DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO ENCRAVADO
SERVIDÃO LEGAL DE PASSAGEM
PROPRIEDADE HORIZONTAL
LOGRADOURO COMUM
EXERCÍCIO CONJUNTO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
Sumário


I- O artigo 1555º do Código Civil ao atribuir direito de preferência na alienação do prédio encravado, pressupõe que o prédio do preferente esteja onerado com uma servidão legal de passagem e que esta esteja constituída, qualquer que tenha sido o título, designadamente por usucapião.
II- O conceito de servidão legal de passagem previsto no artigo 1555º do Código Civil, abrange as servidões constituídas por qualquer título, mas que, se não fosse a existência desse título, podiam sempre ser judicialmente impostas.
III- Deverá admitir-se a constituição por usucapião de uma servidão legal de passagem que se faça não por um prédio rústico, mas pelo logradouro de um prédio urbano.
IV- O objetivo do direito de preferência em causa é o de extinguir o encargo e de restaurar a propriedade perfeita do prédio onerado, tendo em vista o melhor aproveitamento dos bens, compensando ainda o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem pelo encargo a que está sujeito, permitindo-lhe restaurar a propriedade plena.
V- Na propriedade horizontal concorrem dois direitos: um, de propriedade singular e exclusiva, que tem por objeto as frações autónomas do edifício e outro, de compropriedade, incidente sobre as partes comuns: cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (artigo 1420º n.º 1 do Código Civil).
VI- O conjunto destes dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (n.º 2 do artigo 1420º do Código Civil).
VII- Relativamente a um logradouro comum não existe por parte dos condóminos um direito (de compropriedade) incindível do seu direito de propriedade singular e exclusiva sobre fração autónoma do edifício, pois que não pode, cada um desses direitos ser alienado separadamente.
VIII- Deve ser afastada a existência do direito de preferência previsto no artigo 1555º do Código Civil nos casos em que a servidão legal de passagem incide sobre um logradouro asfaltado, destinado a acessos de todo o imóvel, comum às várias frações de um prédio constituído em propriedade horizontal.
IX- Pertencendo o direito de preferência simultaneamente a vários titulares, nos termos do artigo 419º n.º 1 do Código Civil, tal direito só pode ser exercido por todos em conjunto, ainda que no caso de o direito se extinguir em relação a algum deles (por exemplo em caso de morte do titular) ou de algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito aos restantes.
X- Nos casos em que sobre o prédio incide um único direito de preferência, mas com vários titulares, a preferência deve ou pode ser exercida, simultaneamente, por todos, como ocorre nos casos de existência de direito legal de preferência na venda do prédio dominante, a favor do prédio serviente na hipótese de este pertencer a dois ou mais comproprietários.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

J. F. e M. P., vieram instaurar a presente ação contra os Réus I. L., A. M. e A. S., tendo em vista o exercício do direito de preferência sobre o prédio urbano, composto de R/C e 1º Andar, destinado a habitação, sito em Vale ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., correspondente ao artigo … da extinta freguesia de Bragança (…), melhor identificado no artigo 5º da Petição Inicial, na qual pedem:

a) que se reconheça aos autores o direito de preferência sobre o prédio identificado no artigo 3º da petição inicial, e, como tal que o prédio lhes seja entregue livre de ónus e encargos;
b) que o segundo Réu seja condenado a entregar o referido prédio aos Autores;
c) que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que o comprador, segundo Réu, haja feito a seu favor em consequência da escritura de compra e venda efetuada a 30 de janeiro de 2019, e, outros que este venha a fazer sempre com todas as demais consequências que estiverem previstas.

Alegam, para tanto e em síntese:
Que são donos do prédio urbano melhor identificado no artigo 1º do aludido articulado, sendo que tal prédio estaria onerado com uma servidão de passagem que favoreceria o prédio que os 1º Réus, I. L. e A. M., venderam ao 2º Réu, A. S., por escritura pública e pelo preço de €20.000,00 no dia 30/01/2019.
Que, aquando das negociações tendentes a tal venda, os 1º Réus não comunicaram aos Autores as condições de venda para que estes pudessem exercer o predito direito de preferência, só tendo estes tido conhecimento de tal negócio quando viram o Réu A. S., juntamente com a sua família a passar a pé pelo prédio dos Autores no sentido de aceder ao prédio objeto da compra.
Regularmente citados os Réus, apenas o Réu A. S., veio contestar alegando, em síntese, que o acesso ao imóvel por si adquirido na escritura pública de 30/01/2019 não pertencia aos Autores, como já havia sido decidido na sentença proferida no processo n.º 137/96 que opôs a aí Demandante I. L. (anterior dona do prédio adquirido pelo 2º Réu) aos aqui Autores e na qual se referiu que estes apenas eram donos de um pequeno logradouro de 11,90 m na traseira do seu prédio, logradouro esse no qual edificaram entretanto um anexo, pelo que o local por onde o 2º Réu passa para aceder a sua casa seria um logradouro comum do prédio constituído em propriedade horizontal onde se integra o imóvel dos Autores, não sendo, estes titulares de qualquer direito de preferência sobre o prédio.
O 2º Réu veio deduzir reconvenção a título subsidiário, alegando ter feito obras de melhoria da casa depois da aquisição do imóvel, nas quais gastou o montante total de €4.558,57, a cuja restituição teria direito, em caso de procedência da ação.
Conclui pela improcedência da ação ou, quando assim se não entenda, pela procedência da reconvenção com a consequente condenação dos Autores a pagarem a quantia de €4.558,57.
Notificados da Contestação/Reconvenção, os Autores impugnaram o alegado quanto ao pedido reconvencional, concluindo pela improcedência da Reconvenção e pugnando ainda pela condenação do Reconvinte como litigante de má-fé.
Foi realizada a audiência prévia, sendo proferido despacho saneador, no qual foram admitidos a Reconvenção e a Réplica, sendo ainda identificados o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Pelo exposto, decide o Tribunal:
I. Absolver os Réus dos pedidos deduzidos pelos Autores.
II. Não conhecer da reconvenção deduzida subsidiariamente pelo 2º Réu contra os Demandantes.
III. Absolver o 2º Réu do pedido de condenação como litigante de má-fé contra si deduzido pelos Autores.
IV. Condenar os Autores em custas nos termos dos artigos 527º nº1 do CPC e 6º do RCP com referência à Tabela I) em anexo a este último diploma.
Notifique.
Registe.
Verifique na certidão de registo predial do prédio identificado no ponto 8) dos factos provados se foi averbada a presente ação de preferência. Caso não o tenha sido, comunique à Conservatória do Registo Predial de Bragança nos termos do artigo 8º-B do CRPredial, mais comunicando, após trânsito, o desfecho da presente ação.
Após trânsito, e no caso de confirmação da presente decisão em sede de recurso ou em caso de não interposição de recuso, abra conclusão, tendo em vista a eventual devolução do dinheiro depositado nos autos.”

Inconformados, apelaram os Autores, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“CONCLUSÕES

1. A douta Sentença recorrida decidiu julgar improcedentes, por não provados, os pedidos deduzidos pelos autores da ação principal e, em consequência, decidiu absolver os Réus dos pedidos deduzidos contra si formulados pelo Autores.
2. Os AA. recorrentes não se conformam com esta decisão, nem de facto, nem de direito.
3. Os factos considerados provados nos presentes autos constam do art. 75º destas alegações e aqui se dão por reproduzidos.
4. Os Autores, ora recorrentes insurgem-se contra a formulação dos pontos 19, 20, 21, 27, 31, 34, 38 dos factos provados, bem como contra os pontos A.), B.) e C.) dos factos não provados, cuja fundamentação indica de forma vaga e genérica que não foi produzida prova, e ainda com a não inserção na matéria provada dos factos alegados no artigos/pontos 15, 20, 26, 27, 28, 29, 36, 41 e 44 da petição inicial impondo-se, designadamente, a reapreciação da prova gravada e reponderação dos demais concretos meios probatórios, constantes do processo que se especificarão, após o que se impõe decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
5. Quanto ao ponto 19) da matéria provada os recorrentes, não aceitam tal consideração, dado que a mesma não passa de mais do que um lapso de escrita e a forma com que esse ponto assente da matéria de facto dada como provada não apresenta a melhor redação, pois percorrida toda a prova testemunhal produzida o acesso ao prédio descrito no ponto 8) dos factos dados como provados se faz pelo logradouro lateral e contiguo à fração dos Autores, aqui recorrentes, logo o prédio mencionado no ponto 8.) dos factos dados como provados fica localizada na traseira (parte de trás) da “Fração A”, da propriedade horizontal, pertença dos Autores, como se pronunciou a testemunha C. F., na sessão de julgamento do dia 12-02-2020 (declarações gravadas aos minutos 00:04:32 e 00:05:19). Ser alterado o ponto 19) dos factos provados que deverá passar a ter a seguinte redação: Ponto 19): “fração dos Autores aludida em 1) fica em frente à casa de habitação adquirida pelo 2º Réu e aludida em 8), sendo que o acesso a esta última se faz pelo logradouro lateral e contiguo à fração dos Autores mencionada no ponto 1.)
6. Quanto ao ponto 20.) e 21.) da matéria provada, resultou confusa, redundando numa errónea apresentação dos factos que não coincide com a alegação feita, tendo a testemunha pronunciou J. F., na sessão de julgamento do dia 12/02/2020 (declarações gravadas aos minutos 00:12:55 e 00:14:30) tendo dito que essa área teria pelo mais de 26 m2. Serem os pontos 20.) e 21.) suprimidos da matéria dos factos provados.
7. Quanto ao ponto 27.) da matéria provada, o logradouro lateral e contiguo à fração dos autores como descrito no título constitutivo tem na realidade os mencionados 154 m2. Ademais nas suas declarações o depoente respondeu sem hesitações afirmando de forma clara que nunca os 1.º Réus lá habitaram o referido imóvel, até porque os primeiros Réus já possuíam habitação no Pombal conforme referido pela testemunha V. F. (20200212154804_1957365_2870630) na sessão de julgamento do dia 12/02/2020 (declarações gravadas aos minutos 00:11:53). Ser alterado o ponto 27) dos factos provados que deverá passar a ter a seguinte redação: Ponto 27): “ Para acederem ao prédio identificado em 8) a partir da rua pública ou para saírem de tal imóvel e acederem à Estrada nº ...-3 por via da rua ..., o 2º Réu, bem como, antes disso a anterior dona, I. L., sempre utilizaram, a pé, o logradouro, em asfalto, aludido em 6) comum às várias frações do prédio constituído em propriedade horizontal mencionado em 1), 5), 6) e 7) o qual, como mencionado no ponto 6) possui uma extinção de 154m2.”
8. Quanto ao ponto 31.) dos factos provados Ademais, nas suas declarações a testemunha V. F., a testemunha C. F. e o depoente Autor J. F. responderam sem hesitações afirmando de forma clara que os exatos termos em que a D. I. L., proprietária do imóvel encravado na época, procedeu à passagem da via pública para o prédio descrito no ponto 8.) dos factos provados. Indubitavelmente a cedência da passagem da D. I. L. foi feita por acordo em conversa havida com o proprietário da “Fração A” da propriedade horizontal, da propriedade do aqui Autor J. F., dado que na altura da mencionada conversa apenas a fração dos aqui autores estava habitada, estando todas as outras devolutas. Não obstante esta inequívoca posição por parte do Autor e das testemunhas e nenhuma outra prova colocar em causa essa factualidade, a douta Sentença ignorou em absoluto estes factos que são relevantes para a boa decisão da causa, não os inserindo nem nos factos provados e nem os referindo nos factos não provados, porventura por manifesto lapso. Ser alterado o ponto 31) dos factos provados que deverá passar a ter a seguinte redação: Ponto 31): “Sem a oposição de ninguém, na medida em que Autores e a D. I. L. haviam estabelecido entre si um acordo de forma livre permitia a esta última o acesso ao seu prédio descrito no ponto 8.) dos factos provados.”
9. Quanto ao ponto 34.) dos factos provados não se questiona um mau ajuizamento deste ponto da matéria de factos, questiona-se sim o mesmo não estar completo em toda a factualidade ocorrida. Relativamente à prova testemunhal produzida, percorrida, toda, se pronunciaram-se sobre esta questão a testemunha V. F., a testemunha C. F. constata-se que entre Autores e a dita D. I. L. havia muito mais do que um simples acordo, dado que, em boa verdade houve dois acordos em dois momentos distintos, o primeiro aquando do desfecho da referida ação judicial e um segundo, o que se agora discute, em 2001 que foi promovido não só pela fragilidade física da D. I. L. mas porque havia indubitavelmente uma relação de boa vizinhança e é esse ultimo especto que deveria constar os factos provados e não consta, encontra-se omisso. Ser o ponto 34.) dos factos provados reformulado, por aditamento, para a seguinte redação: Ponto 34): “Durante alguns anos, à entrada do prédio aludido em 1) existiu um portão de “correr” (sem chave) que a aludida I. L., bem como os moradores do prédio aludido em 1), tinha de abrir para aceder ao logradouro comum referido em 6), tendo tal portão sido retirado pelo Autor, marido, em 2001 por acordo com a referida I. L., a qual tinha dificuldade em abri-lo por ser pessoa de idade, já com pouca força, dado que entre os autores e a aludida I. L. havia relação de boa vizinhança que facilitava o seu acesso ao prédio identificado no ponto 8.) dos factos provados ;”
10. Quanto ao ponto 38.) dos factos provados os Autores, ora recorrentes, não podem aceitar a consideração do Tribunal a quo visto que o ponto dado como provado é falso de acordo com os depoimentos de algumas testemunhas, além de que a prova documental e testemunhal existente nos autos referem precisamente o contrário e não permite confirmar os factos descritos no ponto 38.) dos factos provados, pelo contrário. E Relativamente à prova testemunhal produzida, percorrida, toda, se pronunciaram-se sobre esta questão a testemunha V. F., a testemunha C. F. e o depoente Autor J. F. e a testemunha D. P. responderam sem hesitações, afirmando de forma clara que nunca tal placa estava a sinalizar a venda do referido imóvel, pelo que este ponto deveria ser suprido dos factos provados. Ser o ponto 38.) suprimido da matéria dos factos provados.
11. Quanto ao ponto A.), B.), C.) dos factos não provados que prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento demonstra o contrário, tendo assim, no limite, alguns destes factos ter de ser dados como parcialmente provados. E reapreciada a prova gravada, deve ser acrescentado aos factos provados três novos pontos que os recorrentes sugerem com a seguinte redação:
12. “A. Que, a fim de acederem à rua pública, o 2º Réu e, antes dele, os seus antecessores, anteriores donos do prédio aludido em 8), tenham de passar por um logradouro de 31,70 m2 pertencente à propriedade horizontal, conforme título constitutivo.
13. B. Que o prédio aludido em 8) fica implantado por cima das garagens do prédio aludido em 1),
14. C. Para acederem ao prédio aludido em 8), o 2º Réu e, antes deles, os seus antecessores têm de passar por dois logradouros pertença da propriedade horizontal, um primeiro com 154 m2 e um segundo com 33,10 m2.
15. Quanto à matéria alegada nos artigos/pontos 15, 20, 26, 27, 28, 29, 36, 41 e 44 da p.i. e que não foi considerada provada o tribunal a quo imiscui-se pronunciar sobre estes factos que são relevantes para a boa decisão da causa, não os inserindo nem nos factos provados e nem os referindo nos factos não provados, porventura por manifesto lapso. Por tal, e reapreciando a prova gravada, deve ser acrescentado aos factos provados um novo ponto que os recorrentes sugerem com a seguinte redação:
16. “44. Autores só obtiveram conhecimento da transmissão do direito de propriedade daquele imóvel para o segundo réu após o mesmo, juntamente com a sua família, se encontrarem a passar a pé pelo prédio dos autores e entrarem no prédio objeto de compra e venda;
17. 45. O prédio identificado no ponto 8.) dos factos dados como provados é um prédio encravado”
18. No caso presente dos autos estamos perante um prédio encravado (Ponto 8 dos factos provados), a sua situação de encrave justifica, primeiro, que se conceda ao seu proprietário o direito de constituir uma servidão de passagem sobre o prédio vizinho e, depois, caso a servidão se constitua, que se compense os proprietários dos prédios onerados com a possibilidade de provocarem a extinção dessa oneração preferindo na venda do prédio dominante. Ora, o prédio dos ora 2.ºs Réus encontrava-se, por ocasião da venda, nessas condições.
Ora vejamos. 19. Como ficou provado “…. em razão do facto de tal imóvel ter sido edificado integralmente por cima das garagens do prédio aludido em 1) dos factos provados, como explicado de forma plausível pelo depoente, V. F., o prédio identificado em 8) dos factos provados corresponderá a uma construção clandestina, (…) apesar de não ter acesso próprio à via pública. Tal acesso, em asfalto (cfr. foto junta com a Petição Inicial a fls. 28), como referido pelas testemunhas, V. F., C. F., A. R., M. F., M. A., D. P. e H. C. através do logradouro com desde a rua até à entrada do imóvel adquirido pelo 2º Demandado, (…) tem, como referido, de ser considerado comum a todas as frações do prédio aludido em 1) dos factos provados, como ficou demonstrado nos autos, pelos depoimentos prestados, pela prova testemunhal produzida, sobre esta questão - localização de uma e outra habitação - se pronunciou a testemunha C. F., na sessão de julgamento do dia 12-02-2020 Quando se mostrava essencial dar como provado, por é essa a realidade dos factos que não só, e bem, refere o ponto 19.) dos factos dados como provados que “fração dos Autores aludida em 1) fica em frente à casa de habitação adquirida pelo 2º Réu e aludida em 8)”, como não é menos verdade que o acesso ao prédio descrito no ponto 8) dos factos dados como provados se faz pelo logradouro lateral e contiguo à fração dos Autores, aqui recorrentes, logo o prédio mencionado no ponto 8.) dos factos dados como provados fica localizada na traseira (parte de trás) da “Fração A”, da propriedade horizontal, pertença dos Autores.
20. Daqui resulta que, o acesso pelos 2ºs Réus ao prédio identificado em 8) dos factos provados se faz exclusivamente em todo o respetivo percurso da Rua até à casa de habitação e vice-versa - pelo logradouro comum a todos as frações do prédio aludido em 1) da matéria de facto provada, e “18. O prédio aludido em 8) fica situado por cima das garagens que integram o prédio urbano descrito em 1), bem como 4) a 7), dos factos provados, pela circunstância de o prédio identificado em 8) dos factos provados ora adquirido pelos 2ºs Réus, estar, implantado parcialmente na área de logradouro traseiro integrante da fração A) dos Autores aludida em 1) da matéria de facto provada,
21. Por sua vez, atento o teor dos pontos 4) a 7) dos factos provados decorre da escritura pública de constituição em propriedade horizontal do prédio aludido em 1) da matéria de facto provada, e que os logradouros do prédio (com a área de 348 m2) foram, numa área de 154 m2, constituídos como partes comuns do aludido imóvel em propriedade horizontal e que, na parte restante, foram atribuídos como parcela integrante das frações A) e B). Com efeito, na descrição da fração A) – a dos Autores - refere o título constitutivo da propriedade horizontal que tal imóvel possuiria dois logradouros, divididos, sendo um à frente (presume-se na frente do edifício em direção à rua) com a área de 38,5 m2 e o outro, com a área de 40,5 m2, atrás, nas traseiras do edifício, como ficou demonstrado nos autos, pelo depoimento prestado, por J. F., na sessão de julgamento do dia 12-02-2020 Quando se mostrava essencial dar como provado: “Juiz: e o Sr. O que está a dizer é que paga IMI sobre, sobre a casa do réu ou sobre
Depoente: sobre o chão de onde ela está implantada, em,
Meritíssimo Juiz: sobre o terreno
Depoente: sobre o terreno que era meu e que faz parte, que é o segundo logradouro da retaguarda que se fala na, na escritura, são 26m com os (…)”. Ou seja, mais claro não pode ser de que é o escritório que tem a área de 11,90 m2, e a restante área que à partida teria uma área de 33,10 m2, nos disseres do Autor em sede de declarações de parte mencionou que a área correta até seriam cerca de 26 m2. Logo é pacífico afirmar que o logradouro traseiro terá uma área mínima de 26 m2 (como referido pelo depoente autor) e uma área máxima de 33,10m2.
22. Que os 2.ºs Réus para acederem ao referido imóvel, estes passavam a pé pelo logradouro em 6) e 27) e entravam no referido imóvel, utilizado, a pé, o logradouro, em asfalto, aludido em 6) comum às várias frações do prédio constituído em propriedade horizontal mencionado em 1), o qual, na verdade, possui, desde a rua pública até à casa ora do 2º Demandado uma extensão de 107 m2”., já que, tal prédio identificado em 8) não dispõe de qualquer comunicação direta com estrada asfaltada, ou seja, não possui qualquer outro acesso à rua pública”; e Ponto 29. “E passando, pois, por tal logradouro comum das frações do prédio aludido em 1).
23. Ora atendendo aos factos provados, o imóvel objeto do direito de preferência encontra-se numa situação de encrave justificado, pelo que primeiro, concede-se ao seu proprietário o direito de constituir uma servidão de passagem sobre o prédio vizinho e, depois, caso a servidão se constitua, que se compense os proprietários dos prédios onerados com a possibilidade de provocarem a extinção dessa oneração preferindo na venda do prédio dominante. Ora, o prédio dos ora 2.ºs Réus encontrava-se, por ocasião da venda, nessas condições.
24. Nenhuma dúvida há de que a factualidade provada sob os n.ºs 27, 28, 29, 34, demonstram inequivocamente a constituição de uma servidão de passagem por usucapião (art.ºs 1547º, n.º 1, 1548º e 1287º do Cód. Civil), o que, aliás, é matéria dada como provada, e que, o imóvel ora vendido, preferendo e dominante não tem acesso direto à via pública a não ser através do referido imóvel, atribuídos como parcela integrante das frações A e B, sendo, por isso, prédio encravado (cujos proprietários, a não beneficiarem da passagem já constituída, nos moldes atrás referidos, sempre teriam, ou têm, a faculdade de exigir a sua constituição, com o mesmo conteúdo ou com conteúdo equivalente, exercitando o direito potestativo que a lei lhes confere).
25. No caso, a mesma assentou-se nas relações de boa vizinhança como ficou demonstrado nos autos, pelos depoimentos prestados, em sede de audiência de julgamento pelos depoimentos de V. F., C. F. e do depoente Autor J. F., na sessão de julgamento do dia 12/02/2020, tendo resultado o seguinte: a D. I. L., proprietária do imóvel encravado na época, procedeu à passagem da via pública para o prédio descrito no ponto 8.) dos factos provados. Indubitavelmente a cedência da passagem da D. I. L. foi feita por acordo em conversa havida com o proprietário da “Fração A” da propriedade horizontal, da propriedade do aqui Autor J. F., dado que na altura da mencionada conversa apenas a fração dos aqui autores estava habitada, estando todas as outras devolutas. Tanto assim é que, conforme referido pelo depoente J. F. o estado de conservação das áreas comuns da propriedade horizontal era de tal forma degradante que o mesmo se viu obrigado a asfaltar os logradouros do lado da sua fração. E resolvida depois que foi a questão da servidão de vistas, crendo a D. I. L. que a ação lhe tinha sido julgado improcedente voltou, novamente, a falar com o Autor depoente de que aquela era a sua única habitação e a passagem para aquele prédio encravado só se poderia fazer pelo referido logradouro mencionado no ponto 6.) dos factos provados.
26. E, tratando-se de um prédio encravado, é, pois, a sua situação de encrave que justifica, primeiro, que se conceda ao seu proprietário o direito de constituir uma servidão de passagem sobre os prédios vizinhos e, depois, caso a servidão se constitua, que se compense os proprietários do prédio onerado com a possibilidade de provocarem a extinção dessa oneração preferindo na venda do prédio dominante. Neste quadro, atendendo ao título constitutivo do direito de servidão – usucapião - encontrava-se, por ocasião da venda, nessas condições – o prédio em questão era um prédio onerado. Pelo que, o escopo da preferência legal assenta em “pôr cobro a situações em que se possa recorrer a meios de soberania para constituir servidões ou em que a ameaça a esse recurso conduza, ou possa conduzir, a uma «contratação» não inteiramente livre”, não se vê que, perante o que se deixou dito, não seja essa, a ratio legis presente, no caso em apreço.
27. E, não esqueçamos que, o objetivo do direito de preferência aí conferido ao dono do prédio onerado com a servidão, é “o de reunir numa mesma pessoa as faculdades que, contidas no direito de propriedade plena, se encontravam repartidas. Na verdade, não se trata aqui de privilegiar e reforçar a todo o custo, por razões político-ideológicas, a posição de um dos (com)proprietários em relação aos outros, mas antes de potenciar um fator de racionalidade na exploração dos prédios, evitando, na medida do possível, a subsistência de relevantes ónus na fruição do prédio serviente, decorrentes da imposição forçada da servidão de passagem, destinada a possibilitar uma utilização minimamente adequada do prédio dominante – como o caso dos presentes autos.
28. Por outro lado, diga-se que, não existiu renúncia abdicativa ao exercício do direito de preferência, por banda dos Autores, já que só se pode efetivamente considerar a renúncia a um direito, mormente de preferência, quando ao renunciante tenha sido dado conhecimento dos elementos de um concreto negócio que se irá realizar (projeto de alienação e condições contratuais) e este manifeste a sua vontade de não exercer/renunciar ao seu direito de preferir neste negócio, nas mesmas condições, ou seja “tanto por tanto” – o que não sucedeu no caso ora em crise.
29. Não basta pois um aviso vago e genérico de venda, mas antes é necessário que seja dado conhecimento da proposta de contratar com indicação de todas as condições, dos elementos essenciais do negócio, suscetíveis de influenciar decisivamente a formação da vontade do titular da preferência, permitindo-lhe a ponderação consciente entre preferir ou abdicar de um direito de opção que lhe assiste. Entre estes elementos, entendendo-se que, para além do preço e forma de pagamento, o candidato à compra do prédio deve ser mencionado e identificado na notificação para preferência – o que não ocorreu.
30. Volvendo ao caso concreto, em fevereiro de 2019 (Ponto 37 dos factos provados), os Autores tomaram conhecimento por terceiros de que o imóvel descrito nos autos estaria já vendido, quando verificaram que os 2.ºs Réus bem como a sua família, passavam a pé pelo logradouro mencionado em 6) e 28) e entravam no aludido imóvel. Esta declaração envolve apenas o conhecimento que dela consta, não implica que, os Autores tomaram conhecimento dos elementos essenciais da venda. Primeiro, porque não lhe foi dado conhecimento de que esta havia já ocorrido, nem do valor da venda do imóvel de que são confinantes, que consta da escritura, sendo-lhes indicado um valor global, como se de um único imóvel se tratasse, nem de que, em relação ao outro imóvel, de que não eram confinantes, fora intentada já ação de preferência.
31. Ainda sobre esta questão os Autores impugnaram os factos respeitantes às benfeitorias, que o Tribunal a quo deu como assente, já que o objeto em discussão é “direito de preferência” e “depósito do preço” pela aquisição do imóvel identificado no artigo 8.º da dos factos provados acrescido das despesas inerentes com a transmissão (impostos, notariais e registrais) no montante de €272,35, e não obras efetuadas no imóvel – não devendo ser aqui contabilizadas, outras despesas, necessárias ou não necessárias à primitiva aquisição do prédio pelos compradores, já que estas despesas são ónus seu, indo os preferentes suportar o pagamento dos impostos devidos, por exemplo, para proceder à nova aquisição [em sentido de que o depósito do preço não abrange senão o preço pago pelo comprador ao vendedor para obter o prédio transacionado).
32. Por outro lado, o Tribunal a quo conclui que, os Autores não tinham legitimidade para intentar a presente ação de preferência, em virtude de estar provado que, para além da fração deles, há outros condóminos, também onerados com a servidão legal de passagem a favor do prédio vendido aos 2.ºs Réus.
33. Neste ponto, seguindo de perto o ensinamento de Antunes Varela (R.L.J. 115-283), dir-se-á que nas ações destinadas a exercer um direito legal de preferência, à semelhança do que ocorre na impugnação pauliana e na chamada ação sub-rogatória (sub-rogação do credor ao devedor) a relação material controvertida a que se refere o art. 30.º, n.º3, do C.P.C., abrange uma dupla relação: "o direito potestativo de que é titular o preferente, por um lado, com o correlativo estado de sujeição; e o ato de alienação a que a preferência se refere, por outro lado".
34. Assim, tendo resultado provado que os Autores são os (com)proprietários do prédio onerado com uma servidão legal de passagem a favor do prédio vendido, uma vez que o prédio aludido em 8) fica situado por cima das garagens que integram o prédio urbano descrito em 1), bem como 4) a 7)”, e Ponto 12 da matéria provada “A casa aludida em 8) já existia aquando da aquisição pelos Autores da fração A) aludida em 1), ficando localizada em cima das garagens do prédio aludido em 1).”
35. Os Autores não perdem a sua legitimidade pelo facto de existirem outros (com)proprietário(s) do prédio também eles onerados com a mesma servidão, ou seja, nos casos em que não há apenas um, mas vários direitos de preferência concorrentes, a ação de preferência pode ser instaurada por cada um dos titulares desse direito.
36. Em face do exposto, pode concluir-se que na espécie dos autos, em que estão em causa direitos de preferência do prédio onerado com a servidão de passagem a favor de um prédio encravado (art. 1555, nº 3, do C.C.), o titular dessa preferência, interessado em exercer o seu direito através da respetiva ação judicial, não tem o dever jurídico ou o ónus que a lei lhe imponha, sob pena de ilegitimidade, de promover previamente a notificação dos outros preferentes.
37. O afastamento prévio dos outros titulares do direito de preferência não constitui condição da ação de preferência, já que havendo vários titulares com direitos distintos de preferência sobre um imóvel, qualquer deles pode intentar livremente a ação de preferência, com legitimidade.
38. Assim sendo, os Autores tinham legitimidade para ser admitidos a preferir e, concomitantemente, proporem a presente ação, sem necessidade de terem arredado os demais comproprietários com direito de preferência no imóvel operada pelo 2.ºs Réus (pelo que neste ponto andou mal o Tribunal a quo). E, no caso de venda já estar efetuada, como a dos autos, havendo mais de um titular concorrente no exercício do direito de preferência, qualquer deles pode propor a respetiva ação de preferência, sem ter que recorrer previamente ao processo a que se refere o disposto no art. 1037º, do C. P. Civil. Por outras palavras, tendo já ocorrido a venda, qualquer cada um dos preferentes, pode intentar a ação sem que obrigatoriamente tenha que recorrer ao processo estabelecido no mencionado preceito. Isto porque se trata de uma faculdade e não um ónus que impenda sobre o preferente, pelo que não ocorre a mencionada exceção dilatória (ilegitimidade), impondo-se assim a revogação da sentença de 30/10/2020, proferida pelo Tribunal a quo.
39. Pelo que as normas jurídicas dos artigos 416, n.º1, 1410, 1550.º, 1555.º, do Código Civil e dos artigos 30.º e 1037.º ambos do CPC, em causa não foram convenientemente aplicadas, nos termos do que foi peticionado.”
Pugnam os Recorrentes pela integral procedência do recurso e consequentemente pela alteração da matéria de facto e da decisão de direito, reconhecendo aos Recorrentes legitimidade para exercerem o direito de preferência já que o prédio identificado em 8) dos factos provados se encontra em situação de encrave, e onera a propriedade horizontal com uma servidão legal de passagem, devendo ser reconhecido aos Recorrentes o direito de preferência na venda do imóvel, condenando-se os 2.ºS RÉUS a reconhecerem e a respeitarem esse direito, e ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que o comprador, segundo Réu, haja feito a seu favor em consequência da escritura de compra e venda efetuada a 30 de janeiro de 2019, e, outros que este venha a fazer sempre com todas as demais consequências que estiverem previstas.

O Réu A. S., notificado do recurso interposto pelos Autores, veio interpor, recurso subordinado, nos termos do artigo 633º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes conclusões:
“1ª
A despeito de a Sentença de que se recorre não lhe ter sido desfavorável, bem pelo contrário, o recorrente interpõe o presente recurso subordinado, o qual versa exclusivamente sobre matéria de direito e apenas deverá proceder no caso de o interposto pelos autores também merecer provimento, o que só por hipótese se admite, porquanto a douta Sentença mostra-se irrepreensível no concernente às questões de facto e de direito que foram suscitadas e nenhum reparo nos merece.

Nesta esteira, importa referir que o exponente realizou obras na habitação objeto dos presentes autos, as quais configuram benfeitorias úteis e necessárias, além de realizadas na mais absoluta boa-fé, nos termos já aflorados e melhor descritos em sede de reconvenção.

Os autores pretendem o reconhecimento do alegado direito de preferência sobre o prédio descrito no artigo 5º da sua Petição Inicial, o que se vier a merecer acolhimento pelo Tribunal de recurso implicaria um Enriquecimento ilegítimo e injustificado destes à custa do réu.

O réu signatário, em sede de reconvenção subsidiária, alegou e posteriormente provou que após a aquisição do aludido imóvel, realizou obras de melhoria e conservação da casa e nas quais gastou o montante total de €4.558,57, a cuja restituição terá, pois, direito, em caso de procedência da ação ou, em concreto no caso de provimento do recurso dos autores.

No caso vertente e de harmonia com os factos provados conclui-se que o recorrente realizou obras na habitação em apreço, adquirindo mobiliário de cozinha em melamina, uma pedra em granito “pedras salgadas”, uma placa de gás Balay, um forno também da marca “Balay”, um exaustor, um lava louça Teka, tudo encomendado e instalado à medida da sobredita cozinha e cujo custo ascendeu ao montante global de € 3.610,74 com IVA incluído.

Ademais, levou a efeito reparações e substituição das canalizações, o que se mostrava necessário, bem como à substituição dos mosaicos do pavimento da cozinha, adquirindo, para o efeito, material como argamassa, cruzeta para azulejo, vaguetes, esponjas de arear, cimento cola, vaguetes de azulejos, gresco, efetuou a pintura das paredes de dois quartos, tendo gasto e recorreu a um amigo e ao seu irmão, os quais desenvolveram tais trabalhos num período de 3 dias.

Tudo benfeitorias que além de serem úteis e necessárias não são suscetíveis de ser levantadas sem detrimento da coisa e do próprio material, a que acresce que foram encomendadas e aplicadas à medida, o que significa que não poderão ser aproveitadas e utilizadas pelo réu noutra habitação.

Pelo exposto, no caso de proceder o recurso interposto pelos autores, deve ser julgada procedente a Reconvenção apresentada pelo Réu e consequentemente serem os autores condenados a pagar a este a importância de €4.558,57 (quatro mil quinhentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal.

Foram violadas as seguintes normas jurídicas: artºs 216º, 1273º, 473º e segs, todos do C.C.”
Pugna o Réu pela improcedência do recurso interposto pelos Autores e manutenção da sentença recorrida e, no caso de assim se não entender e na eventualidade de ser dado provimento àquele recurso, pela procedência do recurso subordinado e condenação dos Autores a pagarem ao Réu a importância de €4.558,57, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Pelo tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho pronunciando-se sobre as nulidades invocadas pelos Autores:
Das alegadas nulidades da sentença por violação do disposto no artigo 615º nº1 alíneas d) e b) do CPC:
Vieram os Autores / Recorrentes, nas suas alegações de recurso, invocar a nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC, apesar de, em tal peça processual, referirem expressamente: “Postas estas breves considerações, e em razão das mesmas, manifesto se nos afigura, desde logo, que a circunstância de a primeira instância, em sede de sentença, ser parca na enunciação da factualidade provada [apenas verteu na sentença os factos que possibilitavam e serviam à partida a prolação de concreta e única decisão de mérito - alicerçada em juízo de direito pré-concebido - que não os factos relevantes para a decisão da causa e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, como é nossa convicção que devia ter sucedido], está longe de consubstanciar vício suscetível de integrar a previsão da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, podendo, quando muito, e a verificar-se uma total/absoluta ausência de especificação dos fundamentos de facto [ o que in casu não sucede] , cair-se sob a alçada da alínea b) do nº1, da mesma disposição legal.”, ficando-se, pois, sem saber se, estando a alegada não pronúncia sobre os factos alegados nos artigos 15, 20, 26, 27, 28, 29, 36 e 41 da Petição Inicial “longe de consubstanciar vício suscetível de integrar a previsão da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC”, os Recorrentes, mesmo assim, imputam tal vício à sentença proferida nos autos.
De qualquer forma, uma vez que tal nulidade se encontra – contraditoriamente – alegada no recurso dos Recorrentes, cumpre apreciá-la ao abrigo do nº1 do artigo 617º do mesmo diploma.
Isto posto, tal matéria vertida nos artigos 15, 20, 26, 27, 28, 29, 36 e 41 da Petição Inicial encontra-se vertida nos pontos 18), 19), 27), 28) a 32), 35) a 37) da matéria de facto provada, bem como nas alíneas A) a C) dos factos não provados.
Com efeito, como aí se explica a situação de prédio encravado do imóvel adquirido pelo 2º Réu mostra-se perfeitamente demonstrada na matéria de facto provada, assim como o facto de, nem estes, nem os 1º Réus terem comunicado aos Autores o projeto de venda mediante o qual o imóvel adquirido pelo 2º Demandado aos 1º Demandados lhe foi vendido. A questão relevante é que, ao contrário do alegado pelos Autores na ação, o Tribunal considerou que todo o trajeto que o 2º Réu tem de fazer para aceder da rua ou desta para a sua casa se faz por um logradouro que constitui, todo ele, parte comum do edifício constituído em propriedade horizontal onde fica localizado o imóvel (fração) dos Autores e não, ao contrário do alegado por estes, também por parte desse caminho que ficaria situado exclusivamente num logradouro mais pequeno que seria integrante da fração dos Demandantes (cfr. alíneas A) a C) dos factos não provados).
Destarte, não se vislumbra que o Tribunal se não tenha pronunciado sobre tais factos vertidos nos artigos artigos 15, 20, 26, 27, 28, 29, 36 e 41 da Petição Inicial. E mesmo que assim não fosse, não estaria em causa a nulidade prevista no artigo 615º nº1 alínea d) do CPC, pois que as questões aí referidas como referido pelo ac. STJ de 3/10/2017 (relator: Alexandre Reis) “prendem-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confundem com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.”

*
Do mesmo modo, e quanto à nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC, refere a jurisprudência (cfr., nesse sentido, entre muitos outros, o ac. TRG de 14/5/2015 – relator: Manuel Bargado) exige a mesma “a ausência total de fundamentação de facto ou de direito (não se bastando) com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente”. Decorre da sentença dos autos que a mesma se encontra fundamentada de facto quanto a toda a matéria de facto dada como provada e não provada (cfr. páginas 10 a 18 da decisão), bem como de direito (cfr. páginas 18 a 23 do aresto). Com efeito, na referida decisão considerou-se constituída uma servidão legal de passagem, bem como uma servidão constituída por usucapião, a favor do prédio adquirido pelo 2º Réu e onerando o prédio constituído em propriedade horizontal no qual se integra a fração da titularidade dos Autores. Negou-se, porém, pela circunstância de os Autores serem apenas titulares de uma fração do aludido prédio constituído em propriedade horizontal o direito de preferência na aquisição do imóvel adquirido pelo 2º Réu aos 1º Réus, o que decorre das razões aí mencionadas, ou seja, de, nessa hipótese, o direito de preferência não fazer extinguir o direito de servidão.
Ou seja, entende-se, salvo melhor opinião, que a sentença especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida pelo Tribunal.
*
Pelo exposto, sempre salvo melhor opinião, não se julgam verificadas as nulidades de sentença invocadas no recurso interposto pelos Autores e previstas nas alíneas b) e d) do nº1 do artigo 615º do CPC.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

A) Do recurso interposto pelos Autores a título principal
1- Saber se é admissível a junção de documento pelos Recorrentes com as alegações de recurso;
2- Saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia, por falta de fundamentação e por oposição entre os fundamentos e a decisão (artigo 615º n.º 1 alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil);
3- Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto;
4- Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.

A) Do recurso interposto pelo Réu A. S. a título subordinado
1 – Saber se os Autores devem ser condenados a pagar ao Réu A. S. a quantia de €4.558,57, acrescida de juros de mora à taxa legal.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:
1. Os Autores são donos e legítimos possuidores da “Fração A”, correspondente ao R/C do prédio urbano, sito na Rua ..., nº …, Bragança, com a área total de 612 m2, desses sendo a área coberta de 264 m2 e a área descoberta de 348 m2, inscrito na matriz sob o artigo 2582 da União de Freguesias de ..., ... e ....
2. Tal imóvel é destinado à habitação e encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …/198770817, estando registado em nome dos Autores por via da Ap. 1 de 22/2/1993.
3. É no imóvel descrito em 1) que os Autores comem, dormem, recebem os amigos e guardam os seus pertences, tendo os mesmos, após a sua aquisição em 1993, sempre vigiado e conservado o aludido prédio.
4. A fração aludida em A) fica situada no R/C direito de um prédio constituído em propriedade horizontal, cuja escritura pública de constituição em regime de propriedade horizontal foi lavrada no Cartório Notarial de Bragança em 21/12/1978, sendo outorgada por F. P. e esposa, L. P., bem como por A. P. e, esposa, I. G..
5. Na referida escritura pública de constituição da propriedade horizontal fez-se constar que o aludido “prédio tem a área coberta de cento e noventa e dois metros quadrados, cabendo aos logradouros a área de trezentos e quarenta e oito metros e às garagens a área de setenta e dois metros quadrados”, sendo “composto de quatro frações independentes, distintas e autónomas”.
6. Ainda na mesma escritura pública de constituição da propriedade horizontal do prédio urbano aludido em 1) refere-se que “todas as frações têm saída para parte comum do Edifício”, “que a restante parte sobrante dos logradouros, que tem a área de cento e cinquenta e quatro metros quadrados é destinada a acessos de todo o imóvel”.7. Igualmente na referida escritura de constituição de propriedade horizontal a fração A) aludida em 1) é assim descrita: “formada pelo rés-do-chão direito, com um quarto de banho, uma arrecadação debaixo das escadas, dispensa, cozinha, quatro assoalhadas, uma garagem com a área de dezoito metros quadrados e dois logradouros, divididos, sendo um à frente com a área de trinto e oito, vírgula cinco metros quadrados, e o outro nas traseiras com a área de quarenta, vírgula cinco metros quadrados, correspondendo a garagem e aos logradouros o número um (…)”.
8. No dia 30/1/2019, através de escritura pública, os 1º Réus, I. L. e A. M., celebraram com o 2º Réu, A. S., menor de idade representado em tal negócio pelos seus pais, A. S. e M. L., um contrato de compra e venda, mediante o qual venderam a este o prédio urbano, composto de R/C e de 1º Andar, destinado a habitação, sito em Vale ..., atualmente correspondente à Rua ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... da União de Freguesias de ..., ... e ..., concelho de Bragança, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... da mesma União de Freguesias, pelo preço acordado de € 20.000,00.
9. O prédio aludido em 8) havia chegado à posse dos 1º Réus através da herança aberta pela morte da mãe da 1ª Demandada, D. I. L..
10. A qual, por sua vez, havia adquirido tal prédio por sentença de 30/3/1995 transitada em julgada proferida na Ação Sumária nº 24/95 que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, nos termos da qual a propriedade de tal prédio foi transferida para a mesma, sem prejuízo de referida I. L. já viver na aludida casa de habitação antes dessa data e, pelo menos, desde 1992-1993.
11. Sendo que, antes de pertencer à referida I. L., o mesmo prédio havia pertencido a A. V. e mulher, os quais o haviam adquirido em 1982 a um senhor com o apelido P. e sua esposa.
12. A casa aludida em 8) já existia aquando da aquisição pelos Autores da fração A) aludida em 1), ficando localizada em cima das garagens do prédio aludido em 1).
13. Aquando da outorga da escritura pública aludida em 8), tanto os 1º Réus como o 2º Demandado declararam ter perfeito conhecimento da situação em que se encontrava o referido imóvel aí identificado, designadamente, quanto ao seu estado de conservação, situação jurídica, registral, fiscal e de licenciamento, assumindo o 2º Réu todas as consequências jurídicas daí decorrentes.
14. O preço (€ 20.000,00) da venda aludida em 8) foi pago integralmente no momento da referida escritura por intermédio de cheque bancário com o nº ….17 do Banco …, S.A.
15. A venda em causa foi intermediada pela sociedade “X – Sociedade de Medição Imobiliária, Lda., titular da licença nº … – AMI.
16. Na sequência da aludida compra, o 2º Réu registou a aquisição do prédio aludido em 8), livre de quaisquer ónus ou encargos, em seu nome.
17. O prédio aludido em 8), de acordo com a respetiva certidão matricial, fica situado na Estrada de …, em Vale ..., confrontando a norte com A. C., a sul com A. P., a Nascente com A. V. e Estrada Nacional, a poente com Henrique Augusto, possuindo uma área total de terreno de 60 m2 correspondente exatamente à área de implantação do edifício aí existente.
18. O prédio aludido em 8) fica situado por cima das garagens que integram o prédio urbano descrito em 1), bem como 4) a 7).
19. Sendo que a fração dos Autores aludida em 1) fica em frente à casa de habitação adquirida pelo 2º Réu e aludida em 8).
20. Entre a fração dos Autores e a casa de habitação adquirida pelo 2º Réu existe um logradouro que, não obstante ser referido como possuindo 40,5 m2 na escritura de propriedade horizontal aludida em 4), na verdade, possui apenas 11,90 m2, dispondo de 3,5 metros de largura e 3,4 metros de comprimento, conforme decidido por sentença transitada em julgado no proc. 137/96 que opôs a anterior dona do prédio aludido em 8), I. L. e posteriormente adquirido pelo 2º Réu aos 1ºDemandados, aos aqui Autores.
21. No referido espaço de 11,90 m2 e em 1995/1996, os Autores edificaram um anexo para escritório, ampliando, desse modo, a habitação (fração A) que lhes pertence.
22. Tendo a anterior dona do prédio aludido em 8) embargado tal obra e posteriormente instaurado a ação judicial aludida em 20) peticionando o reconhecimento de um direito de servidão de vistas que oneraria o prédio dos aqui Demandantes a favor do prédio referido em 8) e a consequente condenação dos aqui Autores a procederem à demolição de tal anexo para escritório e absterem-se de edificarem qualquer construção no referido espaço.
23. Pretensão essa que o Tribunal, na sentença aludida em 20) indeferiu, absolvendo os aí Réus / aqui Autores de tal pedido.
24. Na referida ação judicial, os aqui Autores / aí Réus deduziram reconvenção, mediante a qual peticionaram a condenação da referida I. L., aí Demandante, a pagar-lhes 186.000$00 como indemnização pelo facto de o prédio aludido em 8) alegadamente ocupar 18 m2 do imóvel aludido em 1) do qual os aqui Autores são donos.
25. Tendo tal reconvenção sido julgada improcedente por os aqui Autores / aí Réus não terem provado que o prédio aludido em 8) ocupava a área da fração dos Demandantes referida em 1).
26. À data da celebração do negócio referido em 8), o 2º Réu não era dono de qualquer prédio confinante com tal imóvel objeto da aludida escritura pública.
27. Para acederem ao prédio identificado em 8) a partir da rua pública ou para saírem de tal imóvel e acederem à Estrada nº ...-3 por via da rua ..., o 2º Réu, bem como, antes disso, os 1º Demandados e, antes disso, a anterior dona, I. L., sempre utilizaram, a pé, o logradouro, em asfalto, aludido em 6) comum às várias frações do prédio constituído em propriedade horizontal mencionado em 1), o qual, na verdade, possui, desde a rua pública até à casa ora do 2º Demandado uma extensão de 107 m2.
28. Fazendo-o porque tal prédio identificado em 8) não dispõe de qualquer comunicação direta com estrada asfaltada, ou seja, não possui qualquer outro acesso à rua pública;
29. E passando, pois, por tal logradouro comum das frações do prédio aludido em 1), à vista de toda a gente;
30. De forma ininterrupta;
31. Sem a oposição de ninguém;
32. Na convicção de exercerem um direito próprio de passagem que lhes pertence.
33. Na escritura de propriedade horizontal do prédio identificado em 1) não é feita qualquer referência a casa de habitação adquirida pelo 2º Réu e aludida em 8), a qual fica situada em prédio a que correspondem artigo matricial e descrição de registo predial diversos, tampouco se referindo em tal escritura qualquer direito de servidão constituído sobre o logradouro aludido em 6).
34. Durante alguns anos, à entrada do prédio aludido em 1) existiu um portão de “correr” (sem chave) que a aludida I. L., bem como os moradores do prédio aludido em 1), tinha de abrir para aceder ao logradouro comum referido em 6), tendo tal portão sido retirado pelo Autor, marido, em 2001 por acordo com a referida I. L., a qual tinha dificuldade em abri-lo por ser pessoa de idade, já com pouca força.
35. Aquando da venda aludida em 8), os 1º Réus não comunicaram previamente aos Autores o projeto de venda, o preço ou qualquer outra cláusula ou condição do negócio aí mencionado;
36. Não tendo os Demandantes sido, nomeadamente, notificados do aludido negócio de venda do imóvel aludido em 8) com vista a um eventual exercício de direito de preferência na aquisição do aludido prédio;
37. Tendo, pois, apenas tido conhecimento do referido negócio em fevereiro de 2019, já depois da sua celebração por escritura pública, quando verificaram que o 2º Réu, bem como a sua família, passavam a pé pelo logradouro mencionado em 6) e 27) e entravam no aludido imóvel.
38. Apesar de saberem, antes da referida aquisição pelo 2º Réu, que o prédio aludido em 8) estava para venda, o que sabiam pelo facto de a mediadora imobiliária ter levado por várias vezes interessados a verem a casa e por ter estado colocada no local uma placa a dizer “vende” com o número de contacto do angariador, tendo um dos mediadores inclusivamente sugerido à Autora que fizessem uma proposta de aquisição, ao que a mesma respondeu que isso era com o Autor, marido, o qual nunca a fez.
39. Já depois da aquisição aludida em 8), o 2º Réu realizou obras na habitação aí mencionada, adquirindo mobiliário de cozinha em melamina, uma pedra em granito “pedras salgadas”, uma placa de gás Balay, um forno também da marca “Balay”, um exaustor, um lava-louça Teka, tudo encomendado e instalado à medida da sobredita cozinha e cujo custo ascendeu ao montante global de € 3.610,74 com IVA incluído.
40. O 2º Réu despendeu ainda a quantia de € 250,00 em reparações e substituição das canalizações, o que se mostrava necessário, atendendo ao facto de o imóvel aludido em 8) ter estado mais de 10 anos desabitado e sem que fosse assegurada a sua manutenção devida.
41. O 2º Réu providenciou igualmente a substituição dos mosaicos do pavimento da cozinha, adquirindo, para o efeito, material como argamassa, cruzeta para azulejo, vaguetes, esponjas de arear, cimento cola, vaguetes de azulejos, gresco, tendo pago por conta de tais materiais a quantia de € 247,83.
42. Finalmente, o 2º Réu procedeu à pintura das paredes de dois quartos, tendo gasto, pelo menos, € 50,00 para aquisição das tintas necessárias para o efeito.
43. A fim de realizar as obras aludidas em 39) a 42), o 2º Réu recorreu a um amigo e ao seu irmão, os quais desenvolveram tais trabalhos num período de 3 dias, sendo o custo habitual da mão de obra para tais trabalhos de €50,00 diários, no montante global de € 300,00 (2 x € 50,00 x 3 dias).
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

A. Que, a fim de acederem à rua pública, o 2º Réu e, antes dele, os seus antecessores, anteriores donos do prédio aludido em 8), tenham de passar por um logradouro de 40,50 metros integrado na fração A) da titularidade dos Demandantes.
B. Sendo que o prédio aludido em 8) fica, não só implantado por cima das garagens do prédio aludido em 1), mas também parcialmente no referido logradouro de 40,50 metros integrado na fração A) da titularidade dos Autores.
C. Razão pela qual, para acederem ao prédio aludido em 8), o 2º Réu e, antes deles, os seus antecessores tenham de passar pelo logradouro exclusivo dos Autores com a área de 40,50 metros.
D. Que os Autores, sempre que os mediadores imobiliários se deslocavam à casa referida em 8) perguntassem quais as condições de venda da referida habitação, nomeadamente, quanto ao preço pedido (provando-se apenas o referido em 38).
E. Que, aquando do referido em 38), o mediador tivesse dito à Autora que o preço pedido pela casa referida em 8) seria de € 30.000,00.
F. Que, no dia em que o 2º Réu e seus familiares visitaram a casa aludida em 8) – cerca de um mês antes do negócio aí mencionado – os Autores tivessem assistido à vista e tido conhecimento do preço de € 20.000,00 que o 2º Demandado veio a pagar pela referida aquisição.
G. Que, não obstante o referido em C), os Autores não tivessem real desejo de adquirir o prédio aludido em 8).
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3.2. Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso

Os Recorrentes apresentam com as suas alegações um documento, requerendo seja admitida a sua junção ao abrigo do disposto nos artigos 651º n.º 1 e 425º, do Código de Processo Civil.
Alegam que não puderam proceder à sua junção em momento anterior por se tratar de uma missiva camarária datada de 03/03/2020, que só a partir desta data é que se encontrou na sua posse, já depois da data do julgamento.
Vejamos então a admissibilidade da apresentação do documento com as alegações de recurso.
Resulta do preceituado no artigo 651º nº 1 do Código de Processo Civil que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Temos para nós como inquestionável que a junção de prova documental “deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, Almedina, p.191).
Quanto à junção de documentos prevê o artigo 425º do Código de Processo Civil que, depois “do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, resultando do artigo 423º do mesmo diploma que os documentos deverão “ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” (nº 1), ou “até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado” (nº 2), ou até ao encerramento da discussão, desse que a sua “apresentação não tenha sido possível ate aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (nº 3).
Assim, e havendo recurso, como acontece no nosso caso, em face do preceituado nos artigos 425º e 651º n.º 1 do Código de Processo Civil, a admissibilidade da junção de documentos com as alegações assume caracter excecional e ocorre apenas em duas situações: a) se a junção do documento não foi possível até àquele momento, isto é, nos casos de impossibilidade objetiva ou subjetiva de junção anterior do documento ou b) se a junção do documento se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância.
A parte que pretenda juntar documentos, designadamente com as alegações de recurso, deve justificar o carácter superveniente da junção, seja ela de ordem objetiva seja ela de ordem subjetiva (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit, pág.191). Quanto à impossibilidade objetiva a mesma decorre de o documento só ter sido produzido após o prazo-limite previsto no artigo 423º n.º 2 do Código de Processo Civil e a prova da impossibilidade da sua junção aos autos pela parte até àquele prazo limite decorre naturalmente da análise do teor do próprio documento; quanto à impossibilidade subjetiva a mesma decorre da parte só ter tido conhecimento da existência do documento ou dos factos a que o mesmo se reporta após o decurso daquele prazo limite, apesar do documento respeitar a factos anteriores ao decurso desse prazo e poder ser anterior ao mesmo; nesta, a prova da impossibilidade da junção do documento no prazo previsto no referido artigo 423º n.º 2 não se basta com a mera alegação que a parte só teve conhecimento da existência do documento após o decurso do prazo, antes deverá ser alegado e provado que o desconhecimento em relação à existência do documento não ficou a dever-se a negligência da parte, uma vez que a impossibilidade pressupõe que o desconhecimento da existência do documento não derive de culpa sua.
Relativamente à junção de documento em fase de recurso com fundamento de que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância tem mesma como pressuposto que essa decisão contenha elementos de novidade, isto é que tenha sido, de todo, surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo; é o que ocorre designadamente nos casos em que a decisão se baseou em meios de prova cuja junção foi oficiosamente determinada pelo tribunal, em momento processual em que já não era possível à parte carrear para os autos o documento, ou em que se fundou em preceito jurídico ou interpretação do mesmo, com a qual aquele não podia justificada e razoavelmente contar.
Por isso, se o documento era necessário para fundamentar a ação ou a defesa antes de ser proferida a decisão da 1ª Instância e se esta se baseou nos meios de prova com que as partes razoavelmente podiam contar (depoimentos ou declarações de parte, declarações das testemunhas, documentos, prova pericial ou por inspeção judicial, arrolados e requeridos pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo juiz, mas neste caso, em momento processual em que ainda era possível às partes juntar o documento) não se pode dizer que a junção aos autos do documento com as alegações ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância.
É pois de concluir que deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado (neste sentido os Acórdãos do STJ de 27/06/2000, in CJ/STJ, ano VIII, tomo II, página 131 e de 18/02/2003, in CJ/STJ, ano XI, tomo I, página 103 e seguintes onde se afirma que “Não é lícito juntar, com as alegações de recurso de apelação, documento relativo a factos articulados e de que a parte podia dispor antes do encerramento da causa na 1.ª instância. Na verdade, o artigo 706.º do CPC (com a mesma redação, no que a este particular interessa, do artigo 693.º-B atual), ao admitir a junção só tornada necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância, não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 10; Antunes Varela, R.L.J. 115-94)”, os quais mantêm atualidade em face da redação dos preceitos do atual Código de Processo Civil).

No caso concreto os Recorrentes juntam um documento que afirmam resultar facilmente do seu teor traduzir-se numa missiva camarária datada de 03/03/2020, por isso, posterior à data do julgamento, que só a partir dessa data se encontrou na sua posse; invocam, dessa forma, a impossibilidade de junção em momento anterior do documento, pelo que lhes competia justificar o carácter superveniente da junção.
Resulta dos autos que a última sessão da audiência ocorreu efetivamente em 26 de fevereiro de 2020, tendo sido aberta conclusão para prolação da sentença em 12 de março de 2020; no entanto, analisando o teor do documento de forma alguma é possível concluir que se trata de uma missiva camarária datada de 03/03/2020 enviada aos Recorrentes; de facto do teor do documento apenas ressalta tratar-se de uma planta, contando do documento o seguinte: “Legalização da sua casa”, “Plantas” e “Requerente A. V.”.
Considerando tratar-se de uma casa de rés-do-chão e primeiro andar e sendo que o prédio vendido pelos Réus I. L. e A. M. antes de pertencer I. L., havia pertencido a A. V. e mulher (ponto 11 dos factos provados), a planta em causa será referente a este prédio; porém, nada permite concluir que a mesma só chegou aos Recorrentes em 03/03/2020, através de missiva camarária, e nem que só nessa data, ou em momento posterior ao julgamento os Recorrentes tiveram conhecimento do mesmo.
Não se pode, por isso, afirmar que se mostra justificado o carácter superveniente da junção como pretendem os Recorrentes; e nem se pode também concluir que a junção do documento ocorra em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância pois a decisão recorrida não contem a este propósito elementos de novidade, no sentido de ter sido surpreendente e inesperada em face dos elementos de prova constantes do processo, ainda que os Recorrentes possam não concordar com a apreciação efetuada e a decisão proferida.
Do exposto decorre não ser de considerar justificada a junção do documento apresentado pelos Recorrentes não se admitindo, por isso, a sua junção aos autos e determinando-se seja o mesmo desentranhado e restituído, após trânsito em julgado deste acórdão.
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3.3. Da nulidade da sentença

Os Recorrentes no corpo das suas alegações vieram arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, por oposição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronuncia.
Não obstante nas suas conclusões os Recorrentes omitam qualquer referência às invocadas nulidades da sentença, sendo as nulidades da sentença de conhecimento oficioso, iremos conhecer das mesmas adiantando desde já que entendemos não padecer a sentença proferida de qualquer nulidade, designadamente das que lhe são apontadas pelos Recorrentes.
Vejamos.

Dispõe o n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que:
“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas nesse artigo 615º do Código de Processo Civil, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017 (Relator Conselheiro Alexandre Reis, Processo n.º 1204/12.9TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei”.
As decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respetiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respetiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
As nulidades da sentença não se confundem, por isso, com o chamado erro de julgamento e, sobretudo, não deve confundir-se o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa, conforme, aliás é expressamente reconhecido e afirmado pelos Recorrentes nas suas alegações.
Não podemos deixar de aqui salientar, tal como vem sendo reconhecido, que é “impressionante a frequência com que, em sede de recurso, são invocadas nulidades da sentença ou de acórdãos (…) Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronuncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, página 736 a 737).
Ora, os Recorrentes invocam no presente recurso as nulidades previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do referido artigo 615º, isto é por falta de fundamentação sobre a matéria de facto, por oposição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronuncia, o que apenas se pode perceber, em face da sentença recorrida, por força da referida confusão, que se vem generalizando, entre a nulidade da decisão e a discordância quanto ao resultado, designadamente quanto ao julgamento da matéria de facto e quanto à aplicação do direito, pois que, podem efetivamente os Recorrentes não concordar com o decidido ou até entender que existe erro no julgamento, designadamente quanto à matéria de facto ou insuficiência desta, mas é evidente não padecer a decisão recorrida de nulidade.
Vejamos.
Começando por apreciar a invocada nulidade decorrente da falta de fundamentação, importa referir que o dever de fundamentar a decisão decorre expressamente do disposto no artigo 154º do Código de Processo Civil que prevê que as decisões são sempre fundamentadas, sendo que a justificação não pode, em princípio, consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição.
A nulidade em causa tem ainda correspondência com o n.º 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (...)”; e com o seu nº 4 que dispõe que “na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…)”.
Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2017, disponível em www.dgsi.pt).
No entanto, não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º citado.
A insuficiência ou mediocridade da motivação, como ensinava já o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, página 140) afeta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.
No mesmo sentido se pronuncia Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, página 687) ao consignar que “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

No caso em apreço, parece-nos de linear clareza que os Recorrentes não têm nesta parte razão, pois que a decisão recorrida especifica não só os factos como as razões de direito determinantes da decisão, não ocorrendo manifestamente falta absoluta de fundamentação; pelo contrário a sentença recorrida especifica os fundamentos de facto e de direito.
A nulidade prevista na alínea c), pressupõe que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Esta nulidade está relacionada com a obrigação imposta pelos artigos 154º e 607º, n.ºs 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil, do juiz fundamentar as suas decisões e com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão seja a consequência ou conclusão lógica da aplicação da norma legal aos factos.
Por outras palavras, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”, pelo que “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” (Acórdão da Relação de Guimarães, de 14/05/2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G; no mesmo sentido, Acórdão da Relação de Coimbra, de 11/01/1994, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, pg. 633, onde se lê que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição”; e ainda, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/1997 e de 22/06/1999, BMJ nº 464, página 524 e CJ, 1999, Tomo II, página 160, respetivamente).
Da simples leitura da decisão recorrida afigura-se-nos resultar evidente que inexiste qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão e nem ocorre nenhuma ambiguidade ou obscuridade; de todo o modo, o erro de julgamento na matéria de facto não se confunde com a nulidade da sentença e deverá ser apreciado em sede de reapreciação da matéria de facto em conformidade com o disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil.
Quanto à nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º prende-se com a omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou com o excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há-de assim resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras e só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.
Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas, ou com o não conhecimento de questões julgadas prejudicadas por força da solução dada ao litígio, não se confundindo também, conforme já referimos, com o designado erro de julgamento.
Ora, segundo os Recorrentes o tribunal a quo não se pronunciou sobre a servidão legal de passagem e nem sobre a situação de encrave do imóvel vendido pelos 1ºs Réus; tal não corresponde, contudo, à verdade, pois da sentença recorrida resulta de forma expressa ter o tribunal a quo não só reconhecido estar o prédio encravado, como entendeu não subsistirem dúvidas quanto a poder ser constituída uma servidão legal de passagem.
O que não foi reconhecido pelo tribunal a quo é que, mesmo considerando estar constituída uma servidão de passagem por usucapião e constituindo esta igualmente uma servidão legal de passagem, seja atribuído aos Autores o direito de preferência previsto no artigo 1555º do Código Civil.
E é a posição do tribunal a quo sobre esta questão que constitui essencialmente o motivo do inconformismo dos Recorrentes sobre o decidido. Ora, podem os Recorrentes não concordar com o decidido em 1ª Instância, não podem é invocar a existência de omissão de pronúncia, sendo certo que esta, enquanto nulidade da sentença se não confunde com a insuficiência da matéria de facto (que os Recorrentes também invocam para esse efeito) e nem, reafirmamos novamente, com o erro de julgamento.
Assim, analisada a sentença proferida em 1ª Instância é manifesto, como aliás já tínhamos adiantado, que a mesma se encontra fundamentada e conheceu das questões que foram suscitadas e que se lhe impunha conhecer, não se verificando qualquer nulidade.
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3.4. Da modificabilidade da decisão de facto

Não obstante ter sido interposto recurso subordinado pelo Réu A. S. o mesmo versa exclusivamente matéria de direito; iremos então apreciar a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelos Autores no recurso interposto a título principal.
Sustentam os Autores/Recorrentes que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 19), 20), 21), 27), 31), 34) e 38) dos factos provados e os pontos A), B) e C) dos factos não provados, e ainda que não consta da matéria de facto provada os factos alegados nos artigos 15, 20, 26, 27, 28, 29, 36, 41 e 44 da petição inicial.
Vejamos se lhe assiste razão.
Decorre do n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
In casu mostram-se cumpridos pelos Recorrentes os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Conforme decorre do disposto no artigo 607º n.º 5 do CPC a prova é apreciada livremente; prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respetivamente para a prova pericial, para a prova por inspeção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
A prova há-de ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, página 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, página 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Obra Cit. página 655); o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
De facto, a questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1.ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios.

Vejamos então os pontos impugnados.

Ponto 19) dos factos provados:
“19. Sendo que a fração dos Autores aludida em 1) fica em frente à casa de habitação adquirida pelo 2º Réu e aludida em 8)”.
Sustentam os Recorrentes que tal matéria de facto não apresenta a melhor redação, resultando confusa, devendo ser alterada nos seguintes termos): “fração dos Autores aludida em 1) fica em frente à casa de habitação adquirida pelo 2º Réu e aludida em 8), sendo que o acesso a esta última se faz pelo logradouro lateral e contiguo à fração dos Autores mencionada no ponto 1.)
No fundo, pretendem acrescentar à redação do ponto 19) que o acesso à casa de habitação adquirida pelo 2º Réu se faz pelo logradouro lateral e contiguo à fração dos Autores mencionada no ponto 1.)
Porém, consta já dos pontos 27) e 28) dos factos provados a forma como se faz o acesso a tal prédio (a partir da rua pública ou para sair do imóvel e aceder à Estrada nº ...-3 por via da rua ...): pelo logradouro, em asfalto, comum às várias frações do prédio constituído em propriedade horizontal, uma vez que o prédio não dispõe de qualquer comunicação direta com estrada asfaltada, ou seja, não possui qualquer outro acesso à rua pública.
Não entendemos, por isso, que se mostre necessário alterar a redação do ponto 19).

Pontos 20) e 21) dos factos provados:
“20. Entre a fração dos Autores e a casa de habitação adquirida pelo 2º Réu existe um logradouro que, não obstante ser referido como possuindo 40,5 m2 na escritura de propriedade horizontal aludida em 4), na verdade, possui apenas 11,90 m2, dispondo de 3,5 metros de largura e 3,4 metros de comprimento, conforme decidido por sentença transitada em julgado no proc. 137/96 que opôs a anterior dona do prédio aludido em 8), I. L. e posteriormente adquirido pelo 2º Réu aos 1ºDemandados, aos aqui Autores.
21. No referido espaço de 11,90 m2 e em 1995/1996, os Autores edificaram um anexo para escritório, ampliando, desse modo, a habitação (fração A) que lhes pertence”.
Sustentam os Recorrentes que tal matéria resultou confusa, devendo ser suprimida.
Invocam o depoimento do Recorrente que referiu que a área teria cerca de 26 m2, para além do espaço do anexo, e o título constitutivo da propriedade horizontal onde consta que a fração “A” é composta por dois logradouros, tendo o que se situa nas traseiras a área de 40,50 m2.
No fundo, insurgem-se os Recorrentes essencialmente quanto à área de 11,90 m2, julgada provada como sendo a do seu logradouro, totalmente correspondente à área do anexo que construíram, alegando que aquele ficou com a área de 33,10 m2, correspondente a 45 m2 de área total do logradouro traseiro uma vez subtraída a área do anexo; ou pelo menos a área de 26 m2, para além do espaço do anexo, que foi mencionada pelo Recorrente no seu depoimento.
Importa referir em primeiro lugar que os Recorrentes incorrem em lapso quando referem a área de 45 m2 pois o que consta do título constitutivo da propriedade horizontal é a área de 40,50.
Ora, pelo tribunal a quo foi considerado que, não obstante ser referido na escritura de propriedade horizontal, que tal logradouro tem 40,5 m2 na verdade, possui apenas 11,90 m2, em conformidade com o decidido por sentença transitada em julgado no proc. 137/96 que opôs a anterior dona do prédio adquirido pelo 2º Réu, aos aqui Autores.

Na motivação da sentença recorrida consta que:
“Neste contexto, apurou-se por via do depoimento da generalidade das testemunhas (cfr. depoimentos dos depoentes, C. F., V. F., M. A., H. C. com amplo conhecimento de causa por se tratarem, no caso das primeiras duas testemunhas dos filhos dos Autores que viveram com os pais na fração referida em 1) dos factos provados e, no caso dos terceiro e quarto depoentes, de pessoas que vivem em prédios da vizinhança há muitos anos), que o imóvel adquirido pelo 2ª Demandado aos 1º Demandados pertencia – tal como, de resto, se retira da certidão da sentença proferida no proc. 137/96 junta a fls. 107 e ss. – a I. L., a qual, segundo tais testemunhas e tal decisão judicial, viveu no local a partir de 1986 (já aí residindo antes de os Autores – em 1993 - terem adquirido a predita fração A) do prédio aludido em 1) dos factos provados5) e até 2006-2009 (altura em que terá falecido, de acordo com os referidos depoentes), primeiramente, apenas em períodos de férias por ser emigrante em França, mas depois, a partir de 2001, de forma definitiva quando regressou a Portugal, tendo-lhe, após a morte, sucedido os 1º Demandados, os quais nunca habitaram a casa, e venderam, posteriormente em 30/1/2019 o predito prédio ao 2º Réu. Nesse sentido, os factos referentes à aquisição pela aludida I. L. do aludido prédio resultam também provados por via da referida sentença em ação judicial que opôs a mesma aos aqui Autores por causa de uma servidão de vistas que aquela pretendia opor aos aqui Demandantes no sentido de os obrigar a demolir um escritório que estes haviam edificado como anexo à sua fração (cfr. depoimento de V. F.), pretensão essa que foi julgada improcedente, tendo, no entanto, o Tribunal julgado igualmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos aqui Autores / aí Réus no sentido de a aí Demandante, I. L., ser condenada a pagar-lhes uma indemnização pela circunstância de o prédio identificado em 8) dos factos provados ora adquirido pelo 2º Réu, estar, segundo aqueles, implantado parcialmente na área de logradouro traseiro (com 40,5 m2) integrante da fração A) dos Demandantes aludida em 1) da matéria de facto provada, o que o Tribunal entendeu não ter ficado provado, outrossim, declarando que tal logradouro só integraria uma área de 11,90 m2, a qual corresponderia integralmente ao escritório / anexo edificado pelos Autores (cfr. pontos 7), 8), 15) e especialmente 16) da matéria de facto provada constante de tal sentença junta a fls. 132-133). Dir-se-á, pois, que, em função da aludida reconvenção assim decidida e independentemente do referido no título constitutivo da propriedade horizontal quanto à existência de um logradouro de 40,5 m2 nas traseiras do prédio aludido em 1) dos factos provados e integrado na fração dos Autores aí mencionada, a autoridade do caso julgado formado no referido proc. 137/96 impede este Tribunal de considerar que tal logradouro possua 40,5 m2 e que esteja parcialmente ocupado pelo imóvel adquirido pelo 2º Réu e aludido em 8) dos factos provados. Com efeito, o caso julgado formado na referida ação judicial torna indiscutível entre as partes (no caso, os aqui Autores e os Réus, enquanto sucessores / adquirentes subsequentes do prédio identificado em 8) dos factos provados) tal questão no sentido de impor a consideração que tal imóvel não ocupa o logradouro integrante da fração dos Demandantes e que este apenas possui uma área de 11,90 m2 totalmente ocupada pelo escritório / anexo construído pelos Autores em 1995/1996.
Daí resulta necessariamente que o acesso pelo 2º Réu ao prédio identificado em 8) dos factos provados se faz exclusivamente em todo o respetivo percurso da rua até à casa de habitação e vice-versa - pelo logradouro comum a todos as frações do prédio aludido em 1) da matéria de facto provada6. Eis, pois, por que razão se deu como provado o teor dos pontos 8) a 26) dos factos provados e como não provado o teor das alíneas A) a C) dos factos não provados”.
O tribunal a quo considerou na matéria de facto provada a decisão proferida no processo n.º 137/96 opôs a anterior proprietária do prédio identificado em 8) dos factos provados aos aqui Autores, na qual estes deduziram pedido reconvencional, julgado improcedente, no sentido daquela ser condenada a pagar-lhes uma indemnização pela circunstância de o prédio identificado em 8) estar implantado parcialmente na área de logradouro traseiro com 40,5 m2 e onde foi declarado que tal logradouro só integraria uma área de 11,90 m2, correspondente integralmente ao anexo.
Considerando a decisão proferida no referido processo n.º 137/96 não entendemos que devam ser alterados ou suprimidos os pontos 20) e 21) uma vez que efetivamente a área do logradouro traseiro pertencente à fração dos Autores e o facto do imóvel identificado em 8) não ocupar terreno desse logradouro foi já definida por sentença transitada em julgado, proferida em ação anterior, a qual se impõe por força do caso julgado.

Ponto 27) dos factos provados:
“27. Para acederem ao prédio identificado em 8) a partir da rua pública ou para saírem de tal imóvel e acederem à Estrada nº ...-3 por via da rua ..., o 2º Réu, bem como, antes disso, os 1º Demandados e, antes disso, a anterior dona, I. L., sempre utilizaram, a pé, o logradouro, em asfalto, aludido em 6) comum às várias frações do prédio constituído em propriedade horizontal mencionado em 1), o qual, na verdade, possui, desde a rua pública até à casa ora do 2º Demandado uma extensão de 107 m2”.
Relativamente a esta matéria sustentam os Recorrentes que o logradouro tal como descrito no título constitutivo tem na realidade os mencionados 154 m2 e não 107 m2, uma vez que as medições não tiveram por base os canteiros existentes e visíveis nas fotografias que constituem o documento n.º 6, pelo que deve ser alterada a redação do ponto 27): “Para acederem ao prédio identificado em 8) a partir da rua pública ou para saírem de tal imóvel e acederem à Estrada nº ...-3 por via da rua ..., o 2º Réu, bem como, antes disso a anterior dona, I. L., sempre utilizaram, a pé, o logradouro, em asfalto, aludido em 6) comum às várias frações do prédio constituído em propriedade horizontal mencionado em 1), 5), 6) e 7) o qual, como mencionado no ponto 6) possui uma extinção de 154m2.”
Conforme consta do “Auto de Inspeção ao Local” “pelo Sr. º perito foi dito ainda que o espaço que os Autores referem como constituindo caminho de servidão em beneficio do prédio do Réu apresenta uma área total aproximadamente 107m2 (…) Pelo Sr. Perito foi dito que, consultado o titulo constituído da propriedade horizontal do prédio que integra a fração dos Autores, o espaço de 107 m2 supra referido é mencionado em tal titulo como constituído um logradouro comum a todas as frações do prédio dos Demandantes”.
Os Recorrentes não questionam a utilização do logradouro em causa e nem que seja comum às várias frações, mas apenas a sua área invocando a que consta do título constitutivo da propriedade horizontal; considerando o teor do “Auto de Inspeção ao Local” nada há a alterar na redação do ponto 27) dos factos provados.

Ponto 31) dos factos provados:
“31. Sem a oposição de ninguém”.
Entendem os Recorrentes que a matéria dada como provada se encontra incompleta devendo passar a ter a seguinte redação: “Sem a oposição de ninguém, na medida em que Autores e a D. I. L. haviam estabelecido entre si um acordo de forma livre permitia a esta última o acesso ao seu prédio descrito no ponto 8.) dos factos provados.”
Sustentam que a matéria que pretendem acrescentar é relevante para a boa decisão da causa.
Tendo em atenção que está em causa a invocação pelos Recorrentes de um direito de preferência por força de servidão legal de passagem estabelecida em benefício de prédio encravado, in casu, a favor do prédio vendido ao 2º Réu, não se mostra relevante a matéria em causa, não sendo de alterar a redação do ponto 31) nos termos pretendidos pelos Recorrentes.

Ponto 34) dos factos provados:
“34. Durante alguns anos, à entrada do prédio aludido em 1) existiu um portão de “correr” (sem chave) que a aludida I. L., bem como os moradores do prédio aludido em 1), tinha de abrir para aceder ao logradouro comum referido em 6), tendo tal portão sido retirado pelo Autor, marido, em 2001 por acordo com a referida I. L., a qual tinha dificuldade em abri-lo por ser pessoa de idade, já com pouca força”.
Também quanto a este ponto 34) entendem os Recorrentes que não se encontra completo, devendo ser reformulado, por aditamento, para a seguinte redação: “Durante alguns anos, à entrada do prédio aludido em 1) existiu um portão de “correr” (sem chave) que a aludida I. L., bem como os moradores do prédio aludido em 1), tinha de abrir para aceder ao logradouro comum referido em 6), tendo tal portão sido retirado pelo Autor, marido, em 2001 por acordo com a referida I. L., a qual tinha dificuldade em abri-lo por ser pessoa de idade, já com pouca força, dado que entre os autores e a aludida I. L. havia relação de boa vizinhança que facilitava o seu acesso ao prédio identificado no ponto 8.) dos factos”.
Mais uma vez, estando em causa a existência de servidão de passagem a favor de prédio encravado e a existência de direito de preferência dos Recorrentes, não vislumbramos qualquer interesse para a decisão a proferir o aditamento da matéria em causa, não sendo, por isso, de alterar a redação do ponto 34) nos termos pretendidos pelos Recorrentes.

Ponto 38) dos factos provados:
“38. Apesar de saberem, antes da referida aquisição pelo 2º Réu, que o prédio aludido em 8) estava para venda, o que sabiam pelo facto de a mediadora imobiliária ter levado por várias vezes interessados a verem a casa e por ter estado colocada no local uma placa a dizer “vende” com o número de contacto do angariador, tendo um dos mediadores inclusivamente sugerido à Autora que fizessem uma proposta de aquisição, ao que a mesma respondeu que isso era com o Autor, marido, o qual nunca a fez”.
Sustentam os Recorrentes que a matéria de facto em causa não deve ser considerada provada por não se encontrar em conformidade com a prova documental e testemunhal existente nos autos, designadamente a testemunha V. F., a testemunha C. F. e o depoente Autor J. F. e a testemunha D. P. que afirmaram de forma clara que nunca tal placa esteva a sinalizar a venda do imóvel.

Na motivação da sentença recorrida considerou o tribunal a quo que:
“(…) quanto à questão da comunicação ou não do projeto de negócio de aquisição do imóvel aludido em 8) dos factos provados aos Autores, enquanto supostos titulares do direito de preferência sobre tal prédio, esclareça-se ter-se retirado dos depoimentos – mais distanciados das partes e, por isso, mais verosímeis – de C. A. e B. C., mediadores imobiliários que tentaram angariar compradores para o imóvel aludido em 8) dos factos provados no período de 2015 a Janeiro de 2019, que os mesmos, tal como os 1º Demandados, vendedores, não entendiam existir qualquer direito de preferência por parte dos Demandantes na aquisição de tal imóvel, razão pela qual não fizeram, como, de resto, se retira da não junção de qualquer carta enviada nos autos, qualquer comunicação escrita para preferência. Mais se retirou de tais depoimentos que tal comunicação também não foi realizada por via verbal no sentido de se apresentarem aos Autores as condições concretas mediantes as quais os 1º Demandados se propunham vender o prédio ao 2º Demandado antes da realização do negócio em 30/1/2019, outrossim e apenas, que, em algumas das visitas realizadas com potenciais interessados (que foram muitos, segundo tais depoimentos), os Autores assistiam a tais visitas, mostrando, numa ou noutra situação, desagrado pelo facto de a primeira testemunha, numa ocasião, ter dito que, se fosse dono do prédio, não autorizaria a existência de janelas no imóvel dos Autores a dar para o imóvel adquirido posteriormente pelo 2º Réu. Tal testemunha, C. A., referiu inclusivamente que chegou a falar com a Autora, esposa, no sentido de a mesma fazer uma proposta de aquisição do prédio aludido em 8) dos factos provados, tendo esta respondido que esse era um assunto que aquele devia discutir com o Autor, marido, nunca este tendo mostrado interesse nisso. Nesse sentido, de tais depoimentos retirou-se, pois, que, embora os Autores soubessem que o prédio aludido em 8) dos factos provados estava “para venda”, o que sabiam, de resto, pela colocação de placa com os dizeres “vende-se” no aludido imóvel (tal como referido por tal testemunha), nunca foram confrontados com o projeto de venda que veio efetivamente a ser levado a cabo. Donde, também não saberiam das condições que o 2º Réu apresentou aos 1º Réus (até porque as testemunhas nada referiram quanto a terem os Autores assistido a quaisquer negociações entre os Demandados).
Eis, pois, por que razão se deu como provado o teor dos pontos 35) a 38) dos factos provados e como não provado o teor das alíneas D) a G) dos factos não provados”.
O tribunal a quo baseou a sua convicção nas declarações prestadas pelas testemunhas que foram os mediadores imobiliários da “X” (a qual aliás sociedade consta como tendo tido intervenção na mediação da compra e venda na escritura outorgada em 30/01/2019) que tentaram angariar compradores para o imóvel no período de 2015 a janeiro de 2019, em particular da testemunha C. A..
E, ouvidas as declarações prestadas pelas testemunhas indicadas pelos Recorrentes, e pelos referidos mediadores imobiliários, não vemos que não deva ser julgada provada a matéria de facto em causa; as declarações destas testemunhas mostram-se credíveis e as mesmas, pela intervenção que tiveram na venda do imóvel, demonstraram conhecimento direto dos factos em causa, sendo certo que a versão da colocação da placa a dizer “vende-se” é também conforme com as regras da experiência comum e com o modus operandi das mediadoras imobiliárias.
De todo o modo, não podemos deixar de salientar que, atenta a matéria de facto dada como provada nos pontos 35), 36) e 37), o ponto 38) em causa não assume particular relevo para a decisão a proferir sobre uma eventual violação do direito de preferência e para a pretensão dos Recorrentes.

Ponto A), B) e C) dos factos não provados:
“A. Que, a fim de acederem à rua pública, o 2º Réu e, antes dele, os seus antecessores, anteriores donos do prédio aludido em 8), tenham de passar por um logradouro de 40,50 metros integrado na fração A) da titularidade dos Demandantes.
B. Sendo que o prédio aludido em 8) fica, não só implantado por cima das garagens do prédio aludido em 1), mas também parcialmente no referido logradouro de 40,50 metros integrado na fração A) da titularidade dos Autores.
C. Razão pela qual, para acederem ao prédio aludido em 8), o 2º Réu e, antes deles, os seus antecessores tenham de passar pelo logradouro exclusivo dos Autores com a área de 40,50 metros”.

Sustentam os Recorrentes que da prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento e do depoimento do Recorrente resulta o contrário, devendo alguns destes factos ser dados como parcialmente provados acrescentando-se aos factos provados três novos com a seguinte redação:

“A. Que, a fim de acederem à rua pública, o 2º Réu e, antes dele, os seus antecessores, anteriores donos do prédio aludido em 8), tenham de passar por um logradouro de 31,70 m2 pertencente à propriedade horizontal, conforme título constitutivo.
B. Que o prédio aludido em 8) fica implantado por cima das garagens do prédio aludido em 1),
C. Para acederem ao prédio aludido em 8), o 2º Réu e, antes deles, os seus antecessores têm de passar por dois logradouros pertença da propriedade horizontal, um primeiro com 154 m2 e um segundo com 33,10 m2”.
Conforme resulta da fundamentação já expandida na apreciação dos pontos da matéria de facto provada impugnados que, por razões de economia processual e a fim de evitar repetições desnecessárias, aqui reiteramos, terá necessariamente de improceder a pretensão dos Recorrentes.
De facto, não resulta demonstrado que o logradouro da fração dos Autores tem a área de 31,70 m2, para além da área ocupada pelo anexo, e nem que o logradouro comum tem a área de 154 m2; por outro lado, que o prédio aludido em 8) fica situado por cima das garagens do prédio aludido em 1) consta já do ponto 18) dos factos provados.
Sustentam ainda os Recorrentes que a matéria alegada nos artigos 15, 20, 26, 27, 28, 29, 36, 41 e 44 da petição inicial é relevante para a boa decisão da causa, não tendo o tribunal a quo inserido os mesmos nos factos provados e nem nos factos não provados. Por tal, devendo ser aditados aos factos provados dois novos pontos:
“44. Autores só obtiveram conhecimento da transmissão do direito de propriedade daquele imóvel para o segundo réu após o mesmo, juntamente com a sua família, se encontrarem a passar a pé pelo prédio dos autores e entrarem no prédio objeto de compra e venda;
45. O prédio identificado no ponto 8.) dos factos dados como provados é um prédio encravado.”

Mais uma vez terá de improceder a pretensão dos Recorrentes relativamente aos dois novos pontos que pretendem ver aditados; assim, considerando a matéria de facto já constante dos pontos 35), 36) e 37) dos factos provados o ponto 44) ora sugerido pelos Recorrentes carece de interesse para a decisão a proferir e o ponto 45) sugerido contém matéria manifestamente conclusiva, a retirar do facto constante do ponto 28) dos factos provados onde consta que o prédio identificado no ponto 8) não possui qualquer outro acesso à rua pública para além do logradouro comum às várias frações do prédio onde se situa a fração dos Autores.
De referir ainda, quanto aos artigos 15, 26, 27, 28, 29, 36 e 44 da petição inicial, que não corresponde à verdade que o tribunal a quo não os tenha considerado pois os mesmos reportam-se ao logradouro pertencente à fração dos Autores e à passagem efetuada pelos anteriores proprietários do prédio identificado em 8) e à circunstância do mesmo se encontrar encravado; quanto ao 41 da petição inicial refere-se ao facto de terem sido fechadas duas das quatro janelas “irregularmente existentes” no imóvel, matéria sem interesse para a decisão a proferir.

De todo o exposto decorre não existir fundamento para alterar a decisão recorrida quanto à matéria dada como provada e não provada.
***

3.5. Reapreciação da decisão de mérito da ação

A) Do recurso interposto pelos Autores a título principal
3.5.1 Do direito de preferência

A questão essencial a decidir no presente recurso, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, é a de saber se lhes deve ser reconhecido, conforme pretendem, direito de preferência na venda efetuada pelos Réus I. L. e A. M. ao Réu A. S. do imóvel composto de R/C e de 1º Andar, destinado a habitação, sito em Vale ..., atualmente correspondente à Rua ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... da União de Freguesias de ..., ... e ..., concelho de Bragança, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... da mesma União de Freguesias.
Para o efeito, vieram os Autores alegar nos presentes autos que são donos da fração autónoma designada pela letra “A” e que o seu prédio estaria onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio que foi objeto da referida venda.
Foi entendimento do tribunal a quo plasmado na sentença recorrida, que absolveu os Réus dos pedidos formulados pelos Autores, que efetivamente o prédio objeto da venda (identificado em 8 dos factos provados) está encravado não subsistindo dúvidas quanto a poder ser constituída uma servidão legal de passagem a seu favor, a onerar o logradouro do prédio constituído em propriedade horizontal do qual faz parte a fração autónoma dos Autores, nos termos referidos no artigo 155ºº e 1551º, ambos do Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC), mas, ainda assim, afastou a existência do direito de preferência (previsto no artigo 1555º do CC) na esfera jurídica dos Autores uma vez que a servidão incide apenas sobre parte comum de prédio constituído em propriedade horizontal; entendeu ainda o tribunal a quo, que a admitir-se um direito de preferência o mesmo teria de ser exercido por todos os condóminos nos termos previstos no artigo 419º do CC, sendo os Autores nessa hipótese, parte ilegítima por se encontrarem desacompanhados dos demais condóminos.
É contra este entendimento que se insurgem os Recorrentes sustentando não só a existência do direito de preferência, por força da constituição servidão legal de passagem, como a sua legitimidade para serem admitidos a preferir e instaurarem a presente ação.
Vejamos então se lhes assiste razão.
Relativamente aos direitos de preferência esclarece Antunes Varela (As Obrigações em Geral, vol. I, 6ª Edição, página 339 e 340, anotação 2; v. ainda Pires de Lima e Antunes varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, página 389) que “ao lado da preferência fundada em estipulação das partes (convenção negocial ou disposição testamentária: art. 2235º), há os direitos de preferência (a preferência resultante da lei), destinados em regra a facilitar a extinção de situações jurídicas que não são consentâneas com a boa exploração económica dos bens ou a proporcionar o acesso à propriedade a quem está usando ou fruindo os bens no exercício de um direito pessoal de gozo tendencialmente duradouro”.
O direito de preferência legal confere a certa pessoa a possibilidade de, em certas situações, adquirir uma coisa no caso do seu proprietário a pretender alienar e o preferente se dispuser a pagar a importância que um terceiro oferecer; a sua essência reside na circunstância de se “atribuir ao respetivo titular prioridade ou primazia na celebração de determinado negócio jurídico, desde que ele manifeste vontade de o realizar nas mesmas condições (tanto por tanto) que foram acordadas entre o sujeito vinculado à preferência e um terceiro” (Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coimbra, 1997, página 189).
Dispõe o n.º 1 do citado artigo 1555º (direito de preferência na alienação do prédio encravado) que o proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante; o n.º 2 deste preceito manda aplicar a este caso o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º e nos termos estabelecidos no n.º 3 sendo dois ou mais os preferentes, abrir-se-á entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante.

Faz-se, por isso, depender o direito de preferência de dois pressupostos essenciais:
a) que o prédio do proprietário preferente esteja onerado com servidão legal de passagem, ou seja, sujeito ao regime de servidão imposta por lei, ao abrigo do regime do artigo 1550º do CC e
b) que a servidão de passagem esteja constituída, isto é, não bastará a situação de encrave e a possibilidade de exercício do direito de exigir a passagem; tem de haver já um título que legitima a passagem sobre o prédio do preferente para acesso ao prédio alienado.

Ora, o artigo 1550º do CC (servidão em benefício de prédio encravado) estabelece que os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos (n.º 1) e que de igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio (n.º 2).
Assim, existindo encrave de um prédio, que tanto pode ser absoluto, quando não tiver qualquer comunicação com a via pública, como pode ser relativo, se não tiver condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, ou se a comunicação que tem com a via pública for insuficiente, o seu proprietário pode impor coativamente a passagem, e a servidão daí resultante deve ser, por isso, considerada legal.
A servidão legal decorrendo da lei e podendo ser constituída por sentença, pode também ser constituída por qualquer das outras formas admitidas na lei (cfr. artigo 1547º n.º 2 do CC) nomeadamente, por usucapião; nessa conformidade, o artigo 1555º estabelece que tem direito de preferência o proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo.
De facto, até por razões de boa vizinhança, o dono do prédio serviente pode aceitar o encargo, reconhecendo um direito que lhe poderia vir a ser imposto coercivamente e permitindo, sem exigência prévia de declaração judicial, que seja exercida a passagem sobre o seu prédio.
Na verdade, a servidão legal apenas confere a faculdade para a constituir, mas a servidão, sendo imposta por lei, não resulta imediatamente dela, pois a lei não basta para a constituir sendo necessário, na falta de acordo das partes, que a sua constituição seja declarada, designadamente por sentença.
A este propósito escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição, página 636) que a vida das servidões desdobra-se numa dupla face percorrendo dois momentos sucessivos: “Num primeiro momento, trata-se de um simples direito potestativo, que confere ao respetivo titular a faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do dono deste (…)”, traduzindo-se num encargo sobre a propriedade, numa restrição legal ao direito de propriedade; mas, num segundo momento, “exercido o direito potestativo e constituída, assim, por acordo das partes ou, na falta de acordo por sentença ou ato administrativo, (…) a servidão legal converte-se numa verdadeira servidão, ou seja, num encargo excecional sobre a propriedade.” Daí que “nas servidões legais, a verdadeira servidão só mediatamente é imposta por lei; a fonte imediata desta reside na vontade das partes, na sentença constitutiva ou no ato administrativo”.
Pode, assim, falar-se em servidões legais que, apesar de poderem ser impostas coercivamente, sejam constituídas voluntariamente, justificando-se também nesse caso a aplicação do mesmo regime, ou conforme se refere no citado artigo 1555º n.º 1 “qualquer que tenha sido o título constitutivo”.
O conceito de servidão legal, para os fins previstos neste preceito abrange, por isso, as servidões constituídas por qualquer título, mas que, se não fosse a existência desse título, podiam ser judicialmente impostas.
Dessa forma, o que releva é a situação de encrave a justificar em primeira linha a concessão ao proprietário do prédio encravado o direito de constituir uma servidão de passagem sobre os prédios vizinhos e, depois, no caso de se constituir a servidão, a possibilidade do proprietário do prédio onerado poder fazer cessar tal ónus concedendo-lhe a faculdade de preferir na venda do prédio dominante (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/06/2010, Processo n.º 2370/04.2.TNVFR.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, e tal como é afirmado na sentença recorrida, não é obstáculo à constituição da servidão legal de passagem o facto de estar em causa um logradouro pois, embora da letra da lei consta a menção ao prédio serviente ser um prédio rústico, vem sendo entendido que o artigo 1551º do CC permite a constituição de servidões de passagem sobre logradouros de prédios urbanos, conforme jurisprudência citada na sentença recorrida.
Pires de Lima e Antunes Varela, na anotação ao artigo 1550º (ob. cit. Volume III, página 638) consideram que “a servidão legal só recai sobre os prédios rústicos, conforme se prescreve na parte final do nº 1. A servidão legal de passagem não onera, por conseguinte, os prédios urbanos (…) por se entender que a solução oposta colidiria com a intimidade de que deve rodear-se a habitação ou domicilio (…) ou com as exigências próprias do exercício da atividade instalada no prédio”; parecem, contudo, admitir a constituição das servidão sobre logradouros (v. página 646) ao referirem que o proprietário de servidão de passagem que incida sobre prédio urbano não terá direito de preferência na alienação do prédio dominante, mas mencionando a servidão sobre edifício e não sobre o terreno que lhe sirva de logradouro.
Aliás, não obstante o n.º 1 do artigo 1550º do CC fazer menção de forma lata aos prédios rústicos vizinhos, o n.º 1 do artigo 1551º (possibilidade de afastamento da servidão) especifica que podem subtrair-se a esse encargo, adquirindo o prédio encravado pelo seu justo valor, os proprietários “de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos”.
E, de facto, a razão de ser da referida restrição não existirá, as mais das vezes, no que se reporta aos logradouros de prédios urbanos, e não se verifica seguramente in casu, porquanto se trata de um logradouro asfaltado, destinado a acessos de todo o imóvel, comum às várias frações do prédio constituído em propriedade horizontal.

No caso concreto não se suscitam dúvidas que os Autores são proprietários da fração designada pela letra “A” do prédio constituído em propriedade horizontal e que o prédio vendido pelos 1ºs Réus ao 2º Réu (identificado em 8 dos factos provados) não dispõe de qualquer comunicação direta com estrada asfaltada, ou seja, não possui qualquer outro acesso à rua pública (ponto 28) dos factos provados), sendo de considerar um prédio encravado.
A este propósito consta da sentença recorrida que “o 2º Réu e, antes dele, os 1º Réus e a anterior dona, I. L., por seguramente mais de 25 anos, utilizaram o logradouro do prédio urbano constituído em propriedade horizontal aludido em 1) dos factos provados para acederem a pé e, depois, de carro ao prédio identificado em 8) da matéria de facto provada, fazendo-o à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem a oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio de passagem, o que, a par do facto de, na matéria de facto provada, se referir que tal logradouro dá acesso a todo o imóvel referido em 1) dos factos provados e também ao prédio identificado em 8) da matéria de facto provada, sendo, pois, local de passagem, permite considerar verificados todos os requisitos da aquisição por usucapião de tal servidão de passagem (artigos 1251º, 1258º, 1261º, 1262º, 1543º, 1544º, 1547º nº1, 1548º, 1287º e 1296º do CC)”, considerando ainda que estando o prédio identificado em 8) “dúvidas não subsistem quanto a poder ser constituída uma servidão legal de passagem a seu favor” onerando o referido logradouro, sendo certo que, tal como já referimos, a tal não obsta o facto de ter sido constituída por usucapião e nem o de incidir sobre logradouro.
Acresce dizer que era já essa a situação existente por ocasião da venda, em 30/01/2019.
Não se reconheceu, contudo, na sentença recorrida, mesmo considerando encontrar-se constituída tal servidão por usucapião e estar em causa uma servidão legal de passagem em face do encrave do prédio, que aos Autores fosse de atribuir direito de preferência nos termos do disposto no artigo 1555º do CC.
É essa efetivamente a grande questão que importa aqui decidir: mesmo encontrando-se constituída uma servidão legal de passagem sobre o logradouro comum à data da venda assiste aos Autores o direito de preferência consagrado no referido artigo 1555º?
A resposta, quanto a nós, é efetivamente negativa tal como decidido em 1ª Instância.
Tal como se consigna na sentença recorrida, e julgamos ser entendimento uniforme, a ratio legis da instituição deste direito de preferência é naturalmente a de extinguir tal encargo e de restaurar a propriedade perfeita do prédio onerado; será ainda de acrescentar que a atribuição de tal direito de preferência representa também uma compensação pelo encargo a que está sujeito o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem (o que justificará também que o direito de preferência não seja concedido aos proprietários dos prédios encravados na alienação dos prédios onerados, solução que esteve consagrada na Lei n.º 1 621, de 09 de julho de 1924 e veio a ser abandonada com o CC; v. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., Volume III, página 645).
Como é consabido, o direito legal de preferência, ao retirar ao proprietário o direito de poder escolher o outro contraente, afeta significativamente o poder de disposição que integra o direito de propriedade.
A sua consagração deve nortear-se, por isso, por razões de interesse público que justifiquem restringir essa liberdade de escolha do proprietário; veja-se aliás, no que toca ao direito de preferência previsto no citado artigo 1555º, que o mesmo é reservado apenas para as servidões legais de passagem, ou seja, as que são suscetíveis de se impor coativamente, ainda que constituídas por qualquer título, e não para todas as servidões de passagem.
Como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2020 de 16 de junho de 2020 (Diário da República n.º 183/2020, Série I de 18/09/2020) “o direito de preferência constitui limite à liberdade contratual do indivíduo a ela vinculado, mais precisamente à liberdade de escolher a parte com quem pretende contratar. Embora o proprietário possa sempre entabular negociações com quem lhe aprouver, encontra-se, após notificar o preferente e enquanto a preferência puder legalmente ser exercida, num estado de sujeição relativamente a este último. Cabe ao preferente, com inteira autonomia, decidir se pretende ou não ocupar a posição do comprador no contrato de compra e venda que o obrigado pretende celebrar, e precisamente nos termos em que este o pretende celebrar (…) E mais: sendo o direito de preferência exercido, não pode o obrigado desistir do negócio, sendo-lhe imposto o preferente como contraparte contratual”.
Tais razões de interesse público visam, essencialmente, a proteção da mesma plenitude do direito de propriedade, sendo que o objetivo do direito de preferência conferido ao dono do prédio onerado com a servidão legal de passagem é, por isso, “o de reunir numa mesma pessoa as faculdades que, contidas no direito de propriedade plena, se encontravam divididas entre diversos titulares: entre o proprietário e o titular do direito real menor(…)” (Acórdão desta Relação de Guimarães de 02/03/2010, Processo n.º 185-D/2002.G1).
A atribuição da preferência justifica-se, dessa forma, se o seu exercício permitir pôr termo ao encargo que onera a propriedade, pois só nesses casos tem fundamento o limite à liberdade contratual que o direito de preferência sempre pressupõe; o objetivo do direito de preferência em causa é sem dúvida o de extinguir o encargo e de restaurar a propriedade perfeita do prédio onerado, tendo em vista o melhor aproveitamento dos bens, compensando o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem pelo encargo a que está sujeito, permitindo-lhe restaurar a propriedade plena.
Tal como se salienta, e bem em nosso entender, na sentença recorrida, esse objetivo não será alcançado se “estando a servidão a ser exercida por logradouro que constitui parte comum de um prédio constituído em propriedade horizontal (com 4 frações no caso do imóvel aludido em 1) dos factos provados), tal direito de preferência é exercido por um dos condóminos de tal imóvel, pois que ainda aí subsiste a servidão exercida pelo prédio constituído em propriedade horizontal, não se extinguindo tal direito, nem recuperando o prédio onerado com o mesmo a “propriedade perfeita”.

In casu, os Autores não lograram provar, conforme tinham alegado na petição inicial, que a servidão de passagem se exercesse sobre o seu prédio, a fração “A” de que são exclusivos titulares, ou melhor, sobre o logradouro parte integrante de tal fração (seja total seja parcialmente); conforme evidenciam de forma inequívoca os factos julgados provados, a servidão legal de passagem é exercida sobre o logradouro que constitui parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, onde se insere a fração propriedade dos Autores.
Está assim em causa o exercício de uma servidão legal de passagem por um logradouro que é parte comum de um edifício constituído em propriedade horizontal, mais concretamente um logradouro asfaltado, destinado a acessos de todo esse imóvel, comum às várias frações.
Importa, então, considerar o regime específico do instituto da propriedade horizontal.
De facto, a resposta a dar à pergunta que supra enunciamos não pode alhear-se das características especificas do edifico a que pertence o referido logradouro; não estamos perante um prédio em propriedade exclusiva ou sequer em compropriedade, mas perante um prédio constituído em propriedade horizontal e, por isso, sujeito a um regime bastante especifico, que se distingue, ou está para além, do direito de propriedade referente a cada uma das frações e do direito de compropriedade relativo às partes comuns.
Estabelece o artigo 1414º do CC que “[A]s frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal»; sendo certo que só podem ser objeto de propriedade horizontal as frações autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública (artigo 1415º do CC).
A propriedade horizontal pressupõe “a divisão de um edifício através de planos ou secções horizontais, por forma a que, entre dois planos, se compreendam uma ou várias unidades independentes, ou ainda através de um ou mais planos verticais, que dividam igualmente o prédio em unidades autónomas” (Henrique Mesquita, “A propriedade horizontal no Código Civil Português”, Revista de Direito e Estudos Sociais, RDES, ano XXIII, página 84).
Como é sabido, e decorre expressamente do preceituado no artigo 1420º n.º 1 do CC, o instituto da propriedade horizontal integra dois direitos: o direito de propriedade plena exclusivo de cada condómino à fração que lhe pertence e, paralelamente, mas também necessariamente, o direito de compropriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns do prédio: “cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.
Do artigo 1418º n.º 1 do CC decorre que no título constitutivo da propriedade horizontal serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio; segundo o n.º 2 deste preceito do título podem ainda constar outras especificações, designadamente sobre o fim a que se destina cada fração ou a parte comum e sobre o regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas.
O artigo 1421º do CC estabelece ainda quais as partes do edifício que se têm por imperativamente comuns (n.º 1) e quais as que se presumem iuris tantum comuns (n.º 2), podendo ainda, segundo o n.º 3 daquele normativo, o título constitutivo afetar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns.
Na propriedade horizontal concorrem dois direitos reais: um, de propriedade singular e exclusiva, que tem por objeto as frações autónomas do edifício e outro, de compropriedade, incidente sobre as partes comuns: cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (artigo 1420º n.º 1 do CC).
Estabelece ainda o n.º 2 do artigo 1420º do CC que o conjunto destes dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.
As partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal não têm, por isso, verdadeiramente autonomia relativamente às frações que o compõem: uma vez adquirida a fração autónoma adquire-se também a compropriedade das partes comuns do edifício, não se podendo renunciar a estas, e ainda que cada condómino seja comproprietário das partes comuns não as pode alienar separadamente da fração autónoma de que é proprietário.

Entre as partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal e as frações autónomas existe, por isso, uma particular relação funcional, pelo que os direitos que recaem sobre umas e outras, embora regulados, subsidiaria pelos institutos gerais da compropriedade e da propriedade singular, obedecem em primeira linha à regulamentação própria do regime da propriedade horizontal. É também neste contexto que se fala do condomínio como a “figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial - daí a expressão condomínio - sobre frações determinadas” (Henrique Mesquita, “A propriedade horizontal no Código Civil Português”… página 84).
Logo, e pelo que se vem de expor, entendemos dever ser afastada a existência do direito de preferência previsto no artigo 1555º do CC nos casos em que a servidão legal de passagem incide sobre um logradouro comum de um prédio constituído em propriedade horizontal.
Nestes casos, e relativamente a esse logradouro (parte comum) não existe por parte dos condóminos um direito (de compropriedade) incindível do seu direito de propriedade singular e exclusiva sobre a fração autónoma do edifício, não podendo, como já vimos, cada um desses direitos ser alienado separadamente.
Assim, não vemos que a atribuir-se um direito de preferência na aquisição do prédio dominante aos condóminos, por força da servidão de passagem que se exerce pelo logradouro comum, tal significasse a extinção da servidão, pois tal como decorre do n.º 1 alínea a) do artigo 1569º do CC as servidões extinguem-se pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa, o que não ocorre sendo este um prédio constituído em propriedade horizontal que se caracteriza por se compor de frações autónomas que constituem unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, pertencentes a proprietários diversos.
E, como já referimos, o objetivo da atribuição do direito de preferência em causa é o de extinguir o encargo e de restaurar a propriedade perfeita do prédio onerado, tendo em vista o melhor aproveitamento dos bens, compensando o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem pelo encargo a que está sujeito, permitindo-lhe restaurar a propriedade plena.
Em face do exposto, temos de concluir não merecer censura a decisão proferida pelo tribunal a quo que afastou a existência do direito de preferência previsto no artigo 1555º do CC.
De todo o modo, e como também se refere na sentença recorrida, ainda que se admitisse a existência de um direito de preferência no caso de servidão a onerar logradouro comum de prédio constituído em propriedade horizontal, tal direito sempre teria de ser exercido por todos os condóminos e, nesse caso, os Autores seriam parte ilegítima por se encontrarem desacompanhados dos demais condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal onde se integra a fração de que são proprietários.
De facto, e ao contrário do que sustentam os Recorrentes, não estariam em causa vários direitos de preferência concorrentes, mas um direito de preferência (decorrente da servidão legal de passagem exercida sobre o logradouro comum) com vários titulares. Estaríamos perante uma situação de pluralidade de preferentes em sentido estrito.
Na verdade, podemos distinguir nas situações de pluralidade de preferentes as situações de contitularidade em sentido estrito, em que um direito de preferência, ao mesmo tempo, cabe a várias pessoas; e as situações de direitos de preferência concorrentes, em que uma decisão de contratar determina a constituição de vários direitos de preferência a favor de outros tantos titulares.
Quanto às situações de contitularidade em que um direito de preferência cabe ao mesmo tempo a várias pessoa, resulta de uma situação anterior de contitularidade na relação jurídica de que emergiu a relação de preferência; já no que diz respeito às situações de direitos de preferência concorrentes, a pluralidade de preferências redunda em situações de colisão de direitos, a solucionar através de uma hierarquização (como ocorre na situação prevista no artigo1380º n.º 2 do CC), da limitação dos vários direitos de preferência para permitir que todos sejam exercidos (como ocorre no caso do artigo 1409º n.º 3 do CC em que sendo dois ou mais preferentes a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas) ou de uma licitação entre os preferentes (nos casos previstos no n.º 2 do artigo 419º do CC em que se o direito pertencer a mais do que um titular, mas houver de ser exercido apenas por um deles, na falta de designação abre-se licitação entre todos, revertendo o excesso para o alienante).
Assim, e na parte que aqui poderia relevar, pertencendo o direito de preferência simultaneamente a vários titulares, nos termos do artigo 419º n.º 1 do CC, tal direito só pode ser exercido por todos em conjunto, ainda que no caso de o direito se extinguir em relação a algum deles (por exemplo em caso de morte do titular) ou de algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito aos restantes.
Em anotação este artigo, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit. Volume I, 4.ª Edição página 396) que o n.º 1 “prevê o caso de o direito de preferência pertencer a vários titulares conjuntamente. Neste caso, só por todos, conjuntamente, poderá ser exercido, sem prejuízo do direito de acrescer em relação aos restantes, se se extinguir em relação a algum deles, ou se algum deles declarar que não pretende preferir. Um dos casos de extinção do direito é o da morte do titular (cfr. art. 420).
Por conseguinte, se o obrigado tiver concedido preferência a três pessoas (A, B e C), não podem A e B vir exercer o seu direito sobre dois terços da coisa vendida (…)”.
A este propósito afirma ainda Antunes Varela (Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 120, página 113) que: “[O] artigo 419 do Código Civil distingue, efetivamente, no caso da pluralidade de titulares do direito de preferência (tendo diretamente em vista a preferência pactícia ou convencional, mas em termos que cobrem, com as necessárias adaptações, a preferência legal atribuída a vários titulares), entre as hipóteses em que (segundo a vontade dos pactuantes) a preferência só pode ser exercida por todos em conjunto e as hipóteses em que, por força da mesma fonte, o direito de preferência, apesar de pertencer a mais de um titular, deve ser exercido apenas por um deles”.
Nos casos em que sobre o prédio incide um único direito de preferência, mas com vários titulares, a preferência deve ou pode ser exercida, simultaneamente, por todos, como ocorre nos casos de existência de direito legal de preferência na venda do prédio dominante, a favor do prédio serviente (cfr. o referido artigo 1555º nº 1 do CC) na hipótese de este pertencer a dois ou mais comproprietários.
Ao contrário do que afirmam os Recorrentes não estamos, nessa hipótese, perante vários direitos de preferência concorrentes, pelo que também não teria aplicação o artigo 1037º do Código de Processo Civil (exercício da preferência quando a alienação já tenha sido efetuada e o direito caiba a várias pessoas) a que se referem; este preceito, reportando-se a situações em que a alienação da coisa a que respeita o direito de preferência já foi consumada, sem que tenha sido efetuada a notificação aos seus titulares, no caso em que existem direitos de preferência concorrentes, não se aplica quando o direito de preferência pertence simultaneamente a vários titulares e deve ser exercido por todos em conjunto (v. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., Vol. II, páginas 480 e 481).
Assim, relativamente ao processo de notificação para preferência, no caso do direito de preferência pertencer simultaneamente a vários titulares, seria de aplicar o disposto no artigo 1031º do Código de Processo Civil que estabelece que quando o direito de preferência for atribuído simultaneamente a vários contitulares, devendo ser exercido em conjunto, são notificados todos os interessados para o exercício do direito; este preceito abarca as situações em que o direito de preferência incide sobre bens que estão em compropriedade, contitularidade ou comunhão, pelo que sendo exercida a preferência a titularidade do bem reverte para os contitulares (v. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., Vol. II, página 475); estão em causa os casos de contitularidade em sentido estrito em que um direito de preferência cabe a várias pessoas ao mesmo tempo.
E, nestes casos, os contitulares do direito de preferência, querendo exercer a preferência devem atuar conjuntamente (cfr. n.º 1 do referido artigo 419º do CC), pelo que, a considerar-se existir o direito de preferência sempre os Autores seriam parte ilegítima por se encontrarem desacompanhados dos demais condóminos, e também por essa via não poderia proceder a sua pretensão.
Em face de todo o exposto, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelos Autores, designadamente de saber se houve violação do direito de preferência e da inexistência de renuncia abdicativa ao exercício do direito de preferência pelos Autores, improcedendo integralmente o recurso e confirmando-se a sentença recorrida.
Fica ainda prejudicado, por inútil, o conhecimento do recurso subordinado, respeitante à reconvenção deduzida, que, segundo o Recorrente apenas deveria proceder “no caso de o interposto pelos autores também merecer provimento”.
As custas dos recursos interpostos a título principal e subordinado são da responsabilidade dos Autores/Recorrentes atento o seu decaimento (artigo 527º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):

I - O artigo 1555º do Código Civil ao atribuir direito de preferência na alienação do prédio encravado, pressupõe que o prédio do preferente esteja onerado com uma servidão legal de passagem e que esta esteja constituída, qualquer que tenha sido o título, designadamente por usucapião.
II - O conceito de servidão legal de passagem previsto no artigo 1555º do Código Civil, abrange as servidões constituídas por qualquer título, mas que, se não fosse a existência desse título, podiam sempre ser judicialmente impostas.
III - Deverá admitir-se a constituição por usucapião de uma servidão legal de passagem que se faça não por um prédio rústico, mas pelo logradouro de um prédio urbano.
IV - O objetivo do direito de preferência em causa é o de extinguir o encargo e de restaurar a propriedade perfeita do prédio onerado, tendo em vista o melhor aproveitamento dos bens, compensando ainda o proprietário do prédio onerado com a servidão legal de passagem pelo encargo a que está sujeito, permitindo-lhe restaurar a propriedade plena.
V - Na propriedade horizontal concorrem dois direitos: um, de propriedade singular e exclusiva, que tem por objeto as frações autónomas do edifício e outro, de compropriedade, incidente sobre as partes comuns: cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício (artigo 1420º n.º 1 do Código Civil).
VI - O conjunto destes dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (n.º 2 do artigo 1420º do Código Civil).
VII - Relativamente a um logradouro comum não existe por parte dos condóminos um direito (de compropriedade) incindível do seu direito de propriedade singular e exclusiva sobre fração autónoma do edifício, pois que não pode, cada um desses direitos ser alienado separadamente.
VIII - Deve ser afastada a existência do direito de preferência previsto no artigo 1555º do Código Civil nos casos em que a servidão legal de passagem incide sobre um logradouro asfaltado, destinado a acessos de todo o imóvel, comum às várias frações de um prédio constituído em propriedade horizontal.
IX - Pertencendo o direito de preferência simultaneamente a vários titulares, nos termos do artigo 419º n.º 1 do Código Civil, tal direito só pode ser exercido por todos em conjunto, ainda que no caso de o direito se extinguir em relação a algum deles (por exemplo em caso de morte do titular) ou de algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito aos restantes.
X - Nos casos em que sobre o prédio incide um único direito de preferência, mas com vários titulares, a preferência deve ou pode ser exercida, simultaneamente, por todos, como ocorre nos casos de existência de direito legal de preferência na venda do prédio dominante, a favor do prédio serviente na hipótese de este pertencer a dois ou mais comproprietários.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação:
a) em julgar improcedente o recurso interposto pelos Autores a título principal, confirmando-se a sentença recorrida;
b) não conhecer do recurso interposto a título subordinado pelos Réus, por inutilidade, em face da improcedência do recurso principal;
c) em determinar, após trânsito em julgado deste acórdão, o desentranhamento e a devolução aos Autores/Recorrente do documento que apresentou com as alegações de recurso.
Custas de ambos os recursos pelos Autores/Recorrentes.

Guimarães, 16 de setembro de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)