NULIDADE DA DECISÃO
SANAÇÃO DA NULIDADE
Sumário

I - Tendo sido enviada pelo Agente de Execução (AE), com vista à citação do Executado, uma carta registada com aviso de receção para a morada indicada pela Exequente, no requerimento executivo, perante a devolução da carta com as indicações “Não atendeu” e “Objecto não reclamado”, impunha-se que o AE tivesse tentado a citação mediante contacto pessoal, só depois tendo cabimento a pesquisa nas Bases de Dados (cf. artigos 239.º e 244.º do CPC então em vigor).
II - Limitando-se o AE a efetuar a pesquisa numa única Base de Dados (da Autoridade Tributária) e a enviar nova carta para a morada assim obtida e outra carta nos termos do art. 241.º do aludido CPC, tudo no ano 2011, vindo o Executado, em requerimento apresentado em 02-11-2015, a invocar a “nulidade do acto de citação”, aludindo à “falta e nulidade da citação” no sentido de serem “anulados todos os actos deste processo, posteriores ao requerimento inicial”, há que distinguir a nulidade processual em vista, pois, por um lado, já não era oportuna a arguição da nulidade da citação e, por outro lado, a nulidade de falta de citação, a existir, teria ficado sanada se o Executado tivesse tido prévia intervenção nos autos sem nada arguir a esse respeito.
III - Assim sendo, e uma vez que o Executado tinha apresentado um anterior requerimento, a apreciar de harmonia com o princípio da prevalência da substância sobre a forma, há que ponderar da aplicação do art. 189.º do CPC, numa interpretação normativa conforme com a garantia do processo equitativo consagrado no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no art. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, em particular na vertente dos princípios do contraditório e da proibição da indefesa.
IV - É de concluir que tal sanação da nulidade da falta de citação não se verifica considerando que, logo nesse primeiro requerimento, o Executado, além de se ter identificado como residente em morada diferente (da referida em II) e requerido a junção aos autos de procuração forense por si outorgada a favor do advogado signatário, veio invocar essa nulidade embora com alguma falta de rigor, ao dizer o seguinte “desde já solicitando o urgente acesso à consulta do processo via CITIUS em vista a compulsar e arguir, em sequência, a nulidade do acto de citação”.
V - Perante a ulterior arguição da nulidade processual (nos moldes referidos II), não deve ser negada ao Executado a possibilidade de provar, mediante a prova documental e testemunhal oferecida, que, por facto a si não imputável, não chegou a ter conhecimento da citação (através da aludida carta) antes do termo do prazo da defesa.

Texto Integral

Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
AC, Executado na ação executiva para pagamento de quantia certa contra si intentada pelo Novo Banco, S.A. (anterior Banco Espírito Santo, S.A.), interpôs o presente recurso de apelação do despacho proferido em 13-02-2020 que julgou improcedente a “arguição de nulidade de citação” que havia suscitado mediante requerimento apresentado, em 02-11-2015, com o seguinte teor (aditámos, para melhor compreensão, o que consta entre parenteses retos):
AC, divorciado, residente em Rua …, rés-do-chão, Bairro Ilha do Cabo, …, Angola, contribuinte fiscal n.º …, executado nos autos à margem referenciados, em que é exequente o Novo Banco, S.A., vem, em complemento do requerimento que antecede, arguir a
NULIDADE DO ACTO DE CITAÇÃO
o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. No requerimento executivo foi erradamente indicada como “morada” do executado a Rua ..., N.º …, 3.º M, em Lisboa (cfr. fls. ...).
2. Tal “morada”, extraída dos dizeres dos títulos executivos dados à execução, resulta, decerto, de toda uma feia e má conduta de alguém que terá forjado tais títulos e dos quais em devido tempo, após regular citação, se falará em sede de oposição, porquanto tal endereço postal nem sequer existe e assinatura e letra constante não é do ora executado;
3. É inclusivamente imperceptível a origem, porque não explicada, do assumido lapso constante do requerimento do senhor agente de execução, sob a referência 12970377, onde se diz:
“Certifica-se que foi concretizada a citação de:
Nome: AC
Morada: Rua …, N.º …, 3.º M , 1750-000 Lisboa
DATA: [13.04.2011]”
4. Como estranho é que não se encontre nos autos certificação idêntica para o acto de citação realizado em diferente morada;
5. ou mesmo fundamento para a opção por outra morada da citação por via postal.
6. Na verdade, salvo lapso da nossa parte, não se detecta no processo a existência de certidão de citação, que mencione os factos relevantes que tenham ocorrido aquando da sua efectivação, nem a mínima menção a informações recolhidas e às respectivas fontes que permitiram apurar que o citando reside ou trabalha nos locais onde terá sido realizada a citação.
7. Daí que a Meritíssima Juiz tem insistido em vários despachos, e bem, pela prova da citação do ora executado.
8. Sem embargo, porque se terá frustrado o acto de citação na referida morada, mais tarde terá sido expedida nova a citação postal, desta feita, apesar de mais uma vez erradamente, para a “ALMD …, 1990-238 LISBOA”,
9. E na pessoa de “GS”, que o executado desconhece quem seja;
10. Nunca a GS, ou quem quer que fosse, deu conhecimento ao executado de qualquer carta de citação, ou outra.
11. O que bem se compreende, atento o facto do executado já ali não residir desde os idos de 2005 e ter cessado relações com a sua ex-mulher, que culminaram em processo de divórcio, e muito menos ali trabalhar.
12. Compulsados os autos, detecta-se mesmo que a sua ex-mulher terá informado nesse sentido, por comunicação existente a fls. , oferecida pelo próprio senhor agente de execução (cfr. req. ref. 12970405 de 29.08.2013, in fine).
13. Além disso, o próprio banco exequente envia a correspondência que dirige ao executado para a última morada que o mesmo teve em Portugal, na Rua … n.º … – 3.º M, 1750-018 Lisboa, conforme DOC. 1 que se junta. [o doc. 1 corresponde a uma carta do Novo Banco, S.A. dirigida ao Executado para a morada “R. …, …, 3 M, Lisboa, 1750-018 Lisboa”]
14. Não se percebendo assim a razão de ter sido endereçada a citação do executado em primeiro lugar para uma morada que não existe e depois para uma morada que também não é a dele, conforme o próprio banco exequente tem obrigação de saber.
15. De qualquer forma, o executado trabalha e reside permanente em Angola;
16. Tendo há muito fixado a sua morada na Rua …, R/c, Bairro…, na cidade de Luanda conforme fotocópia certificada do cartão de autorização de residência angolano que junta como DOC. 2. [o doc. 2 é uma fotocópia do cartão de autorização de residência do Executado em Angola, emitido em 19-03-2014 e no qual consta a morada “Bairro Ilha do Cabo, Rua … Distrito Urb.ª da …”]
17. Ali vive permanentemente e recebe os seus amigos.
18. Inclusivamente tem estatuto de não residente em Portugal desde 01.01.2009, sendo seu representante, em razão da sua ausência do país, o seu irmão ÁFC, conforme registo central de contribuinte que junta como DOC. 3.
19. O executado, encontrando-se em Portugal desde 21.10.2015 (conforme bilhete de avião e check-in que junta como DOCs. 4 e 5), de visita à sua família;
20. Foi informado no passado dia 26.10.2015, pelo gerente de conta do Banco Millennium BCP de que havia sido feita uma penhora de uns títulos no âmbito do presente processo, tendo assim ficado a tomar conhecimento de que estava a correr a presente execução contra si.
21. Nos termos do artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na sua redacção decorrente da 40ª alteração (introduzida pela Lei n.º 43/2010, de 03 de Setembro), sendo a esta que doravante nos referimos, A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender.
22. Ora, o artigo 232º n.º 1 do Código de Processo Civil refere que a citação e as notificações podem efectuar-se em qualquer lugar onde seja encontrado o destinatário do acto, designadamente, quando se trate de pessoas singulares, na sua residência ou local de trabalho, o que não sucedeu in casu porquanto nunca foi tentada a citação ou a notificação do executado em lugar em que pudesse ser encontrado, designadamente, na sua residência ou local de trabalho.
De facto e de direito,
23. No presente processo ter-se-á optado pela realização da citação pessoal do executado, mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção (artigo 233.º, n.º 2 – alínea b), do CPC)
24. Nos termos do artigo 236.º, n.º 1, a citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho.
25. O que de modo algum sucedeu no caso em apreço.
26. Já nem importando discutir, a sequência estipulada no n.º 2 do mesmo artigo, segundo a qual, no caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
27. Não sendo a falta e nulidade da citação em apreço minimamente imputáveis ao executado.
28. Assim, nunca o executado foi citado ou notificado, nestes autos, para, respectivamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 813º n.º 1 do Código de Processo Civil, opor-se à execução no prazo de 20 dias a contar da citação e/ou à penhora (n.º 2 do mesmo artigo),
29. O que prejudicou gravemente a sua defesa, impossibilitando o executado de se defender num processo ignóbil atirado contra si à custa de dois títulos de crédito que nunca preencheu ou assinou – note-se que só por mero acaso tomou agora conhecimento da existência desta acção!
30. Nos termos do artigo 195º, n.º 1 – alínea e) do CPC, há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
31. E segundo o artigo 198.º, sempre do CPC, sem prejuízo do disposto no artigo 195.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei, designadamente as previstas no art. 232.º, nos termos acima expostos.
32. A falta de citação do executado determina a nulidade de todo o processado posterior ao requerimento inicial (artigos 194º alínea a), 195º n.º 1 – alínea e), e 198º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil).
33. Assim, deverão ser anulados todos os actos deste processo, posteriores ao requerimento inicial.
34. Nesta mesma linha, qualquer entendimento sobre as disposições legais supra citadas relativas à citação do executado com diferente interpretação da acima exposta, enfermará de notória inconstitucionalidade por ofensa do art. 13º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece o princípio da igualdade das partes, bem como o art. 20º da mesma Lei Fundamental, que consagra o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (com vertente administrativa no art. 268º, nº 4) e o art. 32º, nº 5, in fine, todos da mesma Lei, que consagra o princípio do contraditório.
São termos em que, sempre com o mui douto suprimento de Vossa Excelência, deve a invocada nulidade ser julgada procedente, por provada, anulando-se o processado posterior à prática do acto de citação viciado, incluindo a(s) penhora(s), e ordenando-se, consequentemente, a repetição da citação, ou, quando assim não se entenda, deverá então conhecer-se das inconstitucionalidades supra arguidas.
ROL DE TESTEMUNHAS:
1. ÁFC, a apresentar;
2. MD, bancário, a apresentar.
JUNTA: 5 documentos e comprovativo de autoliquidação e pagamento da taxa de justiça devida.
Em 13-11-2015, a Exequente pronunciou-se sobre o citado requerimento nos seguintes termos:
1. Impugna-se o teor do alegado pelo executado AC nos arts. 11º a 12º, 14º a 20º e 25º do articulado a que se responde, porquanto o exequente não praticou em qualquer acto de citação quanto ao aludido Executado, devendo o Exmo. Senhor Agente de Execução nomeado nos autos esclarecer quais os actos que efectivamente praticou ao abrigo de tal diligência de citação e informar se este executado foi efectivamente citado ou não, o que ora se requer.
2. Impugna-se o alegado nos arts. 13º e 14º do articulado a que se responde, bem como o documento que aí se junta e que se faz referência, porquanto o mesmo não está completo, tratando-se de uma montagem, recorte e colagem, requerendo a V. Exa. que ordene que o aludido Executado junte aos presentes o referido documento, em suporte de papel, sem objecto de qualquer manipulação.
3. Acresce ainda, quanto ao alegado nestes arts. 13º e 14º do articulado a que se responde, que os títulos dados à execução são duas letras de câmbio, no montante global de € 85.000,00 (Letra n.º 500792887099481944, no montante de € 55.000,00, com data de emissão de 30.11.2009 e de vencimento de 30.01.2010 e Letra n.º 500792887084180056, no montante de € 30.000,00, com data de vencimento de 15/03/2010) aceites pelo Executado AC, e onde figura como sacador a também Executada ... COMPRA E VENDA AUTOMÓVEIS LDA..
4. Em tais letras de câmbio, que foram descontas pelo Executada sacadora e cliente ... COMPRA E VENDA AUTOMÓVEIS LDA. junto do banco exequente, figura como domicílio do Executado AC a seguinte morada: Rua …, n.º …, 3º M, 1750-000 Lisboa.
5. Daí a razão de o Exequente, no seu requerimento executivo, ter aposto essa morada em tal articulado.
6. Ou seja, a origem das operações de crédito aqui peticionadas emergem da actividade da Executada sacadora e cliente … COMPRA E VENDA AUTOMÓVEIS LDA. que descontou as letras em apreço junto do banco exequente.
7. Acresce que, nas referidas Letras, o aceitante obriga-se cambiariamente perante terceiro portador da letra (Exequente), a quem tenha sido validamente transmitido, o que se verifica in casu.
8. Quem assina e aceita uma letra, assume o encargo de a pagar, se tal lhe for exigido, como qualquer obrigado cambiário.
9. Não existe entre o Executado AC e a Exequente qualquer relação subjacente, pelo que nos encontramos no domínio das relações mediatas.
10. Ora, nas relações mediatas, o título já entrou em circulação, pelo que face aos interesses de terceiros que é preciso garantir, prevalecem os princípios da autonomia, abstracção e literalidade da relação cambiária.
11. Assim, os sujeitos cambiários não poderão discutir com terceiros as convenções extracartulares e os negócios que celebraram.
12. O Exequente desconhece as relações comerciais entre o Sacador e Aceitante das letras dadas à Execução.
13. Vem ainda o Executado AC no artigo 29º do articulado a que responde nunca preencheu ou assinou as Letras que constituem título executivo.
14. Porém, da simples observação a “olho nu”, e sem recurso ao exame pericial das assinaturas das referidas Letras (Docs. 1 e 2 junto ao Requerimento Executivo), e daquelas apostas no Doc. 3 junto com o requerimento a que se responde e a Procuração forense a favor do seu mandatário, não resulta claro que as mesmas não tenham sido efectuadas pela mesma pessoa.
15. Antes pelo contrário, as mesmas parecem mesmo bastante semelhantes, senão idênticas, razão pela qual se impugna expressamente para os devidos efeitos legais o alegado no art. 29º do articulado a que se responde.
16. Face ao exposto, deverá ser dado cumprimento ao requerido nos arts. 1 e 2º supra, seguindo-se os demais trâmites até final.
Em 13-02-2020, foi proferido o despacho (recorrido) que julgou improcedente a arguição de nulidade da citação e cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, de harmonia com as citadas disposições legais, julga-se improcedente a invocada nulidade de citação arguida pelo executado.
Custas do incidente a suportar pelo executado – art. 527º do Cód. Proc. Civil.
Notifique.”
Inconformado com esta decisão, veio o Executado interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A. Na sua fundamentação o despacho recorrido sustenta que “no caso dos autos, torna-se inútil apurar se ocorreu ou não a alegada nulidade de citação” porém, invertendo o silogismo assim montado, acaba por conhecer e julgar “improcedente a invocada nulidade”, pelo que esta oposição entre os fundamentos e a decisão deve ser cominada com o vício da nulidade, nos termos artigo 615º, n.º 1 – alínea c), do Novo Código de Processo Civil.
B. O Sr. Agente de Execução informou repetidas vezes os autos de que, alegadamente em 02-5-2011, havia realizado a citação do ora recorrente na morada “ALMD DOS OCEANOS …/L-…, 1990-238 LISBOA”.
C. Isto para não falarmos da “vista grossa” do próprio banco exequente, em flagrante violação do princípio da boa-fé e da cooperação processual, que bem conhecia a última morada que o executado teve em Portugal, na Rua … n.º … – 3.º M, 1750-018 Lisboa, e para aí enviava a correspondência que lhe dirigia.
D. Por despacho de 03-11-2014 (ref. CITIUS 327098731), transitado em julgado, foi determinado que “Em face do teor do requerimento de 14 dos autos de execução e do estado dos autos, determino que se proceda à notificação do Sr. Agente de Execução para, em cinco dias:
E. - Juntar o comprovativo de citação do Executado AC em morada diversa da referida no aludido requerimento;” (…)
F. A referida morada do requerimento de fls 14 dos autos (actualmente fls 19 devido a renumeração conforme cota de 15-06-2018) era precisamente a “ALMD DOS OCEANOS LT …1/L-…, 1990-238 LISBOA”.
G. Até à presente data, continua por fazer a prova da citação do executado em morada diversa da “ALMD DOS OCEANOS LT … 01/L-…, 1990-238 LISBOA”, nos termos doutamente determinados pelo despacho de 03-11-2014, o que não podia nem devia acontecer. Não se entende mesmo como sobrevive tal omissão durante tanto tempo, correndo, assim, o processo à revelia.
H. Esta determinação foi oficiosa e, repete-se, a montante da nulidade arguida pelo executado, para a mesma tendo chamado a atenção o executado no artigo 7 do seu requerimento de arguição de nulidade.
I. O despacho recorrido, ao fulminar o requerimento de arguição de nulidade com a sanação prevista no art. 189º sobre o suprimento da nulidade de falta de citação, desconsiderou e não conheceu das restantes nulidades arguidas, e muito menos se pronunciou sobre a falta de comprovativo do acto de citação em morada diversa da “ALMD DOS OCEANOS LT … 01/L-…, 1990-238 LISBOA”, incorreu em omissão de pronúncia que a lei comina com a nulidade nos termos do artigo 615º, nº 1 – d), do Novo Código de Processo Civil.
J. O despacho recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento de facto por equívoco de interpretação, valoração e consideração dos requerimentos e prova produzida nos autos, nomeadamente ao afirmar que o executado “Na primeira intervenção, não arguiu a nulidade da falta de citação”.
K. Neste segmento decisório, o Meritíssimo Juiz a quo não fixou correctamente os factos em que assentou a sua decisão, conforme determina o art. 607º, n.º 3 e 4 do CPC, requerendo-se, ao abrigo do art. 662º n.º 1 do CPC, que se fixe o seguinte:
No dia 30.10.2015 o executado requereu a junção aos autos de procuração forense a favor do advogado constituído, solicitando ainda o urgente acesso à consulta do processo via CITIUS e logo invocou a nulidade do acto de citação cuja arguição complementou no primeiro dia útil seguinte (02.11.2015).
L. O art. 189º do CPC não tem aplicação no que tange à arguição da nulidade de citação neste caso concreto, porquanto tem um regime de arguição específico, conforme disposto no art. 191.º, n.º 2 do CPC.
M. Mesmo admitindo que estamos apenas perante uma falta de citação, mas sem conceder, com o registo e associação do mandatário do executado ao sistema CITIUS, mediante junção de procuração, não se verificou uma intervenção no processo na acepção do art. 189º do CPC.
N. Ademais, o executado não juntou a procuração “a seco”; desde logo manifestou e invocou a nulidade.
O. Conforme também se concluiu no acórdão da Relação de Évora, de 03-11-2016, Proc. 1573/10.5TBLLE-C.E1: “(...) Tendo presente a realidade social, económica e a própria evolução tecnológica, inclusivamente na dimensão do acesso ao direito através do recurso a ferramentas informáticas, de acordo com os cânones de uma boa interpretação, estando a hermenêutica actualista legitimada pelo Código Civil e pela Teoria do Direito, o julgador tem de tomar em consideração as circunstância de tempo e de modo em que a lei deve ser aplicada e, como corolário lógico, no domínio da Tramitação Electrónica dos Processos Judiciais preconizada pela Portaria nº 280/2013, de 26/08, não é legítima a conclusão que a simples apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema electrónico e constitui pressuposto de qualquer actuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a hipótese de suscitar a competente nulidade.(...).”
P. Portanto, o despacho recorrido, sempre assentaria, com o devido respeito, numa desactualizada interpretação do artigo 189º do CPC.
Q. Os presentes autos estão sujeitos à disciplina da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, a qual estabelece no seu artigo 27º, que “O acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados (...)” [n.º 2] e que “A consulta de processos por parte de advogados e solicitadores é efetuada (...) relativamente à informação processual, incluindo as peças e os documentos, existentes em suporte eletrónico, através do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, com base no número identificador do processo.” [n.º 1 – al. a)]
R. Para que os referidos documentos fiquem disponíveis para consulta é ainda necessário que os advogados juntem procuração a favor da parte que representam.
S. Não podem assim as partes e seus mandatários ter acesso ao conteúdo do processo executivo anteriormente à junção de procuração forense no sistema informático supra referido.
T. Pelo que, no caso dos presentes autos não era legalmente possível ao mandatário do ora apelante, pese embora tenha tentado, conhecer o conteúdo dos actos praticados anteriormente à junção da procuração forense aos autos, e bem assim invocar a falta ou nulidade da citação.
U. E após a entrada do requerimento de 30-10-2015 (REFª: 20956934), em face da consulta ao processo no CITIUS, é que o executado teve conhecimento, através do seu mandatário, quer da falta de citação efectuada quer da nulidade pela inobservância das formalidades legais, em face do disposto nas normas processuais acima citadas.
V. Aceitar que a junção de procuração forense ao processo executivo, tramitado de forma electrónica, constitui uma intervenção ou a prática de um acto no processo é interpretar a norma do art. 189, do CPC, de forma exclusivamente literal, em clara violação do disposto no art. 9º, n.º 1 do Código Civil.
W. A letra desta norma (art. 189° CPC), que vem já desde o ano de 1939 sem que tenha sido adaptada à nova realidade jurídica, implica um especial e necessário cuidado de a interpretar de acordo com as regras da hermenêutica jurídica.
X. A interpretação feita pelo Tribunal a quo constitui uma violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art.º 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, cerceando o direito do executado a um processo justo, impedindo o executado de fazer valer os seus direitos, designadamente de tutela jurisdicional efectiva; do princípio constitucional da igualdade de armas, do contraditório, bem assim do princípio da tutela da confiança que decorre do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2º da mesma Lei, e bem assim do princípio legal contemplado no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aliás totalmente desconsiderados na decisão recorrida, porquanto sustenta uma restrição intolerável ao direito de defesa do ora Apelante, o que lhe causará gravosas consequências, atendendo ao valor da execução e aos limites que a mesma tem causado na sua liberdade e dignidade.
Termina o Apelante, afirmando terem sido violados os preceitos referidos, devendo conhecer-se das inconstitucionalidades arguidas nos termos expostos sobre a norma do art. 189.º do CPC quando interpretada no sentido da decisão recorrida, ou, a não se entender assim, que deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se o douto despacho recorrido, julgando-se verificadas as nulidades invocadas sobre a citação do Apelante, decretando-se a consequente anulação de todos os termos subsequentes.
Foi apresentada alegação de resposta pela Exequente, em que se pronunciou pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:
1. Vem a Recorrente interpor Recurso do Despacho que considerou improcedente a invocada nulidade de citação arguida pelo executado.
2. Como bem se sabe, a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao Executado de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender, emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa, conforme art.219º do CPC.
3. O fundamental é que o Executado saiba que existe uma ação contra ele de forma a se defender, o que ocorreu aquando da notificação remetida ao Executado datada de 02 de Maio de 2011 bem como da notificação após penhora datada de 09 de Setembro de 2015, conforme Doc. 1 e Doc.2 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos
4. A partir do momento em que o Executado tem já tal conhecimento, a função da citação está cumprida. E o referido conhecimento decorre da intervenção do Executado no processo.
5. O qual se concretizou conforme AR assinado em nome de terceiro, vide Doc. 3 que ora se junta em anexo, não poderá invocar desconhecimento do processo nem arguir a nulidade da citação.
6. Tratando-se de uma citação efectuada em pessoa diversa do executado, deverá dar-se cumprimento à notificação do executado com vista ao cumprimento do disposto no 241.º do C.P.C, o que ocorreu.
7. Por requerimento datado de 30/10/2015, o referido conhecimento decorre da intervenção do réu no processo. Esta intervenção ocorreu aquando da junção da procuração do mandatário subscritor aos presentes autos tendo o executado, não só junto a procuração aos autos, como também demonstrou ter desde logo conhecimento de factos capazes de fundamentarem a arguição da nulidade da sua citação.
8. A este respeito, refere-se ainda, que a arguição da nulidade deveria ter sido desde logo invocada no dia 30 de Outubro de 2015, o que não sucedeu, visto que apenas foi apresentada a arguição da nulidade de citação no dia 2 de Novembro de 2015, perdendo-se o efeito útil da referida defesa.
9. Na verdade, o dever de citação existe, mas deixa de poder ser invocado quando cessa a revelia, quando o citando tem intervenção nos autos.
10. Com efeito, verifica-se que o Executado tomou conhecimento do Processo primeiramente pela citação e seguidamente pela notificação após penhora e nessa sequência juntou Procuração a constituir Mandatário, pelo que, não assiste qualquer razão ao Recorrente em arguir nulidade da citação.
11. A arguir a nulidade deveria ter sido feita no primeiro momento do chamamento ao processo o que não ocorreu.
12. Não se verificando, de todo, a nulidade invocada pelo Recorrente e desta forma não existe fundamento cabal para admissão do presente Recurso.
O recurso foi admitido na 1.ª instância por despacho de 23-06-2021, que não se pronunciou sobre a questão da nulidade da decisão recorrida (cf. art. 617.º do CPC).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se a decisão recorrida é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia;
2.ª) Se deve ser dado como provado o facto descrito na conclusão K;
3.ª) Se não podia ter sido considerada sanada a nulidade processual arguida.
Com interesse para o conhecimento do mérito do recurso, além dos factos do iter processual que constam do relatório supra, relevam os seguintes:
1. No requerimento executivo, apresentado em 04-02-2011, a Exequente pediu o pagamento da quantia total de 94.343,74 €, dos quais 85.000,00 € de capital e 9.343,74 € de juros de mora, dando à execução duas letras de câmbio, uma no valor de 55.000 € e outra no valor de 30.000 €, onde figura como aceitante/sacado o Executado AC e como sacadora a sociedade ... Compra e Venda de Automóveis, Lda.; indicou como domicílio do Executado a morada constante dos referidos títulos: “Rua ..., n.º …, ….º M, Lisboa, 1750-000 Lisboa”.
2. Em 20-02-2011, o Sr. Agente de Execução (AE) veio informar que, à data de 18-02-2011, tinha efetuado a citação postal dos Executados.
3. Em 05-03-2021, o AE juntou cópia da carta registada enviada, em 18-02-2011, para citação da Executada (mas não da carta relativa à citação do Executado).
4. Em 10-04-2011, o AE veio informar nos autos que a carta registada para citação do Executado havia sido devolvida com as indicações “Não atendeu” e “Objecto não reclamado”, juntando “telematicamente” tal carta.
5. Em 02-05-2011, o AE requereu a junção aos autos de a/r relativo a carta que disse ter sido enviada para citação do Executado, informando que “Tratando-se de uma citação efectuada em pessoa diversa do executado, informamos que demos cumprimento à notificação do executado com vista ao cumprimento do disposto no 241º do C.P.C.”; no referido a/r consta a morada “ALMD dos Oceanos Lt …-32 01/L-3C 1900-238 Lisboa”, bem como uma assinatura em que é praticamente ilegível o primeiro nome e se pode ler o apelido “Sá”; juntou também cópia da carta enviada, em 02-05-2011, nos termos do art. 241.º do CPC, na qual consta, além do mais, que o Executado se considera citado na pessoa de “GS”.
6. Em 17-05-2011, foi apresentado o requerimento constante de fls. 14 (renumerado fls. 19, conforme cota de 15-06-2018) subscrito por AG, com o seguinte teor: “A requerente recebeu na sua residência, sita à Alameda dos Oceanos, Lote …, ….º C, 1990-238 Lisboa, duas cartas dirigidas a AC, pessoa que já ali não reside desde Setembro de 2005.
Com efeito, o destinatário das ditas cartas é seu ex-marido, de quem está divorciada desde Julho de 2007, conforme fotocópia de certidão que anexa.
Sabe que o Sr. AC estará agora a viver em Angola, mas não conseguiu contactá-lo nem apurar a sua actual morada;
Pelo que também não lhe entregou o expediente que a ele se destinava.”
Juntou a referida certidão do assento de nascimento, com o n.º …/2011 da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto, na qual constam, mediante averbamentos n.ºs 1 e 2, datados de 2011-02-08, que casou civilmente, em 20 de agosto de 1997, com o ora Executado e Apelante, e que o casamento foi dissolvido por divórcio declarado por decisão de 25-06-2003, da Conservatória de Cascais, mencionando-se na mesma “Averbamento n.º 1 ao assento de casamento nº … de 2007 da Conservatória do Registo Civil de Cascais. Em 04 de Outubro de 2007”.
7. Em 29-08-2013, foi junta aos autos pelo AE informação sobre a citação dos Executados, mencionando designadamente que a citação do Executado havia sido concretizada, em 13-04-2011, na morada indicada no requerimento executivo; com a informação juntou: cópia da carta registada enviada em 18-02-2011 para citação da Executada, na morada Avenida … de , n.º 56 B, 1050-058 Lisboa, e respetivo a/r assinado por “MA” e um apelido ilegível; cópia da carta registada enviada em 18-02-2011 para citação do Executado, na morada indicada no requerimento executivo, bem como da carta enviada nos termos do art. 241.º do CPC para a morada ALMD dos Oceanos Lt …-32 …/L-3C, 1990-238 Lisboa, e respetivo a/r, referido em 4.
8. No seguimento dos requerimentos da Exequente de 07-02-2013, 07-08-2013, 07-11-2013 e 26-06-2014, os autos estiveram suspensos pelo motivo de as partes estarem a tentar chegar a acordo.
9. Em 03-11-2014, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Em face do teor do requerimento de 14 dos autos de execução e do estado dos autos, determino que se proceda à notificação do Sr. Agente de Execução para, em cinco dias:
- Juntar o comprovativo de citação do Executado AC em morada diversa da referida no aludido requerimento;
- Informar se relativamente ao veículo penhorado, foi já cancelado o registo da penhora prévio àquele a que se refere a penhora realizada nos autos (cfr. artigo 794º do CPC), juntando, na afirmativa, documento comprovativo;
- Informar se procedeu à citação dos credores, nos termos do disposto no artigo 786º do CPC.”
10. Em 13-11-2014, foi junta aos autos informação do AE, datada de 11-11-2014, com o seguinte teor:
“BD, Agente de Execução nomeado no processo supra mencionado, tendo sido notificado da conclusão com referência 327098731, vem pelo presente requerer a junção aos autos do comprovativo da citação do executado, bem como solicitar a V/ Ex.ª, que se digne a considerar a junção datada de 26.08.2013 sem efeito, por se ter tratado de um lapso pelo qual o ora signatário mui se penitência.
Mais se informa que as penhoras registadas antes da nossa, sobre o veículo penhorado ainda se mantêm, conforme consulta actualizada em anexo, pelo que o signatário não procedeu a citação de credores, nos termos do art. 786.º do C.P.C.
Face ao exposto e, tendo em conta o requerimento do exequente de 26.06.2014 (em anexo) requer-se respeitosamente a V/ Ex.ª que se digne a ordenar o que tiver por conveniente.”
Juntou então (só então) a carta para citação do Executado enviada, em 07-04-2011, para a morada ALMD dos Oceanos LT …-32 …/L-3C, 1990-238 Lisboa (na qual, além do mais, consta “tem o prazo de 20 dias para pagar ou opor-se à execução”), bem como a carta enviada em 02-05-2011 nos termos do art. 241.º do CPC.
11. Em 09-09-2015, foi remetida carta ao Executado para a morada da ALMD dos Oceanos, notificando-o da penhora do saldo da conta bancária no Banco BIC Português, S.A. e de valor mobiliário no Banco Millennnium BCP.
12. Em 30-10-2015, o Executado apresentou requerimento, em que se identificou como divorciado e residente em Rua …, rés-do-chão, Bairro …, … Angola, requerendo a junção aos autos de procuração forense por si outorgada [aí constando a mesma morada] a favor do advogado signatário e “desde já solicitando o urgente acesso à consulta do processo via CITIUS em vista a compulsar e arguir, em sequência, a nulidade do acto de citação”.
13. Em 02-07-2018, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Notifique o Sr. AE para, em 10 (dez) dias, esclarecer se chegou a concretizar a citação do executado pessoa singular na Rua …, nº …, 3º M, Lisboa e, na afirmativa, deverá juntar aos autos o respectivo aviso de recepção.
Notifique o executado para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar aos autos o original do documento 1 (um) junto com o seu requerimento de 2/11/2015.
Notifique o exequente para, no prazo de 10 (dez) dias, esclarecer se a tentativa de acordo comunicada nestes autos, que o levou a requerer a suspensão da instância, foi entre si e o executado pessoa singular.”
14. Em 06-07-2018, a Exequente informou o seguinte “(…) notificado do despacho a fls. com a Ref. 378095282, vem em cumprimento do ordenado informar V. Exa. que a tentativa de acordo comunicada aos presentes autos foi realizada com a sociedade Executada e não com o Executado pessoa singular.”
15. Em 09-07-2018, o AE apresentou informação com o seguinte teor:
“(…) tendo sido notificado em 04/07/2018, do teor do Douto Despacho datado de 02/07/2018 (Ref. 377926961), vem pelo presente expor a V/Ex.ª o seguinte:
Em 18/02/2011, foi remetida citação do executado AC para a morada sita em Rua …, N.º …, 3.º M 1750-000 Lisboa, tendo a mesma sido devolvida pelos serviços dos CTT, com a indicação de “Objecto não reclamado”;
Perante isso, em 07/04/2011 foi efectuada consulta às bases de dados, no sentido de se apurar nova morada do executado, tendo sido apurada uma nova morada junto da Autoridade Tributária seria a ALMD DOS OCEANOS LT …-32 …/L-3C 1990-238 LISBOA, conforme documento em anexo.
Deste modo, foi remetida nova citação postal, tendo esta sido recepcionada em pessoa diversa do executado, pelo que procedemos ao cumprimento (à data) ao disposto no art.º 241.º do C.P.C., conforme documentos em anexo.
Quanto ao requerimento apresentado pelo executado em 02/11/2015, no que concerne à nulidade da citação efectuada pelo aqui signatário, permita-nos salientar a V/Ex.ª o seguinte:
a) O executado menciona que não reside na morada sito em ALMD DOS OCEANOS LT …-32 01/L-3C 1990-238 LISBOA desde 2005;
b) O executado reclama da recepção da citação naquela morada;
c) No entanto, note-se que o mesmo nunca procedeu à alteração de morada junto das entidades públicas, como seria do seu interesse, de modo a que comunicações lhe sejam devidamente remetidas. Aliás, tal poderá ser confirmado/confrontado pelas consultas efectuadas a 04 de Junho deste ano, com as consultas efectuadas na presente data;
d) É no mínimo, curioso, que o executado, apenas neste ano (ou seja, 7 anos depois), tenha procedido à alteração da sua morada junto das referidas entidades (em anexo).
Junta: 9 documentos.”
O AE juntou, de novo, a carta enviada para citação do Executado na morada indicada no requerimento executivo; mais juntou o comprovativo de consulta efetuada em 07-04-2011 na base de dados da Autoridade Tributária, na qual consta como domicílio fiscal do Executado a morada ALMd dos Oceanos … 1990-238 Lisboa; o a/r da carta enviada para essa morada, bem como a carta enviada nos termos do art. 241.º do CPC (anteriormente já juntos aos autos); comprovativos de consultas mais recentes nas Base de Dados da Segurança Social e da Autoridade Tributária e Aduaneira, constando nesta última, à data de 04-06-2018, o mesmo domicílio fiscal, e à data de 09-07-2018 o domicílio “R … n.º …, 7780-129 Castro Verde”.
16. Em 05-09-2018, o Executado veio juntar o original do doc. 1 referido em 12.
17. Em 17-09-2018, o Executado requereu a junção de uma certidão emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, na qual consta designadamente que “Dos competentes registos de toponímia e numeração predial não consta o registo de qualquer prédio situado na Rua ... com o nº 17 de polícia. No entanto existia o antigo lote 17 neste arruamento ao qual passaram a corresponder atualmente os nºs … a … de polícia. (…) existe um prédio totalmente distinto, com o nº 17 na Rua … não sendo estes dois arruamentos próximos um do outro”.
Perante estes factos, atentemos na fundamentação da decisão recorrida, a qual se passa a reproduzir:
“Como resulta do art.º 219.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, a citação tem por função primordial, única, dar conhecimento ao réu que foi proposta contra ele uma acção e chamá-lo ao processo para se defender. O fundamental é que o réu saiba que existe uma acção contra ele de forma a se defender.
Como escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, a citação «[e]ncerra assim o duplo sentido de transmissão de conhecimento e de convite para a defesa. Constituindo o direito de defesa uma vertente fundamental do direito à jurisdição (art. 3-1), a citação tem por função possibilitar o seu exercício efectivo, pelo que através dela têm de ser transmitidos ao réu os elementos reputados essenciais para o efeito (art. 227), sob pena de nulidade (art. 191-1). Tem ainda uma função integradora da instância, que com ela se completa e estabiliza (arts. 259-2 e 260)» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, Coimbra Editora, Coimbra, 3.ª ed., 2014, p. 413).
A partir do momento em que o réu tem já tal conhecimento, a citação não tem que se realizar pois que a sua função está cumprida. E o referido conhecimento decorre da intervenção do réu no processo.
Esta intervenção pode ter duas modalidades: requerer ou alegar algo nos autos ou invocar a falta de citação.
No segundo caso, anula-se o processado e ordena-se a citação. No primeiro caso, o processo prossegue normalmente, considerando a lei sanada a nulidade.
Ora, no caso dos autos, torna-se inútil apurar se ocorreu ou não a alegada nulidade de citação.
Na verdade, o dever de citação existe (seja do Tribunal, seja do agente de execução) mas deixa de existir quando cessa a revelia, quando o citando tem intervenção nos autos. Reproduzindo um trecho do Ac. da Relação do Porto, de 25 de Novembro de 2013: «E sobre o que se deve entender por "intervenção no processo", ensina Rodrigues Bastos, em "Notas ao Código de Processo Civil", que a mesma reporta-se à prática de acto susceptível de por termo à revelia do réu, esclarecendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão»; veja-se, também, o ac. da Relação de Évora, de 16 de Abril de 2015. Neste sentido ainda o Ac. da Relação de Lisboa de 20.04.2015 (Proc. 564/14.1TVLSB.L1-2); da Relação de Guimarães de 01.02.2018 (Proc. 1501/16.4T8BGC.G1) e da RE de 24/10/2019, cujo relator foi o Dr. Mário Coelho, todos disponíveis em www.dgsi.pt..
No nosso caso, por requerimento de 30/10/2015, que deu entrada em juízo às 10:59:24, o executado não só juntou procuração aos autos, como também demonstrou ter desde logo conhecimento de factos capazes de fundamentarem a arguição da nulidade da sua citação.
Por conseguinte, poderia e deveria desde logo ter arguido a nulidade, que só veio a invocar no dia 2/11/2015.
Na primeira intervenção, não arguiu a nulidade da falta de citação.
Citando Alberto dos Reis, «o réu pode reclamar contra ela [falta de citação] em qualquer altura do processo, contanto que tenha sido revel; só perde o direito de a arguir se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela» (Comentário ao Cód. Proc. Civil, vol. 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, pp. 446-447).
A este respeito, ao indicar a razão de tal solução, escrevem os autores citados: «Não faria sentido que o réu ou o Ministério Público interviesse no processo sem arguir a falta de citação e esta mantivesse o efeito de nulidade. Ao intervir, o réu ou o Ministério Público tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que, optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir júris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se». (ob. cit., p. 369).
Por isso, a lei fala em sanação da nulidade.
Por conseguinte, caso esta tenha existido nos termos alegados pelo executado, a mesma perdeu qualquer relevância.
Daqui decorre ainda que um qualquer acto posterior que tenha por objectivo o dar conhecimento ao réu da pendência do processo é perfeitamente inócuo uma vez que já não existe nulidade por falta de citação. Esta sanou-se pela intervenção nos autos.”

Da nulidade da decisão recorrida (1.ª questão)
Defende o Apelante que o despacho recorrido é nulo, por duas causas:
- Por oposição entre os fundamentos e a decisão, já que no mesmo se afirma que no caso dos autos, se torna inútil apurar se ocorreu ou não a alegada nulidade de citação, mas, acaba por conhecer e julgar “improcedente a invocada nulidade”;
- Por omissão de pronúncia, ao fulminar o requerimento de arguição de nulidade com a sanação prevista no art. 189.º sobre o suprimento da nulidade de falta de citação, desconsiderando e não conhecendo das restantes nulidades arguidas, nem se pronunciando sobre a falta de comprovativo do ato de citação em morada diversa da “ALMD DOS OCEANOS LT …-32 …/L-3C, 1990-238 LISBOA”.
Vejamos.
Nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC, também aplicável aos despachos por via do n.º 3 do art. 613.º do mesmo Código, é nula a sentença quando:
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
Intrinsecamente relacionado com este preceito legal, dispõe o art. 608.º do CPC que:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
No que concerne à primeira das invocadas causas de nulidade da decisão, não assiste razão ao Apelante, já que, pese embora alguma falta de rigor terminológico, o decidido na 1.ª instância se mostra alinhado e coerente com a fundamentação em que assenta.
Aliás, o próprio requerimento/reclamação apreciado no despacho recorrido também peca por falta de rigor, considerando que começa por se referir à “NULIDADE DO ACTO DE CITAÇÃO” para, mais adiante, aludir indistintamente à falta de citação e à nulidade da citação.
No despacho recorrido considerou-se inútil apurar se ocorreu ou não a “alegada nulidade de citação”, porque se entendeu que a nulidade processual, a ter existido, ficou sanada com a primeira intervenção do Executado nos autos; portanto, ainda que tivesse existido nos termos alegados por este, perdera “relevância” e não podia já ser atendida.
Nessa conformidade, o que o Tribunal de 1.ª instância decidiu (isto, note-se, sem qualquer referência ao art. 189.º do CPC), bem interpretada a decisão, foi desatender a arguição de nulidade processual ou, por outras palavras, julgar improcedente ou indeferir o incidente de arguição de nulidade processual, fosse atinente à falta de citação ou à nulidade da citação. Não se verifica, pois, a apontada causa de nulidade do despacho recorrido.
Muito menos se verifica a invocada nulidade por omissão de pronúncia, já que - bem ou mal, por ora não importa - o Tribunal recorrido considerou prejudicada a apreciação de tudo o que havia sido alegado pelo Executado no requerimento em apreço. Assim, poderá existir nesta apreciação um erro de julgamento, o que se irá sindicar, mas não se pode ver aqui uma causa de nulidade do despacho.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso a respeito da nulidade da decisão recorrida.

Do aditamento de facto provado (2.ª questão)
O Apelante defende que deverá ser considerado provado que:
No dia 30.10.2015 o executado requereu a junção aos autos de procuração forense a favor do advogado constituído, solicitando ainda o urgente acesso à consulta do processo via CITIUS e logo invocou a nulidade do acto de citação cuja arguição complementou no primeiro dia útil seguinte (02.11.2015).
No ponto 12 dos factos acima descritos já considerámos provado o facto atinente à apresentação e conteúdo do aludido requerimento, sendo certo que a respetiva interpretação e aferição da sua concreta relevância jurídica constitui matéria de direito.
Assim, procedem, em parte, as conclusões da alegação de recurso.

Da sanação da nulidade processual em face do requerimento de 30-10-2015 (3.ª questão)
Os autos tiveram início em 2011 e a invocada nulidade processual, a existir, tem a sua génese ainda na vigência do anterior CPC. Com efeito, foi em 10-04-2011 que o AE começou por informar nos autos que a carta registada para citação do Executado, na morada indicada no requerimento executivo, havia sido devolvida com as indicações “Não atendeu” e “Objecto não reclamado”, juntando “telematicamente” tal carta. Foi ainda em 07-04-2011 que o AE efetuou consulta na base de dados da Autoridade Tributária, na qual consta a morada para a qual enviou a segunda carta para citação do Executado, vindo em 02-05-2011 requerer a junção aos autos do a/r relativo a esta carta, informando que “Tratando-se de uma citação efectuada em pessoa diversa do executado, informamos que demos cumprimento à notificação do executado com vista ao cumprimento do disposto no 241º do C.P.C.” No referido a/r consta a morada “ALMD dos Oceanos …-… 1900-238 Lisboa”. Juntou cópia da carta enviada em 02-05-2011, nos termos do art. 241.º do CPC, na qual consta, além do mais, que o Executado se considera citado na pessoa de “GS”.
Em 17-05-2011, foi apresentado requerimento, constante de fls. 14 (renumerado fls. 19, conforme cota de 15-06-2018) subscrito por AG, informando designadamente que o Executado não reside na morada Alameda dos Oceanos, Lote …-L, ….º C, 1990-238 Lisboa, desde Setembro de 2005; que estará agora a viver em Angola, mas não conseguiu contactá-lo nem apurar a sua atual morada, pelo que também não lhe entregou o expediente que a ele se destinava (a signatária indicou incorretamente a data do divórcio, porventura pela sua dificuldade em interpretar a certidão que juntou aos autos).
Assim, embora o requerimento de arguição de nulidade processual tenha sido apresentado já na vigência do CPC de 2013, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, este diploma legal não poderá aplicar-se retroativamente a atos que tiveram lugar em data anterior, nem servirá para determinar que atos deviam ou não ter sido então praticados (cf. art. 6.º da referida Lei). Mas será de aplicar à tramitação do próprio incidente, porque iniciado já na vigência do novo Código ou à efetivação ou dispensa de nova citação que porventura deva ser efetuada, neste caso apenas se vier a concluir-se que ocorreu, à luz da lei antiga aplicável, uma nulidade processual de falta ou nulidade de citação (cf. art. 192.º do CPC).
Atentemos então nos preceitos legais mais pertinentes.
Dispunha o art. 194.º (com a epígrafe “Anulação do processado posterior à petição”), na sua alínea a) do CPC de 1961 [equivalente ao art. 187.º, al. a), do atual CPC] ser nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, quando o réu não tenha sido citado, o que se aplicava obviamente ao executado ex vi art. 466.º, n.º 1, do mesmo Código. Por sua vez, o n.º 2 do art. 204.º, a que corresponde o n.º 2 do art. 198.º do atual CPC, previa que tal nulidade podia ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não devesse considerar-se sanada.
Preceituava o artigo 195.º, com a epígrafe “Quando se verifica a falta de citação” [a que corresponde o art. 188.º do CPC de 2103], que:
“1 - Há falta de citação:
a) Quando o acto tenha sido completamente omitido;
b) Quando tenha havido erro de identidade do citado;
c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital;
d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade;
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável.
2 - Quando a carta para citação haja sido enviada para o domicílio convencionado, a prova da falta de conhecimento do acto deve ser acompanhada da prova da mudança de domicílio em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato; a nulidade da citação decretada ficará sem efeito se, no final, não se provar o facto extintivo invocado.”
Estatuía, por seu turno, o art. 236.º, relativo à “Citação por via postal”, que:
“1 - A citação por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, para a respectiva sede ou para o local onde funciona normalmente a administração, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo 235.º e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o fará incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.
2 - No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
3 - Antes da assinatura do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.
4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando.
5 - Não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado.
6 - Se o citando ou qualquer das pessoas a que alude o n.º 2 recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, antes de a devolver.”
De referir ainda que o n.º 1 do art. 239.º, atinente à “Citação por agente de execução ou funcionário judicial”, preceituava que “(F)rustrando-se a via postal, a citação é efectuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando.”
Acresce, quanto à efetivação da citação, o que determinava o art. 241.º do CPC antigo, com a epígrafe “Advertência ao citando, quando a citação não haja sido na própria pessoa deste”: “Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 236.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior [atinente à citação com hora certa], ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, sendo ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe:
a) A data e o modo por que o acto se considera realizado;
b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta;
c) O destino dado ao duplicado; e
d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.”
Por sua vez, o art. 196.º, a que corresponde o art. 189.º do atual CPC, com a epígrafe “Suprimento da nulidade de falta de citação”, dispunha que “(S)e o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.”
A falta da citação não se confunde com a nulidade da citação, estando esta última prevista no art. 198.º, a que corresponde o art. 191.º do atual CPC, precisamente com a epígrafe “Nulidade da citação”, nos seguintes termos:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 195.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
2 - O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
3 - Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares.
4 - A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.”
De referir ainda que o art. 202.º, a que corresponde o art. 196.º do atual CPC, estabelece, sob a epígrafe “Nulidades de que o tribunal conhece oficiosamente”, o seguinte: Das nulidades mencionadas nos artigos 193.º [atual 186.º] e 194.º [atual art. 187.º, relativo à falta de citação], na segunda parte do n.º 2 do artigo 198.º [atual art. 191.º, atinente à nulidade da citação, no caso de citação edital ou falta de indicação do prazo para defesa] e nos artigos 199.º e 200.º [artigos 193.º e 194.º do CPC de 2013] pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas. Das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.”
De salientar também o disposto no n.º 2 do art. 204.º, a que corresponde o n.º 2 do art. 198.º do atual CPC (“Até quando podem ser arguidas as nulidades principais”), do qual resulta que a nulidade da falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada.
Por fim, o n.º 1 do art. 206.º, a que corresponde o n.º 1 do art. 200.º do atual CPC, relativo ao momento em que o juiz deve conhecer das nulidades, nos termos do qual a nulidade processual, tanto por falta de citação, como atinente a citação nula nos casos em que esta é de conhecimento oficioso, devem ser conhecidas pelo juiz logo que delas se aperceba, podendo suscitá-las em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.
No caso dos autos, foi enviada carta registada com aviso de receção para a morada (que o Executado diz ser inexistente) indicada pela Exequente, no requerimento executivo. Perante a devolução da carta e o motivo da mesma, impunha-se que o AE tivesse tentado a citação mediante contacto pessoal, o que não fez. Só depois teria cabimento a pesquisa nas Bases de Dados nos termos do art. 244.º do CPC então em vigor (sendo certo que não bastaria efetuar a pesquisa numa única Base de Dados).
De qualquer modo, perante o requerimento de 17-05-2011 constante de fls. 14 (renumerado fls. 19, conforme cota de 15-06-2018) apresentado por AG, dando conta de que não tinha logrado entregar ao Executado, seu ex-marido (que supunha estar a viver em Angola), a carta para citação do mesmo, e face ao despacho de 03-11-2014, determinando ao Sr. AE que comprovasse a citação em morada diversa daquela onde havia sido supostamente citado o Executado (Alameda dos Oceanos, Lote …-L, .º C, 1990-238 Lisboa), não se vê qualquer justificação para que não tenha sido cumprido o que foi determinado ou, pelo menos, diligenciado no sentido de averiguar a eventual morada daquele em Angola (por exemplo, junto da Embaixada de Portugal em Angola). Tal inação por parte do AE apenas se poderá explicar por desatenção da sua parte: uma vez que o requerimento de fls. 14 não foi inserido no processo eletrónico, terá porventura assumido que no despacho de 03-11-2014 o Tribunal se estava a referir à morada indicada no requerimento executivo.
Dito isto, a questão que se coloca é a de saber se, em face da primeira intervenção do Executado nos autos, o Tribunal recorrido estava dispensado de apreciar as questões suscitadas no requerimento de 02-11-2015, isto é, de decidir se ocorrera uma nulidade processual, fosse decorrente de falta de citação ou de nulidade de citação, em face do teor algo ambíguo desse requerimento, como melhor se analisará adiante.
Na decisão recorrida, respondeu-se afirmativamente, sem qualquer referência ao art. 189.º do CPC de 2013. O Executado, ora Apelante, clama pela inaplicabilidade desta norma, defendendo ser aplicável o n.º 2 do art. 191.º, o que nos suscita alguma perplexidade, tanto mais que continua sem tomar posição clara sobre se a nulidade processual invocada resulta, no seu entender, de falta de citação ou de nulidade da citação, e parece considerar que aquela constitui “um menos” relativamente à segunda, mormente ao afirmar que “(D)e todo o modo, mesmo admitindo que estamos apenas perante uma falta de citação, mas sem conceder; Após a entrada do requerimento de 30-10-2015 (REFª: 20956934), em face da consulta ao processo no CITIUS, é que o executado teve conhecimento, através do seu mandatário, quer da falta de citação efectuada quer da nulidade pela inobservância das formalidades legais, em face do disposto nas normas processuais acima citadas.”
Embora nos pareça evidente face ao teor das normas em apreço, importa salientar que as mesmas têm campos de aplicação diferenciados.
Perante a falta de citação (que também foi arguida no caso), há que aplicar os artigos 187.º, 189.º, 196.º, 198.º, n.º 2, e 200.º, n.º 1, do CPC (ou os que lhe correspondem no CPC antigo – por facilidade, e uma vez que neste particular, não existiu alteração de regime, iremos referir-nos àqueles), com a possibilidade de sanação dessa nulidade processual se não tiver sido arguida aquando da primeira intervenção do réu/executado.
Já perante a nulidade da citação, a lei determina que o prazo para ser arguida é o que tiver sido indicado para a contestação (ou, no caso do processo executivo, para a oposição à execução); sendo a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo, como previsto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 191.º, norma que, como é óbvio, aproveita apenas nas situações específicas aí previstas (em que a nulidade da citação é mesmo de conhecimento oficioso), que não ocorrem no caso dos autos.
Assim, uma eventual nulidade de citação haveria de ter sido arguida dentro do prazo para a oposição à execução, sob pena de ficar precludida a possibilidade da sua ulterior arguição. Perante a intempestividade da arguição, seria de considerar sanada tal nulidade. Somente se fosse caso de falta de citação poderia ainda ser tempestivamente suscitada a nulidade processual, o que o Tribunal considerou não valer a pena averiguar, por inútil.
Portanto, a argumentação do Executado-Apelante a respeito da aplicabilidade do art. 191.º, n.º 2, do CPC, no lugar do art. 189.º, em nada o pode beneficiar, pois, ao pressupor a verificação de uma mera nulidade da citação, não poderia deixar de ser, concomitantemente, constatado que o prazo para arguição da mesma há muito se esgotara.
Apenas na hipótese de se estar perante uma falta de citação é que ainda se justificaria apreciar se tinha ocorrido essa nulidade processual, sendo certo que, a ter ficado sanada, já nem se justificaria uma tal indagação, valendo aqui os princípios da economia processual e da limitação dos atos (cf. art. 130.º do CPC).
Pelas razões que já fomos adiantando, a situação em apreço é passível de ser qualificada como tal, reconduzindo-se à previsão do art. 195.º, n.º 1, al. e), do CPC em vigor à data dos factos descritos nos pontos 2. a 7. (cf. artigos 30.º a 32.º do requerimento de 02-11-2015), a que corresponde o art. 188.º, n.º 1, al. e), do CPC de 2013, contanto o Executado venha provar que, por facto a si não imputável, não chegou a ter conhecimento da citação (através da carta enviada para a morada da Alameda dos Oceanos) antes do termo do prazo da defesa.
Resta saber se esta (eventual) nulidade por falta de citação se pode ter por sanada face à primeira intervenção do Executado nos autos, mediante o requerimento de 30-10-2015, o que nos remete para a aplicação do art. 189.º do CPC, preceito cuja interpretação normativa haverá de ser conforme com a garantia do processo equitativo consagrado no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no art. 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, em particular na vertente dos princípios do contraditório e da proibição da indefesa, também consagrados nos artigos 3.º, n.º 3, e 813.º do CPC de 1961.
De salientar que, na interpretação dos atos processuais das partes (requerimentos/ articulados) e dos atos do tribunal (despachos/sentenças/acórdãos), há que respeitar as normas dos artigos 236.º e 238.º do CC que disciplinam a interpretação da declaração negocial, pois tratam-se de atos jurídicos sujeitos às regras reguladoras dos negócios jurídicos (cf. art. 295.º do CC). Tendo ainda presente, quanto aos primeiros, que a sua interpretação deve ser norteada, além do mais, pelo princípio da prevalência da substância (ou do fundo) sobre a forma, de maneira a que incorreções (ou mesmo excessos) formais não obstem a que possa ser considerada a materialidade do que é efetivamente pretendido pelas partes no processo.
Como vimos, no requerimento de 30-10-2015, o Executado identificou-se como divorciado e residente em Rua…, rés-do-chão, Bairro …, Luanda, Angola, requerendo a junção aos autos de procuração forense por si outorgada [aí constando a mesma morada] a favor do advogado signatário e “desde já solicitando o urgente acesso à consulta do processo via CITIUS em vista a compulsar e arguir, em sequência, a nulidade do acto de citação”. Numa interpretação puramente literal e formalista deste requerimento até se poderá afirmar, conforme consta do despacho recorrido, que o Executado não arguiu aí a nulidade da falta de citação, limitando-se a dizer que viria arguir, em sequência, a nulidade do acto de citação.”
Porém, essa interpretação não pode deixar de ser rejeitada, por desconforme com a realidade das coisas e os princípios basilares que devem nortear a interpretação normativa a fazer, parecendo-nos que o Executado, com o aludido requerimento, apesar da falta de rigor terminológico, logo pretendeu dar conta, nos autos, da sua falta de citação e, do mesmo passo, obter para o seu mandatário (conforme procuração forense passada no mesmo dia) a consulta eletrónica do processo (cf. art. 27.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, e art. 5.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08), a fim de lhe possibilitar uma fundamentada arguição de nulidade processual.
Entender o contrário é, a nosso ver, inaceitável, perante um requerimento subscrito por advogado constituído nessa data e que só então solicitava o acesso ao processo eletrónico para consulta, logo alertando para uma eventual nulidade processual, tanto mais que o tribunal não está condicionado à qualificação jurídica das nulidades feita pelas partes (cf. art. 5.º, n.º 3, do CPC) e lhe competia conhecer oficiosamente da nulidade por falta de citação em face dos elementos que já apontavam para a possibilidade da sua verificação. Não se pode, pois, considerar sanada a nulidade processual invocada, a qual deverá ser conhecida.
Tendo presente o disposto no art. 665.º, n.º 2, do CPC, resta concluir que não dispõe já este Tribunal da Relação de todos os elementos necessários para apreciar o requerimento de arguição de nulidade processual, considerando ter sido oferecida prova testemunhal, pelo que caberá ao tribunal de 1.ª instância proferir decisão fundamentada sobre o mesmo, incluindo quanto aos factos alegados, a qual, se for caso disso, poderá ainda vir a ser sindicada em sede de recurso.
Assim, procedem, em parte, as conclusões da alegação de recurso, com a revogação do despacho recorrido e o prosseguimento dos autos executivos para ser apreciado, na 1.ª instância, o aludido requerimento, com prévia inquirição das testemunhas arroladas.
Vencida a Exequente-Apelada, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido e, em substituição do mesmo, determinar o prosseguimento dos autos executivos principais, com a inquirição das testemunhas arroladas no requerimento de arguição de nulidade processual apresentado pelo Executado em 02-11-2015 e a subsequente apreciação do mesmo, sem que se possa considerar sanada uma eventual nulidade processual por falta de citação do Executado.
Mais se decide condenar a Exequente-Apelada no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 09-09-2021
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira