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LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
Sumário
I- A indemnização devida na sequência da condenação por litigância de má fé tem de ligar-se por um nexo de causalidade adequada aos danos que não existiriam se não tivesse existido a litigância dolosa II- A punição por litigância de má fé prevê duas sanções, uma de natureza criminal, a multa, e outra de natureza civil, a indemnização, sendo esta fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal e um juízo de razoabilidade. III- A finalidade visada pela indemnização em sede de litigância de má fé é meramente sancionatória e compensatória. IV- Os meros transtornos incómodos, desgostos e preocupações cuja gravidade e consequências se desconhecem não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis.
Texto Integral
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
Decretada a providência de restituição provisória de posse instaurada por E. S., com domicílio na Travessa …, Nº …, V.N. de Famalicão, …, contra X-Comércio de Telas e Têxteis e Gráficas, ldª nif ………, com sede na Travessa …, V. N. Famalicão, veio, por apenso a esses autos, E. O., viúva, NIF ………, residente na Av. …, V.N. de Famalicão, deduzir, embargos de terceiro, com função preventiva, tendo aí sido proferida sentença que julgou totalmente procedente esses embargos e, em consequência, revogou a referida providência cautelar, condenando a Embargada E. S., como litigante de má-fé no pagamento de uma multa no montante de 4 (quatro) Uc´s e de uma indemnização a fixar nos termos do artigo 543.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, determinando-se, em consequência, que se notificasse as partes nos termos do citado preceito.
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A Embargante E. O. pronunciou-se, pugnando pela condenação da Embargada no pagamento da quantia de € 6.300 (seis mil e trezentos euros) a título de indemnização, correspondendo tal quantia:
» € 5.100 a título de honorários a favor do seu mandatário (34 horas despendidas, a um custo médio de € 150/hora); e
» € 1.200 a título de danos não patrimoniais (dor, ansiedade, vergonha e sofrimento padecido desde que tomou conhecimento da providência cautelar até à data da sentença).
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A Embargada não se pronunciou.
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Proferida decisão, foi a Embargada E. S. condenada no pagamento da indemnização à Embargante E. O. devida pela litigância de má fé em € 6.300 (seis mil e trezentos euros), acrescido de IVA, à taxa legal
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II-Objecto do recurso
Não se conformando com a decisão proferida, veio a embargada interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
I - A Recorrente teve o cuidado de verificar junto da Conservatória se alguma acção estava ou não registada sobre o seu prédio e quem eram os proprietários do prédios confinantes e até averiguou a Requerida teria sim um prédio mas não naquele lugar.
O lugar do prédio da Embargante, aqui Recorrida, não é o mesmo da lugar do prédio da Recorrente (… e … são lugares diferentes na Freguesia de …);
II - A Recorrente tão só foi “incomodada” por uma vez pelo legal representante da X, Requerida no procedimento Cautelar;
III - A X confronta do lado Poente com o prédio da Recorrente e sempre foi esta empresa que junto da Câmara Municipal interveio aquando do pedido para emissão da Certidão de destaque pela Recorrente relativamente ao seu prédio; Pelo que era esta e não a Embargante, aqui Recorrida, contra quem a Recorrente teria que litigar, o que fez.
IV - A decisão na Providência cautelar, face ao desconhecimento pela Recorrente, das acções entre o vendedor e Embargante, foi justa e apropriada aos factos que então eram do conhecimento da Recorrente, pretensões que mantém vivas e pelas quais continuará a pugnar.
V - Estas realidades alavancaram a posição, repete-se meramente negligente, duma omissão sobre a carta que recebeu da Embargante, pelo que só podia, o que fez, intentar o Procedimento Cautelar de Restituição de posse e de reconhecimento de propriedade.
VI- Não pode assim o Tribunal “ a quo” transportar a conduta processual da Recorrente em sede do Procedimento Cautelar para suportar uma decisão de indemnização gravosa quanto à sua litigância de má fé; Até porque inexiste qualquer ato na sua oposição nos Embargos de Terceiros que seja referido pelo Tribunal “ a quo” que possa sustentar tal decisão.
VII - Salvo melhor opinião, o julgamento da sua conduta terá que ser feita meramente no âmbito dos actos e posições tomadas nesses Embargos e NUNCA relativamente ao Procedimento Cautelar ainda em curso.
VIII- Pelo que entende a Recorrente que o valor fixado (150,00€ por hora para pagar ao mandatário da Recorrida???) afigura-se excessivo e desajustada e violador do principio da equidade e não poderia ser meramente alavancado numa carta que a Recorrida enviou à Recorrente sobre um ou mais contenciosos que arrastou ao longo dos anos com o vendedor do prédio que a Recorrente comprou sem ónus e encargos
IX - Como resulta do acima exposto a Recorrente não alegou no Procedimento Cautelar nem na oposição aos Embargos conscientemente factos contrários à verdade. Teve uma conduta condenável, admite, mas meramente negligente, à luz da informação que tinha e que recolheu, inclusive junto da Conservatória do Registo Predial e no confronto directo com o legal representante da X, contra quem litiga em sede do Procedimento Cautelar.
X - A Recorrente na sua omissão ao negligenciar a carta recebida não pôs em causa o dever de cooperação, nem fez nada para entorpecer a ação da justiça, limitou-se somente a pugnar pelos seus direitos, como continuará a pugnar dentro dos ditame das boa fé Processual. XI–Porúltimo,oTribunalàquo”na indemnização fixada não atendeu que em consequência da má fé, a indemnização visa só ressarcir a maioria dos prejuízos sofridos em consequência de má fé processual enãodeoutrosactosdolososeventualmentepraticadosantesdasuasintervençãonoprocesso,daíaalegaçãodequeoTribunal“aquo”teveincasuumadeficienteaplicaçãodoartº543ºdoCPC.
A embargante apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
1-No processo foi proferida douta Sentença em 16/12/2020 a qual, notificada às partes, já há muito transitou em julgado.
2-Nessa douta Sentença transitada em julgado, ficou, para além do mais, decretado “MaiscondenoaEmbargadaE. S., comolitigantedemá-fénopagamentodeumamultanomontantede4(quatro)UC’se deumaindemnizaçãoafixarnostermosdoart.543ºnº3doCódigoProcessoCivil.”
3-Não é já admissível que a Embargada/Apelante venha, totalmente fora do prazo previso no art. 638º nº 1 do CPC, interpor dilatório recurso de Apelação da douta Sentença nos termos em que o faz.
4-É, nessa medida, o recurso de Apelação interposto em 24/02/2021 manifestamente extemporâneo, devendo ser, nessa parte, liminarmente indeferido – art. 641º nº 2, al. a) do CPC.
Por outro lado,
5-A Embargante/Apelada, constatando que a Apelante apenas pagou a taxa de justiça de €.102,00, correspondeu a esse mesmo “desafio” e pagou igualmente taxa de justiça de €.102,00 dando por certo que o valor do recurso se confina a uma quantia que vai de €.2.000,01 a €.8.000,00 – tabela I/B do RCP –
6-Claro que nesse pressuposto, que é o único que possibilita a admissão do recurso – art. 638º nº 1 e 641º nº 2 al. a) do CPC – a única questão que poderá ser colocada e apreciada é a que dirá respeito à fixação do valor da indemnização a que a Embargante/Apelada tem direito.
7-Tornando-se espúrias todas as demais conclusões e, ou, alegações colocadas abusiva e extemporaneamente pela Embargada/Apelante no seu recurso.
8-Tornando-se assim também claro que o recurso de Apelação respeitante ao incidente de fixação do valor da indemnização correspondente à justíssima e já transitada em julgado, condenação da Embargada como litigante de má-fé – arts. 543º nº 1 al.s a) e b) e nº 3 do CPC – terá efeito meramente devolutivo como decorre do disposto no art. 647º nº 1 do CPC.
9-Sendo totalmente descabida a pretensão da Apelante de ver atribuído ao seu recurso respeitante, meramente, à fixação o valor da indemnização, efeito suspensivo.
10-Tal como é totalmente descabido a referencia à al. c) do nº 3 do art. 647º do CPC, o qual não tem nenhuma conexão e, ou, aplicação ao caso dos autos.
11-Daí que, e admitindo-se, por mera cautela de patrocínio, que a Apelação interposta dirá apenas respeito à fixação do valor da indemnização que a mesma, em razão da condenação já há muito proferida e já há muito transitada em julgado, deve pagar à Apelada, nenhum bom motivo existindo, para alterar a decisão tomada pelo tribunal “aquo” relativamente a tal questão respeitante á fixação do montante indemnizatório.
12-Sendo manifestamente improcedentes as repectitivas conclusões plasmadas no dilatório e lamentável Recurso de Apelação da Embargada/Apelante.
13-Note-se que a Embargada/Apelante, apesar de ter percebido que foi desmascarada toda a sua conduta ínvia e mentira que, quer por omissão, quer por comissão, havia usado para enganar o tribunal na anómala providencia cautelar instaurada contra terceira entidade – sociedadequenenhumarelaçãodepropriedadeouposse tinhatidocomoprédioquepertenceàEmbargante -,
14-Em vez de reconhecer e confessar o erro e a conduta intolerável e inaceitável que havia empreendido com o fito de enganar o tribunal e de se tentar apropriar do prédio pertencente à Embargante/Apelada, ainda veio apresentar Contestação e tentar, com outras tantas falsidades, criar “narrativasalternativas” para perpetuar o engano e mentira que havia trazido ao processo.
15-Justíssima, por isso, a decisão do tribunal de condenar a Embargada/Apelante pela indemnização agravada como litigante de má-fé, nos termos do art. 543º nº 1 al. b) do CPC, no montante indemnizatório, aliás modesto e moderado que consta da douta decisão aqui recorrida.
16- Sendo manifesto que a Embargada/Apelante litigou com evidente má-fé substancial é também manifesto que o tipo de indemnização a fixar pelo tribunal necessariamente foi ajustado a uma adequada indemnização agravada.
NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES DEVE, SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELA EMBARGADA/APELANTE, MANTENDO-SE “IN TOTTU” A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS,
ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E MERECIDA, JUSTIÇA.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo, tal como aqui se mantem, por ter o mesmo por objecto apenas a quantia fixada a título de indemnização por litigância de má fé, daí a taxa de justiça paga ser a devida.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito
Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir se o valor fixado como indemnização devida à parte contrária a título de litigância de má fé é excessivo, desajustado e violador do princípio da equidade como o considera a recorrente.
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Fundamentação de facto
- A materialidade supra exposta e que aqui se dá por reproduzida.
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Fundamentação jurídica
Em causa está o valor da indemnização devida pela litigância de má fé, cujo apuramento foi remetido para decisão ulterior, nos termos do artigo 543.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Transitada que foi essa decisão, tal obsta a que se reabra a discussão sobre a condenação como litigante de má fé, pelo que apenas importa agora ponderar sobre o seu razoável e concreto montante.
Para que o crédito indemnizatório se constitua na esfera jurídica do lesado é necessária a verificação cumulativa de dois indispensáveis pressupostos:
→ por um lado, a demonstração de um ilícito perpetrado pelo lesante, traduzido na sua litigância censurável;
→ E, por outro, que o lesado com essa conduta, formule o pedido indemnizatório.
No que se reporta à indemnização, ela pode ser simples ou agravada.
A indemnização simples é aquela que se encontra prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 543.º do CPC, e engloba todas as despesas que a má fé do litigante haja obrigado a parte contrária a suportar, incluindo os honorários ao seu mandatário ou aos técnicos.
Já a indemnização agravada é aquela que se encontra prevista na al. b), do n.º 1, do citado art.º 543.º, e abrangerá todas aquelas despesas e ainda todos os demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé do litigante.
Deixado o quantitativo da indemnização para depois da sentença, tem o juiz larga margem de manobra na sua fixação, não estando vinculado aos valores suportados pela parte, ainda que compreendidos no conteúdo da indemnização previamente determinado, até porque a lei lhe faculta o recurso ao prudente arbítrio e à razoabilidade.
Por outro lado, é certo que tem de existir uma relação de causalidade entre a indemnização pedida e o dano gerado pela litigância de má fé, o que implica que qualquer despesa que seja feita com anterioridade não deva, em regra, ser considerada para este efeito.
Assim, são indemnizáveis apenas os danos produzidos posteriormente ao exercício da má fé – José Lebre de Freitas – Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, Coimbra Editora / 2001, pág. 200.
Neste sentido a jurisprudência tem-se pronunciado por forma a considerar que: «A indemnização devida na sequência da condenação por litigância de má fé tem de ligar-se por um nexo de causalidade adequada aos danos que não existiriam se não tivesse existido a litigância dolosa» - cfr. Acórdão do TRL de 31-5-2007, no processo n.º 3490/2007-2.
Acrescentando-se, ainda, que: «A condenação como litigante de má fé em indemnização devida à parte contrária abrange, nos termos do art. 457.º n.º 1 al. a) do Cód. de Proc. Civil, os honorários do mandatário da parte contrária, mas apenas na parte destes que tiverem sido determinados pela má fé e não, em regra, na totalidade daqueles honorários» - cfr. Acórdão do TRL de 31-10-2002, no processo n.º 0074658.
É que visando a indemnização ressarcir prejuízos da parte contrária originados pela litigância, tal como se referiu no acórdão do S.T.J. de 10-07-2007, no processo identificado com o n.º 07B2413, «n[N]a fixação do valor da indemnização por litigância de má fé, deve ter-se em consideração, essencialmente o grau de culpabilidade do litigante de má fé, as despesas efectuadas pelos ofendidos, mas apenas as consequentes dos factos que caracterizam a má fé e não a quaisquer outros danos invocados no processo, ocorridos antes dos actos que caracterizam a litigância de má fé.
Importa, também, atentar no facto de que, sendo a acção dos litigantes de má fé uma e única as suas caraterísticas devem reflectir-se com igualdade na fixação da multa e da indemnização.
A punição por litigância de má fé prevê duas sanções, uma de natureza criminal a multa e outra de natureza civil, a indemnização, sendo esta fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal e um juízo de razoabilidade.
In casu, como se considerou na decisão proferida quanto à factualidade apurada e que aqui é de atender, “… resulta do facto supra dado como provado sob a Alínea K., pouco depois d compra pela Embargada a D. M. e mulher do prédio inscrito na matriz sob o artigo 1492 e descrito na CRP sob o n.º …, a Embargante enviou à Embargada uma carta registada com aviso de recepção, dando-lhe conhecimento: i) que a embargante encontrava-se dentro do prédio que lhe pertencia; ii) que o referido prédio tinha sido objecto de disputa judicial com o Sr. D. M. e mulher, isto é, com os vendedores do seu prédio; iii) do teor da sentença proferida no processo n.º 856/12.4TJVNF; iv) que o prédio que terá sido alienado, confronta com o seu prédio, e que terá descrição diferente da que actualmente consta do registo”.
Mais se apurou que essa carta foi recepcionada pela Embargada, muito antes de ter proposto o procedimento cautelar apenso e que, não obstante isso, desde logo propôs o mesmo contra a “X-COMÉRCIODETELAS TÊXTEISEGRÁFICAS,LDA.”, quando era do seu conhecimento que a embargante se intitulava proprietária do prédio.
Por outro lado, naquela carta a Embargante disse-lhe expressamente que o seu filho F. a encontrou dentro do logradouro que lhe pertencia, sem que a tivesse averiguado, designadamente no registo, quem era o verdadeiro titular do direito de propriedade do prédio em questão, tendo em conta que, no requerimento inicial do procedimento, a Embargada descreveu um conjunto de cuidados que teve para a compra do seu prédio, designadamente junto de registos, sem que, de igual cuidado tivesse tido aquando da propositura do procedimento cautelar.
Acresce que a Embargante lhe deu conhecimento quer da disputa que teve (tinha) no tribunal com o Sr. D. M., sem que a Embargada tivesse efectuado qualquer diligência para perceber que tipo de acção se tratava ou mesmo feito qualquer referência desse facto no requerimento inicial, quando dele tinha perfeito conhecimento.
Face ao exposto concluiu-se, e bem, que a Embargada omitiu factos relevantes para a decisão da causa, ainda para mais num procedimento que bem sabia que iria ser decidido, ainda que provisoriamente, sem a audição da parte contrária, ou seja, sem qualquer contraditório quer permitisse fazer chegar ao tribunal os factos posteriormente vertidos nos embargos de terceiro.
Mais se considerou que a Embargada propôs procedimento cautelar cuja falta de fundamento não podia ignorar, tendo para tanto omitido factos relevantes para a decisão da causa e ousando desvirtuar a realidade, o que patenteia um uso abusivo do direito a que alude o artigo 20.º da Constituição da República, e integra o estatuído nas citadas alíneas a), b) e d) do artigo 542.º do Código de Processo Civil, estando assim preenchidos os requisitos para se concluir pela litigância de má-fé por parte da Embargada.
Como tal, face ao enquadramento destes elementos subjacentes à condenação imposta, cumpre, então, agora, quantificar a indemnização devida.
Ora, quanto aos honorários tem-se entendido que os honorários a atender são os honorários correntes, fixados nos termos do Estatuto da Ordem dos advogados, devendo o montante ser encontrado ao abrigo do critério estabelecido no art.º 100.º do E.O.A., em função do trabalho desenvolvido no processo, levando em conta a presunção de onerosidade do comprovado mandato forense (cf. presunção de onerosidade estabelecida no art.º 1158.º, n.º 1, do CCiv., de si não ilidida in casu).
No que concerne ao quantum dos honorários haverá que recorrer ao disposto no Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro, atentando ao que se preceitua no art.º 105.º que menciona como factores a atender na fixação dos honorários pelo advogado a “importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais” – cfr. nº 3 do referido normativo.
Deve assim considerar-se a especificidade do trabalho desenvolvido, o tempo despendido, responsabilidade envolvida e grau de exigência e dificuldade técnica concretizados em cada caso.
Revertendo ao caso dos autos, constata-se que todos os actos praticados pelo mandatário da embargante ocorreram por causa e na sequência da providência instaurada pela embargada sem fundamento, por ter omitido factosrelevantesparaadecisãodacausa, com adulteração da realidade. Na fixação do seu valor importa levar em consideração que a razão de ser dos normativos dos arts 542º e 543º do CPC é a de proteger o interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela própria justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e a eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestigio da justiça, tal como decorre do facto da multa visar castigar o procedimento do litigante de má fé.
Como tal, tem-se considerado que o critério da indemnização na litigância de má fé não é a medida do dano, nem tão pouco a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, já que, em vez de se atender, como sucede na responsabilidade civil, à situação do lesado, considera-se antes a situação do autor do facto ilícito. A finalidade visada pela indemnização em sede de litigância de má fé não é ressarcitória, como sucede com a responsabilidade civil, mas meramente sancionatória e compensatória.
Tudo ponderado, nomeadamente o pouco tempo de duração do processo, a sua redução, essencialmente, à apresentação da petição de embargos, à reduzida dificuldade da questão, o facto do requerimento inicial da providência cautelar ser uma peça processual simples, a não elevada dificuldade técnica, as regras de experiência comum e os montantes fixados noutros casos, cremos razoável e equilibrado reduzir a indemnização correspondente ao reembolso dos honorários do mandatário da embargante à quantia de 3.000,00.
Já quanto aos ressarcimento dos danos não patrimoniais causados pela má-fé processual, ABRANTES GERALDES, in Temas Judiciários, p. 336, bem como o Ac. do TRE de 20 de Dezembro de 2012, afirmou-se que “nada impede a admissibilidade da reparação de danos morais em sede de litigância de má fé”, uma vez que o “art. 457º nº 1 al. b) do CPC [agora art. 543º/1/b] refere serem indemnizáveis, para além das despesas, os «restantes prejuízos sofridos», sem descriminar a natureza moral ou material dos mesmos.
Assim, quanto ao dano não patrimonial (desgostos e incómodos) temos que dizer que o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.
Certo é que apenas são atendíveis os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – art.º 496.º n.º1 do CC.
Efectivamente: «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» - R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995 p.555/556.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.
Para esta apreciação há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.
Tem vindo a ser considerado que, o dano grave é, não apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade”. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação.
Compreende-se assim que, se venha entendendo, que “os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais” (Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 473, citando vários acórdãos do STJ).
Não quer isto dizer, como explica ainda Antunes Varela, Das Obrigações… págs. 628/629, que “os danos não patrimoniais não devam ser atendidos noutros casos [para além da morte da vítima], nomeadamente quando haja ofensas corporais, violação dos direitos de personalidade ou do direito moral do autor, mas logo deixa transparecer [o nº. 2 do art. 496 do CC] o rigor com que devem ser seleccionados os danos não patrimoniais indemnizáveis”.
E assim temos entendido que os meros transtornos incómodos, desgostos e preocupações cuja gravidade e consequências se desconhecem não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis - neste sentido Ac. desta Relação proferido no processo 1483/11.5 TBFAF.G1 com data de 26 de Junho de 2014.
De efeito, como é do senso comum, quem tem pendente uma acção em tribunal fica aflito, no mínimo, bem como padece de preocupações, ansiedade, desconforto, incerteza e desenvolve sentimento de injustiça pelo facto de ver o seu direito colocado em causa.
Ora, a embargante poderá ter sentido tudo isso.
Contudo, não se apurou qualquer matéria de facto susceptível de permitir fazer um juízo sobre a dimensão, intensidade e persistência da sintomatologia alegada ao nível de um patamar de gravidade superior ao necessário para reclamar uma compensação.
Sendo esta a interpretação que nos parece ser a mais consentânea com a letra da lei e aplicando-a ao caso dos autos concluímos que não poderá manter-se a indemnização fixada na decisão recorrida, a titulo de danos não patrimoniais, uma vez que não revestem uma gravidade objectiva tal que possam ser enquadráveis no disposto no artº 496.º n.º 1 do CC, tal como se decidiu no Acórdão desta Relação proferido no Proc1639/14.2 TBVCT.G2, a 11-05-2017, de que a ora relatora foi adjunta.
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III-Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso parcialmente procedente, reduzindo para € 3.000,00 (três mil euros), acrescido esse valor de IVA, à taxa legal, o valor da indemnização pela litigância de má fé, pela qual é responsável a embargada E. S..
Custas pela recorrente e recorrida na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
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Guimarães, 16.09.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do novo acordo ortográfico, e é por todos assinado electronicamente)
Maria dos Anjos S. Melo Nogueira Desembargador José Carlos Dias Cravo Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida