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CONDOMÍNIO
OBRAS NOVAS
TERRAÇO DO PRÉDIO
APARELHO EXTRATIVO DE FUMOS E ODORES
Sumário
I- A proibição de obras que constituam inovações é imposta por razões de ordem pública – como a segurança e a estabilidade dos edifícios, tendo em vista o fim e a utilidade económica a que se destinam – e também por razões de protecção da propriedade, de interesses privados, porquanto a realização de tais obras projectam-se na esfera dos restantes condóminos. II- É acolhido um conceito amplo de inovação, abarcando quer as alterações de substância e forma da parte comum, quer o seu destino ou afetação, tal como decorrem do título de constituição da propriedade horizontal e da lei. III- Já não poderão ser qualificadas como tal as obras que são necessárias para assegurar o gozo das fracções autónomas pelos seus proprietários e não prejudicam os demais condóminos ou, não o sendo, igualmente não envolvam prejuízos para estes. IV- A simples colocação no terraço do prédio de aparelho extrativo de fumos e odores, sem furações na estrutura, usando as tubagens já pré-existentes estruturalmente no prédio, para ligação a um restaurante, sem visibilidade a partir da rua, permitindo a extracção de fumos e odores, conformemente à obrigação decorrente da lei para a abertura de restaurantes, estando tal destino (restauração) previsto no título constitutivo da propriedade horizontal do edifício, constitui uma mera utilização do terraço (para um fim que normalmente lhe estaria adstrito), que não altera substancialmente essa parte comum, nem impede a sua utilização por parte dos outros condóminos e que, como tal, não pode constituir uma inovação, no sentido previsto no artigo 1425.º do Código Civil. V- O desenvolvimento das sociedades urbanas faz surgir, no plano do direito, a necessidade de conferir ao conceito de inovação uma substância fáctica que traduza o que socialmente é sentido como inovador, sendo hoje impensável que um restaurante funcione sem a correspondente máquina de extracção de fumos e odores.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Condomínio do prédio sito na Rua ..., n.ºs ..., ..., ... e …, freguesia de ..., Braga (representado por “X – Administração de Condomínios, Lda.”) deduziu ação declarativa contra “P. D. – Comércio de Peças Auto, Lda.” e “Y Restaurante & Garrafeira, Lda.” pedindo que:
a) que se declare ilícita a junção da fração B do prédio do autor com a fração A do prédio contíguo e que se condene a 1.ª ré a proceder, no prazo de 30 dias, à realização dos trabalhos necessários à reposição do estado natural do edifício do autor, designadamente, através da separação das frações, com reconstrução da parede exterior de separação dos edifícios;
b) que se condenem ambas as rés à reconstituição natural do uso da fração B do edifício do autor, ou seja, à cessação da atividade de restauração atualmente nela prosseguida;
c) que se condene a 2.ª ré à demolição dos trabalhos ilicitamente realizados no prédio do autor, no prazo de 30 dias, designadamente:
- à remoção dos equipamentos implantados na cobertura do autor – uma máquina/ventilador para exaustão de odores, fumos e vapores ligada à hotte da cozinha do restaurante e uma conduta metálica de elevadas dimensões ligando essa máquina ao edifício contíguo;
- à remoção das grelhas de ventilação nas portas da fração B do edifício do autor;
- à reparação da cobertura do edifício do autor com os mesmos materiais e estética, deixando-se a mesma nas condições anteriores ás obras efetuadas ilicitamente pela 2.ª ré;
d) que se condene a 2.ª ré, no mesmo prazo, a custear a reparação da fachada do autor, nomeadamente através da reposição dos cerâmicos caídos na sequência da trepidação causada pelos trabalhos por si desenvolvidos, de acordo com orçamento apresentado no valor de € 1.648,35;
e) que se condenem as rés no pagamento de sanção pecuniária compulsória em montante não inferior a € 50,00/dia, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações resultantes da sentença que venha a ser proferida.
A 2.ª ré contestou, excecionando a ilegitimidade ativa e o abuso de direito. Contestou, também, por impugnação.
Também a 1.ª ré contestou por exceção e impugnação, nos mesmos termos.
Convidado para o efeito, o autor ofereceu resposta à matéria de exceção e juntou acta da deliberação da assembleia de condóminos para suprimento “de eventual falta de autorização daquela para a propositura da presente ação”.
Em sede de audiência prévia foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade ativa e falta ou abuso de representação. Foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
No decurso da audiência de julgamento, as partes transigiram parcialmente quanto ao objeto da presente ação, desistindo o autor dos pedidos formulados nas alíneas a) e b) do petitório, o que foi aceite pelas rés, tendo tal transação sido homologada por sentença que declarou extinto o direito que o autor pretendia fazer valer contra os réus através desses pedidos.
Pela 2.ª ré foi apresentado articulado superveniente através do qual deu a conhecer obra que efetuou na cobertura do edifício de forma a melhorar os valores de ruído existente. O autor respondeu.
Foi proferida sentença cujo teor decisório é o seguinte:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência:
a) Condeno a ré Y RESTAURANTE & GARRAFEIRA, LDA., a proceder à demolição dos trabalhos realizados no prédio do autor (aqueles melhor referidos nos pontos L. e M. da factualidade assente), no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da presente sentença, devendo proceder à remoção dos equipamentos implantados na cobertura do prédio do autor (aqueles melhor referidos nos pontos L. e M. da factualidade assente), deixando a cobertura do edifício do autor nas condições anteriores às obras por si efetuadas;
b) Absolvo a ré Y RESTAURANTE & GARRAFEIRA, LDA., do demais peticionado pelo autor.
Custas pelo autor e pela referida ré na proporção do seu decaimento, que se fixa em metade para cada parte (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC)”.
A 2.ª ré interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões:
I. A Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo que a condenou a proceder à demolição dos trabalhos realizados no prédio do Recorrido, à remoção dos equipamentos implantados na cobertura do mesmo prédio, deixando a cobertura do edifício nas condições anteriores às obras por si efetuadas, todos no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão;
II. Salvo diferente e melhor entendimento, a sentença recorrida julga, erradamente, os pontos P , M e Y da Matéria de Facto Provada (MFP) e, bem assim, o ponto 6 da Matéria de Facto Não Provada (MFNP), sendo que, além do mais, não fez constar da matéria de facto provada factos relevantes para a discussão da causa;
III. No Ponto P da MFP afirma-se que “As Máquinas referidas em L. são visíveis a partir da Avenida ..., desta cidade de Braga” fundando-se a respectiva convicção do Julgador no depoimento de parte do Sr. P. G., representante do Autor X, prestado desde as 10:29:23 até as 11:12:49 do dia 03 de março de 2020, registado de 00:00:01 a 00:42:05 horas da gravação no sistema H@bilus, que, em momento algum do seu depoimento, apresentou uma afirmação categórica de tal facto – vide dos 12 min e 37 segundos do seu depoimento até 17 min e 32 segundos e dos 25 min e 03 segundos até aos 25 min e 40 segundos do depoimento da parte – pelo que o mesmo deveria ter sido considerado não provado. -
IV. O Ponto P da MFP assenta, assim, numa mera presunção sobre a visibilidade dos equipamentos em causa pois a parte, no seu depoimento, adianta uma presunção, e não uma certeza, de que as ditas máquinas poderão ser visíveis “nomeadamente a partir da variante” sendo que, qualquer pessoa, poderá constatar que a visualização da existência das máquinas referidas no Ponto L não é possível, tanto pela disposição da variante como pela clara obstrução de visibilidade pelas árvores presentes na berma da variante, o que constitui, além do mais, facto notório e de conhecimento público.
V. O Ponto M da MFP deve ser expurgado da expressão “enorme” por se tratar de um conceito impreciso e vago, totalmente carecido de prova.
VI. No Ponto Y da MFP considera-se que “Os equipamentos que foram instalados na cobertura do prédio estão ligados ao restaurante da ré Y através de condutas extrativas com 250 mm de diâmetro que, em parte (as imbuídas na corete), foram criadas e instaladas na construção original do prédio”, deve ser, em qualquer caso, alterado e dele se excluir a expressão “em parte” pelo que deve considerar-se como não provado com a redacção que consta da decisão recorrida, atendendo ao depoimento da testemunha J. V., prestado desde as 15:19:31 até às 15:49:43 do dia 03 de Março de 2020, registado de 00:00:01 a 00:30:11 horas da gravação no sistema H@bilus conquanto do mesmo decorre, claramente, que que as condutas extrativas referidas são industriais, com 250mm de diâmetro e que foram criadas e instaladas na construção original do prédio – desde os 9 minutos e 07 segundos até aos 14 minutos e 15 segundos; Desde os 18 minutos e 25 segundos aos 20 minutos e 40 segundos
VII. Igualmente, o Ponto 6. da MFNP, que tem a seguinte redação “Os equipamentos que foram instalados na cobertura do prédio do autor estão ligados ao restaurante da ré Y exclusivamente através de condutas que foram criadas e instaladas na construção original do prédio.” deveria ter sido considerado provado atento o depoimento da testemunha J. V., prestado desde as 15:19:31 até às 15:49:43 do dia 03 de Março de 2020, registado de 00:00:01 a 00:30:11 horas da gravação no sistema H@bilus, conquanto do mesmo decorre, claramente, que que as condutas extrativas referidas são industriais, com 250mm de diâmetro e que foram criadas e instaladas na construção original do prédio – vide desde os 9 minutos e 07 segundos até aos 14 minutos e 15 segundos; Desde os 18 minutos e 25 segundos aos 20 minutos e 40 segundos
VIII. A sentença do Tribunal a quo peca, ainda, por não considerar como facto provado o facto das condutas extrativas das frações habitacionais terem o mais curto diâmetro de 125mm, no máximo cujo aditamento à matéria de facto também se requer – vide depoimento depoimento da testemunha J. V., das 15:19:31 até às 15:49:43 do dia 03 de Março de 2020, registado de 00:00:01 a 00:30:11 horas da gravação no sistema H@bilus,
IX. Acresce que, tal como consta do facto M, a conduta instalada pela Recorrente não se trata de uma conduta extrativa industrial, tratando-se apenas de uma conduta de ligação, com dimensões distintas das condutas extrativas industriais já previamente instaladas.
Posto isto e independentemente da alteração da matéria de facto,
X. O Tribunal a quo andou mal quando considerou que a instalação de máquinas de extração na cobertura do edifício constitui uma obra inovadora que carece da aprovação da maioria qualificada dos condóminos.
XI. A instalação referida constitui apenas uma utilização, sem alteração substancial, das partes comuns do prédio, não constituindo em momento algum uma obra de inovação como entende o Tribunal a quo.
XII. Tal como se demonstrou nas extensas audiências de julgamento, assim como ficou provado na douta sentença do Tribunal a quo, a Recorrente não efetuou furações na cobertura para fixar as estruturas das máquinas instaladas – vide Facto Não Provado 1.
XIII. As máquinas encontram-se apenas pousadas na cobertura, ou seja, não se verifica um desvio do fim inerente à cobertura, uma vez que não estamos perante uma alteração substancial da parte comum, mas sim uma simples utilização dessa mesma parte.
XIV. A Recorrente colocou as máquinas na cobertura recorrendo às condutas industriais pré instaladas à data de construção, tal como ficou provado em audiência de julgamento através dos depoimentos das testemunhas J. V. e H. V. (construtores do prédio dos autos), que optaram por realizar uma pré-instalação de condutas industriais extrativas necessárias para uma eficaz extração industrial, dotando as frações comerciais de condutas de 250mm de diâmetro (enquanto que nas frações habitacionais estas condutas de extração não ultrapassam os 125mm de diâmetro).
XV. A pré-instalação pressupõe, obviamente, uma posterior conclusão da mesma, ou seja, a efetiva instalação das máquinas para as quais aquelas condutas foram inicialmente previstas. Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão datado de 24/06/2010.
XVI. De forma a conciliar o regime de propriedade horizontal habitacional com a sua vertente comercial, de forma a fomentar a prossecução de atividades económicas e iniciativa privada que, tal como é notório e facilmente constatável, se traduz num desenvolvimento económico e social da zona geográfica em questão, a instalação das máquinas na cobertura do prédio, por se tratar de uma mera utilização da parte comum e não uma alteração substancial da mesma, não necessita da aprovação da maioria qualificada para a sua realização.
Sem prescindir,
XVII. mesmo que se considerasse que a instalação efectuada pelo Recorrente constitui obra nova ou inovação carecidas da aprovação da maioria qualificada dos condóminos, o que apenas se admite por hipótese de raciocínio, sempre o exercício do direito de peticionar a demolição/remoção pelo Recorrido seria ilegítimo por manifesto e evidente abuso de direito.
XVIII. O equipamento de extração demonstra-se essencial para o normal funcionamento do restaurante da Recorrente, e conforme é do conhecimento comum, quer ao nível de segurança, quer da utilização de cozinhas a gás e consequente emissão de gases de combustão.
XIX. Sem extracção, é exponencial o aumento de risco de intoxicações e, inclusivamente o risco de explosões ou de incêndios, sendo inclusivamente necessária a instalação de ventiladores homologados F-400 (400º 2h) para extrair o fumo em caso de incêndios.
XX. Dispõe o artigo 12º nº5 do Decreto Regulamentar nº4/99, de 1 de abril que, “em qualquer caso, as cozinhas, as copas e as zonas de fabrico devem dispor de aparelhos que permitam a contínua renovação do ar e a extracção de fumos e cheiros.”.
XXI. Uma vez que a Recorrente investiu elevados montantes de capital na prossecução da sua atividade económica, que se encontra aprovada e licenciada pelas entidades competentes, assim como se subsume ao disposto no título constitutivo da propriedade horizontal, demonstra-se abusivo que os condóminos obstem à instalação das máquinas de extração na cobertura do prédio.
XXII. Na construção do prédio do Recorrido, foram instaladas condutas extractivas industriais, o que comprova que a intenção dos construtores do Prédio (testemunhas J. V. e H. V.) foi sempre a utilização dessas condutas para as finalidades inerentes das mesmas, tanto mais que, sem estes aparelhos na cobertura do prédio, não existe qualquer alternativa viável para a colocação dos mesmos.
XXIII. Os construtores optaram por instalar todas as condutas necessárias para a hipotética instalação de uma churrasqueira que, tal como é facto público e notório, emite mais fumos e cheiros do que o restaurante da Recorrente, pelo que necessitaria de um sistema de extração bastante mais potente e eficaz (o que seria, com toda a certeza, mais ruidoso e incomodativo).
XXIV. As máquinas instaladas pela Ré, tal como ficou demonstrado em audiência de julgamento, são de elevada qualidade e, consequentemente, têm inerente um valor acrescido face às extensas e mais apetecíveis opções no mercado, visto que o espírito da Recorrente foi sempre procurar uma conciliação e relação saudável entre os condóminos das frações habitacionais com a sua atividade económica tendo esta opção implicado na esfera jurídica e económica da Recorrente um investimento de capital bastante superior ao que seria expectável.
XXV. De acordo com o artigo 334º do Código Civil, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
XXVI. No caso sub judice, constitui um claro abuso de direito a oposição do Recorrido à instalação de equipamentos essenciais à prossecução da atividade económica da Recorrente.
XXVII. Os condóminos do recorrido demonstraram, desde os primórdios das relações com a Recorrente, uma tremenda inflexibilidade para a abertura e consequente funcionamento em circunstâncias normais do restaurante, adotando uma atitude extremamente abusiva do seu direito de oposição tendo procurado obstar que a Recorrente prosseguisse a atividade económica prevista no título de propriedade horizontal.
XXVIII.O abuso deste direito conduz, implicitamente, ao encerramento do Restaurante da Recorrente e à consequente frustração do capital despendido na abertura do restaurante, assim como coloca em causa o emprego de todos os trabalhadores da Recorrente.
XXIX. Acresce que, a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo quanto ao art. 1425º do Código Civil é inconstitucional por violar o disposto no art. 61º da CRP, na medida em que se considere inovação a instalação na cobertura de um prédio de sistemas de extracção de fumos através de condutas pré-existentes que atravessa todo o prédio na vertical, desde a origem a até à dita cobertura, conquanto esvaziaria de qualquer sentido o exercício do direito de propriedade, o que, também se invoca com todas as consequências legais.
Além disso,
XXX. A grande problemática dos autos é, na modesta opinião da Recorrente e com todo o devido respeito ao Tribunal a quo e ao Recorrido, o eventual ruído alegadamente produzido pelas máquinas instaladas na cobertura do prédio dos autos.
XXXI. Contudo, ficou provado nos autos que o eventual ruído produzido pelas máquinas apenas excede os valores de incomodidade admissível na fração do 4º andar direito, assim como se revelou não provado em julgamento o facto de as máquinas instaladas na cobertura provocarem qualquer ruído incomodativo na zona dos quartos do 4º andar esquerdo (e, consequentemente, nas restantes frações do prédio em causa), sendo manifesto que o direito de acção pela ocorrência de tais danos (a existirem) cabe a cada lesado e não ao Condomínio Recorrido que, aliás, nunca peticionou tal coisa nem utilizou nos autos tal causa de pedir.
XXXII. Acresce que, durante o decorrer das instâncias, a ré Y promoveu uma obra na cobertura do prédio do autor que consistiu na implementação de um silenciador na máquina extrativa ali existente e na eliminação dos cotovelos existentes nas condutas de ar ali instaladas – vide facto AA.
XXXIII. Embora não tenha ficado provado o nível de impacto destas obras nos valores de ruído, certo é que as mesmas foram realizadas sendo absolutamente crível, à luz das regras de experiência comum e normalidade do acontecer, que a instalação do silenciador na máquina extrativa reduz o nível de ruído produzido.
XXXIV. Na ATA da Assembleia de Condóminos, datada de 7 de julho de 2020, onde se procurou discutir e analisar os efeitos sentidos na produção de ruído no edifício, após intervenção na cobertura por parte da Recorrente – vide ponto 1 da Ordem de Trabalhos da ATA número 18 – ficou registado que a mera redução da atividade laboral da Recorrente é suficiente para que os condóminos não sintam qualquer prejuízo a nível do ruído ambiente das máquinas do restaurante.
XXXV. Pelo que se comprova que se trata de um ruído absolutamente impercetível em coadunação com as atividades normais da vida quotidiana dentro das frações habitacionais.
XXXVI. Desta forma, é manifestamente constatável a existência de soluções menos gravosas que permitam chegar a um ponto razoável de satisfação de ambas as partes, sem condenar ao implícito encerramento da atividade Recorrente, assim como de todas as consequências económicas que advém dessa mesma cessação de atividade.
Sem prescindir,
XXXVII. ocorre, ainda, no caso dos autos, um confronto o direito de prossecução de atividade económica, constitucionalmente previsto no artigo 61º da Constituição da República Portuguesa, com o direito de compropriedade dos condóminos.
XXXVIII. Atento ao disposto no artigo 335º nº1 do Código Civil, havendo uma colisão de direitos da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes sendo que, quando estamos perante direitos desiguais ou de espécie diferente, deve prevalecer o direito que se deva considerar superior – vide artigo 335º nº2 do Código Civil.
XXXIX. No caso sub judice, estão preenchidos, na íntegra, os pressupostos da colisão de direitos.
XL. Para resolver uma colisão entre direitos fundamentais é mister que se tente a compatibilização entre os mesmos, o que pode ser alcançado mediante o recurso ao princípio da proporcionalidade, fazendo com que possa ocorrer o exercício conjugado dos direitos fundamentais reduzindo-se o âmbito de aplicação dos mesmos–Ac. da Relação do Porto, datado de 28-03-2012, disponívelem:http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ed7ad26f19eaed6e802579d 7003979b9
XLI. In casu, existe uma clara colisão entre o Direito da Recorrente prosseguir a sua atividade económica, atividade esta que, aliás, se encontra prevista no título constitutivo da propriedade horizontal, e o direito dos condóminos, previsto no artigo 1425º, de se oporem a qualquer inovação realizada nas partes comuns (que não se aceita).
XLII. No prédio do Recorrido existiam e existem condutas extractivas que atravessam o prédio na vertical, desde a loja da Recorrente até à cobertura, destinadas à extracção de fumos, sendo necessário, para a prossecução da atividade de restauração, a instalação de aparelhos de extração o que só poderá ocorrer na cobertura, tal como foi pensado e construído pelos construtores do prédio dos autos.
XLIII. A atitude da Recorrente não é chocante nem violadora do título constitutivo e do espírito dos construtores do prédio, tanto porque está previsto no titulo constitutivo a instalação de atividades de restauração, mais especificamente, uma churrascaria,
XLIV. Assim como os construtores do prédio instalaram as condutas para, futuramente, não ser necessário proceder a obras de modificação da estrutura do prédio.
XLV. A conduta dos condóminos, tal como alegado previamente, foi abusiva, aproveitando-se do direito disposto no artigo 1425º para se oporem à instalação dos equipamentos da Recorrente.
XLVI. O que, importa reiterar, a Recorrente impugna, como sempre impugnou, visto que não considera que as suas ações constituem obras de inovação, não estando adstritas ao previsto no artigo 1425º.
XLVII. Neste caso, o direito à iniciativa privada e à prossecução da atividade comercial tem de prevalecer sobre o direito de propriedade horizontal dos condóminos.
XLVIII. A conduta dos condóminos, de acordo com o entendimento do Recorrido e do Tribunal a quo, obsta a instalação, no prédio dos autos, de qualquer atividade de restauração, ou similar, que necessite impreterivelmente dos equipamentos de extração.
XLIX. Existindo uma colisão de direitos, como existe aqui nos autos, deve ser realizado um juízo de proporcionalidade e razoabilidade, com a finalidade de determinar qual o direito que deve prevalecer.
LI. No caso sub judice, entendemos, e salvo melhor opinião do Tribunal ou do Recorrido, que o Direito da Recorrente deve prevalecer, claramente, sobre o Direito do Recorrido, não sendo proporcional, justo ou razoável impedir a Recorrente de prosseguir a sua atividade económica, colocando em causa montantes elevados a títulos de investimentos de instalação e desenvolvimento do restaurante, e sentenciando os trabalhadores da Recorrente ao desemprego.
LII. E esta constatação não é absurda, visto que a remoção das máquinas de extração, tal como previsto na douta sentença do Tribunal a quo terá, implicitamente, as consequências aqui descritas.
