apenas as áreas relativas ao centro comercial, sendo certo que, mesmo que se não entendesse ser válida tal constituição, quer pela forma, quer pelo facto de a deliberação dos condóminos não ter sido unânime, sempre haveria que considerar que a existência de facto deste condomínio desde 1986, com aprovação de um regulamento pelos condóminos, com actualização ao longo dos anos, sempre por aprovação nas assembleias gerais de condóminos, sem notícia nos presentes autos de impugnação, constitui um exercício de posse com acordo tácito dos condóminos, que permite a constituição por usucapião, ao abrigo dos artigos 1417° e 1296° do CC (…)”.
Acolhe-se integralmente este entendimento, mostrando-se, consequentemente, afastada qualquer questão referente à falta de legitimidade do embargado.
Não procede, pois, em conformidade com o exposto, a questão de falta de legitimidade para a pretensão exequenda formulada pelo embargado, arguida pelos embargantes.
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E) Se deve decidir-se pela inexistência de título executivo no que respeita ao valor peticionado a título de cláusula penal no valor de 17.226,67€?
Relativamente ao valor referente à cláusula penal, entendem os requerentes que deve decidir-se pela inexistência de título executivo que sustente a execução de tal valor.
Para tanto, consideraram o seguinte:
“Nos termos conjugados dos artigos 10.°, n.°5, 703.°, n.° 1, al. d) do CPC e 6.° do DL 268/94, de 25 de Outubro, a acta da assembleia de condomínio só constitui título executivo sobre os montantes em dívida taxativamente prevista na lei.
“A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título estabelecido na sua quota-parte”.
Existindo disposição legal especial sobre as dívidas que podem ser executadas pela via de um documento particular com força executiva não pode vir o recorrido criar excepções àquela tipicidade que caracteriza as actas de condomínio.
De modo que todos os montantes que não estejam previstos na lei e que venham a ser reclamados pelo condomínio pela via de uma acta de condomínio estão destinados à ineficácia do título executivo ou melhor à inexistência do título executivo.
Esta matéria é do conhecimento oficioso e não foi apreciada pelo Tribunal a quo que devia ter decidido pela inexistência de título executivo, pelo menos, no que respeita ao valor peticionado a título de cláusula penal no valor de 17.226,676”.
A recorrida/embargada contra-alegou que:
“Esta questão está amplamente desenvolvida na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de abril de 2019 (Processo n.º 286/18.4T8SNT.L1-7), acompanhando-se a tese aí defendida, e a respetiva motivação que se transcreve: “No sentido que propomos e na linha da nossa argumentação, Sandra Passinhas no seu A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª ed., Almedina, 2002, pp. 274-275: «A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o proprietário, enquadra-se na expressão “contribuições devidas ao condomínio”, e cai no campo de aplicação do artigo 6.º do DL 268/94. Embora, rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma “contribuição devida ao condomínio”, esta é a solução mais conforme à vontade do legislador. Não faria sentido que a ata da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma ata não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes».
Mais recentemente, a mesma Autora voltou a expressar a mesma posição, ainda que a propósito do desrespeito de uma deliberação da assembleia diferente da que estabelece o valor das quotas de condomínio: «Se a assembleia proíbe a circulação de animais à solta nas partes comuns de um edifício, e um dos condóminos pura e simplesmente não respeita a proibição, quid iuris? Nos termos do artigo 1434.º, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações e das decisões do administrador, sendo que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o proprietário, nos termos do artigo 6.º, do DL 268/94, de 25 de Outubro» – Sandra Passinhas, «Os animais e o regime português da propriedade horizontal», Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Vol. II (2006), disponível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-2006/.
Compreendemos que a questão suscitada e decidida neste recurso não tenha uma resposta unânime, o que é causado por uma menos clara redação conferida ao art. 6.º do DL 268/94, que uma futura intervenção legislativa poderá suprir.
Porquanto expusemos, entendemos que, na melhor interpretação, no âmbito da ata, enquanto título executivo, cabem não apenas as despesas extraordinárias necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício e as quotas fixas destinadas à satisfação das despesas comuns ordinárias (limpezas, manutenção de equipamentos, contribuições para o fundo comum de reserva, pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio, etc.), como todas as contribuições devidas ao condomínio, incluindo as penas pecuniárias fixadas ao abrigo do disposto no art. 1434 do Código Civil.
Em suma:
Nos termos do disposto no artigo 1434 do CC, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, aplicáveis ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio.
A ata da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado a aplicação e o montante dessas penas constitui título executivo contra o proprietário em mora, nos termos do disposto no artigo 6.º do DL 268/94, de 25 de outubro.””.
A questão suscitada pelos embargantes é a de saber se o montante exigido pela embargada, a título de cláusula penal, se encontra coberto pela previsão legal, ou se – tese que os embargantes defendem – não tem tal cobertura, não existindo ou sendo ineficaz o título quanto a tal valor.
Vejamos:
A possibilidade de fixação de penas pecuniárias pela assembleia de condóminos encontra-se prevista no n.º 1 do artigo 1434.º do CC.
Dispõe o n.º 1 do artigo 6.º do D.L. n.º 268/94, de 25 de outubro – na linha do previsto no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 40333, de 14-10-1955, que estabeleceu o regime jurídico da propriedade horizontal, onde se previa que a acta da sessão que tivesse deliberado quaisquer despesas constituía título executivo, nos termos do artigo 46.º do Código de Processo Civil, contra o proprietário que deixasse de entregar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, à qual acresceriam juros legais de mora - que, a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado “o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
A interpretação deste normativo tem sido alvo de grande divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Na jurisprudência, algumas decisões afirmam a impossibilidade de execução dos montantes relativos a multas ou penalidades referentes ao condomínio, considerando que a expressão «contribuições devidas ao condomínio», constante do artigo 6.º do DL 268/94, não abrange «penas pecuniárias devidas ao condomínio». Neste pólo encontram-se as seguintes decisões (elencadas por ordem cronológica):
