PRESTAÇÃO DE CONTAS
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
VALOR DA CAUSA
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
DIREITO ADJETIVO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
DECISÃO MAIS FAVORÁVEL
PODERES DA RELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
APRECIAÇÃO DA PROVA
VIOLAÇÃO DE LEI
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROVA TESTEMUNHAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
REVISTA EXCECIONAL
Sumário


I - Na fixação do valor da causa, o tribunal da Relação aprecia decisão da 1.a instância que recaiu sobre matéria incidental, de natureza processual, não se subsumindo, portanto, ao disposto no art. 671.º, n. º 1, do CPC.
II - Ainda que se admita que o acórdão recorrido é suscetível de, nesta parte, ser enquadrado no art. 671.º, n.º 2, do CPC - considerando-se, para tanto, que a decisão da 1.a instância, ao ter fixado valor ao causa, recaiu unicamente sobre a relação processual e que, apesar de ter sido inserida na sentença, não perdeu a sua natureza de decisão interlocutória, a verdade é que não se mostra, in casu, preenchida nenhuma das hipóteses em que, excecionalmente, se faculta o acesso ao terceiro grau de jurisdição.
III - Existe dupla conformidade entre as decisões das instâncias sempre que o apelante obtém uma decisão que lhe é mais favorável, quantitativa ou qualitativamente, posto que não faria sentido que o mesmo ficasse impedido de lançar mão da revista normal caso o tribunal da Relação houvesse confirmado integralmente o decidido pela 1.a instância e que já o pudesse fazer numa situação em que obteve melhor resultado.
IV - A dupla conformidade de decisões é impeditiva do recurso de revista normal ou regra, não sendo a mesma descaracterizada pela invocada violação do direito probatório material, pois que se é certo que tal violação integra um dos vícios que pode fundamentar a revista, mister se torna, para que o mesmo possa ser apreciado, que, precedentemente, o mesmo seja admissível (arts. 671.º, n.º 3, e 674.º, n.º 3, do CPC).
V - Já assim não será na parte em que o recorrente questiona a forma como o tribunal da Relação exerceu os poderes que lhe estão cometidos no âmbito da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto que o mesmo havia impugnado na apelação.
VI - Ao STJ apenas compete verificar se foram ou não observados os parâmetros formais balizadores da respetiva disciplina processual, i.e., sindicar se o tribunal da Relação reapreciou o julgado sobre os pontos impugnados em termos de formar a sua própria convicção em resultado do exame das provas produzidas e se, nessa tarefa, observou o método de análise crítica da prova, e já não imiscuir-se na valoração dessa prova feita segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador (arts. 662.º, e 607.º, n.os 4 e 5, do CPC).
VII - Apesar de, após a revisão processual de 1995, o quadro normativo em matéria de litigância de má fé ter passado a ser bem mais exigente - impondo a repressão e punição não só de condutas dolosas, mas também das gravemente negligentes -, o STJ tem repetidamente afirmado que o juiz deve continuar a ser “cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé, o que só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça”.
VIII - In casu, o recurso de revista na parte concernente ao valor da causa não foi admitido por fundamentos diversos dos invocados pelos recorridos e, consequentemente, não se afigura, desde logo, que seja possível formular um juízo de censura, seguro e inequívoco, para efeitos de integração da conduta do recorrente na litigância de má-fé.
IX - Por outro lado, importa ter em conta que, contrariamente ao invocado pelos recorridos, e se bem compreendemos as conclusões da revista, o recorrente não alegou que não havia impugnado o valor da causa, mas antes que os recorridos não o haviam impugnado, concluindo, nessa medida, que o tribunal da Relação do Porto não o podia ter alterado “oficiosamente” e para um valor superior.
X - Assim, o que se retira da alegação do recorrente é que o mesmo parece entender que seria necessário que a parte contrária tivesse impugnado o dito valor para que não se estivesse perante conhecimento oficioso. Acontece que esta conclusão, independentemente do seu acerto ou desacerto (o que não cumpre aqui apreciar já que, como se referiu, o recurso não foi, nesta parte, admitido), não é suficiente para se ter por preenchido o conceito de má-fé processual que acima se dilucidou.
XI - É certo que a alegação do recorrente, no que toca a esta específica questão - com o referido fundamento e sobretudo tendo em consideração que foi ele próprio que, em sede de apelação, impugnou o valor da causa e pediu, a final, que o mesmo fosse fixado em valor diferente do estabelecido pela 1.a instância - não deixa de ser ousada ou até temerária e que se impunha que o mesmo tivesse sido mais cauteloso e rigoroso nas afirmações tecidas a este propósito. Contudo, crê-se que, ainda assim, tal conduta, não ultrapassa os limites da chamada litigiosidade que “dimana da incerteza”.
XII - Pelas razões aduzidas, não se vê que haja fundamento para condenar o recorrente como litigante de má-fé.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



I – Relatório

1. AA intentou acção especial de prestação de contas contra BB e Marido, CC, pedindo fossem estes “citados para apresentarem as contas cuja prestação ora se requer ou contestarem a presente ação”, assim como a sua condenação no pagamento à Autora do saldo a seu favor que as contas venham a revelar, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, que se venham a vencer desde a data do trânsito em julgado da sentença até à data do seu efetivo pagamento. Subsidiariamente, pediu fosse a Ré BB citada para “apresentar as contas cuja prestação ora se requer, de todos os movimentos que efectuou na qualidade de co-titular da “conta”, ou contestar a presente ação”, mas requerendo que a mesma seja condenada a pagar à Autora ao eventual saldo a favor desta que as contas a serem prestadas venham a apresentar, ao qual deverão acrescer os juros de mora, calculados à taxa legal, que se venham a vencer desde a data do Trânsito em julgado da sentença atá à data do seu efectivo pagamento”. Está em causa a administração efetuada pelos Réus de bens pertencentes à Autora e de uma conta bancária aberta aos balcões da “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo…...”.

2. Tendo os Réus deduzido contestação à invocada obrigação de prestação de contas, decidiu-se, a 22 de setembro de 2011, por sentença transitada em julgado, apenas pela condenação da Ré BB a apresentar contas de todos os movimentos que havia efetuado na qualidade de co-titular da conta bancária n.º ...9813 aberta ao balcão da referida “Caixa Agrícola .....”.

3. Por força dessa decisão, a Ré BB veio apresentar contas respeitantes aos movimentos da referida “conta bancária”, concluindo pela existência de um saldo final credor no valor de 74,56 €.

4. As contas apresentadas pela demandada foram contestadas pela Autora, nomeadamente, e com maior relevância, no que toca à justificação dada para grande parte das despesas (verbas lançadas a débito na referida conta bancária) como tal indicadas na parte final da peça processual da Ré.

5. Perante a posição assumida pela Autora quanto às constas apresentadas, a demandada exerceu o contraditório, pugnando, designadamente, pela regularidade dos termos em que aquelas foram individualizadas.

6. No decurso processo deu-se conhecimento dos óbitos da Autora AA e da demandada BB, tendo sido habilitados, para prosseguirem com a presente lide, os respetivos sucessores, a saber:

a) no que respeita à Autora AA, DD e EE;

b) no respeitante à demandada BB, CC e os filhos de ambos, FF, GG, HH e II.

7. Realizou-se audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, considerando-se que as contas foram regularmente apresentadas pela demandada BB, tenho ainda sido fixado o objecto do litígio e os temas de prova a serem submetidos a indagação.

8. Após a realização do julgamento, a 10 de julho de 2017 foi proferida a seguinte decisão:

Em face do exposto, julgo validamente prestadas as contas desde 28.11.1997 até 3.3.2007.

Julgo injustificadas as despesas efetuadas pela falecida Ré BB e marido, o Réu CC, no montante global de 389.695,75 € … fixando-se como saldo positivo a quantia de €389.695,75 (trezentos e oitenta e nove mil, seiscentos e noventa e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).

Em consequência, condeno o Réu CC, bem como os Réus habilitados FF, GG, HH e II no pagamento aos Autores habilitados DD e EE da quantia de 389.695,75 € (trezentos e oitenta e nove mil, seiscentos e noventa e cinco e setenta e cinco cêntimos).

Fixo à presente ação o valor de 800.453,39 € (oitocentos mil, quatrocentos e cinquenta e três euros e trinta e nove cêntimos”.

9. Inconformado, o habilitado CC interpôs recurso de apelação.

10. Contra-alegaram os habilitados sucessores da Autora AA, pugnando pela manutenção do julgado, admitindo apenas que o valor da acção, para efeitos tributários, seja fixado no valor indicado pelo Recorrente ou então, na ponderação da receita bruta creditada na dita “Conta”, em 2.533.851,04 €.

11. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 29 de maio de 2020, decidiu o seguinte:

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, nessa medida, alterando-se o sentenciado, tem-se por não justificado o montante global de 378.219,48 €, referente a despesas e transferências realizadas pela Ré inicial BB, sendo também esse o saldo positivo no qual os Réus habilitados, enquanto sucessores daquela, vão condenados a pagar aos Autores, sucessores habilitados da Autora AA.

Por sua vez, fixa-se em 2.533.851,04 € o valor da presente lide.

Custas nesta instância a cargo de Autores e Réus na proporção do seu decaimento que se fixa em 1/50 e 49/50, respectivamente.

12. Não conformado, CC interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:

A. O Recorrente, notificado do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto a 29 de maio de 2020, pretende impugnar o mesmo através do presente Recurso.

B. O Recorrente vem recorrer do mesmo Acórdão por entender que o Tribunal da Relação, por um lado, extravasou os seus poderes de cognição, procedendo a alterações que não cabiam à segunda Instância efetuar, mormente a alteração do valor da causa.

C. Por outro lado, assistiu-se a uma parcial reapreciação da prova, contrariando os poderes de cognição do Tribunal da Relação, e inquinando toda a matéria de Direito.

D. Para além de que o Tribunal da Relação do Porto fez tábua rásua das regras formais inerentes ao ónus da prova, debelando ab initio a prova indireta, única prova que, nos presentes autos, se torna admissível, face à prova documental.

E. O Tribunal Recorrido descredibilizou, portanto, a prova testemunhal e a sua força, violando o direito material probatório, bem como os princípios da livre apreciação da prova e da equidade.

F. Neste conspecto, encontram-se reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso de revista, à luz do artigo 671.º, do Código de Processo Civil, uma vez que estamos perante uma clara violação e locupletamento das regras de direito material probatório, subsumível aos poderes de cognição do STJ, nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC.

G. Por outro lado, essa competência também se verifica em relação à violação do artigo 306.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo Tribunal da Relação do Porto.

H. Sem nada conceder, mesmo que se venha a entender que os factos assentes são insuficientes para proferir decisão e apreciar as anomalias invocadas, presente-se que o STJ, impedido como está de julgar a fixação dos factos materiais efetuada pela Relação, faça a sindicância do Acórdão e mande descer os autos a fim de ser reapreciada a prova, com vista a ser proferida nova decisão no sentido oposto, nos termos do artigo 682.º, n.º 2 e 3, 683.º, 662.º, n.º 2, al. c).

I. Subsidiariamente, o presente recurso deverá ser admitido como Revista Excecional, porquanto as questões acima identificadas assumem relevância social fundamental: a situação apresenta contornos indiciadores de que as soluções preconizadas pelo Tribunal da Relação do Porto possam constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto.

J. In casu, o presente Recurso é também absolutamente necessário para uma melhor aplicação do Direito, uma vez que, o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação, sendo certo que, o erro de julgamento é gerador de violação de lei substantiva;

K. Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do Direito justifica-se, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este caso ser visto como caso-tipo, não só porque contém questões passíveis de se repetir no futuro, como a decisão da questão se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, sendo, assim, fundamental, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na qualidade de órgão regulador do sistema, como condição para dissipar dúvidas.

L. Entende o Recorrente que o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto e de Direito, não detinha poderes para alterar o valor da causa, de forma oficiosa, conforme o fez.

M. De facto, analisado o disposto no artigo 306.º, do Código de Processo Civil, é ao Tribunal de primeira Instância que incumbe fixar o valor da causa.

N. E, não sendo tal valor impugnado pela A./Recorrida, qualquer incongruência quanto à sua fixação não poderá ser sanada ex officio pelas instâncias superiores.

O. Nem poderia o Tribunal Recorrido alterar o valor da presente lide, aumentando a quantia – cfr. artigo 609.º, do Código de Processo Civil.

P. Tendo procedido a Relação à alteração do valor, sem impugnação da parte recorrida, o Tribunal da Relação do Porto violou os artigos 306.º, 573.º e 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo-se tal fixação como nula.

Q. No que concerne à deficiente reapreciação da prova operada, diga-se, antes de mais, que o circunstancialismo fático inerente aos presentes autos se insere num ambiente íntimo, familiar, entre a Primitiva Ré e a Autora, sendo a primeira tratada como filha.

R. O que teve, por consequência, a falta de documentação concernente à comprovação de contas.

S. Sendo essencial, neste conspecto, valorizar a prova existente de outras formas, mormente a prova testemunhal.

T. Sucede que tal não foi tomado em consideração pelo Tribunal da Relação do Porto, quando entendeu que, não se conseguiu provar a inexistência de outras contas.

U. Porém, o depoimento da testemunha JJ e o depoimento de parte de DD comprovam, precisamente, o contrário: a inexistência de outras contas bancárias, ou seja que a A. primitiva apenas tinha uma conta no Totta & Açores e outra no C.A. ....

V. Tal como foi defendido pelo aqui Recorrente nas Alegações e Conclusões do recurso da decisão da 1.ª instância, quer pela Testemunha JJ, quer pelas declarações de parte da DD, é referido que a Autora tinha a conta junto do Crédito Agrícola e outra junto do Banco TOTTA & Açores

W. É verdade que a testemunha JJ refere, na resposta a instância do Mandatário do aqui Recorrente, que a Autora tinha tido mais contas, mas na mesma resposta, sem qualquer interrupção, também afirma que as mesmas tinham sido sucessivamente liquidadas, existindo na parte final – ou seja, antes de a Testemunha sair do Banco Totta & Açores (1992) – apenas uma única conta.

X. Atendendo ao vertido no artigo 945.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, o Tribunal deverá atender ao prudente arbítrio, às regras da experiência de um bom pai de família e, bem assim, a um juízo de equidade.

Y. Salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação não teve em consideração o positivado na presente norma, uma vez que descredibilizou a prova testemunhal face à inexistência de prova documental, impondo ao Recorrente o peso de uma prova impossível, que inquina todo o desenrolar processual e a igualdade das partes.

Z. Ademais, essa falta de valoração da prova viola o princípio da livre apreciação da prova, que impõe a não hierarquização dos meios de prova.

AA. Ocorre nulidade de decisão se do acórdão resultar que, ao conhecer do recurso da matéria de facto, o Tribunal da Relação não valorou todos os meios probatórios indicados pelos Recorrentes, na sua extensão e plenitude.

BB. Incorrendo, assim, na violação de lei processual, mormente os artigos 944.º, n.º 1 e 2, 954.º, n.º 5, do Código de Processo Civil e 432.º, do Código Civil sendo o Acórdão, por tal motivo, nulo.

CC. No que concerne à apreciação propriamente dita da prova, a mesma apresenta anomalias inultrapassáveis, já que o Tribunal da Relação do Porto desatendeu à extensão integral dos depoimentos, nomeadamente das declarações da Testemunha JJ e do depoimento de parte da Autora DD.

DD. Salvo melhor opinião, se o Tribunal recorrido tivesse apreciado, in totum, ambas as declarações no seu todo, a decisão do Tribunal teria sido completamente diferente.

EE. O Tribunal Recorrido não apreciou por inteiro as declarações prestadas pelo Procurador JJ, nem o depoimento de parte da A. DD, que demonstram perentoriamente a inexistência de mais contas bancárias.

FF. Acresce referir que todos os levantamentos efectuados pela R. BB em proveito da A. foram posteriores aos levantamentos levados a efeito pela A. em 1999, o que confirma que pelo menos desde 1998 a conta domiciliada junto do BANCO TOTTA& Açores deixou de ter saldo que permitisse os levantamentos até então levados a efeito pelo Procurador JJ, passando os mesmos a ser levados a efeito pela BB da conta domiciliada junto da C.C.A. ..., motivo pelo qual tal matéria tinha forçosamente de ser dada como provada e não como foi decidido quer pelo Tribunal da 1ª. Instância e confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto;

GG. Face à crescente dependência da Autora, tendo por causa direta os seus problemas de saúde, deverá considerar-se justificados os levantamentos realizados pela Primitiva Ré BB, sem obtenção de qualquer recibo, pelo que esses levantamentos deveriam ser dados como provados, ao contrário do que entendeu o Tribunal recorrido.

HH. Mais uma vez se denota uma atuação parca por parte do Tribunal da Relação, que violou o dever de apreciação das provas.

II. Constitui violação de lei do processo a inobservância, pelo Tribunal da Relação, do dever de livre e total apreciação da prova, ao qual o Supremo Tribunal de Justiça não pode ficar indiferente.

JJ. Nesta senda, quanto à reapreciação da decisão de facto impugnada por parte do Tribunal da Relação também não foram observados e respeitados os parâmetros de investigação e análise crítica da prova, em conformidade com o disposto no artigo 662° n.º 1, do C.P.C. e nos termos dos artigos 607° n.° 4 e 5 do C.P.C., preceito que é aplicável ao acórdão ora recorrido por força do disposto no artigo 663° n.º 2 do C.P.C.;

KK. A não reapreciação tem, como consequência, a violação do disposto no artigo 662.º, do Código de Processo Civil e, bem assim, que os presentes autos baixem à Relação do Porto para reapreciação concreta e precisa de cada um dos meios de prova.

DD. Em modo conclusivo, é patente a existência de anomalias bastantes que enformam o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de nulidade, não produzindo os seus efeitos.

MM. O Recorrente reitera que não pretende – nem o poderia requerer – a reapreciação da matéria de facto por este Alto Tribunal, mas sim que os presentes autos desçam ao Tribunal da Relação com fundamento nas alegações de recurso e de revista ora apresentadas.

NN. Por tudo o ante exposto, deve o presente Recurso ser considerado procedente, por provado, revogando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, atenta a sua nulidade.

Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso         ser admitido,               destarte seja dado provimento ao mesmo e, em consequência, julgue procedentes e provadas as nulidades invocadas pelo ora Recorrente, com as demais consequências legais, assim se fazendo a costumada, inteira e sã JUSTIÇA!

13. DD e EE apresentaram contra-alegações com as seguintes Conclusões:

I – O recurso de revista interposto pelo Recorrente é, em todos os seus fundamentos, legalmente inadmissível à luz do disposto no artigo 674.º do Código de Processo Civil.

II – No que se refere à questão da suposta violação do disposto no artigo 306.º, número 1, do Código de Processo Civil, a verdade é que a Veneranda Relação do Porto apenas averiguou e, em decorrência, alterou o valor atribuído à presente lide, porque o Recorrente impugnou a sentença da primeira instância na parte em que esta o fixou [ao valor da causa] em EUR 800.453,39 (oitocentos mil quatrocentos e cinquenta e três euros e trinta e nove cêntimos).

III – É forçoso concluir que o fundamento invocado pelo Recorrente para a impugnação da parte do douto Acórdão recorrendo que alterou o valor da ação – a violação ou errada aplicação da lei de processo, em concreto dos artigos 306.º, número 1, 573.º. e 609.º, número 1, do Código de Processo Civil – é falacioso, porque artificiosa e mentirosamente construído pelo Recorrente, não se verificando em concreto, o que torna o presente recurso legalmente inadmissível.

IV – O Recorrente faltou conscientemente à verdade quando afirmou que não impugnou a referida parte da sentença proferida pela primeira instância, fazendo um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão condenatória que contra si foi proferida.

V – O Recorrente litiga de má-fé e deve ser condenado, nos termos do disposto nos artigos 542.º, número 1, e 543.º, número 1, do Código de Processo Civil, em multa e numa indemnização à parte contrária, consistente, nos termos do disposto no artigo 543.º, número 1, alínea a), no reembolso da totalidade das despesas a que a má-fé litigante obrigou os Recorridos, incluindo os honorários do respetivo mandatário, que não se deverá cifrar em valor inferior a EUR 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), acrescido de IVA à taxa legal.

VI – Na segunda parte do seu recurso de revista, o Recorrente reporta-se, em suma, à sua discordância relativamente à decisão da matéria de facto da primeira instância e, também, da reapreciação que dela fez o Venerando Tribunal a quo no douto Acórdão recorrendo.

VII – E assim é, irrelevantemente de o Recorrente pincelar as suas conclusões de referências, desgarradas e a despropósito, à suposta violação da lei substantiva, à violação ou errada aplicação da lei de processo ou a supostas nulidades.

VIII – O Recorrente invoca a violação do artigo 342.º9 do Código Civil, preceito que, regulando sobre a distribuição do ónus da prova 10, e é completamente estranho ao regime.

9 Será certamente por lapso de escrita que, nas suas conclusões, o Recorrente se refere à violação do disposto no artigo 432.º do Código Civil.

10 E que foi exemplarmente observado pela primeira instância e pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto de direito probatório material e ou processual.

IX – O Recorrente alega que o douto Acórdão recorrendo violou o disposto nos artigos 944.º, números 1 e 2, o que faz sem concretizar de que forma e em que medida é que o referido preceito legal foi violado pelo douto Acórdão recorrendo.

X – A invocada violação do disposto no artigo 945.º, número 5, do Código de Processo Civil assenta na circunstância de o tribunal de primeira instância não ter considerado justificadas, sem quaisquer documentos, as verbas das despesas efetuadas pela Ré originária e contestadas pela Autora originária; decisão que foi, aliás, cabalmente justificada na douta sentença proferida por aquele tribunal.

XI – O douto Acórdão recorrendo cotejou, de forma exaustiva e meticulosa – ao longo de mais de onze páginas –, todos os concretos meios probatórios especificados pelo Recorrente na respetiva apelação como impondo decisão diversa relativamente aos pontos da matéria de facto impugnados.

XII – E concluiu, de forma inequívoca e certeira, que os únicos pontos da decisão da matéria de facto erradamente decididos haviam sido os pontos 17-tt, 62 e 71 dos factos provados.

XIII – Como resulta claro das conclusões de revista, o Recorrente não concretiza em que medida é que o artigo 945.º, número 5, do Código de Processo Civil foi violado pelo douto Acórdão Recorrendo.

XIV – Por último, o Recorrente concluí, de uma só penada, que o douto Acórdão recorrendo violou o disposto nos artigos 607.º, números 4 e 5, e 662.º, número 1, ambos do Código de Processo Civil.

XV – Mais uma vez, o Recorrente não concretiza em que medida é que os referidos preceitos foram violados pelo douto Acórdão recorrendo.

XVI – Para efeitos de determinação do objeto do recurso relevam os fundamentos pelos quais o recorrente realmente o pede [ao recurso], e a pretensão por si verdadeiramente formulada.

XVII – Pouco ou nada releva a qualificação feita pelo recorrente nas suas conclusões recursivas, por indicação de normas violadas.

XVIII – Mirando as conclusões de recurso formuladas pelo Recorrente, é inevitável assentar que o recurso de revista interposto pelo Recorrente é legalmente inadmissível na medida em que não assenta em nenhum dos fundamentos previstos no artigo 674.º do Código de Processo Civil.

XIX – O que o Recorrente efetivamente pretende – ainda que o tente esconder ao apontar a violação, sem mais, a violação de normas de direito processual – é que o Supremo Tribunal de Justiça intervenha na apreciação das provas e dos factos.

XX – A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da matéria de facto é absolutamente residual, destinando-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas no artigo 674.º do Código de Processo Civil.

XXI – Ao Supremo Tribunal de Justiça está vedada a sindicância de erro na apreciação das provas e na apreciação dos factos, exceto se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

XXII – A pretexto da existência de erros de direito, o Recorrente limita-se a pôr em causa, no seu recurso, a prova testemunhal – que inclusivamente, volta a transcrever, desta feita em sede de revista – na qual a primeira instância e, depois, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, fundaram a sua convicção quanto à matéria de facto.

XXIII – Porque toda a prova em causa era de livre convicção, a sindicância do juízo formulado a respeito da referida matéria de facto está absolutamente excluída da competência do Supremo Tribunal de Justiça, pelo deve o presente recurso ser liminarmente inadmitido.

XXIV – Quanto ao recurso de revista excecional interposto pelo Recorrente, ele não é, in casu, legalmente admissível.

XXVI – A revista excecional está prevista para as situações de dupla conforme, nos termos em que esta é delimitada pelo número 3 do artigo 671.º.

XXVII – O que não é o caso do douto Acórdão recorrendo, que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrente.

XXVIII – Subsidiariamente, inexiste qualquer contradição entre o douto Acórdão recorrendo e o acórdão-fundamento.

Nestes termos, e nos mais, de Direito, aplicáveis, deve o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, confirmando-se o douto Acórdão recorrendo em todos os seus segmentos decisórios.

Mais deve o Recorrente ser condenado, como litigante de má-fé, no pagamento de multa e indemnização, esta última de valor não inferior a EUR 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), assim se fazendo sã e correta J U S T I Ç A!

14. A Relatora remeteu os autos à Formação que, por seu turno, lhos devolveu em ordem à determinação do âmbito objetivo do recurso de revista.


II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:

a) (in) admissibilidade do recurso de revista;

b) se, ao ter reapreciado a matéria de facto que o Recorrente impugnou no recurso de apelação, o Tribunal da Relação do Porto violou a lei processual, concretamente, os poderes que lhe estão conferidos pelo 662.º do CPC;

c) se o Recorrente deve ser condenado como litigante de má fé (questão suscitada nas contra-alegações).


III – Fundamentação

A) De Facto

Foi considerada como provada a seguinte factualidade:

1 - Em 28.11.1997, a conta bancária com o número …9813, apresentava um saldo de 3.232$20, a que corresponde o valor de 16,12 €;

2 - Em 28.11.1997, 18.12.1997 e 16.1.1998 foram creditados na supra identificada conta juros de depósitos a prazo no montante de 3.896$00, a que corresponde 19,43 €; 59.221$00, a que corresponde 295,39 € e 38.505$00, a que corresponde o montante de 192,06 €, respetivamente, tudo no montante global de 506,88 €;

3 - Em 2.2.1998 foi constituído o depósito a prazo …543, no montante de 100.000$00, a que corresponde 498,80 €;

4 - Tal depósito a prazo rendeu juros de 1.587$00, a que corresponde o montante de 7,91 €; 1428$00, a que corresponde o montante de 7,12 €; 1.011$00, a que corresponde o valor de 5,04 €; 913$00, a que corresponde o valor de 4,55 €, os quais foram creditados, respetivamente, na identificada conta em 2.8.1998, 30.1.1999, 30.7.1999, 27.1.2000;

5 - O depósito a prazo identificado em 3/ foi liquidado e creditado em 15.9.2000, na respetiva conta, o montante de 100.154$00, a que corresponde o valor de 499,56 €;

6 - Entre 23.2.1998 e 28.4.1998 foram depositados na conta identificada em 1/, proveniente de juros de contas a prazo, a quantia global de 12.658$00, a que corresponde o montante de 63,14 €;

7 - Em 2.6.1998 foram liquidados dois depósitos a prazo com os n.ºs …874 e …859, tendo sido creditado na identificada conta o valor total de 275.199$00, a que corresponde o montante de 1.372,68 €;

8 - Em 2.6.1998 foi debitado em tal conta o cheque n.º …4177, no montante de 200.000$00, a que corresponde o montante de 997,60 €, sacado pela Ré falecida BB, emitido ao portador, conforme teor de fls. 101;

9 - Em 17.6.1998, 18.7.1998, 26.7.1998 e 23.8.1998 foram creditados na identificada conta juros de depósitos a prazo no montante global de 94.500$00, a que corresponde o montante de 471,85 €;

10 - Em 22.9.1998 foi constituído o depósito a prazo n.º …782, no montante de 180.000$00, a que corresponde o montante de 897,83 €;

11 - Tal depósito a prazo rendeu juros, os quais foram creditados na mencionada conta em 22.3.1999, 19.9.1999, 18.3.2000 e 15.9.2000, no montante global de 8.176$00, a que corresponde o montante de 40,78 €;

 12 - O referido depósito a prazo foi liquidado em 15.9.2000, tendo sido creditado na referida conta o montante de 180.000$00, a que corresponde o montante de 897,83 €;

13 - Em 23.11.1998, 15.12.1998 e 17.1.1999 foram creditados na identificada conta o montante de 75.541$00, a que corresponde o valor de 378,80 €, proveniente de juros de depósitos a prazo;

14 - A 19.2.1999 foi depositada na referida conta o montante de 10.570.125$00, a que corresponde o montante de 52.723,56 €;

15 - Em 20.2.1999 foi creditada na identificada conta o montante de 2.857$00, a que corresponde o montante de 14,25 €, proveniente de juros de depósitos a prazo;

16 - A Autora falecida, AA, emitiu os seguintes cheques:

a) Em 8.3.1999, o cheque n.º …180, no valor de 163.664$00, a que corresponde o valor de 816,35 €, conforme teor de fls. 95;

b) Em 10.3.1999, o cheque n.º …181, no valor de 2.000.000$00, a que corresponde o valor de 9.975,95 €, conforme teor de fls. 97;

c) Em 11.3.1999, o cheque n.º …182, no montante de 5.000.000$00, a que corresponde o montante de 24.939,89 €, conforme teor de fls. 98;

d) Em 17.9.1999, o cheque n.º …189, no montante de1.268.415$00, a que corresponde o valor de 6.326,82 €, conforme teor de fls. 99;

e) Em 20.9.1999, o cheque n.º …190, no montante de 7.000.000$00, a que corresponde o montante de 34.915,85 €, conforme teor de fls. 100;

17 - A Ré falecida BB emitiu os seguintes cheques, tendo sido debitadas na identificada conta as seguintes quantias:

a) Em 26.2.1999, o cheque n.º …178, no montante de 317.103, a que corresponde 1.581,70 €, a favor de MM, conforme teor de fls. 102;

b) Em 19.3.1999, o cheque n.º …184, no montante de 225.693$00, a que corresponde o montante de 1.125,75 €, a favor do “S…. .de ...”, conforme teor de fls. 103;

c) Em 1.6.1999, o cheque n.º …185, no montante de 150.000$00, a que corresponde o montante de 748,20 €, a favor de MM, conforme teor de fls. 105;

d) Em 8.7.1999, o cheque n.º …187, no montante de 300.000$00, a que corresponde o valor de 1.496,40 €, ao portador, conforme teor de fls. 106;

e) Em 9.7.1999, o cheque n.º …186, no montante de 70.000$00, a que corresponde o montante de 349,15 €, ao portador, conforme teor de fls. 107;

f) Em 7.9.1999, o cheque n.º …188, no montante de 234.664$00, a que corresponde o montante de 1.170,50 €, a favor do “S..... de ...” - (v. fls. 108);

g) Em 27.9.1999, o cheque n.º …192, no montante de 4.000.000$00, a que corresponde o montante de 19.951,92 €, ao portador, conforme teor de fls. 110;

h) Em 28.9.1999, o cheque n.º …191, no montante de 30.000$00, a que corresponde o montante de 149,64 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 111;

i) Em 22.10.1999, o cheque n.º …193, no montante de 74.000$00, a que corresponde o montante de 369,11 €, ao portador, conforme teor de fls. 112;

j) Em 11.11.1999, o cheque n.º …194, no montante de 60.000$00, a que corresponde o montante de 299,28 €, ao portador, conforme teor de fls. 114;

k) Em 19.11.1999, o cheque n.º …195, no montante de 358.500$00, a que corresponde o montante de 1.788,20 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 115;

l) Em 4.12.2000, o cheque n.º …196, no montante de 500.000$00, a que corresponde o valor de 2.493,99 €, ao portador, conforme teor de fls. 116;

m) Em 9.1.2001, o cheque n.º …98, no montante de 52.139$00, a que corresponde o montante de 200,06 €, a favor de CC, conforme teor e fls. 117;

n) Em 9.1.2001, o cheque n.º …197, no montante de 150.000$00, a que corresponde o montante de 748,20 €, a favor de NN, conforme teor de fls. 119;

o) Em 29.1.2001, o cheque n.º …199, no montante de 150.000$00, a que corresponde o montante de 748,20 €, a favor de NN, conforme teor de fls. 120;

p) Em 31.1.2001, o cheque n.º …200, no montante de 40.000$00, a que corresponde o valor de 199,52 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 121;

q) Em 3.2.2001, o cheque n.º …866, no montante de 30.000$00, a que corresponde o valor de 149,64 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 122;

r) Em 7.3.2001, o cheque n.º …867, no montante de 30.000$00, a que corresponde o valor de 149,64 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 125;

s) Em 14.3.2001, o cheque n.º …868, no montante de 193.900$00, a que corresponde o valor de 967,17 €, a favor de OO, conforme teor de fls. 126;

t) Em 20.03.2001, o cheque n.º …869, no montante de 66.060$00, a que corresponde o montante de 329,50 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 129;

u) Em 27.3.2001, o cheque n.º …871, no montante de 3.000.00$00, a que corresponde o montante de 14.963,93 €, ao portador, conforme teor de fls. 131;

v) Em 28.3.2001, o cheque n.º…870, no montante de 2.875.000$00, a que corresponde o montante de 14.340,22 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 132;

w) Em 23.4.2001, o cheque n.º …872, no montante de 135.000$00, a que corresponde o montante de 673,38 €, a favor de PP, conforme teor de fls. 133;

x) Em 6.6.2001, o cheque n.º …873, no montante de 33.848$00, a que corresponde o valor de 168,83 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 134;

y) Em 16.8.2001, o cheque n.º …874, no montante de 166.759$00, a que corresponde o valor de 831,79 €, a favor das “A.…, S.A.”, conforme teor de fls. 135;

z) Em 11.1.2002, o cheque n.º …051, no montante de 125 €;

aa) Em 5.7.2002, o cheque n.º …052, no montante de 4.000 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 137;

bb) Em 7.10.2002, o cheque n.º …053, no montante de 15.000 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 138;

cc) Em 16.12.2002, o cheque n.º …054, no montante de 10.000 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 139;

dd) Em 16.4.2003, o cheque n.º …055, no montante de 1.000 €, ao portador, conforme teor de fls. 140;

ee) Em 20.5.2003, o cheque n.º …056, no montante de 25.000 €, a favor de QQ, conforme teor de fls. 141;

ff) Em 5.11.2003, o cheque n.º …057, no montante de 15.000 €, a favor de CC, conforme teor de fls. 142;

gg) Em 22.12.2003, o cheque n.º …058, no montante de 7.500 €, ao portador, conforme teor de fls. 143;

hh) Em 20.7.2004, o cheque n.º …059, no montante de 958 €, a favor de CC (v. fls. 144);

ii) Em 21.10.2004, o cheque n.º …060, no montante de 10.000 €, a favor de BB, conforme teor de fls. 145;

jj) Em 18.1.2005, o cheque n.º …061, no montante de 15.000 €, a favor de BB, conforme teor de fls. 146;

kk) Em 21.7.2005, o cheque n.º …062, no montante de 1.100 €, ao portador, conforme teor de fls. 147;

DD) Em 28.11.2005, o cheque n.º …063, no montante de 10.000 €, ao portador, conforme teor de fls. 148;

mm) Em 12.4.2006, o cheque n.º …064, no montante de 7.500 €, ao portador, conforme teor de fls. 149;

nn) Em 13.4.2006, o cheque n.º …065, no montante de 2.500 €, ao portador, conforme teor de fls. 150;

oo) Em 16.10.2006, o cheque n.º ...066, no montante de 10.000 €, ao portador, conforme teor de fls. 151;

pp) Em 6.11.2006, o cheque n.º …067, no montante de 65.000 €, ao portador, conforme teor de fls. 152;

qq) Em 7.11.2006, o cheque n.º …068, no montante de 25.000 €, ao portador, conforme teor de fls. 153;

rr) Em 16.11.2006, o cheque n.º …070, no montante de 3.000 €, ao portador, conforme teor de fls. 154;

ss) Em 19.12.2006, o cheque n.º …071, no montante de 20.000 €, ao portador, conforme teor de fls. 155;

tt) Em 11.5.2007, o cheque n.º …846, no montante de 668,53 €;

18 - Em 20.2.1999, 28.02.1999, 23.3.1999, 31.3.1999 e 30.4.1999 foram depositados na identificada conta o valor global de 7.210$00, a que corresponde o valor de 35,96 €, provenientes de juros;

19 - Em 11.5.1999 foi depositada na identificada conta o montante de 5.000.000$00, a que corresponde o valor de 24.939,89 €;

20 - Em 4.6.1999 foi depositada na identificada conta o montante de 352.144$00, a que corresponde o montante de 1.756,48 €;

21 - Em 16.9.1999 foi depositada na identificada conta o montante de 42.451.939$00, a que corresponde o montante de 211.749,38 €;

22 - Em 22.3.2001 foi depositada na identificada conta a quantia de 7.875.000$00, a que corresponde o montante de 39.280,33 €;

23 - Em 3.4.2001 foi depositada na identificada conta o montante de 6.250.000$00, a que corresponde o montante de 31.174,87 €, a qual veio posteriormente a ser debitada;

24 - Em 10.4.2001 foi depositada na identificada conta o montante de 4.250.000$00, a que corresponde o valor de 21.198,91 €;

25 - Em 16.5.2001 foi depositado na identificada conta o valor de 26.240$00, a que corresponde o montante de 130,88 €;

26 - Em 27.10.2007 foi depositada na identificada conta o montante de 196.875 €;

27 - Em 11.5.2007 foi depositada na identificada conta o montante de 660 €;

28 - Em 31.5.1999, 14.6.1999 e 30.6.1999 foram creditados na conta juros de depósitos a prazo no montante global de 30.027$00, a que corresponde o valor de 149,77 €;

29 - Em 8.7.1999 foi constituído o depósito a prazo n.º …832, no montante de 7.500.000$00, a que corresponde ao valor de 37.409,84 €;

30 - Tal depósito a prazo gerou juros que foram creditados na identificada conta em 5.1.2000 e 4.7.2000, no montante global de 180.008$00, a que corresponde ao valor de 897,87 €;

31 - Em 17.7.2000, o referido depósito a prazo foi liquidado, tendo sido creditado na conta a quantia de 7.500.000$00, a que corresponde ao valor de 37.409,84 €;

32 - Em 19.7.1999, 21.7.1999, 31.7.1999, 20.8.1999, 30.9.1999, 31.10.1999 foram creditados na identificada conta, a título de juros vencidos de depósitos a prazo, o montante global de 29.436$00, a que corresponde o valor de 146,82 €;

33 - Em 18.11.1999 foi depositada na identificada conta o montante de 1.906$00, que corresponde a juros o montante de 9,50 € e liquidado o referido deposito a prazo n.º …638, no montante de 322.000$00, a que corresponde a quantia de 1.606,12 €;

34 - Em 18.11.1999 foi constituído o depósito a prazo n.º …648, no montante de 30.000.000$00, a que corresponde o montante de 149.639,36 €;

35 - Tal deposito a prazo gerou juros que foram creditados na conta em 16.3.2000, no montante de 476.054$00, a que corresponde ao valor de 2.374,54 €;

36 - O referido depósito foi liquidado em 2.6.2000, tendo em tal data sido creditado o montante de 30.089,951$00, o que corresponde ao montante de 150.088,04 €;

37 - Em 2.12.1999, 18.1.2000 e 17.2.2000 foram creditados em tal conta a quantia global de 47.820$00, a que corresponde o montante de 238,52 €;

38 - Em 2.6.2000 foi constituído o depósito a prazo n.º …458, no montante de 30.700.000$00, a que corresponde o valor de 153.130,95 €;

39 - Em 30.11.2000 e 30.5.2001 foram creditados na identificada conta a quantia global de 962.146$00, a que corresponde o valor de 4.799,16 €;

40 - Tal depósito a prazo foi liquidado em 5.6.2001, tendo sido creditado na conta o montante de 30.700.000$, a que corresponde o valor de 153.130,95 €;

41 - Em 10.6.2000 e 12.7.2000 foi depositado na conta a quantia global de 3.145.585$00, a que corresponde o montante de 15.690,11 €;

42 - Entre 12.7.2000 a 3.12.2001 foram depositados na identificada conta a título de juros gerados pelos depósitos a prazo a quantia global de 1.046.218$00, a que corresponde o montante de 5.218,51 €;

43 - Entre 31.12.2001 a 3.8.2007 foram depositados na identificada conta a quantia global de 6.758,56 €, a título de juros gerados pelos depósitos a prazo;

44 - Em 15.9.2000 foram liquidados dois depósitos a prazo com os n.ºs …919 e …904, tendo em consequência sido creditado na conta o valor global de 2.204.418$00, a que corresponde a quantia de 10.995,59 €;

45 - Em 15.9.2000 foi constituído o depósito a prazo no montante de 2.480.000$00, tendo sido o mesmo liquidado em 15.3.2001, tendo sido creditada na conta a mesma quantia;

46 - Em 9.1.2001 foi liquidado o depósito a prazo n.º …727, tendo sido creditada na conta a quantia de 10.810.000, a que corresponde a quantia de 53.920,05 €, sendo que o mesmo havia sido constituído em 17.7.2000, no mesmo valor;

47 - A 9.1.2001 foi constituído o depósito a prazo n.º …633, no montante de 10.400.000$00, o qual foi liquidado em 9.8.2001, tendo sido creditada em tal data a mesma quantia;

48 - A 10.4.2001 foi constituído o deposito a prazo n.º …211, no montante de 4.100.000$00, tendo o mesmo sido liquidado em 11.10.2001 e creditada na conta a mesma quantia;

49 - Em 5.6.2001 foi constituído o depósito a prazo n.º …095, no montante de 500.000$00, tendo o mesmo sido liquidado em 4.12.2001, tendo sido creditado na conta o mesmo valor;

50 - A 5.6.2001 foi constituído o depósito a prazo n.º …889, no montante de 30.700.000$00, tendo o mesmo sido liquidado em 4.12.2001, tendo sido creditado na conta o mesmo valor;

51 - Em 9.8.2001 foi constituído o depósito a prazo n.º …493, no montante de 10.4000.000$00, a que corresponde a quantia de 51.874,98 €, tendo o mesmo sido liquidado em 5.7.2002 e nessa data sido creditado na conta o montante de 52.195,61 €;

52 - Em 11.10.2001 foi constituído um depósito a prazo n.º …980, no montante de 4.100.000$00, tendo o mesmo sido liquidado em 4.12.2001 pelo mesmo valor;

53 - A 5.7.2002 foi constituído o depósito a prazo n.º …179, no montante de 23.500 €, tendo o mesmo sido liquidado em 4.10.2002 pelo mesmo valor;

54 - Em 4.10.2002 foi constituído o depósito a prazo n.º …878, no montante de 8.500 €, tendo o mesmo sido liquidado em 16.12.2002 pelo mesmo valor;

55 - Em 9.1.2004 foi constituído o depósito a prazo n.º …852, no montante de 139.089 €, o qual foi liquidado em 20.7.2002 pelo mesmo valor;

56 - Em 20.7.2004 foi constituído o depósito a prazo n.º …285, no montante de 139.089 €, tendo o mesmo sido liquidado pelo mesmo valor e de forma parcial em 21.10.2004 e 17.1.2005;

57 - Em 17.1.2005 foi constituído o depósito a prazo n.º …596, no montante de 115.589 €, tendo o mesmo sido liquidado pelo mesmo valor em 5.8.2005;

58 - Em 5.8.2005 foi constituído o depósito a prazo n.º …083, no montante de 65.800 €, o qual foi sendo liquidado em 25.11.2005, 2.4.2006, 13.10.2006, 18.12.2006, 4.4.2007 e 13.6.2007, pelo valor global de 65.847,66 €, quantia essa creditada na conta dos autos;

59 - Em 6.11.2006 foi constituído o depósito a prazo n.º …521, no montante de 100.000 €, o qual foi liquidado em 4.4.2007, pelo valor de 50.000 €, e em 15.6.2007, pelo valor de 50.842,52 €, quantias essas depositadas na referida conta;

60 - A 15.3.2001 foi efetuada uma transferência no montante de 2.100.00$00, correspondente ao valor de 10.474,75 €, para a poupança n.º …351;

61 - A 27.3.2001 foi efetuada uma transferência no montante de 2.000.000$00, a que corresponde ao montante de 9.975,95 €, por ordem da Ré falecida BB para a poupança n.º …351, a qual veio a ser liquidada em 30.3.2001, tendo sido creditado na conta o valor de 4.100.000$00, que corresponde ao valor de 11.450,70 €;

62 - A 30.3.2001 foram efetuadas duas ordens de transferência, cada uma no montante de 1.000.000$00, a que corresponde o montante de 4.987,97 €, por ordem de CC;

63 - A 4.12.2001 e em 11.12.2001 foram efetuadas duas transferências da referida conta no montante de 35.300.000$00 (176.075,65 €) e de 500.000$00 (2.493,99 €), por ordem da Ré falecida BB para a conta poupança n.º …912, a qual foi liquidada em 13.6.2002, tendo sido nessa data depositado na conta o montante de 180.669 €;

64 - A 5.4.2007 a Autora falecida, AA, deu ordem de transferência da referida conta da quantia de 63.000 €;

65 - As transferências efetuadas a partir da conta dos autos em 13.6.2007 e 15.6.2007, nos montantes de 8.297,66 € e 50.842,52 €, respetivamente, foram por ordem da Ré falecida BB;

66 - Em 12.7.2002 e 12.8.2005, a Ré falecida BB deu ordem de transferência das quantias de 23.500 € e 50.000 €, respetivamente, para o denominativo seguro PPI/…51;

67 - Entre 28.11.1997 e 3.3.2007 foi debitada na identificada conta a quantia global de 963,32 €, a título de despesas, cheques e outros;

68 - Foi depositada em 16.4.2003, 16.5.2003, 4.11.2003, 22.12.2003 e 9.1.2004, na conta dos autos, a quantia total de 187.584,53 €, proveniente da liquidação da conta poupança n.º …902, constituída em 13.6.2002, no montante de 182.000 € e reforçada em 16.2.2002 com 200 €;

69 - O cheque identificado no Ponto 17-s) dos factos provados destinou-se ao pagamento a OO, por obras por este efetuadas em casas da Autora falecida, sitas em ...;

70 - O cheque identificado no Ponto 17-pp) dos factos provados foi emitido pela Ré falecida e a quantia levantada pelo seu marido o Réu CC, a pedido da falecida Autora AA, quantia que lhe foi entregue para ser distribuída da seguinte forma, 25.000 € para cada um dos filhos da DD e os restantes 15.000 € para pagamento de obras levadas a efeito na casa da falecida Autora;

71 - Os cheques identificados no Ponto 17-b) e f) foram emitidos para pagamento ao “S…..”, referente às casas da falecida Autora, sitas em ....

Por sua vez, foi dada como não provada a realidade seguinte:

a) As quantias levantadas através dos cheques identificados no Ponto 17 k), p), q) e r) dos factos provados foram destinadas ao pagamento a OO das obras por este efetuadas nas casas da falecida Autora AA, sitas em ...;

b) Os cheques identificados no Ponto 17 a) e c) destinaram-se ao pagamento da comissão pela venda referente ao sinal recebido, emitidos a pedido da Autora;

c) As quantias levantadas através dos cheques identificados no Ponto 17 d), g), l), u), aa), cc), dd), gg), ii) e mm) foram efetuadas a pedido da falecida Autora AA e as mesmas foram-lhe entregues;

d) As quantias levantadas através dos cheques identificados no Ponto 17 e), h), i), j), m), v), x) e hh) destinaram-se ao pagamento de despesas, materiais e mão-de-obra nas obras levadas a cabo nas casas da falecida Autora, sitas em ..., algumas das quais pagas pelo Réu CC;

e) Os cheques identificados no Ponto 17 n) e o) destinaram-se ao pagamento de obras nas casas da falecida Autora, sitas em ...;

f) As quantias tituladas nos cheques identificados no Ponto 17 t) e bb) destinaram-se a regularizar pagamentos já efetuados pelo Réu CC de obras levadas a cabo nas casas da falecida Autora AA;

g) O cheque identificado no Ponto ee/ foi emitido a favor de QQ a pedido da Autora;

h) As quantias tituladas nos cheques identificados no Ponto17 ff), nn), rr) e ss) (no que respeita à quantia de 5.000 €) foram entregues pela falecida Autora AA à falecida Ré BB e marido CC, a título de liberalidade;

i) As quantias tituladas nos cheques identificados no Ponto 17 jj), kk), DD) e oo) destinaram-se a acerto de contas entre a falecida Autora AA e a falecida Ré BB e marido;

j) O cheque identificado no Ponto qq/ destinou-se ao pagamento pela falecida Autora AA dos serviços prestados na assessoria da venda dos terrenos de ..., nela se compreendendo toda a negociação, reuniões e elaboração do contrato;

k) As ordens de transferências identificadas nos Pontos 62), 65 e 66 foram efetuadas por ordem da falecida Autora AA.”

O Tribunal da Relação do Porto, por seu turno:

Retirou o ponto 17-tt/ supra – “ter a falecida Ré BB emitido, em 11.5.2007, o cheque n.º …846, no montante de 668,53 €” – dos factos provados.

Atribuiu nova redação ao Ponto 62:

“A 30.3.2001 foram efectuadas duas ordens de transferências a mando de CC, lançadas a crédito na dita conta, cada uma no montante de 1.000.000$00, a que corresponde o valor global de 9.975,95 €”.

O mesmo fez em relação ao Ponto 71:

Os cheques identificados em 17 b/, f/ e y/ foram emitidos para pagamento ao ‘S….., referente às casas da falecida Autora, sitas em ...”.

B) De Direito

Tipo e objecto de recurso

1. Trata-se de um recurso de revista, interposto pelo Réu, que tem por objecto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, julgando parcialmente procedente o recurso de apelação por si interposto:

(i) considerou não justificado o montante global de 378.219,48 € referente a despesas e transferências realizadas pela falecida Ré e consequentemente, condenou os Réus habilitados no pagamento desse montante, correspondente ao saldo positivo,

(ii) e fixou o valor da causa em 2.533.851,04 €.

2. Está em causa uma ação de prestação de contas, com processo especial, através da qual a Autora pretende, em suma, que os Réus prestem contas da administração que vinham fazendo dos seus bens, concretamente do saldo de uma conta bancária de que a Ré é co-titular e que os Réus vêm movimentando à sua revelia (apesar de os valores aí depositados serem seus) e que, a final, sejam condenados no saldo que se apurar, acrescido de juros.

3. Por seu turno, os Réus invocaram, em sede de contestação, a sua ilegitimidade, contestaram a obrigação de prestar contas e alegaram que os movimentos efetuados na referida conta foram feitos por solicitação da Autora.

4. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a invocada exceção de ilegitimidade, se fixou valor à causa (sem prejuízo da sua posterior retificação), se selecionaram os factos assentes e se elaborou a base instrutória.

5. O Tribunal de 1.ª instância proferiu, a 22 de setembro de 2011, decisão na qual absolveu os Réus do pedido deduzido a título principal e, na procedência do pedido subsidiário, condenou a Ré a apresentar contas de todos os movimentos que efetuou na qualidade de co-titular da conta bancária melhor identificada nos factos provados, decisão que foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

6. A Ré prestou contas, que a Autora contestou, tendo os autos, por essa razão, seguido os termos do processo ordinário (art. 1017.º, n.º 1, do CPC).

7. Em virtude do óbito da Autora, ocorrido a 1 de fevereiro de 2013[1], os seus sucessores foram julgados habilitados para prosseguir os autos no lugar que a mesma ocupava[2].

8. Realizou-se audiência prévia, na qual foi, além do mais, relegada para final a fixação definitiva do valor da causa, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova[3].

9. A 26 de agosto de 2015[4], faleceu a Ré, tendo os seus sucessores sido julgados habilitados para prosseguir os autos no lugar que a mesma ocupava.

10. Por sentença de 10 de junho de 2017, o Tribunal de 1.ª Instância: (i) julgou validamente prestadas as contas desde 28 de novembro de 1999 até 3 de março de 2007; (ii) julgou injustificadas as despesas efetuadas pela Ré e seu marido, no montante global de 389.695,75 €, fixando como saldo positivo o valor de 389.695,75 €; e, por conseguinte, (iii) condenou os Réus habilitados no pagamento aos Autores habilitados da quantia de 389.695,75 €.

11. Para além disso, fixou o valor da causa em 800.453,39 €.

12. Inconformado, apelou o Réu, de facto e de direito, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que o condenasse, bem como aos demais Réus, no pagamento da quantia de 84.140,18 €, absolvendo-os do demais. Requereu, para além disso, que o valor da causa fosse fixado em 589.529,21 €.

13. Em sede de contra-alegações, os Recorridos pugnaram pela improcedência do recurso de apelação, com a consequente manutenção da sentença e, no que se refere ao valor da causa, admitiram que este pudesse ser fixado no valor indicado pelo Recorrente ou, caso se atendesse a todos os valores creditados na conta bancária em questão desde a data do saldo inicial até à data do saldo final (receita bruta), sustentaram que tal valor deveria ser fixado em 2.533.851,04 €.

14. Por acórdão de 28 de maio de 2020, o Tribunal da Relação do Porto, na parcial procedência da apelação, considerou não justificado o montante global de 378.219,48 € referente a despesas e transferências realizadas pela falecida Ré e consequentemente, condenou os Réus habilitados no pagamento desse montante, correspondente ao saldo positivo.

15. Fixou também o valor da causa em 2.533.851,04 €.

16. De novo inconformado, o Réu recorre de revista normal ou regra desta decisão e, subsidiariamente, de revista excecional, nos termos dos arts. 671.º, e 672.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPC.

(In)admissibilidade do recurso

1. O Réu interpôs, conforme referido supra, recurso de revista normal, impugnando quer a decisão da matéria de facto e a reapreciação que o Tribunal da Relação do Porto fez, para tanto, da prova, quer a fixação do valor da causa.

2. Com efeito, de acordo com o que se consegue extrair das confusas, prolixas e desordenadas conclusões do recurso, o Recorrente alicerçou o recurso de revista normal ou regra no facto de o Tribunal da Relação do Porto (i) ter procedido a uma parcial reapreciação da prova, contrariando os seus poderes de cognição e violando a lei processual, sem respeitar os parâmetros de investigação e a análise crítica da prova em conformidade com o disposto no art. 662.º do CPC; (ii) ter violado o direito probatório material ao ter descredibilizado a prova testemunhal e a sua força; e (iii) ter extravasado os seus poderes ao ter alterado, de forma oficiosa, o valor da causa. Sendo que todas estas questões cabem nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos arts. 674.º, n.º 1, al. b), e 306.º, n.º 1, do CPC.

3. Subsidiariamente, sustentou que o recurso deve ser recebido como revista excecional por estarem em causa questões com relevância social, que extravasam os limites do caso concreto, justificando-se a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para uma melhor aplicação do Direito, bem como por ser vasta a jurisprudência no sentido de que o valor da causa deve ser fixado na sentença, pelo que, estando o acórdão recorrido em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de setembro de 2015, proferido no processo n.º 158/13.9TTBRR.L1, já transido em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – no qual se decidiu pela inexistência de poderes do Tribunal da Relação para fixar o mencionado valor – se impõe admitir a revista excecional ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC.

4. Juntou, por requerimento de 2 de julho de 2020, certidão do invocado “acórdão-fundamento”, da qual, porém, se retira que o “acórdão-fundamento” a que o Recorrente se refere consiste, na verdade, numa decisão sumária e, portanto, singular e não colegial.

5. Em sede de contra-alegações, pugnaram os Recorridos pela manutenção do acórdão posto em crise e pediram a condenação do Recorrente como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor, em valor não inferior a  12.500,00 €, correspondente à totalidade das despesas em que a má fé os fez incorrer, incluindo os honorários do mandatário, com fundamento no facto de o Recorrente faltar conscientemente à verdade quando afirma que o Tribunal da Relação do Porto não podia ter alterado oficiosamente o valor da causa por os Recorridos não o terem impugnado, quando foi ele próprio que, em sede de apelação, o impugnou, tudo nos termos dos arts. 542.º, n.os 1 e 2, al. d), 543.º, n.º 1, al. a), do CPC.

6. Perante este específico circunstancialismo, cumpre aferir, em primeiro lugar, da admissibilidade da revista normal.

a) Na parte referente à fixação do valor da causa

1. O Recorrente pretende pôr em causa, além do mais e conforme se referiu, o valor da causa fixado no acórdão recorrido, ancorando-se, para tanto, na circunstância de o Tribunal da Relação do Porto haver extravasado os seus poderes ao ter alterado, de forma oficiosa, o referido valor, questão cuja apreciação, segundo alega, cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos arts. 674.º, n.º 1, al. b), e 306.º, n.º 1, do CPC.

2. Sucede, todavia, que, nesta parte, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto apreciou decisão do Tribunal de 1.ª Instância que recaiu sobre matéria incidental, de natureza processual, não se subsumindo, portanto, ao disposto no art. 671.º, n.º 1, do CPC, porquanto não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo, absolvendo da instância quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

3. Tal como o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando, ”a delimitação do recurso de revista é regulada pelo art. 671.º do CPC, norma da qual não deriva a possibilidade de ser impugnada por essa via o acórdão da Relação proferido no âmbito de um qualquer incidente da instância, mas apenas de acórdão da Relação que conheça do mérito da causa ou que ponha termo total ou parcial ao processo[5].

4. Não pode, por isso, o recurso de revista ser admitido ao abrigo do art. 671.º, n.º 1, do CPC.

5. Acresce que ainda que se admita que o acórdão recorrido é suscetível de, nesta parte, ser enquadrado no art. 671.º, n.º 2, do CPC[6]  – considerando-se, para tanto, que a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, ao ter fixado valor ao causa, recaiu unicamente sobre a relação processual e que, apesar de ter sido inserida na sentença[7], não perdeu a sua natureza de decisão interlocutória[8]  –, a verdade é que não se mostra preenchida nenhuma das hipóteses em que, excecionalmente, se faculta o acesso ao terceiro grau de jurisdição.

6. Repare-se que, de acordo com o disposto no art. 671.º, n.º 2, do CPC, “os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objecto de revista: a) nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

7. Sucede que o Recorrente não invocou qualquer caso de admissibilidade irrestrita do recurso (art. 629.º, n.º 2, do CPC) e, apesar de ter alegado que o acórdão recorrido está em contradição com outro acórdão do Supremo Tribunal de  Justiça (ainda que para efeitos de admissibilidade da revista excecional), retira-se da certidão que juntou aos autos que o “acórdão” que invoca como fundamento se consubstancia, na realidade, numa decisão singular que, por isso, não preenche o condicionalismo previsto no art. 671.º, n.º 2, al. b), do CPC[9] .

8. Consequentemente, e no que concerne a esta questão, relativa à fixação do valor da causa, não se verificando qualquer das previsões do art. 629.º, n.º 2, do CPC (ou, sequer, do art. 671.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas) – únicas em que poderia caber recurso do acórdão da Relação que incidiu sobre a dita questão – a revista não é, nesta parte, admissível.

Na parte referente à decisão da matéria de facto, à reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação e à violação do direito probatório material

1. Nos termos do art. 627.º, n.º 1, do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos. Contudo, esta regra de recorribilidade está sujeita aos limites objetivos previstos na lei, estabelecendo o art. 671.º, n.º 3, do CPC, um dos obstáculos ao recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. Com efeito, segundo o art. 671.º, n.º 3, do CPC, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

3. Este preceito, introduzido com o objetivo de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e de reforçar as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência, consagra a regra da chamada “dupla conforme” que torna inadmissível o recurso do acórdão do Tribunal da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida no Tribunal de 1ª Instância.

4. Deste modo, no que respeita às demais questões suscitadas, importa ter em consideração o disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC.

5. No caso em apreço, o Recorrente viu a sua situação quantitativamente melhorada, pois que o Tribunal de 1.ª Instância o condenou a pagar, bem como aos restantes Réus habilitados, o saldo positivo de 389.695,75 €, correspondente ao montante das despesas que julgou injustificadas, enquanto o Tribunal da Relação do Porto, em virtude de ter alterado três pontos da matéria de facto, o condenou a pagar o saldo positivo de 378.219,48 €, por ser esse o montante correspondente às despesas que considerou não justificadas.

6. Assim, e ainda que não exista absoluta coincidência entre as decisões das instâncias, afigura-se indiscutível que o Recorrente obteve, face à parcial procedência do recurso de apelação no Tribunal a Relação do Porto, uma decisão que lhe é mais favorável e que, portanto, está abrangida pela dupla conformidade prevista no art. 671.º, n.º 3, do CPC.

7. É, pois, este o entendimento prevalecente no Supremo Tribunal de Justiça – quer no âmbito da revista normal[10] , quer no âmbito da revista excecional[11]  – no sentido de que existe dupla conformidade entre as decisões das instâncias sempre que o apelante obtém uma decisão que lhe é mais favorável, quantitativa ou qualitativamente, pois não faria sentido que o mesmo ficasse impedido de lançar mão da revista normal caso o Tribunal da Relação houvesse confirmado integralmente o decidido pela 1.ª instância e que já o pudesse fazer numa situação em que obteve melhor resultado – como sucedeu in casu.

8. Acresce que a fundamentação contida no acórdão recorrido não é fundamentalmente diferente da contida na sentença.

9. Com efeito, a modificação da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação do Porto apenas teve reflexo no (re)cálculo das ditas despesas, sem que, porém, tenha influenciado a solução jurídica e a motivação em que a mesma se alicerçou, posto que, nessa parte, o Tribunal da Relação do Porto acompanhou inteiramente a solução de mérito do Tribunal de 1.ª Instância e é no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para o resultado declarado pelas instâncias que se tem de verificar se existe ou não uma real diversidade nos aspetos essenciais e não na decisão da matéria de facto[12] .

10. A dupla conformidade de decisões é impeditiva do recurso de revista normal ou regra, não sendo a mesma descaracterizada pela invocada violação do direito probatório material, pois que se é certo que tal violação integra um dos vícios que pode fundamentar a revista, mister se torna, para que o mesmo possa ser apreciado, que, precedentemente, o mesmo seja admissível (arts. 671.º, n.º 3, e 674.º, n.º 3, do CPC) – o que, conforme mencionado supra, não sucede.

11. Já assim não será na parte em que o Recorrente questiona, ainda que de forma atabalhoada, a forma como o Tribunal da Relação do Porto exerceu os poderes que lhe estão cometidos no âmbito da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto que o mesmo havia impugnado na apelação.

12. É que, de acordo com a posição que vem sendo uniformemente adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do que vinha já sendo defendido[13], “relativamente à questão adjetiva relacionada com o ónus de alegação ou com o dever de reapreciação dos meios de prova, a interposição do recurso de revista constitui a única possibilidade de fazer reverter a situação a favor do recorrente nos casos em que o acórdão da Relação esteja eivado de erro de aplicação de lei processual a respeito da decisão de facto.

Nestas situações, e noutras similares em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou de interpretação da lei processual, ainda que seja confirmada a sentença recorrida no segmento referente à apreciação de mérito da apelação, não se verifica, relativamente àqueles aspetos, uma efetiva situação de dupla conforme, já que as questões emergiram apenas do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação, sem que tenham sido objeto de apreciação na 1ª instância. Nesta matéria não haverá pois dupla conforme”.

13. Ora, no caso em apreço, apesar de, nas conclusões do recurso, o Recorrente amalgamar a invocada violação da lei adjetiva no que se refere à forma como o Tribunal da Relação do Porto apreciou a matéria de facto com a suposta violação do direito probatório material (questões que, como se viu, se situam em planos distintos), consegue extrair-se dessas conclusões que o Recorrente questiona a forma como a Relação procedeu à referida apreciação, com fundamento no facto de a mesma não ter valorado todos os meios de prova por si indicados na sua extensão e plenitude – em concreto, o depoimento da testemunha JJ e o depoimento da autora habilitada DD –, sem respeitar o dever de livre e total apreciação da prova e sem observar os parâmetros de investigação e a análise crítica da prova em conformidade com o disposto nos arts. 607.º, n.os 4 e 5, e 662.º, n.º 1, do CPC, o primeiro aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, do CPC.

14. Pelo que, sufragando o entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça tem adotado nesta matéria, se afigura que, tendo sido impugnada, no recurso de apelação, a matéria de facto e questionando agora o Recorrente, na revista (ainda que de forma confusa), o uso pela Tribunal da Relação do Porto dos poderes que lhe são conferidos quanto à reapreciação da dita matéria pelo art. 662.º do CPC, os quais não têm correspondência na decisão da 1.ª Instância, tal será quanto basta para que se conclua que não se verifica, nessa parte, a dupla conformidade de decisões, por não se poder afirmar que existam duas decisões conformes acerca de uma questão comum.

15. A inexistência de dupla conforme restringe-se, contudo, à violação do direito adjetivo, por parte do Tribunal da Relação do Porto, no que respeita à reapreciação da decisão de facto, pelo que a admissibilidade da revista normal ou regra nessa parte não permite alargar o objecto do recurso às demais questões suscitadas, pois que estas, contrariamente àquela, se mostram abrangidas pela dupla conforme (art. 671.º, n.º 3, do CPC)[14].

16. Assim, com exceção da parte do recurso que tem por objecto a invocada violação, imputada exclusivamente ao Tribunal da Relação do Porto, do disposto no art. 662.º do CPC, verificando-se, no mais, a dupla conforme, o recurso de revista é, quanto às restantes questões suscitadas, inadmissível (art. 671.º, n.º 3, do CPC).

17. Importa, contudo, ter em consideração que o Recorrente, acautelando a possibilidade de a revista normal ou regra não ser admitida (reconhecendo, assim, implicitamente, a possibilidade de se considerar verificada a dupla conforme) pediu, a título subsidiário, a revista excecional.

18. Estando assente a dupla conformidade de decisões nos termos supra expostos e não se vislumbrando outros obstáculos de ordem geral à sua admissibilidade (art. 629.º, n.º 1, do CPC), competirá à Formação de apreciação liminar apreciar os pressupostos específicos de que a mesma depende (art. 672.º, n.os 1 e 3, do CPC). Para tanto, deverão os autos ser-lhe ulteriormente apresentados.

19. Nestes moldes, o recurso de revista-regra ou normal apenas é admissível no que respeita à apreciação da (in)observância, pelo Tribunal da Relação do Porto, das regras consagradas no art. 662.º do CPC.  Se esta questão vier a ser julgada improcedente, uma vez que o Recorrente interpõe também, a título subsidiário, recurso de revista excecional, com fundamento no art. 672.º, n.º 1, als a) e b), do CPC, remeter-se-ão os autos à Formação, nos termos do art. 672.º, n.º 3, do CPC, em vista da apreciação da sua (in)admissibilidade.

20.  Deste modo, o recurso de revista-normal ou regra apenas é admissível relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto, e apenas nessa parte, devendo o mais, no que concerne ao direito, ser apreciado em sede de revista excecional se vier a ser admitida, no caso de esta questão ser julgada improcedente[15].

21. Em suma:

- a revista não é admissível no que se refere à fixação do valor da causa por a decisão impugnada não se enquadrar no art. 671.º, n.º 1, do CPC, por não se mostrar preenchido nenhum dos casos excecionais do art. 671.º, n.º 2, do CPC e por também não se verificar nenhum dos casos previstos no art. 629.º, n.º 2, do CPC (que, de resto, não foram invocados) – o que afasta igualmente a admissibilidade da revista a título excecional (sendo certo que, nesta parte, nem sequer se verifica a dupla conforme);

- a revista deve ser admitida, por via normal ou regra, embora circunscrita à apreciação da questão atinente à alegada violação, pelo Tribunal da Relação do Porto, do disposto no art. 662.º do CPC no que refere aos poderes de reapreciação da matéria de facto – única em relação à qual não se verifica a dupla conforme –, não devendo, no mais, o recurso ser admitido (art. 671.º, n.º 3, do CPC), sem prejuízo da remessa dos autos à Formação para apreciação da admissibilidade da revista por via excecional.

Da violação da lei processual, pelo Tribunal da Relação do Porto, no que respeita à reapreciação da matéria de facto

1. Sustenta o Recorrente, a este propósito, que o Tribunal da Relação do Porto procedeu a uma deficiente reapreciação da prova, não tendo valorado todos os meios de prova por si indicados, na sua extensão e plenitude, nomeadamente o depoimento da testemunha JJ e o depoimento da sucessora da Autora, DD, já que, se o tivesse feito, a decisão teria sido diversa e teria concluído pela inexistência de outras contas bancárias.

2. Alega, ademais, que, face à crescente dependência da Autora perante terceiros em virtude dos seus problemas de saúde, ao não ter considerados justificados os levantamentos realizados pela primitiva Ré, sem obtenção de recibo, o Tribunal da Relação do Porto violou o dever de apreciação das provas, sem observar os parâmetros da investigação e análise crítica da prova em conformidade com o disposto no art. 662.º, n.º 1, e no art. 607.º, n.os 4 e 5, do CPC, este último aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas.

3. Crê-se, porém, que não lhe assiste razão.

4. A lei 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil, reforçou os poderes do Tribunal da Relação em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Além de manter os poderes cassatórios [...], incrementou substancialmente os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, em vista da descoberta da verdade material.

5. É precisamente o que resulta do art. 662.º do CPC. Dos n.os 1 e 2, als. a) e b), decorre com toda a clareza que o Tribunal da Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. Assim, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 607.º, n.º 5 do CPC, vale tanto para o Tribunal de 1.ª Instância como para o da Relação, quando este é chamado a reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto (art. 607.º, n.º 5, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do CPC).

6. Compete, por isso, ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos de prova que tenham sido produzidos nos autos e decidir, de acordo com a sua própria convicção, a matéria de facto impugnada em sede de recurso de apelação, assim assegurando o segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise.

7. Cabe-lhe julgar de acordo com a sua livre convicção, fazendo o seu próprio juízo de valoração das provas e devendo “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

8. Preceitua, por sua vez, o art. 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do disposto no art. 663.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas, que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.

9. Resulta ainda do disposto no n.º 5 do mesmo preceito que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

10. Não restam dúvidas de que os poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto cometidos ao Tribunal da Relação pelo art. 662.º do CPC traduzem um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição sobre a apreciação da prova produzida, impondo-se-lhe, por isso, que analise criticamente as provas indicadas como fundamento da impugnação, conjugando-as entre si e contextualizando-as, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria convicção[16].

11. Impõe-se, pois, ponderar a questão de se saber se, em sede de reapreciação da decisão de facto, o Tribunal da Relação do Porto desrespeitou os comandos estabelecidos no art. 662º do CPC, limitando-se a aderir à decisão do Tribunal de 1ª Instância sem formar a sua própria convicção.

12. Refira-se, a este propósito, a jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça[17] para ponderar os moldes em que a questão deve ser apreciada.

13. “(…) tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que a intervenção da 2.ª instância em matéria de facto, para ser efectiva, impõe a reapreciação das provas, devendo a mesma ser efectuada pela Relação com base na análise crítica da prova em que se fundamenta a decisão, através da formação de uma convicção própria, não bastando uma mera apreciação do julgamento efectuado.[nota 8: cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 09-09-2014, proc. nº 2380/08.0TBFAG.G1.S1, Relator Gregório Silva Jesus, de 13-09-2016, proc. nº 152/13.0TBIDM.C1.S1, Relator Fonseca Ramos e de 16-11-2017, proc. nº 499/13.5TBVVD.G1.S1, Relator Fernando Bento, disponíveis em www.stj.pt (sumários de acórdãos)] 

Com efeito, no seguimento das alterações ao CPC introduzidas pela Reforma de 2013, no âmbito dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto, compete à Relação “assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, desde que dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova encontre motivo para tal, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem”.[nota 9: António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª Edição, págs. 286 e 287.

Daí que, conforme se refere no sumário do Acórdão do STJ de 04-10-2018 [nota 10: cfr. acórdão proferido no proc. nº 588/123TBPVL.G2.S1, Relatora Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt]:

“I - A apreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal de 1.ª instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão. 

II - No âmbito dessa apreciação, incumbe ao tribunal da Relação formar o seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir (als. a) e b) do n.º do art. 662.º do CPC), à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do art. 607.º, n.º 5, ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC.”

Importa, pois, averiguar se o Tribunal da Relação de Lisboa, “face à impugnação da matéria de facto operada pelos recorrentes no seu recurso de apelação, cumpriu este seu poder/dever, tendo analisado criticamente a prova produzida no que concerne aos factos impugnados, e, dessa forma, formado uma convicção própria ou autónoma a respeito destes factos, sem que tal constitua um novo julgamento mas corresponda ao efectivo cumprimento destes ditames processuais”.

14. Ora, no caso em apreço, resulta claramente da análise que se faça do acórdão recorrido que o Tribunal da Relação do Porto, na apreciação que fez do recurso de apelação, na parte referente à impugnação da matéria de facto, procedeu à audição da prova gravada (quer dos depoimentos que o Recorrente indicou, quer dos demais), analisou-a criticamente, escalpelizou cada um dos depoimentos testemunhais prestados, conjugando-os entre si e com a prova documental junta aos autos e formou, com base nessa prova, a sua própria convicção – conforme, de resto, evidenciam as alterações que introduziu na matéria de facto quanto aos pontos em relação aos quais entendeu justificar-se essa alteração.

15. Para além disso, o Tribunal da Relação do Porto percorreu, um a um, cada um dos pontos da matéria de facto impugnados pelo Recorrente, justificando, de forma clara, desenvolvida e aprofundada, ao longo de várias páginas, quais os pontos dessa factualidade que deviam manter-se inalterados e quais os que teriam de ser alterados, alicerçando-se, para tanto, na prova produzida que especificou e que, como se disse, analisou criticamente, sem deixar de clarificar por que razão não podiam proceder as alterações pretendidas pelo Recorrente e por que razão os depoimentos testemunhais por si indicados não eram suficientes para formar uma convicção segura no sentido pelo mesmo pretendido.

16. Em consequência, não se vislumbra que possa ser assacada ao Tribunal da  Relação do Porto a violação das normas processuais que regulam esta matéria, não sendo, como tal, o acórdão recorrido merecedor de qualquer censura nesta parte[18].

17. Na verdade, e em bom rigor, o que demonstram as conclusões do Recorrente é que o mesmo não se conforma com a valoração que o Tribunal da Relação do Porto fez da prova produzida e com a convicção que, com base nela, formou.

18. Porém, ao Supremo Tribunal de Justiça apenas compete verificar se foram ou não observados os parâmetros formais balizadores da respetiva disciplina processual, i.e., sindicar se a Relação reapreciou o julgado sobre os pontos impugnados em termos de formar a sua própria convicção em resultado do exame das provas produzidas e se, nessa tarefa, observou o método de análise crítica da prova, e já não imiscuir-se na valoração dessa prova feita segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador (arts. 662.º, e 607.º, n.os 4 e 5, do CPC).

19. Com efeito, ainda que não se verificasse a dupla conformidade decisória, de acordo com o disposto no artigo 682.º, n.º 2, do CPC, no recurso de revista, não é consentido ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do art. 674.º, do mesmo corpo de normas.

20. Constitui entendimento pacífico que o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias (art. 674.º, n.º 1, do CPC), sendo a estas - designadamente ao Tribunal da Relação - que compete apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça, via de regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

21. Assim,II - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do art. 674.º do CPC, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

III - A revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, situações excepcionais, ou seja quando o tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no art. 682.º, n.º 3, do CPC”[19].

22. Não houve in casu ofensa de disposição legal expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigo 674.º, n.º 3, do CPC).

23. Por seu turno, no que respeita à prova testemunhal, a respetiva força probatória é apreciada livremente pelo Tribunal, nos termos previstos no art. 396.º do CC, pelo que um eventual erro na apreciação desse meio de prova não é sindicável pelo presente recurso de revista. Não estamos perante uma prova legal vinculada passível de ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas apenas perante situações de alegado erro na apreciação da prova por parte do Tribunal da Relação do Porto. O julgamento respeitante à demonstração, ou não, da materialidade controvertida com base em prova sujeita à livre apreciação do tribunal é da competência das instâncias.

24. Com efeito, é ao Tribunal da Relação que compete, em última instância, julgar de acordo com a sua livre convicção, formulando o seu próprio juízo de valoração das provas e devendo “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (art.º 662.º, n.º 1, do CPC).

25. Os únicos limites à livre apreciação da prova encontram-se previstos no art. 607.º, n.º 5, do CPC, segundo o qual essa livre apreciação não abrange “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

26. Não se tratando de nenhum caso da intervenção excecional – à luz do art. 674.º, n.º 3, do  CPC -, nem sendo caso de violação de lei adjetiva, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o modo como o Tribunal da Relação do Porto apreciou a impugnação da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação.

27. A prova a que se refere o Recorrente estava, efetivamente, sujeita à livre apreciação pelo Tribunal da Relação, tal como tinha estado pelo Tribunal de 1.ª Instância. E estando em causa prova sujeita a livre apreciação, o juízo formulado pela Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º. n.º 1, do CPC é definitivo, não podendo ser modificado pelo Supremo Tribunal de Justiça[20].

28. Sendo definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação do Porto, não cabe no âmbito do recurso de revista, nem nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, analisar a apreciação que as Instâncias fizeram da prova sujeita ao princípio da livre apreciação.

29. Acresce que, conforme vem sendo entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ”a análise crítica da prova exigida nos termos do art. 607.º, n.º 4, do CPC nem sequer requer uma exposição exaustiva e de pormenor argumentativo probatório, mas tão só a especificação seletiva das razões que, por via dessa análise crítica, se revelem decisivas para a formação da convicção do tribunal[21] . Ora, in casu, o Tribunal da Relação do Porto até foi mais além do que lhe seria exigível, na medida em que rebateu, de forma fundamentada e pormenorizada, os argumentos do Recorrente a propósito da pretendida alteração da matéria de facto, em termos que não deixam margem para dúvidas.

30. Das orientações jurisprudenciais mencionadas supra e da consulta dos autos resulta que que o Tribunal da Relação do Porto procedeu à efetiva reapreciação dos meios de prova indicados, não se limitando a aderir ao juízo probatório do Tribunal de 1ª Instância, antes formando uma verdadeira e própria convicção. O Recorrente não considera essa reapreciação suficiente porque, em último recurso, pretendia que a intervenção do Tribunal da Relação do Porto se consubstanciasse na realização de um novo julgamento da matéria de facto. Todavia, a apreciação pelo Tribunal da Relação do Porto da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas antes uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, tendo em vista a correção de eventuais erros da decisão.

31. Por conseguinte, pode afirmar-se a inexistência da violação das normas processuais respeitantes à reapreciação da matéria de facto, alegada pelo Recorrente. Concluindo-se pela improcedência da pretensão do Recorrente com fundamento na única questão recursória que justificou a sua admissão por via normal, nada mais há a apreciar, confirmando-se que todas as restantes questões se encontram abrangidas pela dupla conformidade entre as decisões do Tribunal de 1.ª Instância e do Tribunal da Relação do Porto, pelo que a sua apreciação se encontra dependente da decisão de admissão do recurso por via excecional.

32. Tendo o Tribunal da Relação do Porto agido em conformidade com o disposto no art. 662.º do CPC, forçoso é concluir que a revista estará, nesta parte, condenada ao fracasso.

Da litigância de má fé do Recorrente

1. Sustentam os Recorridos, em sede de contra-alegações, que, no que se refere, especificamente, à questão da suposta violação do disposto no art. 306.º, n.º 1, do CPC, o Recorrente falta, sem decoro, à verdade quando afirma que o Tribunal da Relação do Porto alterou oficiosamente o valor da ação.

2. Acrescentam ainda que, “ao contrário do alegado a pés juntos” pelo Recorrente, o Tribunal da Relação do Porto apenas averiguou e, em consequência, alterou o valor atribuído à lide porque o Recorrente impugnou a sentença da 1.ª Instância na parte em que fixou o valor da causa. Daí que o mesmo falte conscientemente à verdade quando afirma que não impugnou, em sede de recurso de apelação, a referida parte da sentença.

3. Por essas razões, concluem que o Recorrente deve ser condenado como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor, em valor não inferior a  12.500,00 €, correspondente à totalidade das despesas em que a má fé daquele os fez incorrer, incluindo os honorários do mandatário, por o mesmo fazer do processo e do direito ao recurso um uso manifestamente reprovável, com o fim de entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão condenatória que, contra si, foi proferida, tudo nos termos dos arts. 542.º, n.os 1 e 2, al. d), 543.º, n.º 1, al. a), do CPC.

4. De acordo com o disposto no art. 542.º, n.º 2, do CPC, “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

5. Conforme afirmou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 2 de junho de 2016[22], “é bem antiga a preocupação no combate aos comportamentos processuais desvaliosos e entorpecedores da realização da justiça, consagrando já o direito romano e, depois, o direito pátrio, uma multiplicidade de institutos destinados a sancioná-los. Com tais mecanismos sempre se visou sancionar apenas a ilicitude decorrente da violação de posições e deveres processuais, o também chamado ilícito processual, gerador de uma "responsabilidade de cunho próprio", assente em deveres de lealdade, colaboração e probidade das partes”.

6. Importa sublinhar, nesta sede, que, apesar de, após a revisão processual de 1995, o quadro normativo em matéria de litigância de má fé ter passado a ser bem mais exigente – impondo a repressão e punição não só de condutas dolosas, mas também das gravemente negligentes –, o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado que o juiz deve continuar a ser “cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé, o que só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça[23] .

7. Com efeito, quer se esteja perante má fé substancial[24] quer perante má fé instrumental[25], essencial é que, em qualquer  caso, exista uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave que, por se aproximar da  conduta dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e, consequentemente, uma reação condenatória.

8. In casu, o recurso de revista na parte concernente ao valor da causa não foi admitido por fundamentos diversos dos invocados pelos Recorridos e, consequentemente, não se afigura, desde logo, que seja possível formular um juízo de censura, seguro e inequívoco, para efeitos de integração da conduta do Recorrente na litigância de má fé.

9. Por outro lado, importa ter em conta que, contrariamente ao invocado pelos Recorridos, e se bem compreendemos as conclusões da revista, o Recorrente não alegou que não havia impugnado o valor da causa, mas antes que os Recorridos não o haviam impugnado, concluindo, nessa medida, que o Tribunal da Relação do Porto não o podia ter alterado “oficiosamente” e para um valor superior.

10. Assim, o que se retira da alegação do Recorrente é que o mesmo parece entender que seria necessário que a parte contrária tivesse impugnado o dito valor para que não se estivesse perante conhecimento oficioso. Acontece que esta conclusão, independentemente do seu acerto ou desacerto (o que não cumpre aqui apreciar já que, como se referiu, o recurso não foi, nesta parte, admitido), não é suficiente para se ter por preenchido o conceito de má fé processual que acima se dilucidou.

11. É certo que a alegação do Recorrente, no que toca a esta específica questão – com o referido fundamento e sobretudo tendo em consideração que foi ele próprio que, em sede de apelação, impugnou o valor da causa e pediu, a final, que o mesmo fosse fixado em valor diferente do estabelecido pela 1.ª Instância – não deixa de ser ousada ou até temerária e que se impunha que o mesmo tivesse sido mais cauteloso e rigoroso nas afirmações tecidas a este propósito. Contudo, crê-se que, ainda assim, tal conduta, não ultrapassa os limites da chamada litigiosidade que “dimana da incerteza”[26].

12. Pelas razões aduzidas, não se vê que haja fundamento para condenar o Recorrente como litigante de má fé.


IV - Decisão

Nos termos expostos, julga-se:

- não admitir o recurso de revista interposto por CC no que respeita à fixação do valor da causa;

- admitir o recurso revista regra ou normal interposto por CC, embora circunscrito à apreciação da questão relativa ao alegado desrespeito, pelo Tribunal da Relação do Porto, do disposto no art. 662.º do CPC, no que se refere aos poderes de reapreciação da matéria de facto;

- não admitir o recurso de revista regra ou normal interposto por CC no que concerne às demais questões suscitadas, considerando o impedimento decorrente da dupla conforme;

- julgar, desde logo, improcedente o recurso de revista regra ou normal interposto por CC no que respeita à invocada violação do art. 662.º do CPC;

-  absolver o Recorrente CC do pedido de condenação por litigância de má fé;

- determinar a remessa dos autos à Formação de apreciação preliminar para apreciação da admissibilidade do recurso de revista excecional interposto por CC a título subsidiário.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 21 de setembro de 2021.

Sumário: 1. Na fixação do valor da causa, o TR aprecia decisão da 1.ª Instância que recaiu sobre matéria incidental, de natureza processual, não se subsumindo, portanto, ao disposto no art. 671.º, n.º 1, do CPC. 2. Ainda que se admita que o acórdão recorrido é suscetível de, nesta parte, ser enquadrado no art. 671.º, n.º 2, do CPC  – considerando-se, para tanto, que a decisão da 1.ª Instância, ao ter fixado valor ao causa, recaiu unicamente sobre a relação processual e que, apesar de ter sido inserida na sentença, não perdeu a sua natureza de decisão interlocutória  –, a verdade é que não se mostra, in casu, preenchida nenhuma das hipóteses em que, excecionalmente, se faculta o acesso ao terceiro grau de jurisdição. 3. Existe dupla conformidade entre as decisões das instâncias sempre que o Apelante obtém uma decisão que lhe é mais favorável, quantitativa ou qualitativamente, posto que não faria sentido que o mesmo ficasse impedido de lançar mão da revista normal caso o TR houvesse confirmado integralmente o decidido pela 1.ª instância e que já o pudesse fazer numa situação em que obteve melhor resultado. 4. A dupla conformidade de decisões é impeditiva do recurso de revista normal ou regra, não sendo a mesma descaracterizada pela invocada violação do direito probatório material, pois que se é certo que tal violação integra um dos vícios que pode fundamentar a revista, mister se torna, para que o mesmo possa ser apreciado, que, precedentemente, o mesmo seja admissível (arts. 671.º, n.º 3, e 674.º, n.º 3, do CPC). 5. Já assim não será na parte em que o Recorrente questiona a forma como o TR exerceu os poderes que lhe estão cometidos no âmbito da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto que o mesmo havia impugnado na apelação. 6. Ao STJ apenas compete verificar se foram ou não observados os parâmetros formais balizadores da respetiva disciplina processual, i.e., sindicar se o TR reapreciou o julgado sobre os pontos impugnados em termos de formar a sua própria convicção em resultado do exame das provas produzidas e se, nessa tarefa, observou o método de análise crítica da prova, e já não imiscuir-se na valoração dessa prova feita segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador (arts. 662.º, e 607.º, n.os 4 e 5, do CPC). 7. Apesar de, após a revisão processual de 1995, o quadro normativo em matéria de litigância de má fé ter passado a ser bem mais exigente – impondo a repressão e punição não só de condutas dolosas, mas também das gravemente negligentes –, o STJ tem repetidamente afirmado que o juiz deve continuar a ser “cauteloso, prudente e razoável na condenação por litigância de má fé, o que só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com grave negligência, com o fito de impedir ou a entorpecer a acção da justiça”.


Maria João Vaz Tomé (relatora)

António Magalhães

Jorge Dias

________

[1] Cf. certidão do assento de óbito junta por requerimento de 15 de fevereiro de 2013.
[2] Cf. decisão de 10 de maio de 2013.
[3] Cf. ata de 29 de abril de 2014.
[4] Cf. certidão do assento de óbito junta por requerimento de 26 de outubro de 2015.
[5] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2018 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 842/11.1TBVNO-B.E1-A.S1 -  disponível para consulta in www.dgsi.pt; e, no mesmo sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça infra indicados.
[6] Vide, no sentido exposto, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2020 (Ilídio Sacarrão Martins), proc. n.º 586/14.2T8PNF.P1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt, no qual a admissibilidade da revista, na parte respeitante à fixação do valor da causa, foi equacionada à luz do art. 671.º, n.º 2, do CPC.
[7] Por só então ter sido possível corrigir o valor que havia sido fixado inicialmente por se estar perante um processo de prestação de contas (arts. 298.º, n.º 4, 299.º, n.º 4, e 306.º, n.º 2, do CPC).
[8] Sendo a decisão interlocutória (ou intercalar) entendida como toda a decisão que, apreciando uma questão autónoma, não põe fim ao processo. É toda a decisão (que pode ser de forma ou de índole material) de natureza incidental que surja no decorrer do processo - cf. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 3ª Edição Revista e Ampliada, Lisboa, Ediforum, Edições Jurídicas, 2015, pp. 829-830; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de junho de 2021 (José Rainho), proc. n.º 1155/20.3T8CSC-D.L1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[9] Vide, neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de setembro de 2016 (Fonseca Ramos), proc. n.º 4778/15.9T8VNF-C.G1.S1; de12 de dezembro de 2017 (Fonseca Ramos), Recurso para Uniformização de Jurisprudência n.º 107/13.4TYLSB.B.L1.S1-A; de 23 de maio de 2019 (Graça Amaral), proc. n.º 920/16.0T8OLH-G.E1.S2; de 29 de outubro de 2019 (Graça Amaral), proc. n.º 565/13.7TBAMT-J.P1.S1; de 20 de fevereiro de 2020 (Olindo Geraldes), Recurso para uniformização de jurisprudência n.º 3845/16.6T8VIS.C2.S2-B; e de 8 de julho de 2020 (Maria do Rosário Morgado), Recurso para uniformização de jurisprudência n.º 4447/17.5T8LRA.C1.S1-B - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt e em www.stj.pt.
[10] Cf., inter alia, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de junho de 2016 (Távora Victor), proc. n.º 2398/08.3TBAMT.P1-A.S1; de 24 de maio de 2018 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. n.º 37/09.4T2ODM-B.E2.S1; de 27 de setembro de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 634/15.9T8AVV.G1-A.S1; de 12 de fevereiro de 2019 (Graça Amaral), proc. n.º 25459/15.8SNT-A.L1.S1; de 28 de janeiro de 2020 (José Rainho), proc. n.º 1288/16.0T8CSC.L1.S1; e de 17 de novembro de 2020 (Fernando Samões), proc. n.º 19128/18.4T8SNT.L1.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt e em www.stj.pt.
[11] Cf., inter alia, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de setembro de 2014 (Moreira Alves), proc. n.º 6683/09.9TVLSB.L1.S1; de 13 de janeiro de 2015 (Nuno Cameira), proc. n.º 2432/12.6TVLSB.L1.S1; de 25 de junho de 2015 (Bettencourt de Faria), proc. n.º 1602/10.2TBVFR.P1.S1; de 5 de maio de 2016 (Bettencourt de Faria), proc. n.º 393/09.4TBSEI.C2.S1; e de 12 de janeiro de 2017 (João Bernardo), proc. n.º 3931/12.1TBBCL.G1.S1, disponíveis para consulta in www.dgsi.pt e em www.stj.pt.
[12] Vide, neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2017 (António Joaquim Piçarra), proc. n.º 398/12.8TVLSB.L1.S1; de 11 de janeiro de 2018 (Rosa Tching), proc. n.º 1297/13.1TBTMR.E1.S1; e de 7 de novembro de 2019, proc. n.º 2449/15.5T8PDL.L1.S1 (Catarina Serra) - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt e em www.stj.pt.
[13] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 366-367; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2020 (Bernardo Domingos), proc. n.º 10691/14.0T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in
 https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:10691.14.0T8LSB.L1.S1/.
[14] Vide, neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 janeiro de 2018 (José Rainho), proc. n.º 668/15.3T8FAR.E1.S2; de 23 de abril de 2020 (Bernardo Domingos), proc. n.º 10691/14.0T8LSB.L1.S1; e de 26 de novembro de 2020 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 11/13.6TCFUN.L2.S1 - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt e www.stj.pt.
[15]  Cfr.  António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 366-367.
[16] Trata-se de jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal de Justiça, conforme resulta, entre muitos outros, dos acórdãos de 17 de junho de 2021 (Rosa Tching), proc. n.º 6640/12.8TBMAI.P2.S2; de 10 de setembro de 2019 (Fernando Samões), proc. n.º 1067/16.5T8FAR.E1.S2; de 19 de maio de 2020 (António Magalhães), Revista n.º 613/14.3TBSLV.E1.S1; e de 24 de setembro de 2020 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 127/16.7T8VGS.P1.S1 - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt e em www.stj.pt.
[17] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de setembro de 2019 (Fernando Samões), proc. n.º 1067/16.5T8FAR.E1.S2), cujo sumário se encontra disponível para consulta in www.stj.pt.
[18] Vide, no sentido exposto, em casos similares, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de março de 2021 (Jorge Dias), proc. n.º 215/10.3TVPRT.P1.S3; de 13 de abril de 2021 (João Cura Mariano), proc. n.º 109/17.1T8BJA.E1.S1; de 8 de junho de 2021 (Maria João Vaz Tomé), proc. n.º 20526/18.9T8LSB.L1.S1; de 17 de junho de 2021 (Rosa Tching), proc. n.º 6640/12.8TBMAI.P2.S2; de 17 de junho de 2021 (Rosa Tching), proc. n.º 472/15.9T8VRL.G1.S1; e de 17 de junho de 2021 (Olindo Geraldes), proc. n.º 3690/19.7T8VNG.P1.S1 - disponíveis para consulta in www.dgsi.pt e em www.stj.pt.
[19] Cfr, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de janeiro de 2019 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 3696/16.T8VIS.C1.S1.
[20] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/9/2018, proferido no processo n.º 33/12.4TVLSB-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[21] Cf., inter alia, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 2020 (Tomé Gomes), proc. n.º 4016/13.9TBVNG.P1.S3 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[22] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de 2016 (António Joaquim Piçarra), proc. n.º 1116/11.3TBVVD.G2.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[23] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de 2016 (António Joaquim Piçarra), proc. n.º 1116/11.3TBVVD.G2.S1; de 13 de setembro de 2018 (Rosa Tching), proc. n.º 687/17.5T8PNF.S1; de 11 de abril de 2019 (Helder Almeida), Incidente n.º 2020/12.3TVLSB-A.L1.S1; de 4 de julho de 2019 (Catarina Serra), proc. n.º 34352/15.3T8LSB.L1.S1; de 12 de novembro de 2020 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 279/17.9T8MNC-A.G1.S1; de 26 de novembro de 2020 (Ilídio Sacarrão Martins), proc. n.º 914/18.1T8EPS.G1.S1; de 14 de janeiro de 2021 (Rosa Tching), proc. n.º 84/11.6TVPRT.P1.S1; de 9 de março de 2021 (Maria Clara Sottomayor), proc. n.º 528/16.0T8VNG-S1.P1.S1; e de 17 de junho de 2021 (Olindo Geraldes), proc. n.º 3690/19.7T8VNG.P1.S1 -  disponíveis para consulta in www.dgsi.pt e em www.stj.pt.
[24] Cf. art. 542.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC.
[25] Cf. art. 542.º, n.º 2, als. c) e d), do CPC.
[26]   Cf. Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Coimbra, Almedina, 1987, p. 26.