PROVA INDIRECTA
Sumário

A prova indirecta ou indiciária é uma meio válido de aquisição de prova sempre que, de acordo com as regras de experiência comum, se verifique que o facto base é indício seguro para concluir pelo facto acusado, porque do primeiro se retira a conclusão, firme, segura e sólida sobre a ocorrência do segundo e os demais factos provados são consonantes com a conclusão alcançada.
Essa conclusão é legitima, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º/CPP), sempre que seja admissível e seguro, segundo as regras de experiência e da vida, estabelecer, entre um e outro, um nexo preciso e directo porque, segundo essas mesmas regras, e considerados os demais factos que intervêm no mesmo “pedaço de vida” relativos às circunstâncias da ocorrência, o facto acusado se prova e não pode ser atribuído a outrem.
 ( sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:

I – Relatório:
Em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, os arguidos:
- MM_______, natural da freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, onde nasceu a 9 de Junho de 2000, solteiro, estudante, com residência no …, em Lisboa;
- IM_____ natural da freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, onde nasceu a 19 de Junho de 2000, solteiro, estudante, residente na Rua …., em Rio de Mouro; e
- AD_____  ,  natural da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, onde nasceu a 25 de Maio de 2001, solteiro, estudante, residente na Rua …, em Lisboa;
Foram condenados pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º/1, do Código Penal, nas penas de dezoito meses de prisão cada um, suspensas na sua execução pelo período de dezoito meses, mediante sujeição a regime de prova a definir pela DGRSP, orientado para a ocupação profissional dos arguidos.
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O arguido IM_____  recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
« A. O recorrente foi condenado como coautor material de um crime de roubo, p. e p. pelo art.° 210, n.° 1 do Código Penal a 18 meses de prisão, suspensa na sua execução sujeita a regime de prova.
B. O Tribunal deu como provado que no dia 14 de novembro de 2017, por volta das 2h14m, na Av.  Bombarda, em Lisboa, os arguidos abordaram o ofendido LR_____ , que por ali caminhava sozinho, com o propósito previamente formulado de se apropriarem dos bens e valores que o ofendido tivesse consigo e lhe interessassem, se necessário, com recurso á violência, para mais facilmente alcançarem os seus intentos. Aproximaram-se do ofendido e um dos arguidos, não concretamente apurado, pediu-lhe dinheiro, ao que o ofendido acedeu, entregando-lhe algumas moedas. Após que perguntaram o que levava dentro do saco, retirando uma coluna de som e afastando-se os arguidos do local. O ofendido pôs-se em perseguição, procurando reaver a coluna, os arguidos pararam e rasteiraram-no, fazendo cair no chão. Desferindo-lhe diversos socos e pontapés pela cabeça e pelo corpo, deixando-o incapaz de lhes continuar a mover perseguição. Os arguidos fugiram do local, levando a coluna consigo.
C. Formando a sua convicção plena na totalidade dos elementos de prova produzidos, designadamente prestado pelas testemunhas LR____ (ofendido) HM____ e JM____  (agentes da PSP).
D. Corroborado, os factos provados pelo Tribunal a quo, pelo depoimento do ofendido: o ofendido foi abordado por um grupo de três rapazes – dois de raça negra e um caucasiano – que começaram por lhe pedir um cigarro, posteriormente moedas e depois retiraram de um saco que trazia consigo uma coluna de som. Explicou ainda que os arguidos saíram do local com a sua coluna de som, decidiu ir em perseguição destes, que apercebendo-se da presença do ofendido, desferiram socos na cabeça e vários pontapés no corpo, quando já estava caído no solo. Mais esclareceu, que após ter sido chamada a polícia ao local, seguiu com os agentes da PSP no interior do carro patrulha e que, cerca de 20 mins depois da ocorrência dos factos, foi confrontado com os arguidos que teriam sido localizados por agentes da PSP na sequência da descrição fornecida. Não conseguiu identificar nenhum dos arguidos, pois o local era pouco iluminado, estava nervoso e encontrava-se alcoolizado.
E. Mais, foi valorado pelo Tribunal a quo, o depoimento dos senhores agentes da PSP que explicaram que os arguidos foram localizados, poucos minutos depois, por um outro carro de patrulha, já que correspondiam à descrição fornecida pela vítima e submetidos a revista, a coluna de som retirada ao ofendido foi encontrada na posse de um dos três arguidos.
F. Diz explicitamente a douta sentença do Tribunal a quo, que: “Pese embora o ofendido não tenha logrado identificar nenhum dos arguidos como tratando-se das pessoas que cometeram os factos que descreveu, convenceu-se o tribunal, para além dos limites da dúvida razoável que os arguidos praticaram os factos ínsitos na factualidade provada.”
G. Mais, finaliza: “É certo que nenhuma testemunha reconheceu os arguidos como sendo os autores dos factos.” (sublinhado e negrito nosso)
H. Quando ao estado alcoólico do lesado, confirmado pelo mesmo, agentes da PSP e explanado na douta sentença, não se poderá nunca aferir com toda a certeza da total veracidade dos factos. Pois tanto poderá ter sido roubado, como ter entregado a coluna; tanto pode ter sido rasteirado, como ter caído per si. Tanto estava alcoolizado que não conseguiu nem minutos após os factos por si alegados, nem até ao decorrer da audiência reconhecer os autores dos factos.
I. Os factos descritos no libelo acusatório, assim como dados como provados na douta sentença proferida pelo Tribunal ad quo, não configuram o tipo objetivo do crime de roubo p. pelo art.º 210 do Código Penal. Para tanto, inexiste “por meio de violência, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir”, pois “Eu tava com um saco, dentro do saco tinha uma marmita com comida do aniversario, e tinha uma coluna de som. Falei que não tinha nada, eles abriram o saco”, “Eles abriram o saco, enfiaram a mão e tiraram a coluna”; “Eu só me lembro de abrir o saco algum deles, não sei quem, enfiar a mão e sair...”, “Não! Não puxaram o saco! Tiraram a coluna e saíram com o saco, desculpa, com a coluna e saíram com a coluna.”.  Ora não existe qualquer meio de violência, ameaça ou perigo iminente neste relato do Ofendido. E tanto não se sentiu com medo ou ameaçado que os perseguiu, “E quando eles deram conta eu tava andando atrás deles”, “A minha ideia foi, vou atrás deles e quem passar eu peço ajuda para tentar recuperar a coluna. E quando eles se deram conta que eu tava andando atrás deles.”.
J. Quanto a uma eventual agressão, apenas temos a palavra do Ofendido, uma vez que o mesmo não recebeu tratamento, inexistem testemunhas oculares, e apenas o senhor agente da PSP nos transmite: “Ele, visíveis não, mas ele afirmou que tinha sido agredido na zona do ombro. Não quis receber qualquer assistência, mas lesões visíveis não tinha nada. Não tinha escoriações, não tinha sangue.”.
K. Nenhum dos arguidos prestou declarações, embora nada quanto às declarações dos arguidos se encontre vertido na douta sentença do Tribunal a quo.
L. Ora os arguidos não podem ser desfavorecidos pelo seu silêncio cf. o preceituado no Código de Processo Penal.
M. A sentença assenta apenas nas declarações de Ofendido e depoimento dos agentes que acompanharam o Ofendido. Os agentes que localizaram e revistaram os arguidos não foram testemunhas arroladas pelo Distinto Ministério Público. Ficando assim a dúvida de quem praticou, quem detinha! Ora se o ofendido não sabe indicar quem retirou a coluna, também não consegue reconhecer, nem minutos depois nem em audiência, os arguidos. Também não ficou demonstrado qual dos arguidos era o detentor da coluna, caso efetivamente sejam estes, o que não se sabe! Violando-se assim, o princípio da presunção da inocência e in dúbio por reo.
N. Não reconheceu o Ofendido nem os arguidos, nem o autor em particular, veja-se no seu dizer: “Não sei dizer qual dos três, eu não sei quem era quem, por isso não me lembro exatamente da cara dele. Tiraram a coluna.”, “Pediram  que eu identificasse os rapazes, mas eu não fiz isso”, “Não era capaz de dizer com certeza se eram eles ou não.”, “Porque não tinha a certeza, não me lembrava da cara deles, estava muito nervoso, não tinha certeza. Não queria dizer, se com certeza eram aquelas pessoas.”
O. Mais vieram os agentes da PSP, corroborar a inexistência de elementos identificativos dos arguidos, veja-se: “O lesado disse na altura que tinham sido três indivíduos que o tinham agredido, e roubado a coluna. E que eram um individuo caucasiano e dois negros. Pronto na altura era o que tínhamos”, “Não! Aquilo foi, na altura juntou-se, nos efetuamos a chamada rádio a dizer que havia ocorrido um roubo e que os suspeitos se haviam deslocada para a zona do Arco do Cego, toda a gente que se encontrava naquela área deu apoio, digamos assim, e nós recebemos a chamada como eles estavam lá,  naquele local, deslocamos logo àquele local, estávamos perto, estávamos na zona da Alameda também!” e “Aquilo foi tudo muito rápido, nós estávamos perto e nós passamos e na altura para tentar perceber, porque abordar ou dizer que são eles, na altura não podíamos dizer que eram eles porque não sabiam.”
P. Salvo o devido respeito, o tribunal a quo julgou incorretamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova, nem se subsume ao tipo ilícito do crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210 do Código Penal, devendo assim o arguido IM_____   ser Absolvido!
Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso, e, por via dele, ser revogada a Sentença recorrida, por forma ao Arguido IM_____     ser Absolvido do crime de roubo.».
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Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
« 1. Desde logo, considera-se que o Tribunal a qua deu como provados ou não provados todos os factos alegados pela acusação ou pela defesa, bem como os factos de que podia e devia conhecer, pelo que se considera que a douta sentença em crise não padece do vício previsto no artigo 410.°, n.° 2, alínea a) do Código de Processo Penal.
2. Acresce que, para efeitos do artigo 410°, n°2, alínea b), do Código de Processo Penal, não se vislumbra a existência de qualquer contradição na douta sentença proferida, muito menos insanável.
3. No mais, considera-se que inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova. Na verdade, considera-se que nenhum erro transparece do texto da decisão recorrida, quer por si só, quer conjugada com as regras da experiência comum, nem se vislumbra que o Tribunal se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
4. Ora, decorre da douta sentença proferida que o Tribunal se baseou numa pluralidade de factos base, relativamente aos quais existiu prova direta e dos quais extraiu racionalmente a prova da autoria dos factos, tendo explanado devidamente o raciocínio efetuado e inexistindo assim qualquer falha evidente na utilização de presunção judicial.
5. Acresce que em processo penal vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional no artigo 32°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa, do qual decorre o princípio in dubio pro reo.
6. Tais princípios, por um lado, isentam o arguido de provar a sua inocência e, por outro lado, impõem que, perante dúvida insanável, razoável e objetivável quanto ao sentido em que aponta a prova realizada, o arguido seja absolvido.
7. Contudo, no caso presente, o Tribunal, após a produção de prova, não teve dúvidas sobre o sentido da mesma, não se vislumbrando, assim, qualquer violação do princípio in dubio pro reo.
8. Para além disso, sempre se dirá que o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é sindicável em sede de recurso, na medida em que o juiz de julgamento tem, em virtude da oralidade e da imediação, uma perceção própria e insubstituível.
9. Neste âmbito, apenas se impõe aferir se tal convicção é contrariada pelas regras de experiência comum ou pela lógica do homem médio, o que não se considera que tenha sucedido no presente caso.
10. No presente caso, o ofendido confirmou que os factos foram praticados por um grupo de três indivíduos, composto por dois negros e um caucasiano, os quais aparentavam ter cerca de 19/20 anos.
11. E os agentes de Polícia de Segurança Pública confirmaram que, minutos depois, os arguidos, os quais correspondiam à descrição efetuada pelo ofendido, foram localizados, tendo um dos arguidos na sua posse um objeto retirado ao ofendido – a coluna de som – não tendo apresentado qualquer justificação para tal facto.
12. Assim sendo, atendendo à prova produzida em sede de audiência de julgamento e ao disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, considera-se que bem andou o Tribunal a quo ao dar como provados os factos do modo como o fez e ao condenar o arguido em conformidade.
Pelo exposto, julgando improcedente o recurso interposto pelo arguido, V. Ex.as farão a costumada e habitual justiça.».
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O arguido AD_____ recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«1 - O Arguido AD_____ não se conformando com a Douta Sentença proferida nos presentes autos, veio recorrer da condenação pela prática:
a) em coautoria, sob a forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão;
b) suspensa pelo período de dezoito meses, ficando a suspensão da pena sujeita ao regime de prova, a definir pela DGRSP, orientada para a ocupação profissional do Arguido;
c) que o condenou no pagamento das custas criminais (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 8º n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais), fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.
2 – Não são conhecidos ao Arguido antecedentes criminais.
3 - O presente recurso versa sobre matéria de direito.
4 - O presente recurso delimita o respetivo objecto às questões:
- Da livre apreciação da prova – violação do disposto no art. 127º do C.P.P.
- Das presunções judiciais – violação do disposto no art. 349º do Código Civil
5 - O Tribunal “a quo” procedeu à apreciação dos depoimentos segundo a sua íntima convicção, conforme a matéria de facto provada e não provada, essencialmente na prova produzida por declarações do ofendido e das testemunhas (dois Agentes da Polícia de Segurança Pública) em relação aos factos confirmados por conhecimento directo do ofendido e por conhecimento indirecto das restantes testemunhas.
6 – Bem como, o Tribunal “a quo” teve ainda em consideração a prova documental constante dos autos.
7 - Contudo, o Tribunal “a quo” ainda que o ofendido não tenha logrado identificar nenhum dos arguidos como tratando-se das pessoas que cometeram os factos que descreveu, convenceu-se que os arguidos praticaram os factos ínsitos na factualidade provada.
8 - Mais refere, em douta sentença que “É certo que nenhuma testemunha reconheceu os arguidos como sendo os autores dos factos.”
9 - Assim, a questão que se suscita é a de saber se são lícitas as ilações que o Tribunal retirou da avaliação que fez da prova produzida, ou se tais ilações excederam o que seria permitido no âmbito da livre valoração da prova.
10 - Ainda que seja admissível em processo penal todas as provas que não sejam proibidas por lei (art. 125º do C.P.P.) nas quais se incluem as presunções judiciais (art. 349º do Código Civil), a prova por presunção não é uma prova totalmente livre e absoluta, como também não o é a livre convicção.
11 - Assim, é necessário que exista uma relação directa e segura, perceptível, sem necessidade de elaboradas conjecturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge.
12 - Bem como, a presunção deve conduzir a um facto real, que se desconhece, mas que assim se firma.
13 - E a presunção não pode colidir com o princípio in dubio pro reo.
14 - Assim, nos presentes autos os Arguidos que estiveram presentes em audiência de discussão e julgamento, não prestaram declarações.
15 - Das declarações do ofendido, se retira que não logrou identificar nenhum dos arguidos, nem no dia dos factos, nem em sede de audiência de discussão e julgamento.
16 - Que no dia dos factos se encontrava muito nervoso e teria consumido bebidas alcoólicas antes do momento da ocorrência dos factos.
17 - Do relato dos factos, não se extrai que tenha sentido constrangimento ou sofrido violência aquando da subtracção do bem móvel por um grupo de três indivíduos, daí que tenha seguido no encalce dos mesmos.
18 - Num segundo momento, terá sido agredido por um grupo de três indivíduos, que salvo melhor opinião em contrário, consubstancia ilícitos de outra natureza.
19 - Mais, transmite aos agentes da Polícia de Segurança Pública as características dos autores do roubo, que teriam idades próximas dos 19 ou 20 anos, quando o ora Recorrente, a quem foi imputada a prática do crime de roubo, tinha na data indicada 16 anos.
20 - Por outro lado, as duas testemunhas, agentes da P.S.P., o único conhecimento que têm dos factos é o relatado pelo ofendido.
21 - Do supra exposto, resulta uma manifesta insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão que se situa no âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do C.P.P.).
22 - A prova produzida suscita dúvidas sobre quem cometeu o crime de roubo.
23 - O facto dos arguidos se encontrarem na posse do bem que terá sido alvo do crime de roubo, será suficiente como indício seguro e inequívoco, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probalidade, de que foram os arguidos os autores do roubo?
24 - O facto relevante, é a presença do objecto alvo de roubo na posse dos arguidos, conforme declarado pelas testemunhas em sede de julgamento, contudo as mesmas não abordaram estes arguidos, não os revistaram, não sabem onde ou como estava acondicionada a coluna de som, como foi por estes obtida.
25 - A prova produzida não permite a condenação do ora Recorrente, pelo que deverá ser dado provimento ao recurso e absolver o arguido do crime por que vinha acusado.
26 - Pelo que, deverá ser revogada a Douta Sentença recorrida, por manifesta insuficiência de matéria de facto provada para a decisão, absolvendo o Recorrente da prática de um crime de roubo, em coautoria, sob a forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta decisão ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta».
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Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
« 1. Desde logo, considera-se que o Tribunal a quo deu como provados ou não provados todos os factos alegados pela acusação ou pela defesa, bem como os factos de que podia e devia conhecer, pelo que se considera que a douta sentença em crise não padece do vício previsto no artigo 410°, n°2, alínea a) do Código de Processo Penal.
2. Acresce que, para efeitos do artigo 410°, n°2, alínea b), do Código de Processo Penal, não se vislumbra a existência de qualquer contradição na douta sentença proferida, muito menos insanável.
3. No mais, considera-se que inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova. Na verdade, considera-se que nenhum erro transparece do texto da decisão recorrida, quer por si só, quer conjugada com as regras da experiência comum, nem se vislumbra que o Tribunal se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou que tenha existido falha evidente na utilização de uma presunção judicial.
4. Na verdade, decorre da fundamentação douta sentença proferida que o ofendido confirmou que os factos foram praticados por um grupo de três indivíduos, composto por dois negros e um caucasiano, os quais aparentavam ter cerca de 19/20 anos. Mais decorre que os agentes de Polícia de Segurança Pública confirmaram que, minutos depois, os arguidos, os quais correspondiam à descrição efetuada pelo ofendido, foram localizados, tendo um dos arguidos na sua posse um objeto retirado ao ofendido – a coluna de som – não tendo apresentado qualquer justificação para tal facto.
5. Ora, o Tribunal com base numa pluralidade de factos base, relativamente aos quais existiu prova direta, extraiu racionalmente a prova da autoria dos factos, tendo explanado o raciocínio efetuado na douta sentença proferida.
6. Acresce que em processo penal vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, do qual decorre o princípio in dubio pra reo.
7. Tais princípios, por um lado, isentam o arguido de provar a sua inocência e, por outro lado, impõem que, perante dúvida insanável, razoável e objetivável quanto ao sentido em que aponta a prova realizada, o arguido seja absolvido.
8. Contudo, no caso presente, o Tribunal, após a produção de prova, não teve dúvidas sobre o sentido da mesma, não se vislumbrando, assim, qualquer violação do princípio in dubia pra rea.
Pelo exposto, julgando improcedente o recurso interposto pelo arguido, V. Ex.as farão a costumada e habitual justiça.».
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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto remeteu-se para a contra-motivação.  
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II- Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
As questões colocadas pelo recorrente IM_____  são:
- Impugnação do provado;
- Insusceptibilidade de os factos configurarem um crime de roubo.
As questões colocadas pelo recorrente AD_____ são:
- Vício da insuficiência da prova para a decisão de facto proferida;
- Insusceptibilidade de os factos configurarem um crime de roubo.
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III- Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1. No dia 14 de Novembro de 2017, por volta das 02h 14m, na Avenida  Bombarda, em Lisboa, os arguidos abordaram o ofendido LR_____ , que por ali caminhava sozinho, com o propósito previamente formulado de se apropriarem dos bens e valores que o ofendido tivesse consigo e lhes interessassem, se necessário, com recurso à violência, para mais facilmente alcançarem os seus intentos.
2. Assim, os arguidos aproximaram-se do ofendido e um dos arguidos, não concretamente apurado, pediu-lhe dinheiro, ao que o ofendido acedeu, entregando-lhe algumas moedas.
3. Já na posse das referidas moedas, um dos arguidos, não concretamente apurado, perguntou-lhe pelo que levava dentro de um saco.
4. Do interior do referido saco, o mesmo arguido retirou uma coluna de som, da marca JBL, de cor azul, com o número de séria TL0290-KG0086356, com o valor de € 179,00, que o ofendido ali levava e, na sua posse, afastou-se com os demais arguidos.
5. Como o ofendido os seguiu, em perseguição, procurando reaver a coluna, os arguidos pararam e rasteiraram-no, assim o fazendo cair no chão.
6. Com o ofendido caído no chão, os arguidos desferiram-lhe diversos socos e pontapés pela cabeça e pelo corpo, deixando-o incapaz de lhes continuar a mover perseguição.
7. De seguida, os arguidos fugiram do local, levando a coluna de som consigo.
8. Ao actuar do modo descrito, os arguidos molestaram física e psicologicamente o ofendido, fazendo-o temer pela sua vida e integridade física e deixando-o na impossibilidade de resistir à sua actuação, para assim se apropriarem, como apropriaram, do bem supra descrito, cientes de que o mesmo não lhes pertencia e de que, do modo descrito, agiam contra a vontade do seu proprietário.
9. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e em execução de plano previamente traçado, valendo-se da sua superioridade física e numérica, e, dividindo entre si as tarefas de execução para mais facilmente alcançarem os seus intentos.
10. Os arguidos agiram de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
Quanto ao arguido IM_____   :
11. IM_____   nasceu num agregado numeroso, sendo o quarto de uma fratria de seis elementos, de cinco relacionamentos diferentes da progenitora. Num agregado monoparental, de humildes recursos e com fracas condições socioeconómicas, com dificuldades nos cuidados educativos e na supervisão das suas rotinas, com recurso, por vezes, a um estilo educativo autoritário, o arguido vem a ser Institucionalizado na Casa da Fonte, em Lisboa, aos seis anos de idade e aos oito anos integra a Casa dos Rapazes, na Parede, na sequência, supostamente, de um pedido de apoio da progenitora aos serviços da segurança social, regressando, posteriormente, ao agregado da mãe aos 10 anos de idade. Apesar das dificuldades no controlo por parte desta, destaca-se a capacidade de resiliência e de trabalho para o sustento dos seus filhos. Em períodos de maior dificuldade e instabilidade do arguido, este passou alguns momentos no agregado do seu progenitor.
12. Do percurso escolar, no primeiro ciclo não há conhecimento de ocasiões anómalas, contudo a partir do 5° ano, começa a destacar-se pelo fraco investimento nas aprendizagens, dificuldades comportamentais, originando alguns processos disciplinares (promovendo a suspensão da escola), elevado absentismo e reprovações. Ainda que tivesse frequentado um curso técnico profissional, na Casa Pia, em Xabregas, para onde se deslocava diariamente, com equivalência ao 9° ano de escolaridade, refere ter concluído apenas o 6° ano, acabando por abandonar os estudos no ano lectivo 2016/2017. Posteriormente ainda esteve inscrito num curso de formação profissional na Aldeia de Santa Isabel, em Albarraque, no entanto acabou por não ingressar.
13. Em termos judiciais, IM_____   começa a ter os primeiros contactos com a justiça juvenil, cerca dos 12/13 anos, originando dois processos tutelares educativos, sendo-lhe aplicadas duas medidas tutelares, nomeadamente tarefas na comunidade e acompanhamento educativo, as quais veio a cumprir com alguma dificuldade, tendo a segunda medida terminado em Outubro de 2019.
14. No período a que reporta os alegados factos, IM_____   residia com a sua mãe e com os seus irmãos (actualmente com 24, 23, 21, 15 e 7 anos), na mesma habitação, num bairro social, num apartamento de tipologia 4, na morada constante nos autos, onde ainda se encontra, no presente. Porém, actualmente, o agregado familiar é constituído pela mãe, por cinco filhos, por um sobrinho (quatro anos de idade) e pela namorada do arguido que se encontra grávida de quatro meses.
15. A dinâmica familiar é complexa, sendo que o agregado é numeroso, havendo fraca participação no compromisso com as despesas familiares, parecendo, contudo, que o arguido apresenta, presentemente, alguma preocupação pelo nascimento do filho, podendo ser um indicador positivo para a alteração do estilo de vida.
16. Ao nível profissional, refere que a sua primeira experiência profissional foi na construção civil, durante três meses, tendo que abandonar porque não tinha contrato de trabalho e não foi ressarcido da totalidade do seu trabalho. Posteriormente começou a trabalhar com o seu pai, realizando alguns biscates na área também da construção civil. No entanto, desde que o seu pai emigrou para França (alegadamente há cerca de cinco meses), o arguido não tem trabalhado, encontrando-se, segundo refere, inscrito no centro de emprego desde o final do ano 2019, e tem mandado currículos vitae para diversas empresas, aguardando a sua integração. Tem sido apoiado pela Associação Luso Caboverdeana de Sintra (ACAS), designadamente na procura de trabalho.
17. Não beneficiando de qualquer actividade ocupacional estruturada actualmente. No domínio financeiro, IM_____   não apresenta proventos próprios, subsistindo do apoio dos familiares, embora seja parco na abordagem desta temática, parecendo-nos, contudo, uma situação precária, de aparente preocupação atendendo ao acréscimo de despesas atendendo à gravidez da sua namorada;
Quanto ao arguido MM_______:
18. À data dos factos de que se encontra acusado, MM_______ encontrava-se em situação de sem-abrigo, situação que manteve durante cerca de dois anos, entre os 14 e os 16 anos. O arguido referiu que foi posto na rua pela mãe na sequência em conflitos com esta e padrasto, reconhecendo ter dificuldades em cumprir as regras de funcionamento do agregado familiar. A mãe do arguido possui outro entendimento, afirmando que foi ele que quis sair de casa para não se sujeitar às orientações do agregado familiar;
19. MM_______ foi institucionalizado aos 16 anos, após intervenção social, tendo saído aos 18 anos por ter alcançado a idade limite de permanência. Após a saída passou a integrar o agregado familiar da namorada, local onde passou pouco tempo, tendo tido diversos alojamentos provisórios, a maior parte deles de cariz social. As dificuldades de adaptação a estes contextos fizeram que optasse, novamente, por residir na rua, onde esteve cerca de seis meses até regressar ao agregado familiar materno, onde se encontra presentemente;
20. Ana Manuel referiu que nos últimos tempos, desde que se iniciou a crise covid 19 e mais precisamente após o decretado estado de emergência, voltaram a surgir dificuldades na integração do arguido no agregado familiar;
21. MM_______ à data da entrevista encontrava-se laboralmente activo, trabalhando num quiosque na superfície comercial Vasco da Gama, possuía contrato de trabalho por três meses e auferia 650 euros/mês, estando investido no trabalho e pretendendo organizar a sua vida a fim de concretizar alguns objectivos pessoais, nomeadamente ao nível da criação de Banda Desenhada.
22. Em Abril pretérito, na sequência do estado de emergência, MM_______ veio a perder o trabalho, o que segundo a sua mãe teve impacto muito negativo na organização das suas rotinas, dormindo durante o dia e passando a noite no computador, algumas das vezes em actividades que perturbam os restantes elementos (videochamadas, etc), o que tem causado alguns conflitos.
Quanto ao arguido AD_____  :
23. À data dos alegados factos subjacentes ao presente processo, AD_____ residia com a mãe, o padrasto e as irmãs sendo que, actualmente, a irmã mais velha já se encontra autonomizada. Segundo refere, frequentava o curso de formação profissional mencionado, ainda que com parco investimento, nunca tinha obtido experiências laborais e mantinha-se integrado em contextos de convivialidade pró-criminais;
24. Desde então, o arguido atravessou um período de isolamento social, durante o qual se confinou voluntariamente ao espaço doméstico, situação que desencadeou preocupação familiar e motivou a procura de acompanhamento psicológico. Neste contexto, e conforme o relatório de avaliação apresentado, datado de 12-07-2019, constatou-se no arguido a existência de lacunas ao nível dos relacionamentos interpessoais, pautados pela imaturidade, superficialidade, dificuldades na compreensão/interpretação de pistas sociais e em lidar com situações complexas, distanciamento e défices na gestão emocional e expectativas negativas quanto às interacções, a par de uma necessidade de obtenção de sucesso que não é correspondida pelos recursos disponíveis, o que se traduz em experiências de fracasso, baixa auto-estima e permeabilidade à influência de terceiros. De acordo com a referida avaliação, estas características, conjuntamente, poderão contribuir para a exibição de comportamentos desajustados.
25. O arguido foi incentivado a obter uma ocupação, tendo iniciado o desempenho de actividade profissional nos CTT Expresso em 15-01-2020, através de contrato de trabalho sem termo, auferindo uma retribuição mensal ilíquida de 635 coros;
26. Verbaliza satisfação face a este enquadramento profissional, que lhe confere autonomia, e onde trabalha junto do padrasto. Manifesta interesse pelo tema do mercado cambial, que refere estar a estudar de forma autodidacta, admitindo a possibilidade de vir a realizar formação nessa área em regime pós-laboral, se tal se proporcionar.
27. De momento, AD_____ ocupa o tempo livre através do convívio com a família, visualização televisiva e jogos de computador. Apresenta uma postura descrita como reservada e introspectiva, parecendo também contar com uma acentuada protecção da figura materna. Embora tenha mantido um relacionamento afectivo de relevo, o mesmo não persiste na actualidade;
28. Segundo a informação disponibilizada pelos órgãos de polícia criminal, e para além do presente processo, AD_____ surge associado, na qualidade de suspeito, a um processo por crimes contra a propriedade (NUIPC 379/18.8S6LSB) e a um processo por estupefaciente (NU I PC 250/18.3 SXLSB).
29. Os arguidos não têm antecedentes criminais registados.
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Factos não provados:
Não se provou que:
1. Tenha sido o arguido AD_____  , a pessoa que pediu dinheiro ao arguido; que lhe perguntou o que levava no saco e que retirou a coluna de som identificada na acusação do interior do saco;
2. Um dos arguidos, com um movimento brusco. tenha retirado o saco da mão do ofendido.
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IV- Fundamentação probatória:
O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
«A convicção do Tribunal fundou-se na valoração crítica e conjugada da totalidade dos elementos de prova produzidos, designadamente, no depoimento prestado pelas testemunhas   (ambos Agentes da Polícia de Segurança Pública), avaliados à luz das regras da experiência comum, ponderados de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e concatenados com a análise dos seguintes documentos:
- Auto de notícia de fls. 25 a 26;
- Auto de apreensão de fls. 27;
- Auto de exame e avaliação de fls. 28;
- Cópia de recibo de fls. 45;
- Termo de entrega de fls. 49;
- Certificados do registo criminal de fls. 169 a 171;
- Relatórios sociais elaborados pela DGRSP referentes a cada um dos arguidos. Em síntese:
LR_____ , de forma desinteressada, aparentemente isenta e sem qualquer sentimento revanchista para com os arguidos, referiu que foi abordado por um grupo de três rapazes — sendo dois de raça negra e um caucasiano — que começaram por lhe pedir um cigarro, tendo-lhe, seguidamente, pedido dinheiro e que, após LR______ ter entregue as moedas de que dispunha, um dos indivíduos abriu-lhe o saco que trazia consigo e do interior do mesmo retirou a coluna de som que ali se encontrava.
Confirmou que a coluna de som é a que se encontra descrita nos autos e que corresponde à fatura junta aos autos a fls. 45, mais confirmando que, pela mesma, pagou a quantia de € 179.
Explicou ainda que após os indivíduos que o abordaram saírem do local com a sua coluna de som, decidiu ir em perseguição destes, que, apercebendo-se da presença do ofendido, desferiram-lhe um soco na cabeça e vários pontapés no corpo, quando já estava caído no solo.
O ofendido, com relevo, esclareceu ainda que após ter sido chamada a polícia ao local, seguiu com os agentes da Polícia de Segurança Pública no interior do carro patrulha e que, cerca de vinte minutos depois da ocorrência dos factos, foi confrontado com os arguidos que teriam sido localizados por agentes da Polícia de Segurança Pública na sequência da descrição anteriormente fornecida pelo ofendido.
Esclareceu ainda que não logrou identificar nenhum dos arguidos, pois o local onde os factos ocorreram era pouco iluminado e o ofendido, além de estar muito nervoso, teria consumido várias bebidas alcoólicas antes do momento da ocorrência dos factos.
Quando instado sobre a participação de AD_____ nos factos, referiu que "foram os três", embora não tenha logrado esclarecer a participação de cada um dos intervenientes, limitando-se a referir que foi rodeado por todos e que todos participaram nos factos.
Por fim, os agentes da Polícia de Segurança Pública inquiridos como testemunhas, explicaram as circunstâncias em que procederam à detenção dos arguidos, referindo que lhes foi comunicado um roubo e que lhe foram transmitidas as caraterísticas dos seus autores, tendo o ofendido afirmado tratar-se de um grupo de três indivíduos, com idades próximas dos 19 ou 20 anos, composto por dois negros e um caucasiano, que teriam fugido na direção da Alameda.
Explicaram ainda os agentes que os arguidos foram localizados, poucos minutos depois, por um outro carro patrulha, já que correspondiam à descrição fornecida pela vítima e, submetidos a revista, a coluna de som retirada ao ofendido foi encontrada na posse de um dos três arguidos.
Explicaram ainda que entre a notícia da ocorrência e a localização dos arguidos teriam passado poucos minutos e que, àquela hora, existiam muito poucas pessoas na rua.
Em face do supra exposto e, pese embora o ofendido não tenha logrado identificar nenhum dos arguidos como tratando-se das pessoas que cometeram os factos que descreveu, convenceu-se o tribunal, para além dos limites da dúvida razoável que os arguidos praticaram os factos ínsitos na factualidade provada.
É certo que nenhuma testemunha reconheceu os arguidos como sendo os autores dos factos.
Porém, sendo inquestionável a admissibilidade em processo penal de todas as provas que não sejam proibidas por lei (cfr. artigo 125.° do Código de Processo Penal), nestas incluem-se as presunções judiciais, que são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para firmar outros factos, desconhecidos (cfr. artigo 349.° do Código Civil).
Não sendo a presunção judicial um meio de prova proibido por lei, pode o julgador. á luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados.
Este é, de resto, um mecanismo recorrente na formação da convicção, de utilização necessária na prova de todos aqueles factos que pela sua própria natureza não são directamente percecionáveis pelos sentidos do espetador, havendo que inferi-los a partir da exteriorização da conduta. É o que sucede, por exemplo, com a prova da intenção criminosa que, constituindo acontecimento da vida psicológica, não admite prova direta, podendo no entanto ser inferido a partir de outros factos que tenham sido diretamente provados.
Por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por "livre convicção", podem esses factos ser comprovados através de outros factos suscetíveis de perceção direta e das máximas da experiência, extraindo-se corno conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como assente. Desde que as máximas da experiência (a chamada "experiência comum", assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida), não sejam postas em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas.
Necessário é que haja uma relação direta e segura, claramente percetível, sem necessidade de elaboradas conjeturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge (sendo inadmissíveis "saltos" lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação).
Por outro lado, há de exigir-se que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se firma (por exemplo, a autoria — desconhecida — de um facto conhecido, sendo conhecidas também circunstâncias que permitem fazer funcionar a presunção, sem que concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam pôr em causa o resultado assim atingido).
Por fim, a presunção não poderá colidir com o princípio in dublo pro reo.
No caso dos autos é seguro afirmar-se que os factos ocorreram da forma como foram descritos por LR___ e que lhe foi retirada a coluna de som identificada nos autos, que o ofendido imediatamente reconheceu como sendo a sua.
É também seguro afirmar-se, porque assim o foi dito de forma segura e sincera por parte da vítima, que os factos foram cometidos por três indivíduos que aparentavam ter cerca de 19 ou 20 anos, sendo um caucasiano e dois negros e que estes indivíduos fugiram na direção da Alameda.
E, por último, é seguro afirmar-se — em face dos depoimentos prestados pelos agentes da Polícia de Segurança Pública e dos autos de notícia e apreensão de tis. 25 a 26 e 27 — que, cerca de vinte minutos após a ocorrência dos factos, os arguidos, grupo de três, com caraterísticas idênticas às que foram indicadas por LR______, foram abordados na Rua Carvalho Araújo (na zona da Alameda), tendo a coluna de som retirada ao ofendido sido encontrada na posse de AD_____ , que nenhuma justificação deu para tal facto.
Ora, em face do supra exposto, impõe-se a conclusão de que foram os arguidos, os autores dos factos que agora se julgam.
No que respeita aos factos integrantes dos elementos subjetivos do tipo a convicção do tribunal assentou nas regras da experiência comum, de acordo com as quais os arguidos não poderiam deixar de saber que atuavam contra a vontade de LR______, agindo com a intenção de lhe retirar os bens que consigo tivesse e que retiraram e em função de um plano preestabelecido, sendo necessariamente do seu conhecimento que a prática dos factos descritos na acusação é proibida e punida por lei.
Relativamente à inexistência de antecedentes criminais por parte dos arguidos considerou-se o teor dos certificados de registo criminal.
Quanto às condições sociais dos arguidos tivemos em conta a análise dos respetivos relatórios sociais.
A factualidade que se julgou não provada não foi confirmada por LR______ e não resultou demonstrada através de qualquer outro meio de prova.».
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V- Fundamentos de direito:
1- Do vício da insuficiência da prova para a decisão de facto proferida e da  impugnação do provado:
O arguido IM_____  transcreve excertos de depoimentos do ofendido e testemunhas para concluir que ocorre o vício da insuficiência da prova para a decisão de facto proferida uma vez que a prova produzida, em seu entender, não permite concluir que foram os arguidos os autores do roubo e se houve efectivamente um roubo ou se o ofendido entregou voluntariamente a coluna aos arguidos.
Não formula qualquer pedido de reapreciação de prova mas visa ser excluído da imputação dos factos e do crime respectivo.
O arguido AD___, que começa o seu recurso dizendo que recai sobre questões de direito, entende que se verifica o vício da insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão refere que se situa no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, porque entende que o facto dos arguidos se encontrarem na posse do bem que terá sido alvo do crime de roubo não é suficiente como indício seguro e inequívoco, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, de que foram os arguidos os autores do roubo.
O que se retira deste conjunto argumentativo é que o recorrente confunde questões de direito com questões de facto e vícios com impugnação do provado.
O vício em apreço, invocado nos dois recursos, tal como os demais a que se reporta o nº 2 do artigo 410º/CPP, tem que resultar, única e exclusivamente, do texto da decisão recorrida, de per se, ou em conjugação com as regras de experiência comum e ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito encontrada porque não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, que deveria e poderia tê-lo sido face à factualidade levada à sua apreciação.
A referida insuficiência pressupõe sempre que a decisão de facto apurada não é bastante para a decisão de direito encontrada.
O vício ocorre quando o Tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa materialidade não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação, por faltarem elementos necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição ([3]). Por outras palavras, aí, os factos provados são insuficientes para fundamentar a solução de direito encontrada, sendo que, no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o Tribunal poderia e deveria ter procedido a mais profunda averiguação, de modo a alcançar, justificadamente, a solução legal e justa ([4]),([5]).
Este vício não se confunde com insuficiência de prova produzida para a decisão, porque aí entramos ou numa situação de erro notório na apreciação de prova ou no âmbito de um pedido de reapreciação.
Ora, manifestamente, a questão que os arguidos colocam fundamenta-se numa discordância sua sobre a forma como a prova foi adquirida, pelo que é insusceptível se ser enquadrada no vício invocado.
O que os recorrentes pretendem é que se dê como não provado a sua participação no assalto e, com esse fim, discordam da apreciação da prova que foi feita, considerando que o facto de eles e o co-arguido terem sido encontrados, em seguida ao assalto, com a coluna roubada, não é um facto de onde se possa retirar a ilação segura de que foram os autores do crime. Entendem que a prova indirecta invocada como fundamento da decisão não é bastante para considerar provada a autoria do roubo, o que faz apelo ao erro notório na apreciação da prova.
É facto que no nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova. Por força do princípio, previsto pelo artigo 127º/CPP, salvo quando a lei dispuser de forma diferente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e livre convicção do julgador.
Regras de experiência são regras que se colhem, ao longo dos tempos, da sucessiva repetição de circunstâncias, factos e acontecimentos que se sedimentam no espírito do homem comum como juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.
Livre convicção é um meio de descoberta da verdade, através da livre apreciação, subordinada à razão e à lógica, mas isenta de prescrições formais exteriores. Não se confunde com uma afirmação infundamentada da verdade, puramente impressionista ou emocional.
Contudo, está assente que o referido princípio «não deve traduzir-se em mais que não aprisionar o juiz em critérios preestabelecidos pela lei para formar a sua convicção, mas não para o isentar de obediência às regras da experiência e aos critérios da lógica. Neste sentido, um elemento de legalidade entra de novo no problema da apreciação da prova. Ainda que não fixadas pela lei, ele implica, na verdade, que certas regras de direito (nas quais podem transformar-se as leis da lógica e da experiência) presidam à avaliação da prova pelo juiz, mesmo onde falamos de livre convicção. Ideia que implica, por um lado, a possibilidade de apreciar em via de recurso a violação de tais leis na apreciação da prova e, por outro lado, (…) conduz à necessidade de motivar as decisões em matéria de facto» ([6]).
Uma das referidas regras de apreciação da prova é o respeito pelo princípio processual do in dubio pro reo, que a recorrente invoca.
No nosso processo penal figura, como critério positivo de prova de um facto, o parâmetro da prova além da presunção de inocência ([7]), vindo do direito processual anglo-saxónico, entendido como prova para além de toda a dúvida razoável ([8]). Articula-se com o princípio da livre convicção como se fossem «dois círculos concêntricos de salvaguarda que o sistema processual penal coloca em defesa do cidadão inocente de não correr o risco de ser condenado. Ambos incidem sobre o momento da valoração da prova pelo juiz; momento verdadeiramente crucial para tornar efectivo o direito individual a ver reconhecida a própria inocência, se não resulta provada a sua culpa. O primeiro círculo, com a afirmação do princípio da livre convicção (…) coloca o momento da valoração da prova a coberto dos efeitos devastadores produzidos pelo sistema precedente da prova legal (…).O acusado, com efeito, não pode sofrer condenação em resultado do emprego de regras probatórias formais, como as que resultam do modelo aritmético da prova e tem, sem dúvida, o direito de exigir que a garantia da sua presunção de inocência seja efectivamente accionada no caso concreto colocado à valoração do juiz. Com o segundo círculo de salvaguarda, procura evitar-se que a livre valoração do juiz se transforme em arbítrio. O juiz não está sujeito a vínculos normativos externos, mas deve chegar à formação da sua convicção através do emprego de critérios racionais, próprios da lógica, da ciência e do conhecimento comum. A certeza probatória que desse modo o juiz alcança (…) [trata-se] naturalmente de uma certeza lógica, aplicada ao caso concreto e modelada segundo um itinerário argumentativo objectivamente susceptível de controlo» ([9]).
O princípio in dubio é uma regra de decisão, que funciona na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos. «Ao pedir-se ao juiz, para prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável, está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja: quando possa objectivar e motivar uma dúvida. Espera-se deste modo que a decisão convença. Convença o juiz no seu íntimo, mas contenha em si igualmente a virtualidade de convencer o arguido e, nele, a inteira comunidade jurídica (…). O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no “in dubio pro reo” o seu limite normativo: ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último. Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva.» ([10]). Assim o impõe o processo penal da presunção de inocência, leal e respeitador da confiança legítima dos cidadãos nas decisões dos Tribunais ([11]).
A sua aplicação desdobra-se em dois momentos: no da avaliação probatória directa, imediata, em primeira instância ou em sede de efectiva reapreciação de prova, na fase de recurso e no da apreciação do processo de aquisição processual da prova fixada, na vertente da avaliação sobre a existência ou não de vício de erro na sua apreciação.
Numa primeira fase «o universo fáctico – de acordo com o «pro reo» passar a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para prova dos segundos se exige certeza» ([12]).
Numa segunda fase, funciona aquando da sua aplicação em Tribunal de recurso: sempre que resulta do texto da decisão recorrida a existência de dúvida sobre factos desfavoráveis ao arguido, ou ainda que não constando, ocorra que a dúvida se instala, quando apreciado o iter cognitivo do julgador. «Entendidos, assim, objectivamente, os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, sempre será de considerar este princípio violado quando o tribunal dá como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que o tribunal não tenha manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta de uma análise e apreciação objectiva da prova produzida à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório (cfr art. 127º do CPP)» ([13]).
Parametrizadas as regras que presidem ao instituto da apreciação da prova e da sua reapreciação em sede de recurso, analisemos as questões colocadas pela recorrente.
A questão que está subjacente ao recurso é a discordância na valoração da prova. Os recorrentes, no fundo, defendem o entendimento de que só mediante prova directa se poderia considerar assente que foram eles quem assaltou o ofendido.
A questão da desnecessidade de existência de prova directa para a prova de determinada factualidade está mais do que decidida em termos doutrinais e jurisprudenciais. A prova dos factos em julgamento não carece de resultar de prova directa - e raramente, na realidade, o é.
O preceituado no artigo 127º/CPP deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova, considerando que o objecto da prova tanto incluí os factos probandos (prova directa), como  factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a estes (prova indirecta ou indiciária). prova indirecta «reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova» ([14]). «A inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz» ([15]).
 A prova indirecta é tão válida como a prova directa, desde que preenchidos determinados requisitos.
A prova indirecta ou indiciária é uma meio válido de aquisição de prova sempre que, de acordo com as regras de experiência comum, se verifique que o facto base é indício seguro para concluir pelo facto acusado, porque do primeiro se retira a conclusão, firme, segura e sólida sobre a ocorrência do segundo e os demais factos provados são consonantes com a conclusão alcançada.
Essa conclusão é legitima, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º/CPP), sempre que seja admissível e seguro, segundo as regras de experiência e da vida, estabelecer, entre um e outro, um nexo preciso e directo porque, segundo essas mesmas regras, e considerados os demais factos que intervêm no mesmo “pedaço de vida” relativos às circunstâncias da ocorrência, o facto acusado se prova e não pode ser atribuído a outrem.
É evidente que esta conclusão implica que não ocorra qualquer dúvida sobre o facto probando, pelo que estará sempre arredada a possibilidade de violação do princípio do in dubio pro reo.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4/07/2012, disponível em www.dgsi.pt, que aqui se reproduz: «A lei processual penal não regula os pressupostos específicos para o funcionamento ou procedimento da prova indiciária ou por “presunção probatória", mas a jurisprudência e a doutrina coincidem nos seguintes conceitos:
1.° - Os indícios são os factos-base, alcançados a partir de provas directas (testemunhais, periciais, documentais, etc.) e sob plena observância dos requisitos de validade do procedimento probatório.
2.° - A partir desses factos-base e mediante um raciocínio lógico e dedutivo, deve poder estabelecer-se um juízo de inferência razoável com o facto ou factos a provar. Este juízo de inferência deve revelar-se conforme com as regras de vida e de experiência comum — ou seja de normas de comportamento humano extraídas a partir da generalização de casos semelhantes - ou com base em conhecimentos técnicos ou científicos, comummente aceites. Apesar de se basear em critérios generalizantes, esse juízo de inferência deverá ter em consideração o concreto contexto histórico em que se inserem os factos individualizados, com a concorrência de todas as especificas circunstâncias aí relevantes. (…).
3º A eficácia probatória da prova indiciária depende da existência de uma ligação precisa entre a afirmação base e a afirmação consequência, por forma a permitir uma conclusão segura e sólida da probabilidade de ocorrência do facto histórico probando;
4.° - Embora se admita a eventualidade da existência de apenas um indício, desde que veemente e categórico, entende-se necessário que os factos indiciadores sejam plurais, independentes, contemporâneos do facto a provar, concordantes, conjugando-se entre si e conduzindo a inferências convergentes;
5. ° - A capacidade demonstrativa da prova indicaria não pode ser determinada pela análise isolada de cada indício ou facto base, nem de uma forma meramente formal.
Com efeito, os indícios recolhidos devem ser todos apreciados e valorados em conjunto, de um modo crítico e inseridos no concreto contexto histórico de onde surgem. Nessa análise crítica global, não podem deixar de ser tidos em conta, a par das circunstâncias indiciadoras da responsabilidade criminal do arguido, também, quer os indícios da própria inocência, ou seja os factos que impedem ou dificultam seriamente a ligação entre o acusado e o crime, quer os "contra indícios", ou seja os indícios de teor negativo que a partir de máximas de experiência, enfraquecem ou eliminam a conclusão de responsabilização criminal extraída do indício positivo. Com efeito, "só após o sopesar das provas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno e só este convencimento alicerçado numa sólida estrutura de presunção indicaria - quando é este tipo de prava que está em causa - pode alicerçar a convicção do julgador ". (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-20 12, no proc. 233/ 08.1PB GDM. P3. S1)».
Ora, nos autos, a prova produzida em julgamento é categórica na conexão que estabelece entre a prova do roubo, feita pelo ofendido, que descreve de forma isenta de dúvidas como foi abordado pelos três assaltantes, num local em que, por estar escuro, não conseguiu fixar-lhes as feições, e a detecção pela polícia dos três arguidos, num local próximo, sendo portadores precisamente da coluna roubada.
Esta é uma situação chamada de quase flagrante delito em que, em acto seguido ao crime, os autores são encontrados com o produto do mesmo (artigo 256º/CPP).
O pouco tempo decorrido entre o roubo e a detecção dos arguidos, a coincidência entre a descrição feita pelo ofendido e as pessoas dos arguidos (três jovens, dois negros e um branco) são argumentos circunstanciais corroboradores da evidência, segundo as regras de experiência comum, de que os três indivíduos que perpetuaram o assalto eram precisamente os mesmos três indivíduos que foram encontrados juntos, detendo o produto do assalto.
Por outro lado, acrescente-se, quando à pretensa violação do princípio da livre valoração, que mostrando-se a aquisição probatória fundamentada e alicerçada nos dados de facto fornecidos pelo processo e num raciocínio claro, bem explicado, de acordo com as regras de experiência comum, nenhum defeito há que assacar ao iter cognitivo através do qual se consideraram os factos em crise provados. Aliás nem os arguidos explicam, com recurso aos elementos estruturantes do princípio, qual o fundamento dessa pretensa violação.
Na realidade, está doutrinal e jurisprudencialmente assente que o princípio da livre apreciação da prova «não deve traduzir-se em mais que não aprisionar o juiz em critérios preestabelecidos pela lei para formar a sua convicção» ([16]) desde que tenha correspondência nas leis da lógica e da experiência.
A liberdade de que se fala no âmbito do princípio é uma liberdade para a objectividade, ou seja, a decisão do Tribunal da instância só é susceptível de alteração pelos Tribunais de recurso «se a violação do princípio da objectividade for evidente sem outras averiguações probatórias» ([17]), porque a decisão se mostra irracional, puramente impressionista e emocional, furtando-se, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação, o que não sucede à decisão em apreço.
Apreciada a prova pela primeira instância, o Tribunal de recurso apenas pode sindicar a aquisição probatória feita se verificar que a fundamentação probatória é destituída de fundamentação, determinada por critérios subjectivos sem correspondência com qualquer das possíveis soluções que as regras de experiência ditariam, quando aplicadas àquilo que consta dessa mesma fundamentação. «Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode censurá-la se ficar demonstrado que tal opção é inadmissível face às regras da experiência comum» ([18]).Ora, nem o recorrente conseguiu a demonstração de qualquer ponto de irracionalidade ou arbitrariedade, nem a análise do texto da sentença as sugere, sequer.
A motivação da prova dos factos em crise está ancorada em critérios claros e lógicos, perfeitamente aptos a constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse no sentido em que se formou, pelo que nenhuma violação aos princípios da livre valoração da prova ou do in dubio pro reo ocorre.
Em face do exposto decai a implícita pretensão da alteração do provado.
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2- Da insusceptibilidade de os factos configurarem um crime de roubo:
O arguido IM_____  entende que os factos em apreço não são susceptíveis de configurar um crime de roubo porque o ofendido não foi ameaçado, impossibilitado de resistir ou violentado, aquando a retirada da coluna de dentro do saco e, dado o seu estado alcoolizado, há dúvida sobre se não foi o próprio quem, por sua própria mão que a deu aos arguidos. Mais defende que alguém que se encontre com receio, ameaçado, violentado, quer intimidado pela superioridade numérica de individuo, não corre atrás dos ladrões e a ter havido violência ela foi posterior ao crime, apenas tendo ocorrido quando da “perseguição” do ofendido aos arguidos.
É interessante o tratamento que os arguidos dão à pretensa situação de alcoolização do ofendido. Por um lado, entendem que ela era tão grave que não permite acreditar na sua versão dos factos; por outro aceitam que ele estava suficientemente sóbrio para os ter perseguido a ponto terem tido de exercer violência para o deter na intenção de reaver a coluna.
Voltando à questão colocada, as dúvidas que referem não têm reporte algum para o provado, nem para a experiência comum. A qualificação jurídica dos factos faz-se com reporte exclusivo para o provado e o que consta é que foi um dos arguidos quem retirou a coluna, de dentro do saco que o ofendido transportava.
A questão colocada tem subjacente o entendimento de que a desapropriação da coluna e do dinheiro não foi feita mediante o uso de violência, de ameaça de agressão ou de colocação da impossibilidade de resistir. Este tipo de fundamentação reporta-nos para a distinção entre roubo e furto e para uma questão unanimemente tratada na doutrina jurisprudência, que é a de saber se é necessário, ou não, para que se cometa um roubo, um efectivo acto de agressão física sobre a vítima.
Quanto à configuração do crime de roubo, vale a exposição feita na sentença recorrida, que se transcreve: «Vêm os arguidos acusados da prática, em autoria material, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.°, n.° 1, do Código Penal.
Dispõe a norma incriminadora supra referida que: "Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos."
O crime de roubo é um crime complexo que abrange de forma simultânea a tutela de vários bens jurídicos, tais como a liberdade individual de decisão e ação, a integridade física, o direito de propriedade, ou detenção de coisas apropriáveis. (Neste sentido, cfr. Conceição Ferreira Cunha, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo 2, páginas 160 e 161).
Tal como se considera no Acórdão da Relação de Lisboa, de 18 de Junho 2002 (disponível em www.dgsi.pt), "Trata-se de um ilícito que se esgota, em síntese, numa intenção de apropriação ilícita consumada através de uma intercalar acção coactiva, por meios violentos ou constrangedores".
Assim, o roubo é um crime meio e um crime fim, atento o facto de a ofensa a bens pessoais - crime meio - surgir como forma de lesão dos bens patrimoniais - crime fim.
São elementos constitutivos do tipo:
a) A subtração ou constrangimento à entrega de coisa móvel alheia;
b) Por meio de violência contra uma pessoa, ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou, ainda, pondo-a na impossibilidade de resistir;
c) Com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem.
O ilícito ora em análise consubstancia um crime de dano e de resultado, sendo que a consumação do tipo exige que, para além de uma efetiva subtração ou entrega ao agente de coisa móvel alheia, se verifique um efetivo constrangimento - que pode ser ativo ou omissivo -alcançado através de urna das modalidades de ação previstas no tipo legal. (cfr. Conceição Ferreira Cunha, in obra citada, pgs. 171 e 172).
Ou seja, tem de existir um nexo de imputação entre a obtenção da coisa móvel alheia e a conduta do agente que permita concluir que a violência, a ameaça ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir provocaram nesta um efetivo constrangimento à entrega do bem ou à tolerância da sua subtração.
Assim, o preenchimento do tipo não se basta com a adequação dos meios utilizados pelo agente ao constrangimento da vítima, antes exigindo que, efetivamente, tais meios a tenham constrangido.
A adequação dos meios, por último, é aferida de acordo com um critério objetivo-individual nos termos do qual a adequação do meio ao constrangimento deve fazer apelo ao critério do homem médio, tendo em conta, no entanto, as características individuais do sujeito passivo concreto. (Neste sentido, cfr. Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pgs. 348 e 349).
Na parte referente ao tipo subjetivo de ilícito cumpre ter em consideração que o roubo integra um crime doloso, pelo que se exige o conhecimento de todos os elementos do tipo, embora seja admissível qualquer uma das modalidades de dolo previstas no artigo 14.° do Código Penal.
No entanto, — e uma vez que o roubo é um delito intencional - a acrescer ao dolo é ainda necessário que se verifique a ilegítima intenção de apropriação.
Acrescenta o n.° 2 do artigo 210.° do Código Penal que a pena é a de prisão de três a quinze anos se (...) se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos números 1 e 2 do artigo 204.°, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.° 4 do mesmo artigo. No caso concreto importa atender ao disposto no n.° 2 do artigo 204.°, referente à agravante relacionada com a detenção, por ocasião da perpetração da subtração, de arma aparente ou oculta e ao prescrito no n.° 4 do referido artigo, nos termos do qual não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor, ou seja, de valor que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto (cfr. alínea c), do artigo 202.° do mesmo Código).
In comi, resulta da (actualidade provada que LR______ foi abordado pelos arguidos, que, contra a sua vontade, lhe retiraram do interior do saco que trazia consigo uma coluna de som no valor de €179, e na posse da mesma abandonaram o local.
Ora, a conduta adotada pelos arguidos é meio idóneo - como foi - a anular a capacidade de resistência por parte da vitima.
Atenta a prova de tais factos conclui-se que os arguidos, com intenção de ilegítima apropriação, subtraíram coisa móvel alheia através dos meios tipificados na norma em análise, designadamente, através de violência.
No que respeita ao conceito de violência integrador do tipo cumpre referir que a doutrina e a jurisprudência, longe de exigirem a ocorrência de lesão corporal para que se tenha por verificada a violência, incluem neste conceito a violência psíquica.
A este propósito, cita-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2006, disponível em www.dgsi.pt, onde se considerou que "No crime de roubo (art.° 210° do ar.) a "violência" não pressupõe que ao ofendido sejam provocadas lesões, podendo nem sequer haver contacto físico, já que o arguido por vezes não chega a ameaçar de uma forma expressa, puxando de pistola ou faca, antes se limita a "mostrar" alguma dessas armas num "aviso" claro de que podem fazer uso delas em qualquer momento, ao mesmo tempo que pede, dinheiro ou o telemóvel para fazer uma chamada."».
No caso, os arguidos não mostraram armas.
Mas quando três indivíduos rodeiam alguém, numa zona escura, de madrugada e lhe pedem imediatamente dinheiro, é óbvio que a pessoa percebe que está a ser alvo de um assalto. Estando em clara minoria, desconhecendo até onde vão os intuitos agressivos dos assaltantes, gera-se de imediato um sentimento de sujeição que afecta a capacidade de determinação da vítima, que se sabe sujeita aos desmandos dos assaltantes e, consequentemente, ameaçada na sua integridade física e psíquica.
Longe de uma situação de furto, em que o ilícito se limita à subtracção de algo à posse de outrem, a subtracção foi efectuada através da criação de uma situação de submissão da vítima, que se sentiu de tal modo ameaçada na sua liberdade de acção e decisão que se sujeitou à subtracção do dinheiro e da coluna de som.
Nesta acção estão presentes todos os elementos do tipo, aliás de acordo com o provado em 8, 9 e 10. Mas, mais do que um simples roubo se violência efectiva, afinal aquela acção acabou por somar à ameaça, com clocação na impossibilidade de resistir, uma efectiva violência. Na perspectiva de manter a posse do roubo, os arguidos rasteiraram, socaram e pontapearam o ofendido, deixando-o no chão maltratado, incapaz de voltar a reagir.
Dúvidas não temos de que o provado configura o crime de roubo pelo qual os arguidos foram condenados.
Resta, pois, a declaração de improcedência dos recursos.
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VI- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento aos recursos, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas por cada um dos recorrentes, com taxa de justiça de 3 ucs.
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Texto processado e integralmente revisto pela relatora.
Lisboa, 03/ 03/2020
Graça Santos Silva
A. Augusto Lourenço
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[1] Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[2] Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.
[3] Cf. Ac. STJ de 15.1.98, proc.1075/97, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Cf. Acs. do STJ de 20.04.2006, no proc.nº.06P363, e de 16.04.1998, em www.dgsi.pt;
[5] Cf. Ac.STJ de 2.6.99, proc.288/99, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Cf. Eduardo Correia, em «Les Preuves en Droit Penal Portugais», na RDES, XIV, Janeiro-Junho/ 1967, 1-2, 29.
[7] Colhido pela CRP – artº 32º/2- e pelo CEDH – artº 6º§2.
[8] «Proof beyond any reasonable doubt, ou guilt beyond any reasonable doubt».
[9] Cf. Enzo Zappalà, em AAVV, «Il Libero Convincimento Del Giudiuce Penale. Vechie e Nouve Esperienze», Milano – Dott. A. Guiffrè Editore, 2004, 117, citado no AC.RE., nº 2457/06-1, de 30/01/2007, em www.dgsi.pt.
11 Cf. Cristina Líbano Monteiro, em «Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo» Coimbra Editora, 1997, 51-53.
[11] Cf. Acs do TC, nº 429/95, 39/2004, 44/2004, 159/2004 e 722/2004.
[12] Cf. Cristina Líbano Monteiro, obra citada, 53.
[13] CF. Ac. da RE., nº 2457/06-1, de 30/01/2007, em www.dgsi.pt.
[14] Cf. Prof. Cavaleiro de Ferreira, em «Curso de Processo Penal», II , 28.
[15] Cf. Ac. do STJ de 29/02/1996 , em «Revista Portuguesa de Ciência Criminal» , ano 6.º , tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
[16] Cf. Eduardo Correia, em «Les Preuves en Droit Penal Portugais», na RDES, XIV, Janeiro-Junho/ 1967, 1-2, 29.
13 Cf. Castanheira Neves, em «Sumários de Processo Criminal», 1967-1968, ed. dactilografada por João Abrantes, Coimbra, 1968, pág. 50-1.
[18] Cf. Ac. RE, de 08/06/2004, proc. 47/04.1.