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-01-2013 (Pº 8630/08.6TBBRG-A.G1, rel. PAULO BARRETO): “A acta da reunião da assembleia de condóminos não constitui título executivo, ao abrigo do art.º 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, relativamente a deliberações sobre: a) penalizações por atrasos no pagamento de comparticipações e despesas de contencioso e custas judiciais (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2013 (Pº 607/12.3TBFIG-A.C1, rel. ARLINDO OLIVEIRA): “A acta da assembleia de condóminos não pode constituir título executivo no que concerne a penalizações, tendo o condomínio de recorrer a acção declarativa de condenação com vista a que lhe seja reconhecido o direito”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01-07-2014 (Pº 837/12.8YYLSB-A.L1-1, rel. JOÃO RAMOS DE SOUSA): “Para constituir título executivo na cobrança das contribuições devidas ao condomínio, basta que a ata contenha o montante em dívida pelo condómino e a menção de que não foi pago – sem necessidade de tal ata documentar a deliberação de onde nasce a obrigação de pagamento – art. 6.1 do DL 268/94. A mesma ata não é título executivo para cobrança das penalidades por prejuízos aos condóminos, oportunamente fixadas nos termos do art. 1434 do Cód.Civ., mas nela não determinados”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-12-2015 (Pº 2812/13.6TBVNG-B.P1, rel. ANA LUCINDA CABRAL): “O legislador mencionou expressamente que a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo quanto aos encargos previstos no artigo 6.º, n.º 1, do DL 268/94, em cuja letra não estão previstas as penas pecuniárias”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-06-2016 (Pº. 16871-11.2T2SNT-8, rel. OCTÁVIA VIEGAS): “a penalização não se subsume ao conceito de despesa, consistindo numa indemnização acordada pelos condóminos para o caso de incumprimento, pelo que não está abrangida pelo preceituado no art. 6 do DL 268/94, de 25.10, porque não respeitam às despesas e pagamentos aí referidos”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-02-2017 (Pº 454/15.0T8CVL.!.C1, rel. EMIDIO FRANCISCO SANTOS): “O n.º 1 do artigo 6.º DL n.º 268/94, de 25 de Outubro, atribui força executiva à acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das contribuições devidas ao condomínio, ou seja, das dívidas por encargos de condomínio, não abrangendo, portanto, todo e qualquer montante que seja devido ao condomínio. De acordo com o artigo 1424.º do CC, são encargos de condomínio os encargos com a “conservação e fruição das partes comuns do edifício” e os encargos “com os serviços de interesse comum”, estando excluídas as penas pecuniárias, dado serem estabelecidas para “a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador” (n.º 1 do artigo 1434.º do CC). Os honorários e as despesas judiciais não constituem despesas de conservação e fruição das partes comuns nem despesas com serviços de interesse comum para o condomínio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-05-2018 (Pº 9990/17.3T8PRT-B.P1, rel. CARLOS QUERIDO): “Na aferição do alcance da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro, na parte em que se refere a “contribuições devidas ao condomínio”, haverá que ter em conta o conceito de “Dívidas por encargos de condomínio” a que se reporta a epígrafe da norma em apreço, o qual nos remete para o artigo 1424.º do Código Civil, onde se prevêem tais encargos. Não constituem “encargos de condomínio” as sanções de natureza pecuniária deliberadas pela assembleia de condóminos, razão pela qual não se encontram abrangidas no título executivo previsto n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2018 (Pº 2636/14.3T8OER-A.L1-6, rel. EDUARDO PETERSEN SILVA): “As sanções de natureza pecuniária deliberadas pela assembleia de condóminos não se encontram abrangidas pelo artigo 6.º nº 1 do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, não constituindo as actas de reunião de assembleia de condóminos em que foram deliberadas título executivo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (Pº 3450/11.3TBVFX.L1-7, rel. DIOGO RAVARA): “A (…) ata não constitui título executivo no tocante a penalidades aplicadas nos termos previstos no art. 1434º, nº 1 do CC, ou a despesas decorrentes da cobrança dos montantes em falta”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-05-2019 (Pº 3256/18.9T8VNF.B. G1, rel. PURIFICAÇÃO CARVALHO): “A ata da assembleia de condóminos na parte em que se aplica sanções a estes não vale como titulo executivo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-02-2020 (Pº 3975/08.8YYPRT-A.P1, rel. JOÃO VENADE): “A ata de assembleia de condóminos que aprova a aplicação de sanções a condóminos que não paguem as prestações a que se obrigam, enquanto condóminos, não é título executivo nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-06-2020 (Pº 26607/17.9T8PRT-A.P1, rel. FÁTIMA ANDRADE): “Para os fins do disposto no artigo 6º nº 1 do DL 268/04 de 25/10, a ata que constitui título executivo contra o proprietário que deixa de pagar a sua quota parte das contribuições devidas ao condomínio, é a ata da assembleia de condóminos onde fica exarada a deliberação que aprova as contribuições a pagar por cada condómino – fixando o respetivo valor e prazo de pagamento - ou seja a ata constitutiva da obrigação. As deliberações sobre penalidades pelo incumprimento tempestivo das quotas mensais, bem como as despesas de expediente e contencioso não se enquadram nas dívidas por encargos a que se refere o artigo 6º nº 1 (…). Como tal a ata da assembleia de condóminos que exare a deliberação de aplicação de tais penalidades ou a cobrança de despesas de expediente e contencioso não constitui título executivo”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-04-2021 (Pº 3787/20.0T8VNF.G1, rel. ANTÓNIO BARROCA PENHA): “O art. 6.º, n.º 1, do D.L. n.º 268/94, de 25.10, deve ser interpretado no sentido de que as “dívidas por encargos de condomínio” aí previstas, que podem integrar o título executivo, são as que têm origem nas contribuições devidas ao condomínio refentes exatamente a tais encargos (art. 1424º, n.º 1, do C. Civil), estando, assim, excluídas as penas pecuniárias aplicadas nos termos do art. 1434º, n.º 1, do C. Civil”.
No pólo oposto, outras decisões têm afirmado a conformidade legal da exigência de quantitativos com a natureza de sanção ou de cláusula penal sobre montantes em dívida ao condomínio e, bem assim, a possibilidade de execução do condómino, em razão de tais penalidades. Disso são exemplo, os seguintes arestos (elencados por ordem cronológica):
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-06-2001 (Pº 455/2001, rel. HELDER ALMEIDA): “Reconduzindo-se as penalizações a sanções pelo inadimplemento por parte dos condóminos das obrigações de entrega de valores estipulados pela assembleia como correspondentes ás respectivas comparticipações, não comportam a sua qualificação na categoria de "serviços de interesse comum". O campo de aplicação da expressão "contribuições devidas ao condomínio" constante da parte inicial do nº1 do referido artº 6º , deve ser perspectivado de forma ampla, de molde a abarcar, as penalizações ou penas pecuniárias. As actas de reunião das assembleias de condóminos juntas pela exequente, constituem título executivo, no que concerne às importâncias reclamadas a título de honorários e penalizações”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-02-2007 (Pº 9207/2006-2, rel. JORGE LEAL): “[A] assembleia pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições do regime legal do condomínio ou das deliberações da assembleia (art.º 1434º nº 1 do Código Civil) e (…) a respectiva pena pecuniária é enquadrável na expressão “contribuições devidas ao condomínio””;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-07-2007 (Pº 9276/2007-7, rel. ARNALDO SILVA): “No âmbito da acta, enquanto título executivo, cabem o montante das “contribuições devidas ao condomínio”. Esta expressão deve ser entendida em sentido amplo. Nela se devem incluir as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do art.º 1434º do Cód. Civil. Na expressão “contribuições devidas ao condomínio” cabem as contribuições devidas e em dívida ao condomínio, isto é, vencidas e não pagas”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-06-2011 (Pº 1975/08.7TBPRD-B.P1, rel. PINTO FERREIRA): “O nº 2 do artigo 1434° do CC, tem carácter imperativo e não supletivo, dado que ali se estipula que o montante das penas m cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor, sendo que, o uso da expressão nunca, significa que esta meta tem carácter imperativo. A aplicação de multas pelo atraso no pagamento das quotizações de condomínio, uma vez que se encontra prevista no Regulamento do Condomínio, a partir da data da respectiva aprovação em Assembleia, é vinculativa para todos os condóminos, mas desde que o Regulamento respeite a lei, no caso, o referido nº 2 do artigo 1434° do CC. Para apurar esse rendimento colectável, aplica-se o disposto no artº 6º, nº 1, DL 422-C/88 (Código da Contribuição Autárquica)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-06-2011 (Pº 318/10.4TBLLE.E1, rel. BERNARDO DOMINGOS): “A acta, que aprovou o regulamento do condomínio, será também titulo executivo para a cobrança de quantias devidas a título de penalização pelo atraso no pagamento das contribuições dos condóminos, desde que tal resulte do Regulamento do Condomínio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-02-2014 (Pº 8801/09.8TBCSC-A.L1-2, rel. OLINDO GERALDES): “A ata da reunião da assembleia de condóminos, que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias, por falta de pagamento da quota-parte, no prazo estabelecido, constitui título executivo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-10-2015 (Pº 1538/12.2TBBRG-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA): “A acta da reunião da assembleia do condomínio que tiver deliberado as contribuições a pagar pelos condóminos, nos termos do art.º 6º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 268/94, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte, desde que esteja assinada por todos os condóminos que nela participaram e deixaram de pagar (art.º 1º do Dec. Lei n.º 268/94). No âmbito da acta, enquanto título executivo, cabem o montante das “contribuições devidas ao condomínio”, nelas se incluindo as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penalizações ou penas pecuniárias fixadas nos termos do art.º 1434º do Cód. Civil”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-04-2016 (Pº 2816/12.6TBCSC-A.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “Toda a acta da assembleia de condóminos em que se delibere que, em determinado momento, este ou aquele condómino tem em dívida determinados montantes resultantes de contribuições ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, pode servir como título executivo para o administrador instaurar a competente execução contra o condómino relapso”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-05-2016 (Pº 2059/14.4TBGDM-A.P1, rel. JOSÉ CARVALHO): “A acta da assembleia de condóminos, na parte em que se aplica sanções a estes, vale como título executivo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-03-2017 (Pº 2154/16.5T8VCT-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA): “I - A acta da assembleia do condomínio constitui título executivo relativamente ao montante das “contribuições devidas ao condomínio”. Esta expressão deve ser entendida em sentido amplo, nela se devendo incluir, além das despesas específicas relativas ao próprio condomínio, e que são de diversa natureza, as penas pecuniárias fixadas nos termos do art.º 1434º do Cód. Civil”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017 (Pº 2159/168VCT-A.G1, rel. JOSÉ AMARAL): “[A]s actas apresentadas à execução reúnem os requisitos necessários para conferir força executiva à deliberação correspondente à reclamação à ora embargantes do valor correspondente à penalização pelo não pagamento atempado da quota-parte da contribuição mensal”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-04-2019 (Pº 286/18.4T8SNT.L1-7, rel. HIGINA CASTELO) concluindo que: “I. A assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, penas pecuniárias a aplicar ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio. II. A ata da reunião da assembleia de condóminos que deliberou a aplicação e o montante dessas penas constitui título executivo contra o proprietário em mora”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-09-2019 (Pº 2554/14.5YYLSB-A.L1-2, rel. JORGE LEAL): “Constituem título executivo as atas das assembleias de condóminos que transcrevem deliberações dos condóminos que, além de aprovarem o orçamento das despesas previstas para o ano correspondente, incluindo reforço do fundo comum de reserva e prémio do seguro de incêndio, concretizam e confirmam a imputação aí feita aos ora executados do por eles devido a título de sanção pecuniária por incumprimento das obrigações de pagamento das comparticipações em despesas comuns aprovadas em anteriores assembleias de condóminos e, bem assim, as despesas de expediente relacionadas com o envio de correspondência aos executados, dando cumprimento ao nesse sentido estipulado no Regulamento do Condomínio, cuja validade fora avalizada em ação declarativa constitutiva instaurada pelos ora executados contra o condomínio ora exequente”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-02-2020 (Pº 261/18.9T8AVV-B.G1, rel. RAMOS LOPES): “As actas da reunião assembleia de condomínio constituem título executivo, nos termos do art. 6º, nº 1 do DL 268/94, de 25/10, quanto: - às penalidades fixadas nos termos do art. 1434º do CC, por integrarem o conceito «contribuições devidas ao condomínio», e - aos honorários devidos ao mandatário que patrocine a demanda que tenha por fim exigir coercivamente do condómino a satisfação da sua quota-parte relativa às contribuições devidas, por constituir despesa necessária ao pagamento de serviço de interesse comum”; e
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2020 (Pº 7240/17.1T8VNF-A.G1, rel. MARGARIDA SOUSA): “As actas da reunião assembleia de condomínio constituem título executivo, nos termos do art. 6º, nº 1 do DL 268/94, de 25/10, quanto: - às penalidades fixadas nos termos do art. 1434º do CC, por integrarem o conceito «contribuições devidas ao condomínio», e - aos honorários devidos ao mandatário que patrocine a demanda que tenha por fim exigir coercivamente do condómino a satisfação da sua quota-parte relativa às contribuições devidas, por constituir despesa necessária ao pagamento de serviço de interesse comum.”.
A interpretação deste normativo supõe o recurso aos parâmetros interpretativos das normas fornecidas pelo artigo 9.º do CC, segundo o qual, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. E, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Aderimos ao sentido interpretativo levado a efeito no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-04-2019 (Pº 286/18.4T8SNT.L1-7, rel. HIGINA CASTELO), onde se teceram as seguintes considerações sobre a questão:
“Antes do mais há que ler o texto do n.º 1 do art. 6.º do DL 268/94 no seu conjunto, pois o sentido de cada trecho desse número tem de ser avaliado em confronto com os demais, descobrindo-se dessa forma a coerência de cada parte e do todo.
Separemos os vários elementos da norma:
i. ata da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado
ii. o montante das contribuições devidas ao condomínio ou
iii. quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio,
iv. constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
O facto de o legislador ter distinguido «contribuições devidas ao condomínio» e «despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio» parece-nos evidenciar que não quis deixar de fora qualquer tipo de valor que os condóminos ou alguns deles devam entregar ao acervo comum.
A interpretação textual da norma indica-nos que «as contribuições devidas ao condomínio» são todas as que ao condomínio forem devidas, com fundamento em qualquer norma válida, independentemente da fonte desta. O brocardo romano «ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus», acolhido no art. 9.º do CC, pela prevalência que este dá ao elemento literal da interpretação, tem aqui pleno sentido.
Outros cânones hermenêuticos indicam-nos o mesmo caminho. O objetivo do regime da propriedade horizontal delineado pelo DL 268/94, de 25 de outubro, está expresso no seu preâmbulo: «as regras aqui consagradas estatuem ou sobre matérias estranhas à natureza de um diploma como o Código Civil ou com carácter regulamentar, e têm o objetivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros». Nos termos do seu art. 1.º, são obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos e as deliberações nelas consignadas são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às frações.
Cumprindo o anunciado objetivo, o art. 6.º do diploma acrescenta ao universo dos títulos executivos a ata da assembleia de condóminos que tenha deliberado contribuições que cada condómino deva entregar ao condomínio, obviando a que o condomínio tenha de percorrer uma ação declarativa cada vez que um condómino entra em mora no pagamento dos devidos valores (o n.º 2 do artigo expressa que o administrador instaurará a ação judicial, executiva, destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior). Deixar de fora parte das prestações devidas seria inviabilizar a eficácia expressamente intencionada.
É concebível que o legislador tenha querido que a ata valha como título executivo para quotizações fixas de condomínio (já de si, em termos absolutos, de baixo valor), mas não tenha querido conferir-lhe essa força para cobrança de penas que importam em pequena percentagem do valor das contribuições em dívida? Sendo que a imposição de penas pecuniárias é permitida por lei (art. 1434 do CC) e tem exatamente o mesmo fim de eficácia na gestão do condomínio que o art. 6.º do DL 268/94 pretende alcançar com a instituição de um novo título executivo. Terá o legislador querido sujeitar o condomínio a uma ação declarativa para ulteriormente poder cobrar valores tão baixos? Não o cremos, até porque isso corresponderia a tornar essas penalizações letra morta, pois os custos da sua cobrança (a incluírem uma ação declarativa) desencorajariam o esforço (…).
Estas sanções, como lembra Rui Pinto Duarte, afastam-se da cláusula penal, prevista e regulada nos artigos 810 a 812 do CC, por não dependerem do acordo de todos os que as podem sofrer, e afastam-se da sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 829-A do mesmo código, por não dependerem de decisão jurisdicional – Anotação ao art. 1434, in Código Civil Anotado, II, Ana Prata (coord.), Coimbra: Almedina, 2017, p. 289.
O condomínio exequente ofereceu à execução as atas das assembleias de condóminos que aprovaram o regulamento do condomínio e a alteração ao mesmo, que contemplam as penas pecuniárias aludidas. O condomínio completou o requerimento executivo com a alegação referente à mora do executado e juntou, ainda, ata da assembleia de condóminos de onde consta o valor da dívida do executado e a concessão à administração de autorização e poderes para atuar judicialmente, com vista à respetiva cobrança (…).
Na doutrina, no sentido da leitura restritiva da expressão «contribuições devidas ao condomínio», encontramos a seguinte passagem de Rui Pinto, Novos estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 192: «esta ata não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias do condómino, como o pagamento das penas pecuniárias fixadas pela assembleia de condomínio, nos termos do art. 1434.º CC. Esta última conclusão decorre do princípio da taxatividade e literalidade das normas que preveem títulos executivos e a que voltaremos adiante: as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento.».
O argumento do Autor centra-se no entendimento segundo o qual na palavra «contribuições» não cabem «penalidades». O invocado princípio da taxatividade dos títulos executivos não afasta a posição por nós defendida, pois o que dizemos é que a norma do art. 6.º prevê que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tenha deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio, incluindo nestas as penalidades a aplicar ao condómino inadimplente ao abrigo do art. 1434 do CC, constitui título executivo contra o proprietário em mora.
Encontramos, ainda, referência ao tema, em anotação de Rui Pinto Duarte ao art. 1424, no citado Código Civil Anotado, II, coord. de Ana Prata, p. 261: «A solução da terceira interrogação parece ser a de que as atas não valerão como títulos executivos a não ser quanto ao referido no art. 6.º do Dec.-Lei 268/94, de 25 de outubro. V., por ex., ac. do TRC de 29-3-2013 (in CJ, ano XXXVIII, tomo II, 2013, pp. 19 e ss.)».
No sentido que propomos e na linha da nossa argumentação, Sandra Passinhas no seu A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª ed., Almedina, 2002, pp. 274-275: «A ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o proprietário, enquadra-se na expressão “contribuições devidas ao condomínio”, e cai no campo de aplicação do artigo 6.º do DL 268/94. Embora, rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma “contribuição devida ao condomínio”, esta é a solução mais conforme à vontade do legislador. Não faria sentido que a ata da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma ata não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes».
Mais recentemente, a mesma Autora voltou a expressar a mesma posição, ainda que a propósito do desrespeito de uma deliberação da assembleia diferente da que estabelece o valor das quotas de condomínio: «Se a assembleia proíbe a circulação de animais à solta nas partes comuns de um edifício, e um dos condóminos pura e simplesmente não respeita a proibição, quid iuris? Nos termos do artigo 1434.º, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações e das decisões do administrador, sendo que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o proprietário, nos termos do artigo 6.º, do DL 268/94, de 25 de Outubro» – Sandra Passinhas, «Os animais e o regime português da propriedade horizontal», Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Vol. II (2006), disponível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-2006/.
Compreendemos que a questão suscitada e decidida neste recurso não tenha uma resposta unânime, o que é causado por uma menos clara redação conferida ao art. 6.º do DL 268/94, que uma futura intervenção legislativa poderá suprir.
Porquanto expusemos, entendemos que, na melhor interpretação, no âmbito da ata, enquanto título executivo, cabem não apenas as despesas extraordinárias necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício e as quotas fixas destinadas à satisfação das despesas comuns ordinárias (limpezas, manutenção de equipamentos, contribuições para o fundo comum de reserva, pagamento do prémio de seguro contra o risco de incêndio, etc.), como todas as contribuições devidas ao condomínio, incluindo as penas pecuniárias fixadas ao abrigo do disposto no art. 1434 do Código Civil (…)”.
Esta interpretação menos restritiva é, de facto, a que melhor se coaduna com o sentido da lei e com o escopo visado pelo legislador com a sua aprovação.
Conforme se lê no preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 268/94, as regras consagradas neste diploma tiveram o claro “objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal”.
Valendo as actas como título executivo relativamente a parte das despesas em dívida pelos condóminos, não se encontra motivo para não valerem como título executivo também relativamente ao montante das “penas pecuniárias” que tenham sido regularmente criadas e que estejam realmente em dívida.
Seria, de facto, incoerente que, visando o legislador tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, estabelecesse para a cobrança das contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, a possibilidade de executar tais quantias e, que, para a cobrança do montante resultante das penas pecuniárias legalmente estabelecidas, o condomínio estivesse impedido de instaurar execução, tendo previamente que instaurar uma acção declarativa condenatória, com vista à cobrança de tais montantes.
E, tanto mais incoerente seria, quando a pena pecuniária estabelecida é, sem dúvida, uma contribuição de que o condomínio é beneficiário, integrando-se, claramente, no sentido e âmbito da norma contida no n.º 1 do artigo 6.º do referido Decreto-Lei n.º 268/94.
Ora, de acordo com a alegação efetuada no requerimento inicial de execução, o valor de € 17.226,67 é peticionado, “por aplicação do artigo 16.º do Regulamento do Condomínio que estabelece a imposição de uma taxa de juro de 10% ao ano, a título de cláusula penal”.
Conforme invocado no requerimento de 12-01-2020 apresentado pela exequente, a última versão do regulamento interno e as mais recentes deliberações sobre o mesmo foram tomadas na ata n.º 93.
Do teor da referida ata n.º 93 consta escrito, em particular, o seguinte no âmbito do regulamento do condomínio em vigor:
“Artigo 16.º (Pagamento)
1- O pagamento da quotização mensal e outros encargos da responsabilidade dos condóminos/lojistas, deverá ser efetuado no escritório da Administração até ao dia 8 do mês a que respeitam.
2-O atraso no pagamento das quotas e encargos acima referidos, será penalizado com juros de mora à taxa legal, além da aplicação de juros à taxa de 10% ao ano, a título de cláusula penal, que vencerão a partir do primeiro dia da mora.
3- A mora no pagamento das quotizações e encargos referidos no n.º 1, por período superiora 60 dias, constitui justa causa para resolução de qualquer contrato de prestação de serviços, ocupação de espaço ou outro, entre a Administração do Condomínio do Centro Comercial …e o condómino faltoso ou seu arrendatário.
4- Decorridos 90 dias de mora, poderá a Administração intentar a competente ação judicial, sendo da conta do condómino/lojista devedor, todas as despesas judiciais e extrajudiciais a que der lugar, incluindo honorários de advogados e/ou procuradores.
5- Para as ações judiciais referidas no número anterior, em que sejam demandados condóminos, é competente o Julgado de Paz de Sintra.”.
Conforme refere Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; Almedina, 2.ª ed., 2002, pp. 81-82), “o regulamento do condomínio é um conjunto de regras gerais e abstractas, destinado a disciplinar no futuro a acção dos condóminos no gozo e administração do edifício.
O regulamento tem eficácia propter rem, porque disciplina as relações internas, no grupo dos condóminos, prescindindo dos indivíduos que o compõem”.
Conforme se assinalou, em idêntica linha, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-12-2008 (Pº 2269/03.0TBFIG.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA): “Resulta do disposto no artº 1429º-A, nº 1, do C. Civ., que o Regulamento do Condomínio, aprovado pelas assembleias gerais, visa disciplinar o uso, a fruição e a conservação das partes comuns. A natureza jurídica destes Regulamentos é a de “deliberação normativa ou regulamentar” resultante de declarações de vontade que se fundem para apurar, por sufrágio, a vontade de um órgão colegial, corporizando em si um conjunto de regras gerais e abstractas que se destinam a disciplinar, no futuro, a acção dos condóminos no gozo e administração do prédio. Esta “deliberação” pode impor-se a quem votar contra ela ou a quem não participar sequer na sua formação. Muito embora esse “Regulamento” não tenha natureza contratual, deve entender-se que as regras que o compõem têm eficácia propter rem, vinculando todos aqueles que se encontram integrados na organização condominial”.
No caso, como se viu, o regulamento do condomínio contém suficiente cobertura para a exigibilidade do valor decorrente da aplicação da cláusula penal, no montante de juros à taxa de 10% ao ano, a incidir sobre os montantes em dívida por parte dos ora recorrentes.
E, na decorrência do exposto, com o sentido interpretativo alcançado, deve entender-se que a acta da assembleia do condomínio, que expressa a norma definidora da aplicação da penalidade em apreço, constitui título executivo.
Em suma: O valor reclamado pela exequente enquadra-se nesse quadro regulamentador e legal, pelo que não se verifica ausência de título quanto ao mesmo, improcedendo a questão suscitada pelos embargantes.
*
F) Se as actas dos autos, reportando-se a deliberações do condomínio tomadas posteriormente à transmissão da propriedade dos recorrentes sobre a fração autónoma “AT” (Loja 21) (2018 e 2019), são ineficazes em relação aos mesmos?
Finalmente, referem os embargantes que foram proprietários da fracção autónoma de letra “AT” correspondente a loja 21.A da fase C até ao ano de 2015, mas “as deliberações do condomínio que o recorrido representa ocorrem nos anos posteriores à transmissão da titularidade da propriedade daquele imóvel, pelo que, as actas que fundamentam o pedido do recorrido não têm eficácia em relação aos recorrentes quanto àquela fracção”, considerando que “esta matéria é do conhecimento oficioso e não foi apreciada pelo Tribunal a quo que devia ter decidido pela inexistência de título executivo, pelo menos, no que respeita ao valor peticionado sobre as quotas devidas pelos recorrentes sobre a fracção autónoma de letra “AT” no valor de 4.754,60€”.
O embargado/recorrido considera não existir alguma ilegitimidade, dizendo, em suma, que:
“As obrigações contidas no disposto no artigo 1424.º do Código Civil são obrigações propter rem, ou seja, obrigações do titular do direito de propriedade, que, apesar de se tratarem de típicas obrigações propter rem, não têm uma das suas caraterísticas definidoras, que é a ambulatoriedade, na medida em que comportam as obrigações que decorrem do uso normal do bem, em que o pagamento da quotização ordinária do condomínio é a respetiva contrapartida, de forma a fazer face às despesas com a limpeza das partes comuns, manutenção geral e custos de administração.
Assim, as despesas de condomínio integradas por prestações ordinárias e de vencimento periódico (mensal, no caso dos autos) são da responsabilidade do novo adquirente da fração apenas a partir da data da aquisição e em relação a cada uma das prestações vencidas após a mesma (pois estas, naturalmente, são referenciadas a cada momento temporal do seu vencimento e são devidas por quem é o condómino aquando de cada um daqueles momentos temporais).
Os recorrentes foram, como se diz no requerimento executivo – e não se nega nos embargos deduzidos -, proprietários, entre 2 de abril de 2007 e 27 de agosto de 2015, da fração autónoma designada pelas letras “AT”, correspondente à loja n.º 21A da fase “C” do centro comercial Babilónia.
Todas as quotizações vencidas e não pagas reclamadas nos autos respeitam ao período em que os executados foram proprietários – e fruiram - da fração.
Releva que o proveito é, também, tendo em conta a análise jurisprudencial, um pormenor importante quando se pretende aferir da responsabilidade no pagamento (v., por todos, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/07/2007, processo n.º 0753550, disponível em www.dgsi.pt: “não será justo onerar o novo proprietário com uma despesa que teve a sua origem na utilização de um bem – durante um período de tempo diverso – por outra pessoa (o anterior proprietário). O anterior proprietário foi quem fruiu da fracção durante o período que originou as despesas em causa pelo que deve ser dele a responsabilidade pelo seu pagamento.”)
Na doutrina largamente maioritária, também se tem entendido que, no caso de prestações em atraso destinadas a custear as despesas habituais do edifício, a responsabilidade não deve recair sobre o novo adquirente.
MANUEL HENRIQUE MESQUITA (“Obrigações Reais e Ónus Reais”, 3ª reimpressão, Almedina, 2003, pág. 322) defende esta solução por duas ordens de razão:
a) O adquirente não dispõe de qualquer elemento objetivo que revele ou indique a existência de dívidas;
b) As aludidas prestações representam uma contrapartida de um uso ou fruição (das partes comuns do edifício) que couberam ao alienante e, por isso, só a ele deve competir o respetivo pagamento.
É esta a solução que também o exequente defende, pelo que demandou os executados que, como se referiu anteriormente, foram sempre convocados para as assembleias gerais que aprovaram o valor das quotas a que se refere a dívida exequenda (…)”.
Vejamos:
Dispõe o art. 1424 n.º 1, do Código Civil que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.
Esta obrigação de pagamento constitui uma obrigação “propter rem”, inerente à coisa em si e não à pessoa do seu proprietário.
Por isso, entende a doutrina que, em geral, a obrigação “propter rem” se transmite necessariamente para o sub-adquirente do direito real (assim, Henrique Mesquita; Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, 1990, p. 316).
Porém, nem sempre será assim: “tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fracção. Por um lado, este não disporia (…) de quaisquer elementos objectivos que revelassem ou indiciassem a existência de dívidas. Por outro lado, tais prestações representam, em regra, na economia do instituto, a contrapartida de um uso ou fruição (das partes comuns do edifício) que couberam ao alienante e, por conseguinte, só a este deve competir o respectivo pagamento” (cfr. Henrique Mesquita; ob. cit., p. 321).
Como escreve Sandra Passinhas (Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2002, p. 310): “Coloca-se uma questão importante quando o condómino vende a sua fracção autónoma, estando em atraso no pagamento das contribuições devidas ao condomínio. Parece-nos que não se deve onerar o adquirente da fracção autónoma com uma despesa que ele muitas vezes desconhece, e que não corresponde a nenhuma vantagem real para si.”
E, tendo em vista a previsão do n.º 1 do artigo 6.º do D.L. n.º 268/94, surge a dúvida se o título executivo formado é, apenas, contra o proprietário que deixe de pagar ou contra o obrigado no título, sendo ele proprietário ou não.
A questão em apreço não é nova, tendo já sido amplamente apreciada na doutrina (assim, entre outros, vd., Manuel Henrique Mesquita; Obrigações Reais e Ónus Reais, Coimbra, Almedina, 1990, p. 322; Sandra Passinhas; A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2009, p. 319 e ss.; Rui Pinto Duarte; Curso de Direitos Reais, 2ª Edição, Principia, 2007, p. 24; João Vasconcelos Raposo; Manual da Assembleia de Condóminos, Lisboa, Quid Juris, 2011, p. 88; Pedro Daniel Guedes Gonçalves; quem deve a Administração do Condomínio exigir o pagamento no caso de aquisição/alienação de frações autónomas, mantendo o alienante dívidas para com o Condomínio?, IPCA, Junho 2012; Pedro Gonçalves, Rosa Maria Rocha e Maria Malta Fernandes; “A quem deve a Administração do Condomínio exigir o pagamento no caso de aquisição/alienação de frações autónomas mantendo o alienante dívidas para com o Condomínio?”, in Revista Jurídica Portucalense, n.º 18, 2015, pp. 80-101; Miguel Assis Raimundo; “Responsabilidade do adquirente de fracção autónoma por prestações de condomínio já vencidas”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 26, abril/junho, 2009, pp. 51-63; e Filipa Isabel Ribeiro Moreira Azevedo; “Contrato de compra e venda de fração autónoma – principais questões sobre a (in)transmissibilidade das dívidas de condomínio para o comprador”, in Revista Electrónica de Direito, Junho 2018, n.º 2, vol. 16, pp. 62-79) e na jurisprudência nacionais (cfr. arestos infra citados).
Embora seja afirmado usualmente que as obrigações contidas no disposto no art. 1424º do CC são obrigações “propter rem”, ou seja, obrigações de quem seja, em cada momento, o titular do direito de propriedade, tem-se sublinhado que tais obrigações se tratam de típicas obrigações propter rem, mas que, no entanto, não terão uma sua característica que as define, e que é a ambulatoriedade (aqui se incluiriam as obrigações que decorrem do uso normal do bem e por isso sua contrapartida, como por exemplo a quota paga ao condomínio, em regra, mensalmente, para fazer face às despesas com limpeza das partes comuns, manutenção geral e custos de administração).
Noutras situações, contudo, já não será assim (v.g. obrigações que impliquem melhorias, alterações, reparações, que será o novo proprietário a tirar proveito delas, apesar de tais despesas terem sido deliberadas e aprovadas em Assembleia de Condóminos, pelo anterior proprietário e condómino), podendo entender-se que estas já transitariam para o novo titular do direito real, acompanhando a fracção autónoma, e integrando o seu património, independentemente de este concordar ou não com elas, sendo responsável pelo seu pagamento. Neste sentido, a obrigação de pagamento destas prestações de condomínio já deterá as características inerentes a toda e qualquer obrigação propter rem ou obrigação real, incluindo a da ambulatoriedade, pelo que, a titularidade da sua responsabilidade é determinada pela titularidade do direito real de propriedade, e não intuitu personae, ou pessoalmente, como sucede na generalidade das demais obrigações.
A jurisprudência tem expressado este entendimento, como dão nota os seguintes arestos:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2006 (Pº 364/2006-6, rel. PEREIRA RODRIGUES): “A obrigação de contribuir para as despesas, devidas por obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício em propriedade horizontal é uma obrigação que recai sobre aquele que for titular da facção integrada no condomínio no momento em que haja lugar ao pagamento da parte do preço que caiba efectuar para a realização das aludidas obras. Poderá suceder, entre outras hipóteses que não interessa considerar, que entre a deliberação de realizar as obras e a conclusão da respectiva empreitada, mas antes de determinado condómino pagar a parte que lhe compete, proceda este condómino à transmissão da sua fracção. Se assim suceder, e salvo acordo em contrário entre vendedor e comprador ou compromisso do vendedor, será o novo condómino o responsável pela liquidação da parte do preço imputado à fracção de que é titular. Isto porque se considera que esta obrigação “propter rem”, tem como característica a “ambulatoriedade”, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-07-2007 (Pº 0753550, rel. SOUSA LAMEIRA): “Não deve ser imputada ao actual proprietário de determinada fracção autónoma a responsabilidade pelas despesas de condomínio relativas a um período de tempo anterior à sua aquisição, as quais continuam a ser da responsabilidade do anterior proprietário”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-10-2011 (Pº 3361/06.4TBMAI-A.P1, rel. MENDES COELHO): “Se é certo que em relação às despesas de condomínio integradas por prestações ordinárias e de vencimento e carácter periódico (normalmente mensal) é de aceitar que a respectiva responsabilidade pelo pagamento passe a pertencer ao novo adquirente da fracção a partir da data da aquisição e em relação a cada uma das prestações vencidas após a mesma (pois estas, naturalmente, são referenciadas a cada momento temporal do seu vencimento e são devidas por quem é condómino aquando de cada um daqueles momentos temporais), já o mesmo não se pode dizer das despesas de condomínio integradas pelo pagamento de obras de reparação no prédio aprovadas ainda antes da alienação da fracção. Efectivamente, no que diz respeito a estas últimas, naquela altura quem era condómino era o alienante da fracção. Ora, representando tais despesas a contrapartida de um uso ou fruição das partes comuns do edifício que lhe couberam, é, por conseguinte, de considerar que só a este deva competir o respectivo pagamento. A tal entendimento não obsta a circunstância de ter sido estipulado que o pagamento daquelas despesas seria feito em prestações e que estas se tenham prolongado por datas que ocorrem já depois da aquisição da fracção pelo ora recorrente”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-02-2016 (Pº 2648/13.4TBLLE-A.P1, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA): “A acta da assembleia de condóminos só é título executivo em relação à pessoa que no momento da realização da assembleia tem a qualidade de condómino, e não contra a pessoa que posteriormente adquire a fracção e assume essa qualidade por dívidas que se constituíram antes da aquisição da fracção”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-07-2016 (Pº 5741/13.0YYPRT-A.P1, rel. JOSÉ IGREJA DE MATOS): “Nos termos do art. 1424 n.º 1, do Código Civil, “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”. Esta obrigação de pagamento constitui uma obrigação “propter rem”, inerente à coisa em si e não à pessoa do seu proprietário pelo que a mesma se transmite necessariamente para o adquirente do direito real. Esta característica de “ambulatoriedade”, porém, não ocorre designadamente quando estejam em causa prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio. Assim quando o condómino vende a sua fracção autónoma, estando em atraso no pagamento das contribuições devidas ao condomínio, não se deve onerar o adquirente da fracção autónoma com uma despesa que não corresponde a nenhuma vantagem real para si. Relativamente ao pagamento de despesas extraordinárias – reparação de elevadores ou reabilitação do prédio – em que ocorreu no momento que mediou entre a deliberação de realizar essas obras e a conclusão da respectiva empreitada uma transmissão de uma fracção por um determinado condómino, aqueles custos, salvo acordo em contrário, devem ser suportados, na proporção correspondente, pelo novo condómino tendo em conta que será este a retirar proveito do gozo do bem ao qual foi incorporada aquela beneficiação”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-06-2017 (Pº 10076/03.3TVLSB.L1.S1, rel. SALAZAR CASANOVA): “As obrigações propter rem quando obrigações de dare devem considerar-se não ambulatórias considerando que a alienação do direito real não impossibilita o alienante de realizar a prestação. As prestações de dare previstas nos artigos 1411.º/1 e 1424.º/1 do Código Civil destinadas a um fundo de maneio, na base de uma mera estimativa, tendo em vista a futura reparação da fachada de imóvel (benfeitoria necessária) constituído em propriedade horizontal que se vencerem depois da venda do imóvel, não são, em princípio, da responsabilidade do alienante. Podem, no entanto, verificar-se situações em que não deva considerar-se o subadquirente obrigado ao pagamento das prestações vencidas após a venda, considerando o montante do valor a pagar, o prazo de pagamento e a ausência de conhecimento relativamente à deliberação, anterior à aquisição da fração pelo novo consorte, que fixou o montante a pagar para fundo de maneio, salvo sempre nova deliberação da assembleia que o vincule”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2017 (Pº 14836-14.1T8LSB.L1-6, rel. CARLOS MARINHO): “Estando apenas em dívida quantias correspondentes a prestações de condomínio enquadráveis no n.º 1 do art. 1424.º do Código Civil, encontramo-nos face a obrigação de “dare” desprovida de carácter ambulatório ou efeito de traslação, pelo que a mesma não se transmite aos adquirentes da fracção à qual se reportem tais prestações”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-11-2018 (Pº 6642/17.8T8FNC.L1-8, rel. TERESA PRAZERES PAIS): “Apesar da transmissão do direito de propriedade, os adquirente[s] não sucederam na obrigação do anterior proprietário de pagar as contribuições relativas ao período em que foi condómino, pelo que nem a título de sucessor na obrigação os actuais proprietários poderiam ser executados para pagamento daquelas dívidas”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (Pº 3450/11.3TBVFX.L1-7, rel. DIOGO RAVARA): “Não obstante a obrigação de pagar as contribuições necessárias para custear as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, consagrada no art. 1424º do Código Civil (…) tenha natureza propter rem, pelas dívidas daí decorrentes só responde aquele que, no período temporal a que as contribuições em falta se reportam, tivesse a qualidade de condómino. Ocorrendo posterior alienação da fração autónoma, por aquelas dívidas responde o alienante, e não o adquirente. Nessa medida, a ata da assembleia de condóminos que consigna os valores em falta constitui título executivo relativamente ao alienante, nos termos do disposto no art. 6°, n° 1, do DL 268/94, de 25/10 (…)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-2020 (Pº 99/18.3T8OVR-A.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES): “A obrigação de pagamento das despesas com partes comuns de um imóvel em regime de propriedade horizontal constitui uma típica obrigação propter rem. Todavia, a sua natureza ambulatória ou não ambulatória nem sempre se apresenta com a mesma linearidade. Assim, quando se trate de despesas relativas à conservação das partes comuns (conservação das coberturas fachadas etc.) do edifício, importa distinguir se as reparações estavam ou não executadas e concluídas à data da alienação da fracção. No primeiro caso (reparações ainda não executadas ou não concluídas) o encargo das respectivas despesas, na proporção respectiva, deve ser suportado, salvo acordo em contrário, pelo adquirente, pois que, dispunha objectivamente de todos os elementos para se aperceber da existência da obrigação, além de que será ele a retirar proveito do gozo do bem ao qual foi incorporada aquela beneficiação. No segundo caso (reparações já executadas e concluídas) o encargo deve ser suportado, salvo acordo em contrário, pelo alienante, pois que, o adquirente não dispõe agora de quaisquer elementos objectivos que indiciem ou denunciem a existência da obrigação”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-04-2020 (Pº 23434/17.7YIPRT.P1, rel. PAULO DIAS DA SILVA): “A obrigação prevista n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil, no sentido dos condóminos contribuírem monetária e proporcionalmente para o pagamento das despesas relativas às partes comuns, é uma obrigação propter rem, na medida em que resulta da manutenção da funcionalidade da própria coisa independentemente de quem seja o dono”.
Alinhamos, neste ponto, no sentido interpretativo expresso no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019 (Pº 3450/11.3TBVFX.L1-7, rel. DIOGO RAVARA) onde se desenvolveram as seguintes considerações, que acolhemos plenamente:
“(…) a norma do art. 6º do DL 268/94 também contém importantes referências no tocante à delimitação subjetiva do título executivo que instituiu. Com efeito, ali se referem contribuições devidas ao condomínio e o pagamento de serviços que não devam ser suportados por este, e se consigna expressamente que a ata da assembleia de condóminos “constitui título executivo contra o proprietário que deixade pagar”.
Daqui resulta então que o credor a quem o título aproveita é o condomínio, e que o devedor contra quem a ata vale como título é o condómino em falta.
Estamos pois perante um documento que vale como título executivo relativamente a créditos que o condomínio detenha sobre um condómino relativamente a despesas ou comparticipações previstas no art. 1424º do CC, ou seja, despesas que decorrem da titularidade do direito real de propriedade sobre uma fração autónoma.
Tal significa que o título executivo em apreço se reporta a obrigações reais, também apelidadas de propter rem.
Nas palavras de MENEZES CORDEIRO, podemos “definir a obrigação «propter rem» como sendo aquela cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente(«intuitu personae», mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um direito realsobre a coisa (…)
Não interessa, nesta categoria das obrigações «propter rem», a identidade da pessoa obrigada; é de considerar apenas a causa da obrigação e a titularidade do direito real onerado”.
No mesmo sentido aponta JOSÉ ALBERTO VIEIRA:
“Por situações jurídicas propter rem ou ob rem entendem-se aquelas cujo sujeito activo ou passivo se determina em atenção à titularidade de um direito real. Dito de outra forma, o sujeito activo ou passivo da situação jurídica propter rem é o titular de um direito real.”
Ora, a circunstância de se verificar entre as obrigações propter rem e o direito real um tão estreito vínculo permite questionar o seu destino em caso de transmissão desse direito, no que respeita às obrigações propter rem já vencidas no momento em que opera a transmissão: acompanham o direito (sequela)? Ou mantêm-se na esfera jurídica do alienante?
Em bom rigor, esta questão só nos interessa relativamente à concreta espécie das obrigações propter rem que nos ocupa, ou seja, no tocante às despesas e contribuições a que se reporta o art. 1424º do CC, visto que só relativamente a estas o art. 6º, nº 1 do DL268/94 confere a natureza de título executivo às atas da assembleia de condóminos.
Como dá conta M. HENRIQUE MESQUITA, na sua tese de doutoramento denominada “Obrigações Reais e Ónus Reais”, a doutrina dominante à data em que escreveu tal obra sustentava que “a obrigação propter rem se transmite sempre para o subadquirente do direito real a cujo estatuto esteja geneticamente ligada”.
Porém, o insigne mestre sustentou em termos muito convincentes, que a solução a conferir a este problema não tem necessariamente que ser unívoca, antes se justifica distinguir diversas situações, com soluções também elas distintas.
E no caso concreto das despesas a que se reporta o art. 1424º do CC indicou o ilustre professor dois exemplos, para os quais propôs soluções diversas.
Assim, primeiramente, refere o mesmo autor a situação de um edifício cujo telhado foi danificado por um ciclone obrigando a reparações indispensáveis e urgentes, tendo o administrador do condomínio adjudicado o necessário contrato de empreitada. Tendo entretanto sobrevindo a transmissão da titularidade de uma das frações autónomas, e tendo tal sucedido antes do início das obras, defende o prof. HENRIQUE MESQUITA ser razoável imputar ao adquirente da fração a obrigação de participar na despesa, por considerar que o mesmo “não podia ignorar o encargo a que ficava sujeito”.
Contudo, para o mesmo autor, recorrendo ao mesmo exemplo, se a transmissão da fração ocorrer depois da conclusão das obras no telhado do edifício, sem que o condómino alienante tivesse pago, como devia, a sua quota-parte do preço da empreitada, não obstante a natureza propter rem da obrigação, a responsabilização do adquirente seria manifestamente injusta, porquanto, por um lado, o mesmo não dispunha, ao tempo da transmissão, de elementos objetivos que lhe permitissem antever a sua responsabilização e por outro lado também porque ao comprar a sua fração no estado em que a mesma e o edifício se encontravam seria de presumir que todas as despesas que tivessem levado uma e outro a esse estado de conservação já se mostrassem incluídas no preço da venda, pelo que a sua responsabilização no pagamento de uma parte do preço daquela empreitada equivaleria a pagar duas vezes.
Assim, conclui o mesmo autor que neste segundo caso não deve o adquirente da fração autónoma ser responsabilizado, antes devendo sê-lo o alienante.
O mesmo autor pugna por idêntica solução no que respeita às vulgarmente designadas quotizações de condomínio, ou seja as prestações periódicas destinadas a custear as despesas correntes do condomínio. Também quanto a estas o ilustre professor invoca o argumento da previsibilidade, acrescentando que as referidas quotizações correspondem à contrapartida pelo uso e fruição das partes comuns do edifício.
Cremos que esta é a solução que melhor se adequa ao tipo de créditos a que se reporta o art. 6º, nº 1 do DL 268/94, pelas razões que o referido autor bem sustentou e ainda por outro argumento, fundado na própria interpretação do citado preceito o qual, como é sabido, provém de diploma muito posterior à publicação da obra do insigne mestre.
Com efeito, o mencionado preceito reporta-se, expressamente, ao “proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido”.
Ora, o proprietário que deixou de pagar no prazo estabelecido é aquele que deveria ter pago em devida altura, ou seja, aquele que se considera devedor no momento em que a obrigação se venceu.
Em consequência, concluímos que em caso de transmissão de fração autónoma, a responsabilidade pelo pagamento de contribuições para despesas referentes a períodos temporais decorridos antes da transmissão é do alienante da mesma fração, e não do adquirente da mesma.
A esta tese aderiu ARAGÃO SEIA, sustentando que “Embora o proprietário da fracção a venha a alienar será sempre o responsável pelo pagamento das prestações que se encontrarem vencidas à data da transacção, pois referem-se em regra à contrapartida pelo uso e fruição da fracção a que respeitam.”
E mais recentemente, também SANDRA PASSINHAS sufragou o mesmo entendimento, nos seguintes termos: “Coloca-se uma questão importante quando o condómino vende a sua fracção autónoma, estando em atraso no pagamento das contribuições devidas ao condomínio. Parece-nos que não se deve onerar o adquirente da fracção autónoma com uma despesa que ele muitas vezes desconhece, e que não corresponde a nenhuma vantagem real para si.”
Neste sentido se pronunciaram os seguintes arestos:
-RP 06-04-2006 (Oliveira Vasconcelos), p. 0631840
-RP 07-09-2007 (Sousa Lameira), p. 0753550
-RL 04-12-2004 (Azadinho Loureiro), p. 5265/04
-RP 07-07-2016 (José Igreja de Matos), p. 5741/13.0YYPRT-A.P1
-RE 06-07-2018 (Conceição Ferreira), p. 8632/15.6T8STB-A.E1 (…)”.
Assim, tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, vencidas em momento em que o adquirente ainda não o era, seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fracção. Por um lado, este não disporia de quaisquer elementos objectivos que revelassem ou indiciassem a existência de dívidas. Por outro lado, tais prestações representam, em regra, na economia do instituto, a contrapartida de um uso ou fruição (das partes comuns do edifício) que couberam ao alienante e, por conseguinte, só a este deve competir o respectivo pagamento.
Nestes termos, a obrigação de pagamento das despesas de condomínio não se deve, em regra, transmitir-se para o novo adquirente de determinada fracção, não sendo justo onerar o novo proprietário com uma despesa que teve a sua origem na utilização de um bem – durante um período de tempo diverso – por outra pessoa (o anterior proprietário).
O anterior proprietário foi quem fruiu da fracção durante o período que originou as despesas em causa pelo que deve ser dele a responsabilidade pelo seu pagamento.
No caso, de facto, as despesas de condomínio a que se referem os valores exequendos quanto à fração autónoma designada pelas letras “AT”, correspondente à loja n.º 21a da fase “C” do centro comercial…, correspondem a prestações ordinárias e de vencimento periódico, da responsabilidade dos alienantes.
As mencionadas prestações apenas serão da responsabilidade do novo adquirente da fração a partir da data da aquisição e em relação a cada uma das prestações vencidas após a mesma (pois estas, naturalmente, são referenciadas a cada momento temporal do seu vencimento e são devidas por quem é o condómino aquando de cada um daqueles momentos temporais).
Os recorrentes foram proprietários da referida fração “AT”, entre 2 de abril de 2007 e 27 de agosto de 2015, correspondendo as quotizações vencidas e não pagas reclamadas a período em que os executados foram proprietários da fração (cfr. página 5 do requerimento executivo: “b) referentes à fração autónoma correspondente à loja 21a da fase C: - quotizações (incluindo fundo comum de reserva) relativas aos meses de janeiro de 2014 a agosto de 2015 (no valor unitário de 237,73 euros);”), pelo que, são os mesmos os responsáveis pelo seu pagamento, aos quais o mesmo deverá ser exigido.
Não procedem as conclusões em contrário tecidas pelos embargantes.
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Em conformidade com o exposto, haverá que julgar improcedente a apelação dos ora apelantes, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Os apelantes - atento o seu integral decaimento – suportarão a responsabilidade tributária do recurso interposto – cfr. artigo 527.º do CPC.
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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na integra, a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos executados/apelantes.
Notifique e registe.
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Lisboa, 9 de setembro de 2021.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes