QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA COMO CULPOSA
PRESUNÇÕES LEGAIS
ADMINISTRADORES
Sumário

I - A insolvência pode ser qualificada como “culposa” ou “fortuita” (cfr. arts 185.º e nº1, do art. 189º, do CIRE), sendo culposa a que preenche os requisitos do dolo ou da culpa grave, conforme materialização no artigo 186.º, de tal diploma, e fortuita ou casual a que não reúne elementos que permitam a sua qualificação como culposa. Para ser culposa é necessário que se verifique: a)- uma atuação do devedor ou de terceiros, designadamente dos seus administradores (os de direito e os de facto); b)- tal atuação seja dolosa ou com culpa grave; c)- e um nexo causal entre aquela atuação e a situação de insolvência ou, pelo menos, o agravamento da situação de insolvência, tendo a atuação de ter ocorrido nos três anos que antecederam o início do processo de insolvência (nº1).
II - O vigente regime da qualificação da insolvência compõe-se de um conjunto de presunções (inilidíveis e ilidíveis) com vista a facilitar, dada a difícil prova, a qualificação como culposa da insolvência em casos de evidente gravidade, que apontam para a intenção de obstaculizar o ressarcimento dos credores, em que, aos olhos do legislador atual, a circunstância conhecida, consagrada, conduz ao facto desconhecido (art. 349º, do Código Civil).
III - Assim, fora dos casos expressamente previstos no nº2 e 3, para que a insolvência possa ser qualificada como culposa e subsumido o caso ao nº1, tem de ser provada quer a culpa quer o nexo de causalidade.
IV - E verificados que se mostrem factos integradores de situação consagrada no nº2, do art. 186º, do CIRE, a insolvência não pode deixar de ser qualificada de culposa, mesmo que outra causa exista que para aquela tenha concorrido, sendo a densificação de situação índice aí prevista suficiente para, automaticamente, impor tal qualificação.
V - O legislador jamais visou excluir a responsabilidade dos administradores de direito que não exerçam as funções de facto. Ao invés, com a previsão legal (arts. 186º e 189º, do CIRE), quis consagrar uma responsabilização abrangente, a incluir, para além dos administradores de direito, os administradores de facto, nos casos em que as funções de gerência não estão reunidas na pessoa daquele.

Texto Integral

Apelação nº 908/12.0TYVNG-A.P1
Processo do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 4

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: B…

BANCO C…, S.A., por apenso aos autos de insolvência em que foi declarada insolvente D…, LDA, deduziu incidente de qualificação da insolvência concluindo que a mesma deverá ser qualificada como culposa.
Por sua vez, o Senhor Administrador da insolvência apresentou o parecer quanto à qualificação propondo-a como culposa e requerendo sejam afetados por tal qualificação os gerentes da Insolvente.
Também o Ministério Público propôs a qualificação da insolvência como culposa, invocando como fundamento o disposto no art. 186º n.ºs 1, 2 alíneas a), d), h) e i) e n.º 3 alíneas a) e b) do CIRE, e requereu a afetação por tal qualificação de E…, F…, G…, B… e H….
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Por despacho proferido em 11.06.2018 foi ordenada a notificação da Insolvente e a citação dos referidos a ser afetados com a qualificação da insolvência, a fim de a ela se oporem.
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B… deduziu oposição alegando que não exerceu a gerência de facto da Insolvente, motivo pelo qual não deve ser afetado pela qualificação como culposa da mesma.
H… deduziu oposição, na qual invocou a extemporaneidade da apresentação das alegações e pareceres de qualificação, a ineptidão das alegações do Credor Banco C…, S.A. e do parecer do Sr. Administrador, que parte dos factos invocados para a qualificação foram praticados em data anterior aos três anos que antecederam a declaração de insolvência e, ainda, que pese embora a renúncia à gerência dos primitivos gerentes, certo é que foram estes que continuaram a governar os destinos da Insolvente, limitando-se o Oponente a praticar os atos que estes lhes indicavam, não detendo poderes para praticar os atos cuja omissão lhe é imputada.
F… apresentou oposição invocando que exerceu funções de gerência até 22.07.2011, data em que à mesma renunciou, e que os negócios jurídicos e demais atos que fundamentam a qualificação culposa da insolvência foram praticados posteriormente àquela data.
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Em face das oposições deduzidas foi cumprido o preceituado pelo art. 188º n.º 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, tendo o Credor Banco C…, S.A., na resposta que apresentou, mantido as suas alegações.
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Julgadas, no despacho saneador, improcedentes as exceções, foi realizada audiência final.
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Após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, decido:
a) Qualificar como culposa a insolvência da Devedora D…, LDA;
b) Declarar afetado por tal qualificação E… e, em consequência:
i) Decretar a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de cinco anos;
ii) Condenar o Afetado a indemnizar, solidariamente com os demais e na medida da responsabilidade destes, os credores da Insolvente, no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, pelo valor dos créditos verificados na sentença proferida no apenso de reclamação de créditos;
iii) Determinar a perda de quaisquer créditos por si detidos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente;
c) Declarar afetado por tal qualificação F… e, em consequência:
i) Decretar a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de quatro anos;
ii) Condenar o Afetado a indemnizar os credores da Insolvente, solidariamente e no montante correspondente a 80% dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, pelo valor dos créditos verificados na sentença proferida no apenso de reclamação de créditos;
iii) Determinar a perda de quaisquer créditos por si detidos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente;
d) Declarar afetada por tal qualificação G… e, em consequência:
i) Decretar a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de quatro anos;
ii) Condenar a Afetada a indemnizar os credores da Insolvente, solidariamente e no montante correspondente a 50% dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, pelo valor dos créditos verificados na sentença proferida no apenso de reclamação de créditos;
iii) Determinar a perda de quaisquer créditos por si detidos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente;
e) Declarar afetado por tal qualificação B… e, em consequência:
i) Decretar a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de dois anos;
ii) Condenar o Afetado a indemnizar os credores da Insolvente, solidariamente e no montante correspondente a 5% dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, pelo valor dos créditos verificados na sentença proferida no apenso de reclamação de créditos;
iii)Determinar a perda de quaisquer créditos por si detidos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente;
f) Declarar afetado por tal qualificação H… e, em consequência:
i) Decretar a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de quatro anos;
ii) Condenar o Afetado a indemnizar os credores da Insolvente, solidariamente e no montante correspondente a 50% dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património, pelo valor dos créditos verificados na sentença proferida no apenso de reclamação de créditos;
iii) Determinar a perda de quaisquer créditos por si detidos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente;
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Custas do incidente a cargo dos Afetados pela qualificação, em partes iguais (artigo 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”.
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B… não se conformando por ter sido afetado, apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão, na parte em que o declara afetado pela insolvência culposa da sociedade, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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O MP apresentou contra alegações pugnando por que se negue provimento ao recurso, por carecer absolutamente de fundamento, e por que se mantenha a decisão recorrida, concluindo:
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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Assim, tendo a sentença recorrida decidido da verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa e da afetação por tal qualificação, a única questão a decidir é a seguinte:
- Do erro da decisão de mérito quanto à afetação do Apelante pela qualificação da insolvência como culposa, por de mero administrador de direito se tratar.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
1. A Insolvente foi constituída no dia 2 de maio de 1977 (cfr. certidão da matrícula constante de fls. 63 a 75 dos autos principais e 294 a 300 do presente apenso);
2. Na data da sua constituição, o capital social era o equivalente a €42.397,82, distribuído por duas quotas, uma no valor de €42.397,82, de que era titular E…, no estado de casado com G…, e outra de €7.481,97, da titularidade de F… (teor do documento referido no facto 1º);
3. A sociedade obrigava-se com a intervenção do gerente E… (teor do documento referido no facto 1º);
4. A gerência competia a ambos os sócios e, ainda, a I… (teor do documento referido no facto 1º);
5. Em 13 de setembro de 2007, I… cessou as funções de gerente, por destituição (teor do documento referido no facto 1º);
6. Em 22 de julho de 2011, levado ao registo comercial em 6 de setembro de 2011, E… e F… cessaram as suas funções de gerência, por renúncia (teor do documento referido no facto 1º);
7. Em 22 de julho de 2011, levado ao registo comercial a 6 de setembro de 2011, o capital social foi distribuído por cinco quotas, respetivamente no valor de €33.918,26, de que era titular E…, no estado de casado com G…, €5.978,09, de que era titular F…, €7,48, de que era titular G…, €4.239,78 e €748,20, de que era titular B…, e €4.239,78 e €748,20, de que era titular H… (teor do documento referido no facto 1º);
8. Passou a sociedade a obrigar-se com a intervenção dos gerentes então nomeados, G… e B… (teor do documento referido no facto 1º);
9. Em 29 de março de 2012 foi nomeado gerente H… (teor do documento referido no facto 1º);
10. O processo de insolvência teve o seu início no dia 6 de agosto de 2012;
11. A Requerente da insolvência foi a sociedade Q…, Lda, com sede na Rua … n.º .., 7º Esquerdo, Sala ., no Porto;
12. Como fundamento invocou um crédito de €30.000,00, emergente de uma confissão de dívida datada de 7 de maio de 2012, assinada por G… e H… (cfr. documento n.º 2 anexo à petição inicial do processo principal);
13. A procuração forense, datada de 1 de agosto de 2012, que instruiu tal articulado mostra-se assinada por J…;
14. A Insolvente foi citada na pessoa de H…, no dia 14 de agosto de 2012, que para tal se deslocou a este tribunal (cfr. termo de citação datado de 14.08.2012 e que consta do processo principal);
15. Em 16 de agosto de 2012, a Insolvente apresentou oposição ao pedido de insolvência, alegando que não se encontrava em situação de insolvência e que as suas dificuldades financeiras seriam ultrapassadas por uma reestruturação e com recurso ao crédito bancário (cfr. oposição apresentada no processo principal);
16. A procuração forense, datada de 16 de agosto de 2012, mostra-se assinada por G… e H…;
17. Por requerimento datado de 22 de agosto de 2012, subscrito pelo Il. Mandatário constituído por G… e H…, veio a Insolvente declarar desistir da oposição deduzida (cfr. requerimento da datado de 22.08.2012 constante do processo principal);
18. Por sentença datada de 6 de setembro de 2012, veio a sociedade D…, Lda a ser declarada insolvente (cfr. processo principal);
19. A sociedade insolvente começou a ver diminuído o seu volume de negócios em 2005 (cfr. relatório apresentado pelo primeiro administrador nomeado, apresentado em 1.10.2012 no processo principal);
20. A partir de 2009 os negócios da Insolvente entraram em queda acentuada, agravando-se em 2010, anos em que se registaram prejuízos enormes e um volume de vendas de €12.719.832,00 (teor do documento referido no facto anterior);
21. Em 2008 o volume de vendas foi de €18.926.640,00, em 2009 de €16.301.004,00 e em 2011 de €5.985.878,00 (teor do documento referido no facto 19º);
22. Em 2012, o volume de vendas foi de €1.396.617,00 (teor do documento referido no facto 19º);
23. No dia 31 de maio de 2012 foi constituída a sociedade K…, S.A., com sede na Rua … n.º .., 7º Esquerdo, Sala ., no Porto (cfr. documento de fls. 77 a 79 dos presentes apensos);
24. À data da sua constituição, o capital social de tal sociedade era de €75.000,00 dividido em 150 ações pertencentes a:
a) L…;
b) M…;
c) N…;
d) O… e,
e) J… (cfr. teor do documento referido no facto anterior);
25. Inicialmente foi nomeado administrador de tal sociedade o acionista L…, o qual veio a cessar funções, por renúncia, em 1.09.2013, passando tais funções a ser desempenhadas, a partir de 4.09.2013, por P… (cfr. certidão da matrícula de tal sociedade, anexa como documento 13 à contestação apresentada no Apenso C);
26. A sociedade Q…, Lda, Requerente da insolvência, foi constituída em 21.12.2011, tendo como sede a referida no facto 11º, que é a mesma da sociedade K…, S.A. (cfr. certidão da matrícula de tal sociedade, anexa como documento 13 à contestação apresentada no Apenso C;
27. À data da sua constituição, o capital social de tal sociedade era de €75.000,00 dividido em 150 ações pertencentes a:
a) M…;
b) J…;
c) N…;
d) S…;
e) T…;
f) L…; (cfr. teor do documento referido no facto anterior);
28) À data da sua constituição foi nomeado administrador J…, igualmente acionista da sociedade K…, S.A. o qual veio a cessar funções, por renúncia, em 8.01.2013, passando tais funções a ser desempenhadas, a partir dessa mesma data, por U… (cfr. certidão da matrícula de tal sociedade, anexa como documento 13 à contestação apresentada no Apenso C);
29) A Q…, Lda e a K…, S.A. tinham em comum os acionistas M…, J… e N…;
30) Por documento datado de 1 de Junho de 2012, a Insolvente, aí representada por G… e H… declararam celebrar com a sociedade K…, S.A., aí representada por L…, um contrato que para o efeito designaram por “Contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, com uma duração de dez anos, com início em 1 de Junho de 2012, tendo por objeto a cedência do uso dos imóveis de que era proprietária a Insolvente e onde exercia a sua atividade, contra o pagamento da quantia de €750,00 (cfr. documento 2 anexo à contestação apresentada no Apenso C, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
31) Por carta remetida em 28 de novembro de 2012, o Sr. Administrador resolveu o negócio a que se alude no facto anterior (cfr. segundo documento numerado como documento 2 anexo à contestação apresentada no Apenso C, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
32) A referida resolução veio a ser impugnada pela sociedade K…, S.A. (cfr. Apenso C);
33) No âmbito do Apenso C foi, em 22 de Fevereiro de 2017, proferida sentença declarando a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, uma vez que a sociedade K…, S.A. foi declarada insolvente.
34) Desde o seu início que a K…, S.A. passou a funcionar nas mesmas instalações, com a mesma atividade da Insolvente, com os mesmos equipamentos e praticamente com os mesmos trabalhadores, que exerciam as mesmas funções;
35) A atividade da D… passou a ser exercida pela K…, S.A.;
36) Até à transição da D… para a K…t, o sócio E… manteve as funções de gerência, apesar de à mesma ter renunciado em data anterior;
37) A K… era, na prática, gerida pelo H…, que era quem dava ordens e instruções;
38) Em 24 de fevereiro de 2013 foram apreendidos para a massa insolvente dois imóveis, ambos descritos na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, respetivamente sob os n.ºs 3011/20010619 e 3010/20010619, da freguesia …, encontrando-se as competentes certidões a fls. 904 e ss. do apenso de reclamação de créditos (cfr. Apenso B);
39) Contudo, o Sr. Administrador foi impedido de aceder aos referidos imóveis por força do alegado contrato a que se alude no facto 30º;
40) Só em 20 de julho de 2016, depois da declaração da insolvência da K… e com recurso à força pública, logrou o Sr. Administrador aceder aos imóveis propriedade da Insolvente;
41) Sem que qualquer dos gerentes da Insolvente colaborasse nesse sentido;
42) Em 20 de julho de 2016, quando o Sr. Administrador acedeu ao interior dos imóveis que constituíam a sede da Insolvente, não se encontrava aí qualquer pasta com documentos contabilísticos;
43) Encontrando-se as instalações completamente vazias e desprovidas de qualquer mobiliário e de equipamentos de fabrico;
44) Para além disso, havia sido arrancada a instalação elétrica, o sistema de ar condicionado e outros elementos que estavam integrados no imóvel, nomeadamente barras de proteção das janelas;
45) Foram registadas no Instituto de Segurança Social I.P. declarações remuneratórias dos funcionários da Insolvente até abril de 2013 relativamente a períodos em que a Insolvente já não tinha atividade;
46) Nunca nenhum dos gerentes colaborou com o Sr. Administrador ou sequer lhe forneceu quaisquer elementos contabilísticos;
47) Os imóveis viriam a ser vendidos em 10 de Fevereiro de 2017, pelo valor de €655.000,00;
48) A sociedade Q…, Lda não reclamou quaisquer créditos no âmbito do processo de insolvência;
49) Não foram apreendidos para a massa quaisquer valores relativos a rendas, bens móveis ou viaturas automóveis, ligeiras ou pesadas;
50) As últimas contas depositadas pela Insolvente junto da Conservatória do Registo Comercial foram as relativas ao ano de 2010;
51) Foram reclamados créditos no montante de €15.407.699,53 (cfr. relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada no apenso de reclamação de créditos);
52) Por E… foram reclamados créditos no montante de €236.563,34 (cfr. documento identificado no facto anterior);
53) Porque tal crédito não foi reconhecido, impugnou a lista alegando que foi trabalhador da Insolvente até ao dia 31 de julho de 2012 (cfr. impugnação deduzida à lista de credores reconhecidos datada de 17.06.2013 constante do apenso de reclamação de créditos);
54) Para documentar o crédito a que se arrogava, juntou um documento intitulado “Acordo de pagamento em prestações de créditos vencidos em resultado da cessação do contrato de trabalho” assinado por H… (cfr. documento identificado no número anterior);
55) F… reclamou créditos no montante de €109.125,32;
56) Porque tal crédito não foi reconhecido, impugnou a lista alegando que foi trabalhador da Insolvente até ao dia 31 de Julho de 2012 (cfr. impugnação deduzida à lista de credores reconhecidos datada de 17.06.2013 constante do apenso de reclamação de créditos);
57) Para documentar o crédito a que se arrogava, juntou um documento intitulado “Acordo de pagamento em prestações de créditos vencidos em resultado da cessação do contrato de trabalho”, com data aposta de 31 de julho de 2012, assinado por H… (cfr. documento identificado no número anterior);
58) G… reclamou créditos no montante de €83.231,79;
59) Porque tal crédito não foi reconhecido, impugnou a lista alegando que foi trabalhadora da Insolvente até ao dia 31 de Julho de 2012 (cfr. impugnação deduzida à lista de credores reconhecidos datada de 17.06.2013 constante do apenso de reclamação de créditos);
60) Para documentar o crédito a que se arrogava, juntou um documento intitulado “Acordo de pagamento pela cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho”, com data aposta de 31 de Julho de 2012, assinado por E…, em representação da D… (cfr. documento identificado no número anterior);
61) Tal lista foi ainda impugnada pela trabalhadora V…, a qual anexou a tal articulado um documento intitulado “Acordo de pagamento pela cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho”, com data aposta de 31 de Março de 2012, assinado por E…, em representação da Insolvente (cfr. documento anexo à impugnação à lista de credores reconhecidos apresentada em 17.06.2013);
62) W… impugnou a lista de credores reconhecidos e anexou a tal articulado um documento intitulado “Acordo de cessação de contrato de trabalho”, com data aposta de 31 de Julho de 2012, assinado por E…, em representação da Insolvente (cfr. documento anexo à impugnação à lista de credores reconhecidos apresentada em 17.06.2013);
63) Por ordem de E…, até à declaração de insolvência da D… o sócio e gerente B… não tinha acesso a documentos da sociedade, designadamente aos registos contabilísticos e contas e saldos bancários.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Do erro da decisão de mérito quanto à afetação do Apelante, mero administrador de direito, pela qualificação da insolvência como culposa

Os “incidentes de qualificação da insolvência”, regulados no art. 185º e segs, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (abreviadamente CIRE, diploma a que pertencem todos os preceitos que se citarem sem outra referência), têm como objetivo apurar se houve culpa (do devedor ou de terceiros) na criação da situação de insolvência ou no seu agravamento e extrair os efeitos civis, designadamente, aplicar sanções a terceiros que por ela sejam responsáveis (sendo a referência subjetiva da al. a), do nº2, do art. 189º meramente exemplificativa[1], devendo ser efetuada uma interpretação atualista do art. 186º, nº1, pois que se presume a intenção do legislador de abranger outros sujeitos, como decorre daquele preceito[2]), com vista a moralizar o sistema, admitindo-se a possibilidade de qualificar a insolvência como culposa nos casos previstos no art. 186º, através do Incidente pleno de qualificação da insolvência” regulado nos artigos 188º e segs, artigo este que estabelece a respetiva tramitação processual.
E pode, legitimamente, ser o juiz a ter a iniciativa de, oficiosamente, desencadear a questão, não sendo, mesmo, obrigado a seguir posição assumida por quem quer que seja, antes inteiramente livre no entendimento sobre a qualificação a efetuar da insolvência (cfr. art. 188º, designadamente o nº5) e em, consequentemente, na extração dos efeitos da qualificação que efetue.
Conforme decorre do art. 185º e, ainda, do nº1, do art. 189º, a insolvência pode ser qualificada “como culposa” ou como “fortuita”.
Será fortuita ou casual quando não se verifiquem elementos que a permitam qualificar como culposa e será culposa quando se encontrem preenchidos os requisitos do dolo ou da culpa grave, estando esta materializada no artigo 186.º, que, com a epígrafe, “Insolvência culposa”, estatui:
1. A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2. Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade coletiva da empresa, se for o caso, uma atividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse direto ou indireto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º
3. Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.”
4. O disposto nos n.ºs 2 e 3 é aplicável, com as necessárias adaptações, à atuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso não se opuser a diversidade das situações.
5. Se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente.” (sublinhado e negrito nosso).
Assim, por exclusão, a insolvência fortuita é a que não é culposa, sendo culposa, nos termos da disposição geral do nº1, aquela em que a situação de insolvência foi “criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”, mostrando-se, pois, necessário que:
a)- exista uma atuação do devedor ou dos seus administradores (os de direito e os de facto, que o sejam à data em que é proferida a sentença de qualificação e os que o tenham sido);
b)- tal atuação seja dolosa ou com culpa grave (não bastando, pois, a culpa leve);
c)- e se verifique um nexo causal entre aquela atuação e a situação de insolvência ou, pelo menos, o seu agravamento (a atuação deve ter originado a situação de insolvência ou, pelo menos, tê-la agravado),
tendo a atuação de ocorrer nos três anos que antecederam o início do processo de insolvência[4].
No nº2 é efetuada uma enumeração taxativa de factos que, uma vez provados, conduzem a uma presunção inilidível de que a insolvência é culposa (não podendo, para tal, os mesmos ter ocorrido antes dos três anos que antecederam o início do processo de insolvência –v. referido nº1). Enumeram-se aí situações que levam à qualificação da insolvência como culposa, sem que se admita prova em contrário, como decorre, desde logo da própria redação do preceito e do, esclarecedor, advérbio empregue – “sempre”.
E no nº3 descrevem-se situações que fazem presumir a existência de culpa grave se os administradores de direito ou de facto de um devedor que não seja pessoa singular não cumprirem o que ali vem previsto (sendo que a presunção ali contida pressupõe, também, que desde a ocorrência dos factos não tenham decorrido mais de três anos até ao início do processo de insolvência – v. referido nº1). As presunções previstas no nº 3 apenas dizem respeito à atuação do devedor, sendo necessário provar que tal atuação com culpa grave (presumida) criou ou agravou a situação de insolvência[5].
Deste modo, a qualificação da insolvência como culposa, limitada às situações de dolo ou culpa grave, exige um comportamento censurável do devedor e uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e o estado declarado de insolvência, uma vez que o devedor pode ter atuado dolosamente mas não ter contribuído para a “criação” ou o “agravamento” da insolvência.
Destarte, fora dos casos previstos no nº2, (de automática qualificação da insolvência) tem de existir culpa (efetiva (nº1) ou presumida(nº3)) e tem de estar demonstrado o nexo de causalidade para que a insolvência possa ser qualificada como culposa.
Nos casos do nº 2, que constituem situações, taxativas, de presunção de culpa (“sempre culposas”), não é necessária a prova de culpa, sequer se admite prova em contrário. E o nº2, não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência de nexo de causalidade entre a atuação dos administradores do devedor (que não seja uma pessoa singular) e a criação ou o agravamento da situação de insolvência. Decorre, pois, deste artigo que, verificando-se uma das vicissitudes contempladas no n.º 2, aplicável, com as necessárias adaptações, ao insolvente pessoa singular, ex vi n.º 4, tem de se considerar a insolvência como culposa, atenta a presunção inilidível ou iuris et de iuris nele consagrada, dado que impõe um regime, não admitindo prova em contrário – não é necessária prova da culpa nem é admitida prova em contrário – art. 350º, nº2, in fine, do Código Civil. Só a presunção de culpa nos casos do nº2 é que é inilidível (presunção absoluta). A presunção derivada da qualificação da culpa como grave, prevista no nº3 é iuris tantum, ilidível (presunção relativa)[6].
Compõe-se, assim, o regime da qualificação da insolvência de um conjunto de presunções (inilidíveis e ilidíveis), que facilitam a qualificação como culposa da insolvência do devedor que não seja pessoa singular sempre que os seus administradores, tanto de direito como de facto, tenham adotado um dos comportamentos descritos[7]. E presunções legais são ilações que a lei retira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido (v. art. 349º, do Código Civil).
A consagração de factos base da presunção justifica-se por a relação de causalidade entre a conduta do devedor (dolosa ou gravemente negligente) e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa ser, por regra, de difícil prova.
Se os factos provados se integram no elenco das presunções inilidíveis consagradas no n.º 2, do citado artigo 186.º, cabe concluir, de imediato, pela insolvência culposa, estando também, já presumido o nexo causal, se não integram, haverá que aferir se se subsumem a alguma das situações previstas no n.º 3, de tal artigo, e conjugá-los com o juízo a efetuar em termos de causalidade adequada com a criação ou agravamento da situação de insolvência, para se poder concluir pela insolvência culposa, cumprindo, em caso negativo, verificar se estão preenchidos os três requisitos cumulativos do n.º 1, do artigo 186.º, caso esse em que, a insolvência, ainda, será considerada culposa.
Na verdade, “a lei institui no art. 186º, nº2, uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário. Já no artigo 186º, nº3, consagra-se apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da actuação dos seus administradores, de direito ou de facto, mas não uma presunção da causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do art. 186º, nº1, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta”[8].
Assim, uma vez verificados factos integradores de situação consagrada no nº2 do art. 186º, que, no essencial, densificam o consagrado no nº1, pelo menos assim acontecendo aos olhos do legislador, a insolvência tem de ser declarada culposa, não podendo deixar de o ser mesmo que outra causa exista que para aquela tenha concorrido[9].
Neste mesmo sentido, como referido, se tem orientado, para além da Doutrina, a Jurisprudência[10].
Não se desconhece a posição, isolada na Doutrina, assumida por Catarina Serra no sentido de necessário ser discriminar, no art. 186º, os factos descritos no nº2 e os descritos no nº3 e dentro do primeiro grupo, os descritos nas alíneas a) a g) e os descritos nas alíneas h) e i), sendo que aquelas alíneas correspondem a presunções (absolutas) de insolvência culposa (ou de culpa na insolvência), e estas mais parecem ser “ficções legais”[11], por a factualidade descrita não ser de molde a fazer presumir com segurança o nexo causal entre o facto e a insolvência, que é, a par da culpa (dolo ou culpa grave), o requisito fundamental da insolvência culposa, segundo a cláusula geral do nº1, de tal artigo[12]. Entende relativamente ao nº3, que “sob pena de perder grande parte da sua utilidade, ele consagra não meras presunções (relativas) de culpa grave, como vem defendendo ainda grande parte da jurisprudência portuguesa[13], mas autênticas presunções (relativas) de insolvência culposa (ou de culpa na insolvência), como vem sendo defendido por outra parte”[14]. Assume, pois, nesta sequência, que “Melhor seria, por isso, que o legislador tivesse integrado as duas últimas als. do nº2 no nº3 do art.186º: continuar-se-ia a penalizar (rectius: a onerar com uma presunção), como parece ter sido intenção, o sujeito que viola deveres jurídicos, mas ser-lhe-ia concedida, como é de elementar justiça, a possibilidade de ele se defender mostrando que a sua conduta, apesar de ilícita – e porventura culposa -, não causou a insolvência, não sendo, portanto, adequado que se produzam os efeitos concebidos para as situações de insolvência culposa (ou de culpa na insolvência)”.
Ora, tendo o legislador inserido tais alíneas no nº2 não podia ter deixado de querer onerar a violação desses deveres jurídicos com a mesma presunção que as restantes alíneas aí taxativamente consagradas, bem tendo expresso a sua intenção na letra da lei. Fê-lo por a violação de tais deveres apontar para a intenção de obstaculizar o ressarcimento dos credores, designadamente com a ocultação ou a dissipação de bens, assim se ultrapassando, de modo constitucional, sem violação da lei fundamental, designadamente, dos artigos 13º, nº1, sequer do 18º, por as sanções abstratamente consagradas em lei geral, igual para todos, serem proporcionais e equitativas à gravidade da atuação, servindo as previsões legais em causa fins de prevenção, relevantes valores de segurança e justiça, a respeitar e fazer observar, nada justificando o seu afastamento ou que o julgador dê à norma, geral e abstrata, a todos se dirigindo, uma interpretação e uma aplicação que ela, manifestamente, não possui.
Decidiu-se situação, também, subsumível às normas em causa nos autos no Ac. desta Relação de 30/4/2020, proc. nº 6872/18.5T8VNG-B.P1 (Relator: Pedro Damião e Cunha), em que a ora relatora foi adjunta tendo-se aí considerado “I. Para efeito de qualificação da insolvência como culposa, o art. 186º, nº 2 do CIRE procede ao elenco (taxativo) de situações que a lei considera como factos-índice ou presunções «juris et de jure», quer da existência de culpa grave por parte do administrador ou gerente da insolvente (pessoa colectiva), quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência.
II. Sendo assim, demonstrado algum dos factos-índice impõe-se a qualificação como culposa da insolvência, para todos os efeitos legais e, em particular, para efeitos de afectação do respectivo administrador ou gerente”.
Bem nele se entende “provada qualquer uma das situações enunciadas nas alíneas do citado n.º 2, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento [15].(…) sejam presunções juris et de jure ou factos-índice, a verdade é que o legislador, estando preenchida alguma das situações previstas no nº 2 do citado preceito legal, prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de conduta culposa e da sua adequação para a insolvência ou para o seu agravamento.
Destarte, a simples ocorrência de alguma das situações elencadas nas diversas alíneas do nº 2 do sobredito art. 186º conduz inexoravelmente à atribuição de carácter culposo à insolvência, ou seja, à qualificação de insolvência como culposa[16].
Esta previsão legislativa emerge da circunstância de a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, se revelar muitas vezes extraordinariamente difícil.
Assim, e em ordem a possibilitar essa qualificação, o legislador consagrou um conjunto tipificado (e taxativo) de factos graves e de situações que exigem uma ponderação casuística, temporalmente balizadas pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência.
Neste âmbito temporal, e perante a prova dos aludidos factos índice, previstos no nº 2 do citado art. 186º, a lei não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência da causalidade entre a actuação e a criação ou o agravamento do estado de insolvência, para os fins previstos no nº 1 do art. 186º do CIRE.(…)
De forma diferente sucederá no caso do nº 3 do art. 186º do C.I.R.E., em que, estão “em causa deveres (…) de carácter formal”, sem prejuízo de permitirem, “presuntivamente, a ser cumpridos, a detecção mais precoce da situação real da empresa, de insolvência ou de risco de insolvência”; e, por isso, o “seu incumprimento é, assim, razoavelmente indiciador de, no mínimo, um grave desleixo na actuação gestionária, levando a admitir (mas com carácter de presunção juris tantum, rebatível por prova em contrário) estar preenchido o requisito de culpa grave, forma de culpa qualificada, exigível, em alternativa ao dolo, tanto pela lei de autorização (n.º 6 do artigo 2.º), como pelo CIRE (artigo 186.º, n.º 1)”[17].
Esta qualificação destas hipóteses previstas no nº 3 como presunções juris tantum (ilidíveis, mediante prova em contrário) é pacífica em termos doutrinais e jurisprudenciais, embora o mesmo já não suceda com o seu âmbito de aplicação[18].
E, também nós consideramos, que, não sendo o aplicador da lei legislador, mas mero interprete da lei, em que relevante é o pensamento legislativo expresso na sua letra, forçoso é, na interpretação e densificação casuística das situações das alíneas do nº 2, do aludido artigo, ter presente que as mesmas representam, aos olhos do legislador[19], situações que fazem presumir, de forma inilidível, o integral preenchimento do nº 1 (a culpa grave e o nexo de causalidade entre esses comportamentos e a criação ou agravamento da situação de insolvência), sem possibilidade, pois, de prova em contrário, daí se tendo de extrair as necessárias consequências, designadamente os efeitos civis consagrados, para as violações, comprovadamente, cometidas.
Jamais pode cada uma das hipóteses, taxativamente consagradas, ser desgarrada e desinserida do seu contexto e do quadro referencial em que o legislador a enquadrou, para, com autonomia, e em manifestação de subjetivismo, se aventarem, no campo da aplicação da lei ao caso concreto, soluções que, eventualmente, se possam reputar mais adequadas de iure constituendo. Residindo a razão da presunção juris et de jure de que a insolvência é culposa no entendimento do legislador de que os comportamentos que descreve no n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, além de apontarem para a intenção de obstaculizar o ressarcimento dos credores, afetam negativamente o património do devedor e direitos de terceiros não pode o interprete alterar a lei para o caso concreto.
In casu, foi, pacificamente, a insolvência declarada como culposa com a seguinte fundamentação: “(…) O art. 186º n.º 1 é o preceito base, no qual se prevê, assim, a exigência de uma conduta de um administrador, de direito ou de facto ou do devedor, dolosa ou com culpa grave, que apresente um nexo de causalidade com a situação de insolvência ou com o seu agravamento, cometida dentro de um limite temporal.
Mas o art. 186º n.º 2 elenca, de forma taxativa, nas suas alíneas a) a i) situações fácticas que fatalmente conduzem à caracterização da insolvência como culposa, consagrando presunções iure et de iure, inilidíveis, quer de culpa grave, quer de existência do nexo de causalidade entre a conduta tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
E, enquanto no nº 2 se considera sempre culposa a insolvência, no nº 3 apenas se estabelece uma presunção de culpa grave, presunção que é ilidível por prova em contrário, nos termos do disposto no art. 350º n.º 2 do C.C.
Neste último caso, portanto, tem de demonstrar-se ainda que a atuação com culpa grave presumida criou ou agravou a situação de insolvência.
Os afetados com qualificação da insolvência como culposa hão de ser, para além de outros a que aqui não cabe fazer referência, os administradores de facto ou de direito da sociedade insolvente.
No CIRE faz-se a distinção entre sócios e administradores, definindo o art. 6º de tal diploma legal quem deve ser considerado administrador.
Assim, são considerados administradores todos aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente (art. 6º n.º 1 alínea a) do CIRE), resultando da previsão legal que o mero sócio não integra o conceito de administrador em processo de insolvência.
Há aqui que assinalar que a jurisprudência, na interpretação do instituto aqui em causa, tem vindo cada vez mais a entender que os efeitos da qualificação da insolvência como culposa atingem sempre os gerentes de direito, ainda que a gerência seja, de facto, exercida por outrem.
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 21.05.2020, disponível no site da dgsi, “Na verdade, a finalidade da lei foi alargar a responsabilização, incluindo quer os gerentes de facto quer os de direito, nos casos em que as funções de gerência não estão reunidas na mesma pessoa, e não restringi-la aos gerentes de facto, com exclusão dos gerentes de direito” (no mesmo sentido, o Ac. da R.P. de 10.12.2019, onde se decidiu “Deve ser afetado pela qualificação da insolvência como culposa o gerente de direito, ainda que não exerça a gerência de facto, porquanto essa qualidade, permite-lhe acompanhar a vida da sociedade, inteirar-se do modo como gerência é exercida, zelar pelo cumprimento dos deveres legais…”, e R.P. de 26.11.2019 e R.G. de 5.03.2020).
Este será o entendimento a que aderimos por se nos afigurar mais conforme à letra e espirito da lei.
Conforme supra se referiu, o nº 2 do art. 186º do CIRE estipula que nas situações aí previstas se considera sempre como culposa a insolvência (isto é, causada ou agravada por dolo ou culpa grave do devedor ou dos administradores, desde que provadas objetivamente quaisquer das situações aí indicadas).
Como consta do preâmbulo do DL 53/2004, de 18.03, que aprovou o CIRE, “o incidente destina-se a apurar (sem efeitos quanto ao processo penal ou à apreciação da responsabilidade civil) se a insolvência é fortuita ou culposa, entendendo-se que esta última se verifica quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos) do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência e indicando-se que esta é sempre considerada culposa em caso de prática de certos atos necessariamente desvantajosos para a empresa”.
Refere-se, ainda, no mesmo diploma que um dos objetivos da reforma foi a obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilidade dos titulares de empresa, sendo essa a finalidade do incidente, bem como o propósito de evitar insolvências fraudulentas ou dolosas, objetivo que não seria alcançado se não sobreviessem quaisquer consequências sempre que os titulares de empresas hajam contribuído para tais situações.
No caso em apreço, cremos que os factos elencados são suscetíveis de demonstrar objetivamente as situações elencadas em diversas alíneas do art. 186º n.º 2.
Quanto à alínea a) temos por provado que em data próxima à apresentação em juízo do requerimento de insolvência foi constituída uma sociedade, a K…, S.A., que partilhava acionistas com a sociedade Requerente da insolvência, a Q…, com quem aparentemente foi celebrado um contrato de arrendamento das instalações da Insolvente D…, mas que na prática aí continuou a exercer-se a mesma atividade, com os mesmos funcionários e tendo por gerente de facto o último dos gerentes da Insolvente, o Requerido H….
Esse contrato impediu que o Sr. Administrador tivesse acesso aos imóveis durante vários anos (só o logrou conseguir em 20 de Julho de 2016, altura em que a K… foi declarada insolvente) e quando aí chegou inexistiam quaisquer bens móveis, no que se incluem as viaturas, e os edifícios estavam danificados.
É por demais óbvio que foi arquitetado um prévio plano tendente a esta finalidade, ou seja, que permitisse que a atividade da D… pudesse prosseguir, apesar de declarada insolvente, ainda que sobre outra designação.
E para que tal sucedesse seria fundamental privar a massa insolvente do acesso ao património da D….
Temos assim que efetivamente se verifica o preenchimento da alínea a) porque houve um anormal retardamento da concretização da apreensão, o que configura ocultação, houve destruição de componentes que eram partes integrantes dos imóveis e desapareceram totalmente os móveis, no que se incluem as viaturas automóveis.
Os mesmos factos integram igualmente a alínea d) do preceito legal em análise já que os administradores da Insolvente D…, ao celebraram o contrato com a K… permitiram que esta se aproveitasse do seu património, em detrimento do fim a que estava afeto, ou seja, a liquidação e pagamento do vasto passivo que aquela acumulara.
Relativamente à contabilidade da Insolvente, resultou apurado que esta desapareceu, com exceção de parcos elementos entregues ao primeiro administrador de insolvência nomeado, o que preenche, por maioria de razão, a alínea d).
Por fim, nenhuma colaboração foi prestada ao Sr. Administrador, pelo contrário, este viu-se impedido de cumprir as suas funções por força da obstaculização que lhe foi criada, o que configura o preenchimento da alínea i).
Pelo exposto, concluiu-se que as circunstâncias a que respeitam as alíneas a), d), h) e i) do nº 2 do artigo 186º do CIRE”. (negrito nosso).
A conclusão de que tal basta para qualificar a insolvência como culposa não foi posta em causa, tão somente o tendo sido a da afetação do Apelante pela qualificação.
Na verdade, insurge-se o apelante contra a sentença que qualificou a insolvência como culposa tão só por ter sido afetado pela qualificação.
Ora, a sentença recorrida, concluindo pela qualificação da insolvência como culposa, bem decidiu quem deveria ser afetado por tal qualificação, considerando terem de o ser quer os gerentes de direito à data da declaração de insolvência, quer os gerentes de facto e determinou o período de inibição e o montante da indemnização a fixar, por força do estabelecido no art. 189º n.º 2 alíneas b) e c) do CIRE, considerando que em tal ponderação, e como jurisprudencialmente está assente, deverá ser determinada a medida da culpa de cada um dos afetados.
Quanto ao ora apelante, B…, considerou que o mesmo “exerceu a gerência num período critico da vida da Insolvente e que por essa razão terá que ser condenado, já que o exercício de tal cargo impunha-lhe responsabilidades tendentes à preservação da contabilidade e do património, imputando-se-lhe uma conivência passiva no cumprimento dos seus deveres, já que nada obstava a que tendo-se apercebido das limitações e obstáculos que lhe eram impostos renunciasse ao cargo.
Quanto a este, afigura-se-nos que a fixação do período de inibição no mínimo legal e a condenação no pagamento de indemnização correspondente a 5% do passivo não satisfeito está de acordo com o grau de ilicitude e culpa da sua atuação” (negrito nosso).
Conclui o apelante pela existência de erro quanto aos decretados efeitos da declaração de insolvência em relação a si.
Ora, qualificada a insolvência como culposa, bem extraiu o juiz a quo, de tal qualificação, os efeitos (civis) que a lei consagra e lhe impunha fossem fixados na sentença em que efetuou tal qualificação.
Na verdade, o preceito que dispõe sobre o conteúdo da sentença de qualificação é o artigo 189º, que, qualificada a insolvência como culposa, nos termos do nº1, do artigo 189º, impõe, logo no nº2, ao juiz que fixe o que aí se refere, consagrando:
“2. Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa;
b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afetadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados”.
Assim, o incidente de qualificação da insolvência tem como consequências civis a inibição para a administração de patrimónios alheios, bem como a inibição para o exercício do comércio ou para ser titular de órgão da pessoa coletiva, prevendo-se, ainda, a perda dos créditos sobre a insolvência e a condenação solidária das pessoas afetadas a indemnizar os credores do insolvente[20].
E sendo imputável a violação de deveres a vários, a qualificação da insolvência como culposa afeta-os a todos, em conformidade com o disposto no referido artigo, em função do grau de culpa de cada um dos responsáveis.
Impõe tal preceito, na alínea a), a identificação das pessoas afetadas pela qualificação, nomeadamente administradores de direito ou de facto, com fixação do grau de culpa.
Assim, para além de terem de ser identificados os terceiros responsáveis, sejam eles quem forem, autores e mesmo cúmplices, que tenham colaborado com o devedor, seus administradores, liquidatários ou outros[21], para a situação de insolvência ou o seu agravamento, estabeleceu-se o dever do juiz fixar o grau de culpa de cada um dos sujeitos afetados pela insolvência culposa, para o mesmo poder ser adotado como critério para a determinação, em concreto, do período de produção de alguns efeitos, designadamente os de duração variável (cfr. als b), c), do citado preceito) e, sendo as pessoas afetadas solidariamente responsáveis pelo montante dos créditos não satisfeitos, a fixação do grau de culpa de cada um permite a graduação da sua responsabilidade e, no caso de pluralidade de responsáveis, a observância da regra geral de repartição interna da responsabilidade, consagrada no nº2, do art. 497º, do Código Civil[22].
O artigo 6.º, com a epígrafe “Noções de administradores e de responsáveis legais”, dispõe que “1. Para efeitos deste Código, são considerados administradores:
a) Não sendo o devedor uma pessoa singular, aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente”.
E quanto aos administradores, cumpre realçar que, normalmente, o exercício da administração cabe a quem esteja legal ou voluntariamente investido nas correspondentes funções. Tais pessoas estão abarcadas na definição legal mas envolvidos estão, também, todos os que as desempenhem de facto, nomeadamente quando o fazem com carácter de permanência, mesmo que falte, para tanto, o apoio em determinação legal ou em ato voluntário do titular do património a gerir – cfr. neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, pág. 84”, fazendo ainda referência a que “Com a utilização da expressão “administradores de direito ou de facto” prevista no artigo 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o legislador não visou excluir das pessoas afetadas pela qualificação da insolvência os administradores de direito que não exerçam as funções de facto, mas estender tal afetação também aos administradores de facto, ou seja, às pessoas, que praticam atos de administração sem que se encontrem legal ou contratualmente nomeados como titulares do cargo que exercem.[23]acrescentando “(…)o legislador visa atingir com os efeitos que decorrem da afetação aplicada na sentença de qualificação (artigo 189.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), não só os próprios administradores de direito (tenham ou não a administração de facto, na medida em que são os titulares do órgão competente para o efeito e, consequentemente, não se podem “esconder” ou “escudar” numa administração meramente aparente ou formal, como, ainda, e sobretudo, os administradores que, na ausência de título para tanto, administram de facto as empresas e acabariam, na ausência de previsão legal que os contemplasse, por “escapar entre os pingos da chuva” dos efeitos que decorrem da qualificação da insolvência, não obstante serem os principais responsáveis pela criação da situação de insolvência ou pelo seu agravamento.”
Ora, como resulta dos factos provados, no período que vimos ser o relevante para efeitos de qualificação da insolvência - três anos anteriores ao início do processo de insolvência, nº1, do art. 186º, foi administrador de direito da Devedora o Apelante.
No que toca aos administradores, de direito e de facto, a situação já clara em face do art. 186º, nº1, igualmente clara é em face da al. a), do nº2, do art. 189º, que vimos analisando, sendo que a referência aos administradores de facto não faz com que os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto sejam excluídos da qualificação como sujeitos afectados[24], podendo mesmo qualquer terceiro, que atue em autoria ou cumplicidade, ser responsável.
Assim, qualificando a insolvência como culposa, bem identificou o Tribunal a quo, como a al. a), do nº2, do artigo 189º, lhe impunha, os administradores afetados pela qualificação, entre eles, na verdade, o Apelante, administrador de direito.
Com efeito, uma vez qualificada a insolvência como culposa, a lei impõe ao julgador que identifique as pessoas afetadas e decrete as mencionadas inibições, sendo elas consequências automáticas da qualificação da insolvência como culposa, a decretar uma vez decidido por aquela qualificação, sem que esteja na sua dependência a possibilidade as não aplicar.
Demonstrado algum dos factos-índice impõe-se a qualificação como culposa da insolvência, para todos os efeitos legais e, em particular, para efeitos de afetação do respetivo administrador ou gerente.
E, evidentemente, o administrador de direito, ainda que não o seja de facto, encontra-se obrigado a cumprir deveres, sendo de o considerar afetado pela qualificação da insolvência quando tal se mostre incumprido.
Vem sendo, uniformemente, este o entendimento, para além da Doutrina, da Jurisprudência, que, assim, se vem pronunciando:
- “O art. 186º, nº 1, do CIRE, para efeitos de qualificação da insolvência como culposa, alude à atuação do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto.
Com esta previsão o legislador não visou excluir a responsabilidade dos administradores de direito que não exerçam as funções de facto e restringi-la aos gerentes de facto.
Pelo contrário, a finalidade a lei foi alargar a responsabilização, incluindo quer os gerentes de facto quer os de direito, nos casos em que as funções de gerência não estão reunidas na mesma pessoa” e “ Em caso de insolvência culposa, o tribunal tem sempre que emitir uma condenação que abarque a matéria elencada nas als. a) a e), do nº 2, do art. 189º, do CIRE”[25];
- “O facto de se ter concluído que a atuação de um administrador de facto contribuiu para a criação ou agravamento da situação da insolvência, não impede que possa ser abrangido pela qualificação da insolvência quem nesse mesmo período era administrador de direito quando estejam em causa atuações omissivas relevantes nos termos das diversas alíneas do nº 2 do artº 186º e mesmo do nº 3, do artº 186º do CIRE[26];
- “Ao reportar-se tanto aos administradores de direito como aos administradores de facto, no art. 189º, nº 2, a), do CIRE, o legislador não visa excluir da qualificação da insolvência os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto, mas estender também tal qualificação aos administradores de facto, isto é, àqueles que praticam atos de administração sem que se encontrem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem[27];
- “Detendo o requerido a qualidade de gerente de direito é manifesto que a insolvência que seja declarada culposa nos termos do nº2 do art. 186º do CIRE o tem de abranger, ainda que a gerência de facto seja exercida por terceiro.
- Foi o próprio legislador quem quis - ao criar o instituto da insolvência culposa - responsabilizar os devedores e administradores, no pressuposto de que, quem assume determinadas funções, deve estar à altura de poder responder, em toda a linha”[28];
- “A opção por esta técnica legislativa justifica-se pela necessidade de garantir uma maior eficiência da ordem jurídica na responsabilização dos administradores por condutas censuráveis que originaram ou agravaram insolvências”[29].
Quis o legislador, ao impor tais sanções, moralizar o sistema, punir comportamentos violadores da lei, com culpa grave ou dolo, tendo-o feito por lei geral e abstrata, na observância dos princípios da igualdade e proporcionalidade, sendo que restrições de direitos individuais dos afetados se justificam pelo seu próprio comportamento ilícito e culposo e, ainda, pelo interesse de toda a comunidade de se acautelar deles, sancionando-os, com vista à sua dissuasão[30].
Assim, as sanções, consagradas por lei geral e abstrata, logo igual para todos, têm a função de sancionar as condutas causadoras da insolvência ou do seu agravamento, desde logo com função pedagógica e preventiva.
E estatuindo o legislador os limites mínimo e máximo das inibições, sempre a impor, ao juiz, cabe, fixar a medida concreta da inibição, dentro da moldura legal estipulada, sem que possa afastar a sua aplicação, que decorre diretamente da lei, apenas lhe sendo incumbida a tarefa de se mover dentro da medida legal conforme as circunstâncias do caso.
A insolvência culposa afeta as pessoas que atuaram em representação da insolvente, em conformidade com o estatuído na al. a), do nº2, do art. 189º, do CIRE, a quem as inibições estatuídas nas als b) e c) do referido preceito, não podem deixar de ser cominadas, desde logo, como sanções, sempre com finalidades de prevenção (geral e especial) e de repressão, punição ou sancionatórias, em salvaguarda de interesses públicos muito superiores aos meramente individuais em causa.
E o apelante exerceu a gerência tendo de ser condenado já que o exercício de tal cargo lhe impunha responsabilidades tendentes à preservação da contabilidade e do património, e não cumprindo os seus deveres, impunha-se-lhe que efetivamente, apercebendo-se das limitações e obstáculos que lhe eram impostos, renunciasse ao cargo[31].
Bem entende o MP que a circunstância de o apelante nunca ter participado de facto na administração do insolvente não o pode isentar da obrigação, que sobre si impende, de cumprimento dos deveres legais enquanto gerente, constituindo a ignorância, o alheamento, a inação e omissões relativamente aos destinos da sociedade, por si só, violações de tais deveres.
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Resta concluir que os comportamentos assumidos pelos afetados consubstanciam a violação grave e reiterada dos elementares deveres inerentes à gestão do património de uma sociedade, com consequências gravosas no desenvolvimento da atividade e objeto social, agravando a situação de insolvência e comprometendo os interesses e expectativas dos credores quanto ao ressarcimento dos respetivos créditos.
Sancionada devendo, assim, ser a atuação, dada a qualificação da insolvência como culposa, verificando-se, na verdade, culpa do apelante/requerido pelo agravamento da situação de insolvência.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, antes bem foram extraídos os efeitos civis da insolvência culposa por que o Apelante foi, também, afetado, na estrita medida da sua culpa, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 6 de setembro de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] Catarina Serra, Lições de direito da Insolvência, Almedina, pág.157
[2] Ibidem, pág. 158
[3] Ibidem, pág.156
[4] Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, pág. 416 e segs
[5] Ibidem, pág 426 a 423
[6] Maria José Esteves e Sandra Alves Amorim, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Breves notas e Jurisprudência, Vida Económica, pág. 266
[7] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, pág. 300
[8] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2017, 9ª Edição, Almedina, pág. 235 e v. ainda Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2018, Almedina, pág. 283 e segs
[9] Ac. da RL de 9/7/2015, proc. 519/10.5TYLSB, CJ 2015, 3, pp. 118-127
[10] Cfr, entre muitos, os seguintes Acordãos:
- Ac. da RP de 8/9/2020, proc. 3000/17.8T8STS-E.P1 (Relator: Manuel Domingos Fernandes), acessível in dgsi.pt, onde se analisa: “I- Dever ser qualificada como culposa a insolvência quando o quadro factual que nos autos se mostrou assente preenche a facti species das als. d) e h) e i) do nº 2 e als. a) e b) do nº 3 do artigo 186.º do CIRE. II - A verificação de qualquer das situações previstas na al. h) do nº 2 quer a situação prevista na al. b) do nº 2 leva, só por si, a qualificação da insolvência como culposa, não sendo necessário que, para o seu preenchimento, a conduta tenha causado qualquer prejuízo, pois que a prática de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor e só por si uma das situações que à qualificação da insolvência como culposa”.
- Acs. da RG de 9/4/2019, proc. 628/17.0T8VRL-A.G1 (Relatora: Alexandra Rolim Mendes), onde se decidiu “A insolvência de uma pessoa singular deve sempre ser qualificada como culposa quando se identifica qualquer ato praticado pelo próprio devedor que seja subsumível a uma das alíneas do nº2 do art. 186º, do CIREe de 2/5/2019, proc. 6149/16.0T8VNF-A.G1 (da mesma relatora) onde se considerou “A insolvência de uma pessoa coletiva deve sempre ser qualificada como culposa quando se identifica qualquer ato praticado pelo próprio devedor que seja subsumível a uma das alíneas do nº2, do art.186º do CIRE”. Mais se entende “É subsumível à al. h) do nº2 do art. 186º do CIRE a atuação do gerente da insolvente que, não mantinha organizada a contabilidade da empresa nos termos requeridos no art. 17º, nº3 do CIRE, nomeadamente de forma a refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e para os efeitos expostos no nº1 desse preceito, impedindo, assim, a Sra Administradora da Insolvência e os credores de conhecer a situação patrimonial e financeira da empresa declarada insolvente”.
- Ac. da RG de 14/2/2019, proc. 1371/17.5T8VNF-C.G1 (Relator: Fernando Fernandes Freitas), onde se escreve “No nº2, do art. 186º, do CIRE, vêm taxativamente elencados certos comportamentos dos administradores que constituem presunções juris et de jure (não admitindo, por isso, prova em contrário) de insolvência culposa. Trata-se de comportamentos que afectam negativamente, e de forma muito significativa, o património do devedor, e eles próprios apontam, de modo inequívoco, para a intenção de obstaculizar o ressarcimento dos credores”.
- Ac. RG de 9/4/2019, Proc. nº 10117/15.1T8VNF-A.G1 (Relatora: Margarida Almeida Fernandes), acessível in dgsi.pt, onde se analisa: “I - São requisitos da insolvência culposa, nos termos do nº 1 do artigo 186º do C.I.R.E.: a) a atuação (ação ou omissão) do devedor ou dos seus administradores de facto ou de direito; b) que tenha criado ou agravado a situação de insolvência; c) que seja dolosa ou com culpa grave; d) e que tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo. II - O nº 2 do artigo 186º do C.I.R.E. contempla situações de presunção inilidível de insolvência culposa e o nº 3 do mesmo preceito situações de presunção ilidível da violação, com culpa grave, de obrigações impostas aos administradores da insolvente pelo que, neste caso, contrariamente ao primeiro, se exige a prova do nexo de causalidade entre a referida actuação e a criação ou agravamento da insolvência. III - Para a verificação do disposto no art. 186º nº 2 a) do C.I.R.E. importa previamente apurar qual era o património da devedora para depois verificar se o referido património desapareceu no todo ou em parte considerável (sendo que, para a concretização deste conceito indeterminado, importa analisar a importância dos bens em questão no contexto do património daquela). IV - O retardamento da apresentação à insolvência agrava a situação de insolvência quando ocorre, designadamente a constituição de novas dívidas, o aumento do passivo e prejuízo para os demais credores, sendo, contudo, irrelevante para tal o simples vencimento de juros”.
- Ac. RG de 2/5/2019, Proc. nº 665/14.6TBESP-E.G2 (Relatora: Margarida Sousa, acessível in dgsi.pt, onde se esclarece: “I – Na interpretação e densificação das diversas alíneas do nº 2 do artigo 186º do CIRE, importa ter presente que as mesmas representam, aos olhos do legislador, situações que fazem presumir, de forma inilidível, o preenchimento do nº 1, fazendo, pois, presumir, sem possibilidade de prova em contrário, a culpa grave e o nexo de causalidade entre esses comportamentos e a criação ou agravamento da situação de insolvência; II – Uma das consequências que daí se extrai traduz-se na necessidade de apuramento da dimensão e da importância, no contexto do património da devedora, dos comportamentos adotados para efeito da ponderação da suscetibilidade dos mesmos serem causa adequada da criação ou agravamento da insolvência; III – O que aporta outras consequências: não se apurando o valor dos bens objeto das referidas atuações não se podem considerar verificadas nem a hipótese referida na al. a), nem a referida na al. d), do nº 2 do art. 186º do CIRE, excluídas se devendo ter também essas hipóteses sempre que, apesar de se saber do supra referido valor, os comportamentos em causa sejam de uma importância reduzida; IV – Existe uma outra alínea do nº 2 do art. 186º – a alínea h) – que constitui o reconhecimento de que o incumprimento em termos substanciais do dever de manter uma contabilidade organizada aponta, por si só, de modo inequívoco, para a já referida intenção de obstaculizar o ressarcimento dos credores, funcionando tal alínea como forma de prevenção abstrata desse mesmo perigo, ultrapassando-se, por essa via, as dificuldades de apuramento, de outras hipóteses de ilicitude (nomeadamente as relacionadas com a dissipação e a ocultação do património), por aquela mesma conduta causada” (negrito nosso).
- Ac. RG de 31/1/2019, Proc. nº 3478/16.7T8VNF-D.G1 (Relator: Joaquim Boavida), acessível in dgsi.pt, onde se refere “Tendo os três gerentes da sociedade insolvente mantido a contabilidade desorganizada, disposto de bens a favor de terceiros, permitido que uma terceira sociedade entrasse na posse de bens que se encontravam nas suas instalações e proporcionado o desaparecimento da generalidade dos seus bens, com a consequente impossibilidade de laboração, mostra-se estabelecida uma presunção inilidível de insolvência culposa”.
- Ac. RG de 28/3/2019, Proc. nº 1266/17.2T8GMR-B.G1 (Relator: Raquel Tavares), acessível in dgsi.pt, onde se menciona “I – Uma vez verificado qualquer um dos fundamentos previstos nas alíneas do n.º 2 do artigo 186º do CIRE, presume-se iuris et de iure que a insolvência é culposa para efeito da sua qualificação, abrangendo tal presunção o nexo de causalidade desse comportamento para criação ou agravamento da situação de insolvência, sem possibilidade de prova em sentido contrário.II - Já no n.º 3 do artigo 186º estabelecem-se presunções ilidíveis, que admitem prova em contrário, não se dispensando a demonstração do nexo causal entre o comportamento dos administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência”.
[11] Também Rui Estrela de Oliveira entende serem as situações das als h) e i) ficções legais e em sentido contrário se orientam Carneiro da Frada e Alexandre de Soveral Martins, embora manifestando critica – cfr. Alexandre Soveral Martins, idem, pág 419, nota de rodapé 46
[12] Catarina Serra, idem, pág 301 e seg
[13] Catarina Serra, ibidem, cfr. exemplos citados na nota 451, de fls 301
[14] Catarina Serra, ibidem, cfr. neste sentido exemplos citados na nota 452, de fls 301 e seg.
[15] Cfr., neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional de 26.11. 2008, DR, 2ª Série, n.º 9, de 14.01.2009.
[16] Vide, neste sentido, por todos, Carvalho Fernandes, J. Labareda, in “ Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. II, págs. 14, nota 5, e 15, nota 8; Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, pág. 283-285, A. Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, pág. 374-378 e Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, pág. 129-131 e, ao nível da jurisprudência, por todos, AC STJ de 6.10.2011 (relator: Serra Baptista), AC RG de 5.06.2014 (relator: Estelita de Mendonça), AC RG de 30.04.2015 (relator Maria Luísa Ramos), todos in dgsi.pt.
[17] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 564/2007, de 13.11.2007, Joaquim de Sousa Ribeiro.
[18] Sobre esta questão, existem duas correntes de opinião: Uma - que vem sendo defendida por grande parte da doutrina e da jurisprudência dos nossos tribunais superiores -, no sentido de que o nº. 3 estabelece apenas uma presunção iuris tantum de culpa grave, em resultado da actuação dos seus administradores, de direito e de facto, mas não uma presunção de nexo causal da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do artº. 186º, nº. 1, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta (V., por exemplo, o Ac. da RL, de 09.11.2010, Graça Amaral, Processo nº 168/07.5TBLNH-D.L1-7. No mesmo sentido, o posterior Ac. do STJ, de 06.10.2011, Serra Baptista, Processo nº 46/07.8TBSVC-0.L1-S1, onde se lê que «da diferenciação entre os referidos nºs 2 e 3, resulta que o legislador (cfr. art. 9.º, nº 3 do CC) não quis consagrar, neste último caso, também um complemento da noção de insolvência culposa, tal como é definida no anterior nº 1, não se dispensando a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência». Na jurisprudência, v. ainda: Ac. da RG, de 12.07.2011, Conceição Bucho, Processo nº 503/10.9TBPTL-H.G1, Ac. da RG, de 06.03.2012, Eduardo Oliveira Azevedo, Processo nº 9041/07.6TBBRG-AB.G1, Ac. da RL, de 26.04.2012, Esaguy Martins, Processo nº 2160/10.3TJLSB-B.L1-2, Ac. da RL, de 18.04.2013, Jorge Leal, Processo nº 1027/10.0TYLSB-A.L1-2, Ac. da RC, de 28.05.2013, Moreira do Carmo, Processo nº 102/12.0TBFAG-B.C1, Ac. da RG, de 01.10.2013, Maria da Purificação Carvalho, Processo nº 2127/12.7TBGMR-D.G1, Ac. da RE, de 08.05.2014, Paulo Amaral, Processo nº 65/11.0TBPSR-B.E1, Ac. da RE, de 08.05.2014, Francisco Xavier, Processo nº 915/11.0TBENT-I.E1, Ac. da RG, de 05.06.2014, Estelita de Mendonça, Processo nº 1243/12.80TBGMR-D.G1,Ac. da RG, de 30.04.2015, Maria Luísa Ramos, Processo nº 3129/12.9TBBCL-C.G1, Ac. da RG, de 01.06.2017, João Peres Coelho, Processo nº 280/14.4TBPVL-E.G1 e Ac. da RG, de 11.07.2017, José Cravo, Processo nº 1255/12.3TBBGC-G.G1. Neste sentido também, e na doutrina, Carvalho Fernandes/João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, p. 680-682; Menezes Leitão, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, p. 215-6, e “Direito da Insolvência”, p. 284-5; Alexandre de Soveral Martins, in “Um Curso de Direito da Insolvência”, p. 416, 422 e 423). A outra corrente defende que o aludido nº. 3 do artº. 186º consagra presunções ilidíveis de insolvência culposa, mas que estas abrangeriam também o nexo de causalidade (cfr. Catarina Serra, in “Lições de direito da Insolvência”, pág.301, Nota 452 e os acórdãos da RP de 5.02.2009, proc. nº. 0837835, da RC de 26.01.2010, proc. nº. 110/08.6TBAND-D, da RC de 22.11.2016 (Relatora: Maria João Areias), e os mais recentes Acs. da RP de 23.04.2018, nº de processo 523/15.7T8AMT-A.P1 e Ac. da RP de 03.06.2019, nº de processo 607/13.6TYVNG-E.P1 todos acessíveis em www.dgsi.pt).
[19] Ac. da RG de 2/5/2019, proc. 665/14.6TBEPS-E.G2 (Relatora: Margarida Sousa), in dgsi.pt
[20] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 9ª Edição, Almedina, pág. 240
[21] Catarina Serra, Idem, pág 157
[22] Ibidem, pág 158
[23] Ac. da RP de 05.03.2018, proc. n.º 781/16.0T8AMT-B.P1(Relator: Jorge Miguel Seabra)
[24] Catarina Serra, Idem, pág 157
[25] Ac. da RG de 5/3/2020, proc. 301/18.1T8VNF-C.G1, (Relator: Rosália Cunha), in dgsi.pt, onde se refere “acompanhamos na íntegra os argumentos expendidos no Acórdão da Relação de Coimbra, de 11.12.2012 (in www.dgsi.pt) onde se considerou:
“Pensamos que, com esta previsão o legislador não visa excluir os administradores de direito que não exerçam as funções de facto, (...) mas, ao invés, veio estender a qualificação a actos praticados por administradores de facto.
Assim, por via desta importante previsão, a qualificação abrange quer os administradores de direito, ou seja, os administradores legalmente designados constantes do contrato de sociedade e do registo comercial; e os administradores de facto, entendidos estes como as pessoas que praticam actos de administração sem que se encontrem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem. (...)
De facto, os administradores da sociedade devem observar os deveres fundamentais previstos no artigo 64.º do CSC, são responsáveis perante a sociedade nos termos previstos no artigo 72.º, mormente quando não tenham exercido o direito de oposição conferido na lei, e tal responsabilidade não pode ser excluída por cláusula em contrário do contrato que, se ali foi inserta, é nula por força do disposto no artigo 74.º do referido diploma legal.”
(…) detendo a recorrente a qualidade de gerente de direito é manifesto que a insolvência que seja declarada culposa a tem de abranger, ainda que a gerência de facto seja exercida por terceiro. Na verdade, a finalidade da lei foi alargar a responsabilização, incluindo quer os gerentes de facto quer os de direito, nos casos em que as funções de gerência não estão reunidas na mesma pessoa, e não restringi-la aos gerentes de facto, com exclusão dos gerentes de direito”.
[26] Ac. da RP de 19/11/2020, proc. 65/12.2TYVNG-H.P1, in dgsi.pt
[27] Ac. da RC de 14/4/2015, proc. 1830/10.0TBFIG-Q.C1, (Relator: Anabela Luna de Carvalho), in dgsi.pt, onde se considerou “O espírito da lei foi no sentido de alargar as consequências da qualificação da insolvência ao administrador de facto, sem excluir as consequências ao administrador de direito.
Posição que se mostra incontroversa na jurisprudência. Citamos como ex. o Acórdão proferido nesta Relação de Coimbra, datado de 21-01-2014, respeitante ao Processo 174/12.8TJCBR-C1, tendo como Relator o Exmº Desembargador Moreira do Carmo, ora 1º adjunto, publicado em www.dgsi.pt e, em cujo sumário se pode ler:
«Estando a gerente de direito envolvida no giro e funcionamento comercial da insolvente, ainda que em menor grau que o gerente de facto, não fica a mesma desvinculada dos deveres de acompanhar e controlar a condução da atividade da sociedade e de se informar sobre a sua situação, sendo por isso responsável pelo quadro circunstancial apurado que preenche as previsões legais estabelecidas no art. 186º, nº 2, a), h), e i), e nº 3, a), do CIRE;
Ao reportar-se tanto aos administradores de direito como aos administradores de facto, no art. 189º, nº 2, a), do CIRE, o legislador não visa excluir da qualificação da insolvência os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto, mas estender também tal qualificação aos administradores de facto, isto é, àqueles que praticam atos de administração sem que se encontrem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem».
Efetivamente, como se colhe das normas atrás citadas, compreende-se que assim seja porque, tal como os administradores de direito, os administradores de facto administram a sociedade, devendo por isso estar igualmente sujeitos a cumprir as regras da correta administração, sob pena de arcarem com as respetivas responsabilidades. (…) o facto de não exercer efetivamente as funções de gerente não o desvinculava dos deveres de cuidado a que, nos termos do art. 64.º do Código das Sociedades Comerciais, se encontrava obrigado, e nomeadamente do dever de se informar o administrador judicial sobre a sua situação e de acompanhar a sua atividade.
Corroboramos assim o entendimento de que, se incumpriu tais deveres, sob o pretexto de que a sua nomeação como administrador era meramente formal, não deixa por isso de ser responsável perante a sociedade nos termos do art. 72.º do Código das Sociedades Comerciais, nem deve deixar de ser afetado pela qualificação da insolvência”.
[28] Ac. da RG de 21/5/2020, proc. 1048/19.7T8GMR-A.G1, (Relator: Anizabel Pereira) in dgsi.pt Aí se decidiu “a finalidade da lei foi alargar a responsabilização, incluindo quer os gerentes de facto quer os de direito, nos casos em que as funções de gerência não estão reunidas na mesma pessoa, e não restringi-la aos gerentes de facto, com exclusão dos gerentes de direito, conforme é dito várias vezes na jurisprudência (5) e inclusive foi dito na sentença, quando se refere na mesma “ Ainda que se diga que a previsão do artº 186º nºs 1 e 2 CIRE não visou excluir os administradores de direito, que o não sejam de facto, mas, inversamente, estender a qualificação a actos praticados por administradores de facto e que a ignorância e o alheamento dos destinos da sociedade constituem, por si só, uma violação dos deveres gerais que se impunham ao gerente da insolvente (artº 64º nº1 Código das Sociedades Comerciais)”. Sem embargo, e apesar de ter afetado a gerente de facto, na verdade excluiu da afetação como culposa do gerente de direito (o requerido M. F.) pelo facto de o mesmo nunca ter exercido funções de gerente de facto.
A este propósito a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a qualidade de gerente de direito permite-lhe acompanhar a vida da sociedade, inteirar-se da gerência e modo como é exercida, zelar pelo cumprimento dos deveres legais, designadamente, a existência de contabilidade organizada, sendo esse o conteúdo funcional do ofício/função, cuja omissão o faz incorrer em responsabilidade (neste sentido, entre outros, o AC da RP de 10-12-2019 e citado nas alegações de recurso).
Em verdade, concluindo-se como se concluiu, isto é, que o comportamento apurado é relevante do ponto de vista do preenchimento da alínea h) do n.° 2, haverá que referir, como já se salientou, que a constatação da existência de culpa, relevante para efeitos de qualificação da insolvência como culposa não admite prova em contrário.
Com efeito, foi o próprio legislador quem quis - ao criar o instituto da insolvência culposa - responsabilizar os devedores e administradores, no pressuposto de que, quem assume determinadas funções, deve estar à altura de poder responder, em toda a linha”.
[29] Ac. RG de 24/9/2020, proc. 8502/17.3T8VNF-A.G1, (Relator: Conceição Sampaio), in dgsi.pt
[30] Cfr. Ac da RP de 8/9/2020, processo 624/19.2T8BJA-A.P1 (Relator: José Eusébio Almeida), acessível in dgsi.pt onde se refere “A inibição do afetado pela qualificação da insolvência como culposa é essencialmente a defesa da credibilidade do comércio, estabelecendo um período que dissuada comportamentos semelhantes aos verificados”.
[31] Cfr. Ac. da RP de 22/10/2019, proc. 327/15.7T8VNG-B.P1, (Relator: Vieira e Cunha), acessível in dgsi, onde vem sumariado “A ignorância e o alheamento dos destinos da sociedade constituem, por si só, uma violação dos deveres gerais que se impunham ao gerente da insolvente (artº 64º nº1 CSCom), pelo que a invocação de que, como gerente de direito, a Requerida estava afastada do dia-a-dia da sociedade, não a dispensava dos seus deveres para com a sociedade”.