LIII. Ou seja, do lado da Recorrente temos as consequências gravíssimas apresentadas na presente demanda, enquanto que do lado do Recorrido a consequência para o Recorrido Condmínio seria a … instalação de uma máquina.
LIV. Questiona-se o Tribunal a quo em que medida é que o implícito encerramento de uma atividade económica é menos gravoso do que os condóminos aceitarem, como deveriam, de acordo com a boa fé e à luz do critério do homem médio, a instalação de um sistema de extração.
LV. Tal como referido previamente, a demanda do Recorrido assenta, apenas, no facto de considerar uma obra inovadora a instalação dos equipamentos da Recorrente, na cobertura e não os danos resultantes desta instalação
LVI. Que, adiantamos, não são, de todo, gravosos e suscetíveis de medidas menos onerosas de forma a conciliar todos os direitos que possam ser suscitados.
LVII. Mui respeitosamente, o Tribunal a quo não avaliou corretamente os direitos aqui em causa e acabou por proferir uma sentença extremamente gravosa para a aqui Recorrente, em prol de um direito que, salvo melhor opinião, não merecia a tutela conferida.
LEGISLAÇÃO VIOLADA
Com o seu entendimento, a sentença dos autos violou, entre outras, as normas previstas nos artigos 334º, 335º, 1421º e 1425º do Código Civil e art. 61º da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE
Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada a decisão dos autos, só assim se fazendo JUSTIÇA!
O autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto e análise das características da obra efetuada, designadamente se as mesmas podem ou não constituir inovação e, em caso positivo, análise do abuso de direito e da colisão de direitos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Factos provados (com relevância para a discussão da causa – atenta a desistência do pedido apresentado pelo autor e a consequente restrição do objeto do processo - e selecionados de acordo com as regras da repartição do ónus da prova):
A. O Condomínio autor respeita a um edifício em regime de propriedade horizontal, constituída em 29.06.2007, sito na Rua ..., com os números de polícia ..., ..., ... e …, freguesia de ... (..., … e …), do concelho de Braga, descrito na CRP de Braga sob o número … e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ….
B. A sociedade P. D. – Comércio de Peças Auto, Lda., é locatária financeira da fração B (loja nº ..) do edifício referido em A.
C. A ré Y Restaurante & Garrafeira, Unipessoal, Lda., é uma sociedade comercial cujo objeto consiste em “restaurante tipo tradicional. Exploração de restaurantes, cafés, bares e similares. Atividades de venda de bebidas e refeições para consumo no próprio local sem ou com espetáculo. Comércio a retalho de bebidas. Comércio por grosso de bebidas”.
D. A ré Y é inquilina da sociedade P. D., por lhe ter arrendado a fração referida em B e ainda a fração A (loja nº ..) do edifício contíguo, também em propriedade horizontal e sito na mesma Rua ..., com os números de polícia .., .., .. e ...
E. Nessas frações, a ré Y prossegue atualmente o seu objeto social e comercial, tendo ali instalado um restaurante.
F. A lojas referidas em D. foram fisicamente unidas, por serem contíguas em localização, sendo atualmente utilizadas como uma unidade, no que respeita à sua funcionalidade prática e económica.
G. Em meados do mês de Julho de 2017, o autor foi abordado, através da sua administração, pela sociedade P. D. no sentido de solicitar uma assembleia extraordinária, na sequência do recente arrendamento da(s) sua(s) fração(ões) à ré Y pois tinha aquela ré o intuito de colocar à análise e votação da assembleia questões relacionadas com a instalação na(s) sua(s) fração(ões) de estabelecimento de restauração.
H. Foi solicitado desde o início, por parte da administração do autor, que os interessados especificassem claramente o(s) pedido(s) a colocar à Assembleia, que deveriam ser refletidos na ordem de trabalhos.
I. No dia 4 de Outubro de 2017, veio a realizar-se uma assembleia onde o representante da sociedade P. D. solicitou a autorização da Assembleia para a colocação/instalação das respetivas obras e equipamentos associados à atividade, nomeadamente máquina de exaustão no telhado, ligações de saneamento na garagem, sistema AVAC na garagem e caixilho à volta das janelas.
J. Tal pedido foi reprovado pela maioria dos condóminos presentes.
K. No dia 19 de dezembro de 2017, realizou-se nova assembleia, que reiterou a sua não autorização às rés para os trabalhos pretendidos realizar, do que a ré Y foi informada por via postal em 21 de dezembro de 2017.
L. Apesar do referido em I. a K., a ré Y. procedeu à instalação, na cobertura do edifício do autor, de uma máquina/ventilador de extração de fumos e odores, ligada à hotte da cozinha do estabelecimento instalado nas frações referidas em D..
M. Para o cabal funcionamento desta máquina, instalou igualmente a ré Y uma enorme conduta metálica de ligação daquela máquina com o edifício contíguo (Rua ..., nº ..).
N. No aludido edifício sito na Rua ... nº .., instalou a ré Y uma unidade exterior de ar condicionado, que se encontra conectada às unidades interiores, instaladas dentro das frações referidas em D..
O. E instalou grelhas de ventilação nas portas do estabelecimento, até aí inexistentes.
P. As máquinas referidas em L. são visíveis a partir da Avenida ..., desta cidade de Braga.
Q. Mas não são visíveis de qualquer artéria imediatamente vizinha do prédio em causa.
R. Qualquer transeunte que se desloque pela Rua ..., não vê nem distingue a existência das grelhas referidas em O.
S. Anteriormente, não existia qualquer unidade exterior de ar condicionado na cobertura do edifício do autor, nem nenhum tipo de ventilador de extração de hotte de cozinha, nem nenhuma conduta entre os dois edifícios, fazendo a ligação entre eles.
T. Realizou-se nova assembleia extraordinária no dia 12 de Março de 2018, tendo a Assembleia deliberado que fosse notificada a ré Y para proceder à alteração da “localização da caixa do ventilador de extração da cozinha, retirando o aparelho da cobertura do edifício para dentro da loja”.
U. Em cumprimento do deliberado, enviou o autor, através da sua administração, a referida notificação, em 04.04.2018.
V. Mal a ré Y iniciou a sua atividade de restauração, de imediato começaram a surgir queixas por parte dos condóminos moradores no edifício.
W. As máquinas instaladas na cobertura provocam um ruído incomodativo na zona dos quartos do 4.º andar direito.
X. Ocorreu a queda de cerâmicos da fachada do autor, ao nível do 2º e 3º pisos, cuja reparação foi orçamentada no montante de € 1.485,00, acrescidos do IVA à taxa legal em vigor.
Y. Os equipamentos que foram instalados na cobertura do prédio estão ligados ao restaurante da ré Y através de condutas extrativas com 250 mm de diâmetro que, em parte (as imbuídas na corete), foram criadas e instaladas na construção original do prédio.
Z. No prédio do autor, estavam instalados vários aparelhos de ar condicionado nas varandas das respetivas frações.
AA. A ré Y promoveu, entretanto, uma obra na cobertura do prédio do autor que consistiu na implementação de um silenciador na máquina extrativa ali existente e na eliminação dos cotovelos existentes nas condutas de ar ali instaladas.
Factos não provados:
1. Com vista ao referido em L. a N., foram feitas furações na cobertura, para fixação das estruturas.
2. O referido em X. deveu-se aos trabalhos com martelo pneumático levados a cabo pela ré Y, que causaram trepidação no edifício, tendo-se, nessa sequência, verificada a queda dos cerâmicos da fachada.
3. As máquinas instaladas na cobertura provocam trepidação nos apartamentos.
4. A atividade da ré Y provoca (no prédio do autor) fumos, odores e vapores.
5. As máquinas instaladas na cobertura provocam um ruído incomodativo na zona dos quartos do 4.º andar esquerdo.
6. Os equipamentos que foram instalados na cobertura do prédio do autor estão ligados ao restaurante da ré Y exclusivamente através de condutas que foram criadas e instaladas na construção original do prédio.
7. Na cobertura (do prédio do autor) já estavam instalados aparelhos de ar condicionado e o aparelho de extração de fumos e cheiros da pastelaria que ali também labora, o qual está ligado ao estabelecimento por condutas instaladas aquando da construção do prédio.
8. As obras referidas em AA. melhoraram, em mais de 30%, os valores de ruído que o equipamento instalado na cobertura produzia, que se situa abaixo dos valores de incomodidade.
A apelante começa por impugnar a decisão de facto relativa aos pontos P e Y dos factos provados e 6 dos factos não provados, pretendendo, ainda, que sejam aditados novos factos.
O ponto P dos factos provados não tem qualquer relevância para os autos, uma vez que a decisão se baseou não no prejuízo estético que eventualmente pudesse derivar de tais obras, mas do facto de se ter considerado que as mesmas constituem uma inovação em partes comuns, não autorizada/aprovada pelo condomínio.
Certo é, contudo, que dos depoimentos prestados ou de qualquer outro tipo de prova, designadamente, fotográfica, não resulta, com exatidão, o que ficou consagrado nesta alínea da matéria de facto provada. O que se disse foi que as máquinas não são visíveis de qualquer artéria imediatamente vizinha do prédio em causa, mas admitem que sejam visíveis de uma rua mais afastada, sobretudo se estiver num plano mais elevado. Perguntado ao representante do condomínio “qual a rua de que se vê…de que rua o senhor acha que se vê?”, o mesmo respondeu “Não faço ideia, mais afastado, não faço ideia…”, para só mais à frente admitir que, “se passarmos na variante, claro que vemos, estamos mais elevados, vamos ver”. Ou seja, é uma suposição que advém do facto de a variante se encontrar num plano mais elevado. As testemunhas admitem, mas não têm a certeza, não o confirmaram no local, logo, esta alínea deve transitar para os factos não provados.
A apelante também tem razão relativamente aos pontos Y dos factos provados e 6 dos factos não provados.
Com efeito, resulta dos depoimentos das testemunhas ouvidas sobre o assunto, responsáveis pela construção do prédio – J. V. e H. V. – e responsáveis pela instalação do equipamento – N. C. e R. A. – que o prédio já tinha, aquando da sua construção, na estrutura, tubo de extracção profissional, de 250 mm que ligava cada loja ao terraço e que tal tubo foi pensado para restaurantes ou churrasqueiras, sendo esta a conduta utilizada para fazer a ligação dos equipamentos que foram instalados na cobertura do prédio ao restaurante. Ora, a ligação ao restaurante apenas utiliza esta conduta extractiva de 250 mm. As outras ligações referidas por estas testemunhas e que estiveram na base da redação do ponto 6 dos factos não provados, não têm a ver com a conduta de ligação ao restaurante, mas sim com a rede que existe ao longo da cobertura de ambos os prédios e que faz a ligação da máquina de extracção às condutas existentes em ambos os prédios.
Assim, deve ser eliminado o ponto 6 dos factos não provados e a alínea Y dos factos provados passa a ter a seguinte redação: “Os equipamentos que foram instalados na cobertura do prédio estão ligados ao restaurante da ré Y através de condutas extractivas industriais, com 250 mm de diâmetro, que foram criadas e instaladas na construção original do prédio”
A propósito das ligações entre os dois edifícios, tem razão também a apelante, quanto ao facto de a expressão “enorme”, que consta da alínea M dos factos provados ser um conceito impreciso e vago, pelo que este facto deve ser expurgado de tal expressão, passando a ter a seguinte redação: “Para o cabal funcionamento desta máquina, instalou igualmente a ré Y uma conduta metálica de ligação daquela máquina com o edifício contíguo (Rua ..., n.º ..)”.
Para que fique claro que o prédio foi concebido e construído com colunas de extracção industrial para as lojas, considerando que estava previsto que aí pudessem funcionar restaurantes, pastelarias ou até churrasqueiras, deverá ser aditado aos factos provados o seguinte facto: “AB – Na construção original do prédio foram criadas e instaladas nas frações da ré condutas extractivas industriais com 250 mm de diâmetro e nas frações habitacionais, condutas extractivas com 125 mm de diâmetro”.
Procede, assim, inteiramente, a apelação no que diz respeito à impugnação da decisão de facto.
Vejamos, agora, a questão de direito.
Na sentença considerou-se que a obra efetuada pela ré constituiu uma inovação que não pode ser efetuada sem a prévia aprovação pela maioria qualificada dos condóminos e, uma vez que tal aprovação não existiu, ordenou-se a sua demolição.
Entende a apelante que a obra efetuada não pode considerar-se uma inovação e que, caso assim viesse a considerar-se, sempre ocorreria abuso de direito dos condóminos ao exigirem a sua demolição, podendo, finalmente, considerar-se que, havendo colisão de direitos, deve prevalecer o direito à iniciativa privada e à prossecução da atividade comercial sobre o direito de propriedade horizontal dos condóminos.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 1425.º, n.º 1 do Código Civil “as obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio”, esclarecendo o n.º 7 que “nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns”.
Nos termos do artigo 1422.º, n.º 2, alínea a) do CC é vedado aos condóminos prejudicar, com obras novas, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício (a doutrina e a jurisprudência vêm considerando que estamos, aqui, perante obras na própria fração - Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Vol. III, 2.ª ed. Pág. 417 e Acórdão do STJ de 19/02/2008, em que foi Relator o Conselheiro Azevedo Ramos, citados no Acórdão da Relação de Lisboa de 30/04/2009, processo n.º 10760/08-2, in www.dgsi.pt – uma vez que as obras em partes comuns estão abrangidas pelo artigo 1425.º). Veja-se, também, o Acórdão do STJ de 22/02/2017, processo n.º 2064/10.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt: “às obras de inovação realizadas sobre as partes comuns não é aplicável o disposto no artigo 1422.º, n.º 2, 3 e 4, do CC, que se confina às inovações feitas nas frações autónomas, sendo antes aplicável o preceituado no artigo 1425.º do mesmo diploma”.
Finalmente, importa considerar que o terraço de cobertura é uma parte comum, conforme dispõe o artigo 1421.º, n.º 1, alínea b) do mesmo Código Civil.
Esta proibição é imposta por razões de ordem pública – como a segurança e a estabilidade dos edifícios, tendo em vista o fim e a utilidade económica a que se destinam – e também por razões de protecção da propriedade, de interesses privados, porquanto a realização de tais obras projectam-se na esfera dos restantes condóminos e acolhe um conceito amplo de inovação, abarcando quer as alterações de substância e forma da parte comum, quer o seu destino ou afetação, tal como decorrem do título de constituição da propriedade horizontal e da lei.
Resulta claramente do regime legal citado que o legislador optou por não definir o que são obras inovadoras nem consagrar na lei o que deve entender-se por inovação.
Deixando esse papel para a jurisprudência, que deverá, caso a caso, enquadrar no referido conceito as obras que os condóminos realizarem e que, em face do caso concreto e das circunstâncias fácticas apuradas, possam ser consideradas como tal.
Não há dúvida que terão que ser obras que alteram a edificação no seu estado original, ou aquelas que levam ao desaparecimento de coisas comuns existentes com prejuízo para os condóminos ou introduzam modificações na sua afectação ou destino.
Mas já não poderão ser qualificadas como tal as obras que são necessárias para assegurar o gozo das fracções autónomas pelos seus proprietários e não prejudicam os demais condóminos ou, não o sendo, igualmente não envolvam prejuízos para estes, porquanto não se integram nos pressupostos contemplados nos nºs 1) e 2) do art. 1425º do CC – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 15/12/2011, processo n.º 5133/09.5TBOER.L1-8, in www.dgsi.pt.
No caso dos autos, a ré procedeu à instalação, na cobertura do edifício, de uma máquina/ventilador de extracção de fumos e odores, ligada à hotte da cozinha do seu restaurante, instalado numa fração autónoma do edifício, através de condutas extractivas pré-existentes na construção original do prédio, sendo que tal obra não é visível da rua. Mais se provou que não foram efetuadas furações na cobertura para fixação das estruturas, que se encontram apenas pousadas no chão.
Podemos concluir que se trata de uma utilização do terraço de cobertura do prédio (parte comum), sem alteração substancial deste, permitindo a sua utilização por qualquer outro condómino.
Mais deve considerar-se que, no título constitutivo da propriedade horizontal está prevista a utilização da fração em causa para restaurante/churrascaria e os construtores do edifício, em consonância com tal previsão, tinham já construído uma pré-instalação de condutas industriais extractivas necessárias para uma eficaz extracção industrial, tendo a ré utilizado essas condutas para fazer a ligação à máquina de extracção de fumos e odores que colocou no terraço de cobertura do edifício.
Pode questionar-se, então, como poderia o restaurante funcionar sem a existência de tal máquina de extracção de fumos e odores. Estando previsto como objeto possível, não seria pior para os condóminos que não tivesse sido construído um sistema de extracção?
Com efeito, entendemos que a apreciação a fazer à natureza da obra em causa, terá sempre de ser contextualizada, numa base em que convirjam diversos factores, designadamente os que se prendam com a própria estrutura da obra (grandeza e expressão da mesma), as características do prédio (classificado, ou não classificado, com interesse arquitectónico ou indiferenciado a esse nível), a sua localização no plano urbano (em artéria onde haja ou não uma harmonia de edificações), e o reflexo que em concreto a obra cause no todo do prédio, designadamente o prejuízo que importa para os restantes condóminos.
Não basta dizer que, uma vez que foi construída, de novo, num espaço comum, é uma inovação.
Poderá até dizer-se que, em determinadas circunstâncias a colocação de aparelhos extrativos em partes comuns do prédio seja considerada “obra de inovação” e que noutras, tal implantação o não seja.
No caso dos autos, a simples colocação do aparelho, sem furações na estrutura, usando as tubagens já existentes estruturalmente no prédio, para ligação ao restaurante, sem visibilidade a partir da rua, permitindo a extracção de fumos e odores, conformemente à obrigação decorrente da lei para a abertura de restaurantes, estando tal fim previsto no título constitutivo da propriedade horizontal do edifício, constitui uma mera utilização do terraço (para um fim que normalmente lhe estaria adstrito), que não altera substancialmente essa parte comum, nem impede a sua utilização por parte dos outros condóminos e que, como tal, não pode constituir uma inovação, no sentido previsto no artigo 1425.º do Código Civil.
Veja-se, a este propósito, a esclarecedora motivação da decisão proferida no Acórdão da Relação de Lisboa de 30/04/2009, já acima referido:
“No âmbito da decisão recorrida, embora com sistematização algo diversa, seguiu-se este entendimento ao considerar-se:
“O desenvolvimento das sociedades urbanas faz surgir, no plano do direito, a necessidade de conferir ao conceito de inovação uma substância fáctica que traduza o que socialmente é sentido como inovador.
Ora, na sociedade actual a instalação de aparelhos de ar condicionado aparece como frequente e normal e como meio de melhorar e assegurar a qualidade de vida e o bem estar das pessoas que dele usufruem, tanto assim é que, hoje em dia, muitos prédios já são concebidos no início para comportarem no seu interior sistema de ar condicionado, ao que acresce que, para além de elementos amovíveis, são aparelhos cada vez de menor dimensão, gerando um impacto cada vez menor.
E, assim, numa leitura actualizada da sociedade, em que os aparelhos de ar condicionado passaram a fazer parte do quotidiano da vida das pessoas, a sua utilização assume, nos dias de hoje, traços de normalidade que se afastam do conceito de inovação.”
Sufragamos este entendimento, apenas acrescentando que o mesmo tem de ser referido ao caso em concreto e não visto abstractamente, pois que só nesse circunstancialismo se poderá verdadeiramente apurar se a obra constituirá ou não “inovação””.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ de 24/06/2010, processo n.º 600/09.3YFLSB, in www.dgsi.pt: “Fazendo a subsunção ao caso dos autos, temos uma situação de introdução de um elemento novo, tradicionalmente entendido como uma inovação, mas que, numa interpretação actualista, na especificidade do tempo em que é aplicada a lei, considerando a sociedade actual, deixou de corresponder a uma verdadeira inovação”.
Concordamos, em absoluto, com esta interpretação, não podendo deixar de concluir que a colocação da máquina extractiva de odores e fumos, levada a cabo pela ré, nos termos já supra expostos, não poderá considerar-se “obra de inovação” para efeitos do disposto no art.º 1425.º do Código Civil e logo assim subsumível às limitações por este imposto.
Uma última palavra para dizer que, em qualquer caso, considerando que o equipamento descrito, de extracção de fumos e odores, é essencial (mesmo do ponto de vista legal) para o funcionamento do restaurante da apelante, sendo que o título constitutivo da propriedade horizontal, prevê como destino da fração autónoma, precisamente, o estabelecimento comercial de restaurante, e que foram construídas com o prédio as condutas industriais por onde é efetuada a ligação da máquina desde o terraço, ao estabelecimento, sempre seria abusivo (ofende o sentimento do que a comunidade considera justo) que os condóminos obstassem à instalação daquela máquina, que, em todo o caso, os protege da emissão de fumos e odores que sempre adviriam da churrascaria prevista no título constitutivo da propriedade horizontal, bem como de eventuais riscos de incêndio e/ou explosões por acumulação de gorduras e gases de combustão. Outras soluções menos gravosas, permitirão, certamente, chegar a um ponto razoável de satisfação de ambas as partes, como a já levada a cabo pela ré no decurso da audiência de julgamento, no sentido de minorar algum ruído que, porventura possa perturbar um dos condóminos.
A propósito desta questão do ruído, veja-se que consta da acta n.º 18, da reunião da Assembleia de Condóminos realizada já após a dita intervenção, em que os condóminos tiveram dificuldades em verificar se o ruído continuava ou não, pois disseram que em face do teletrabalho e alterações de rotinas dos agregados familiares, foi potenciado o aumento de ruído na própria fração, dificultando a percepção do eventual ruído proveniente das máquinas do restaurante, sendo que a condómina que seria mais prejudicada – 4.º andar direito – disse que, como chega a casa mais tarde do que o habitual, não se apercebe de nenhum ruído, porque o restaurante já se encontra encerrado (ou, acrescentaremos nós, porque, depois das obras de retificação levadas a cabo pela ré, o nível de incomodidade, que já era ligeiro, terá sido ultrapassado).
Face à decisão que agora se toma, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas na apelação.
Termos em que procede a apelação, sendo de revogar a sentença recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo as rés dos pedidos.
Custas pelo apelado.
***
Guimarães, 16 de setembro de 2021
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho