COMPETÊNCIA
RECURSO AUTÓNOMO
Sumário

A lei não prevê recurso autónomo de despachos proferidos sobre nulidade de decisões recorríveis, porque o recurso onde se discute tudo sobre a decisão em causa é, única e simplesmente, o recurso que verse sobre a dita decisão.
O JIC tem competência para apreciação das nulidades de inquérito, desde que insanáveis ou arguidas pelos intervenientes processuais.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:

I – Relatório:
A arguida AV_____ , notificada da decisão instrutória que declarou o inquérito nulo, apresentou recurso, concluindo nos seguintes termos:
«1 — A decisão proferida pelo Tribunal a quo é recorrível, o recurso mostra-se interposto tempestivamente, a Recorrente têm interesse e manifesta legitimidade para tal;
2 — Foi decidido pelo Tribunal a quo declarar nulo o inquérito levado a cabo pelo Ministério Público, com fundamento na omissão de pronúncia quanto à factualidade que é suscetível de consubstanciar a prática, pela arguida, de um crime público, previsto e punido pelo artigo 256.° n.°1 al d) do Código Penal o que, no entender da decisão impugnada, configuraria uma falta promoção pelo Ministério Público do inquérito e, consequentemente, uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso, prevista na alínea b) do n.° 2 do artigo 119.° do CPP, que, por sua vez, determinaria a invalidade do despacho de encerramento do inquérito e dos termos subsequentes.
3 - Entende-se que cabia à decisão impugnada indicar qual ou quais os indícios existentes nos autos relativamente à alegada prática pela arguida do crime previsto e punido pelo art. 256°, n°1, alínea d) do C.P., o que o despacho de pronuncia não fez, sendo tal despacho nulo por omissão de pronuncia sobre tal matéria.
4 - Entende-se que o despacho impugnado deveria ter proferido a pronúncia ou não pronúncia da arguida, relativamente aos factos objeto de inquérito (cfr. denúncia) e relativamente aos quais o inquérito incidiu (cfr. despacho de arquivamente) e foi requerida a abertura de instrução pela assistente (cfr. requerimento de abertura de instrução), o que não sucedeu.
5 - O despacho impugnado não deu cumprimento ao disposto nos arts. 307°, n°1 e 308°, n°1 do C.P.P., uma vez que se entende que o despacho recorrido deveria ter-se pronunciado sobre a existência ou não de indícios nos autos da prática pela arguida do crime de peculato, o que em momento algum fez, proferindo decisão de pronuncia da arguida ou não pronuncia da arguida, relativamente àquele crime, decisão que foi omitida da decisão instrutória proferida nos autos que não proferiu nem despacho de pronuncia nem despacho de não pronuncia, omitindo qualquer juízo decisório sobre tal questão;
6 - O despacho impugnado, ao não se pronunciar sobre a pronúncia ou não pronuncia da arguida, relativamente ao crime objeto de denúncia e do inquérito, omitindo no âmbito da requerida instrução criminal, qualquer juízo de pronuncia ou não pronuncia da arguida relativamente aos crimes objeto do inquérito, em violação do disposto nos arts. 286°, n°1, 307°, n°1 e 308°, n°1, todos do do C.P.P., padece do vicio de omissão de pronuncia previsto no art. 119°, alínea d) ou 120°, n°1, alínea d), ambos do C.P.P., na medida em que se considera que a decisão instrutória deveria, obrigatoriamente, ter-se pronunciado sobre a pronúncia ou não pronuncia da arguida relativamente aos crimes objeto de inquérito e requerimento de abertura de instrução.
7 - A decisão instrutória proferida nos presentes autos violou as normas dos arts. 286°, n°1, 307°, n°1 e 308°, n°1, todos do do C.P.P e, ainda, art. 32°, n°1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, o que se requer que esse Tribunal da Relação, a título de fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade, declare.
Termos em que, e nos melhores em Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se integralmente a decisão recorrida ou declarando-se a mesma nula, com todas as demais legais consequências, concluindo-se pela não pronuncia da arguida pelos crimes relativamente aos quais foi proferido despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, só assim se fazendo a V. costumada JUSTIÇA!».
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Contra-alegou a assistente TAGUSPARK, SA, pugnando pela improcedência do recurso.
Mais contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
« 1. Inconformada com a decisão instrutória proferida nos presentes autos no dia 10-12-2020, através da qual a Exma. Juiz de Instrução Criminal a quo declarou nulo o inquérito, por falta de promoção e, consequentemente, declarou inválido o despacho de encerramento do inquérito e os termos subsequentes, veio a recorrente interpor recurso da mesma, peticionando, em síntese, que deve ser revogada a decisão recorrida ou declarando-se a mesma nula, concluindo assim pela não pronúncia da arguida pelos crimes imputados.
2. A referida decisão instrutória não padece de qualquer nulidade, nos termos do artigo 119.°, alínea d) ou artigo 120, n.°1, alínea d), ambos do Código Processo Penal, porquanto a mesma declarou nulo o inquérito, por falta de promoção, o que obsta o conhecimento do mérito da causa.
3. Com efeito, tal decisão instrutória trata-se de uma decisão preliminar pelo que a Exma. Juiz de Instrução Criminal a quo não tinha que fazer qualquer apreciação quanto à existência, ou não, de indícios da prática pela arguida dos crimes imputados, pronunciando-se apenas pela não verificação dos pressupostos necessários ao prosseguimento do processo, tratando-se de uma decisão de conteúdo estritamente processual.
4. A mencionada decisão instrutória não viola o disposto nos artigos 286.°, n.1, 308.°, n.1 e artigo 308.°, n.1, todos do Código Processo Penal e do artigo 32.°, n.1, 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
5. Pelas justificações acima apontadas e aqui reiteradas, não assiste, assim, qualquer razão à recorrente, porquanto não merece qualquer censura a decisão recorrida, por se encontrar correctamente fundamentada, em estrito cumprimento das normas e dos princípios constitucionais e que norteiam o Direito e o Processo Penal.
6. Por todas as razões ora aduzidas, entende-se que a decisão instrutória proferida pelo Tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que, se conclui pela manutenção da decisão recorrida nos precisos termos, devendo assim o presente recurso ser julgado improcedente.
Termos em que deverá ser integralmente mantida a decisão instrutória, julgando no sentido de que dão assiste assim razão à recorrente, devendo ser-lhe negado provimento ao recurso.».
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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto aderiu à resposta do MP. 
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II- Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
A questão colocada pela recorrente é saber se a decisão instrutória padece, ou não, do vicio de omissão de pronúncia previsto nos artigos 119°/d) ou 120°/1, alínea d), do CPP, na medida em que se não se pronunciou sobre a pronúncia ou não pronúncia da arguida relativamente aos crimes objecto de inquérito e requerimento de abertura de instrução.
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III- Factos a considerar:
1- O Ministério Público, nos presentes autos, proferiu despacho de arquivamento, pela prática dos crimes de peculato e de administração danosa, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 375.° e 235.°, ambos do Código Penal (doravante CP), relativamente à arguida e aqui recorrente AV_____ , tendo declarado a final do seu despacho que « Prescrição do procedimento criminal: para os devidos efeitos se consigna que o respectivo procedimento criminal prescreve na data do presente despacho (Circular n.º 8/2008).»
2- Inconformada com o arquivamento dos autos, veio a assistente "TAGUSPARK" requerer a abertura da fase de instrução, impetrando a pronúncia da ora recorrente pela prática, em autoria material de um crime de peculato, previsto e punido, pelo artigo 375° do CP.
3- Nessa sequência, a 10.12.2020, foi proferida decisão instrutória que declarou nulo o inquérito, por falta de promoção do Ministério Público, por omissão de pronúncia quanto à factualidade susceptível de consubstanciar a prática de crime público, previsto e punido, nos termos do artigo 256.°, n.1, alíneas d) do Código Penal, nos termos dos artigos 48.°, 119°, al. b), 262.° e 276.° do Código Processo Penal e, consequentemente, declarou inválido o despacho de encerramento do inquérito e os termos subsequentes.
4- Tal despacho contem-se, entre o mais, no seguinte: « Da nulidade do inquérito
O regime processual penal no que às nulidades respeita é enformado pelos princípios da legalidade e taxatividade. De acordo com o primeiro “a violação ou inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei" (art. 118 n.º 1, do CPP) e, de acordo com o segundo, são apenas insanáveis as nulidades que, como tal, forem cominadas na lei (art. 119º do mesmo Código). O Código de Processo Penal distingue as nulidades insanáveis (ou absolutas), a que se refere o artigo 119.º, e as nulidades dependentes de arguição (ou nulidades relativas), a que se referem os artigos 120.º e 121.º. As nulidades insanáveis são as que constam do artigo 119.º do CPP e ainda as que forem, como tal, identificadas em outras disposições do código.
Entre as nulidades absolutas encontra-se a que respeita à falta de promoção.
De acordo com o disposto nos artigos disposto nos artigos 53.°, 262.° n.° 1, 263.° n.° 1, 267.°, 276.° n.° 1 e 283°, todos do C.P.P. é ao Ministério Público que compete receber as denúncias e queixas, dirigir o inquérito, investigando a existência de um crime, dos seus agentes e respetivas responsabilidades, e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação e a quem compete ainda, findo o inquérito, de proferir despacho de arquivamento ou de acusação. A nulidade por falta de promoção ocorre quando o Ministério Público deixe de investigar os factos suscetíveis de consubstanciar a prática de crimes que se revistam de natureza pública e semi-pública – alínea b) do artigo 119.º do CPP
No caso em apreço procedeu-se ao inquérito no decurso do qual o Ministério Público apurou que à arguida que era Diretora financeira da assistente competia, entre o mais;
a) a supervisão da área financeira e da informação produzida e reportada; a gestão da conta corrente dos clientes da denunciante, gestão de todos os movimentos contabilísticos e financeiros realizados; gestão da cobrança de dívidas dos clientes da queixosa;
b) A gestão da conciliação bancária das contas da TAGUSPARK;
c) Garantir a rigorosa correspondência entre os saldos bancários e os registos internos.
Mais apurou que no ano de 2003, a sociedade ZON TV Cabo Portugal, SA-(actualmente denominada NOS, SGPS.) efetuou no mês de abril o pagamento de € 102.759,91 (cento e dois mil, setecentos e cinquenta e nove euros e noventa e um cêntimos) respeitante ao cumprimento de um crédito que a PROMITAGUS detinha sobre a mesma e que no dia 21 de maio de 2003, um mês após aquele outro pagamento, e sem estar obrigada a tal, a empresa ZON TV Cabo Portugal, SA, repetiu o pagamento no mesmo montante, ou seja, no valor de €102.759,91, o que fez nas mesmas circunstâncias e meios do anterior.
A arguida AV_____ quando se apercebeu do recebimento indevido daquele montante, não informou a empresa cliente nem a administração da TAGUSPARK.
Este segundo pagamento, que não era devido, diz o Ministério Público tratar-se de um «acréscimo» foi contabilisticamente tratado pela arguida AV_____ sob a forma de lançamento num cliente propositadamente aberto para esse efeito, ao qual, a mesma, denominou “TV Cabo Portugal”.
Isto é, perante o erro em que incorreu a empresa ZON TV Cabo Portugal, SA a arguida ficcionou um cliente a quem atribuiu esse «acréscimo» no valor de 102.759,91€ o que sabia não corresponder à verdade.
A factualidade exposta revela que a quantia que acidentalmente, por erro, ingressou na conta bancária da assistente foi por ação da arguida dissimulada na contabilidade da assistente imputou-o uma entidade virtual ao invés de, como devia imputar esse crédito à sua legitima proprietária, assim consolidando o que se considera ser um ato de apropriação daquele valor.
De resto, não fora a circunstância de se tratar de ilícito dependente de queixa, a conduta da arguida que se traduziu na apropriação do valor pago indevidamente pela empresa Zon TV Cabo seria penalmente censurável por via do artigo 209.º do C. Penal. A conduta da arguida seria também civilmente censurável na medida em que constitui um enriquecimento sem causa.
Em suma, inexiste qualquer fundamento legal que dê cobertura à conduta da arguida, quis fazer crer. O montante pago pela empresa ZON TV CABO em duplicado só podia ser contabilizado como crédito desta empresa.
Acontece que uma vez dissimulado aquele montante na contabilidade da assistente pela criação e imputação do valor a um cliente virtual seguiram-se os demais atos que o Ministério Público descreve no despacho de arquivamento:
“AV_____, por sua livre iniciativa, foi retirando montantes ao extrato do referido cliente virtual, “TV Cabo Portugal”, para liquidação de dívidas de diversos clientes do Promitagus”
Assim, escolheu uma série de clientes da Promitagus com pagamentos em atraso e liquidou as suas dívidas com a verba retirada da conta do cliente virtual “TV Cabo Portugal” - voltou a efetuar ajustes diretos entre saldos de clientes credores e devedores, nos moldes e pelos montantes melhor descritos em sede relatório final,
A arguida AV_____ ao invés de os manter como crédito desses mesmos clientes ou de diligenciar pela sua devolução, decidiu mais uma vez, imputá-los ao pagamento de dívidas de clientes devedores à Promitagus, os quais não haviam procedido a qualquer pagamento (...) a arguida procedido ao abatimento de dívidas de clientes (...)
Para tanto transferiu os créditos destas empresas da conta de clientes -conta 2111, que movimentou a débito, colocando os mesmo na conta Caixa – conta 114, que recebeu o crédito. Seguidamente, com o crédito destas empresas abateu a dívida dos clientes da PROMITAGUS melhor identificados em mapa descritivo
No entanto, em Janeiro de 2015, e antes do fecho de contas de 2014, a arguida AV_____ movimentou contabilisticamente contas sem suporte legal para o fazer, com claro prejuízo para clientes e para a própria Taguspark,
Efetuou uma lista de clientes com saldos credores e outra de clientes com saldos devedores da Taguspark. Todavia, não utilizou os saldos credores para liquidarem as dívidas dos clientes com saldos devedores, como o tinha feito em todas as situações anteriormente descritas. Neste momento, “limpou” as contas dos clientes com saldos credores considerando-os como se proveitos extraordinários se tratassem e “apagou/limpou” das contas dos clientes devedores imputando esses valores a uma conta de custos, (...)
Em Janeiro de 2016, a arguida AV_____ volta a movimentar contabilisticamente contas de clientes com saldo credor da Taguspark, imputando indevidamente os valores desses créditos como proveitos extraordinários da Taguspark..
Novamente no ano de 2018, a arguida AV_____ pôs em prática outras operações contabilísticas que lesaram seriamente os interesses patrimoniais da Taguspark. (...) A indevida imputação de valores como custos extraordinários da Taguspark no ano de 2018, (...) No que diz respeito ao Banco BCP, S.A. e à NOS Comunicações, a arguida AV_____ ordenou a transferência destas dívidas da conta cliente- conta 211 para a conta de custos-conta 688801, prejudicando os interesses do TAGUSPARK, pois com esta operação obstou a que se fizessem esforços para cobrar estas dívidas. Relativamente à Altice Labs (anterior PT Inovação) este montante, imputado como se de custos extraordinários se tratassem, resulta da quantia em excesso de € 25.696,05 recebida pela Taguspark, proveniente daquela entidade. Essa importância havia sido retirada da conta corrente deste cliente-conta 211 e imputada na conta de proveitos extraordinários da Taguspark - conta 788801, por determinação da arguida AV_____ em 12.01.2015. Acontece que, em novembro de 2017, a Taguspark, através da trabalhadora Rita Lourenço, desconhecendo o pagamento em excesso de € 25.696,05 e a sua imputação pela arguida na conta de proveitos extraordinários da Taguspark, interpelou por email a Altice Labs, SA informando da existência de um saldo devedor no montante de €12.879,70 e solicitando o seu pagamento. Veio a referida trabalhadora a reiterar essa interpelação por entender que a Altice Labs era devedora da TagusPark no aludido montante. Na sequência desta interpelação a Altice Labs SA apercebeu-se em abril de 2018 do pagamento dos referidos € 25.696,05, do que deu conta a Rita Lourenço.
A arguida foi confrontada com a situação, e três dias depois, a 30.06.2018 deu ordem para se “limpar” esse montante da conta da Altice Labs, imputando-o no balanço de custos extraordinários da Taguspark, como se de uma dívida incobrável se tratasse, prejudicando desse modo a Taguspark no montante de €12.879,70”.
Todos os movimentos contabilísticos descritos ao longo do despacho de encerramento do inquérito foram realizados pela arguida ou por funcionários em execução das suas instruções expressas, o que esta não nega.
Ora todos os movimentos contabilísticos têm um suporte documental e todos esses documentos a arguida ou alguém seguindo as suas instruções fez constar factos que não sabiam não corresponder à verdade, a saber;
Nenhuma das empresas referidas nos autos como tendo pago dívidas à “TAGUSPARK” as pagou efetivamente
Os custos e os proveitos que foram contabilizados como extraordinários em resultado das “movimentações” contabilísticas da arguida o são efetivamente.
Os atos praticados pela arguida, ou por outrem a seu mando, de indiscutível relevância jurídica e sem correspondência com a verdade não foram objeto de apreciação pelo Ministério Público que no despacho de encerramento não tomou posição quanto à sua natureza e relevância penal, designadamente à luz do artigo 256.º do C. Penal, nem sobre a suficiência dos indícios quanto à eventual verificação do referido tipo, como o impõe o artigo 262.º do CPP.
A omissão de pronúncia quanto à factualidade que é suscetível de consubstanciar a prática de um crime público – artigo 256.º n.º1 al d) do Código Penal – configura falta de promoção pelo Ministério Público, nulidade insanável, de conhecimento oficioso, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 119.º do CPP, que determina a invalidade do despacho de encerramento do inquérito e dos termos subsequentes.
Destarte, declara-se nulo o inquérito, por falta de promoção (artº 48.º,119º, al. b), 262.º e 276.º todos do CPP) e, consequentemente, declara-se inválido o despacho de encerramento do inquérito e os termos subsequentes. ».
5- No dia 4.01.2021, a recorrente arguiu a nulidade da decisão instrutória, por omissão de pronúncia, uma vez, que no seu entendimento, a mesma omitia qualquer decisão sobre a sua pronúncia ou não pronúncia, relativamente aos crimes objecto de inquérito, de despacho de arquivamento e de requerimento de abertura de instrução.
6- Por despacho judicial proferido pela Exma. Juiz de Instrução Criminal a quo, proferida no dia 01-02-2021, foi indeferida a arguição da nulidade invocada pela ora recorrente.
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III- Fundamentos de direito:
O objecto do presente recurso é nulidade da decisão instrutória, que declarou a nulidade do inquérito por falta de promoção, na medida em que se não se pronunciou sobre a pronúncia ou não pronúncia da arguida relativamente aos crimes objecto de inquérito e requerimento de abertura de instrução.
A arguida defende que ocorreu um vicio de omissão de pronúncia previsto nos artigos 119°/d) ou 120°/1, alínea d), do CPP, porque ao declarar a nulidade do inquérito, o despacho recorrido deveria ter-se debruçado sobre a existência de indícios, ou não, da prática do crime de peculato, objecto do requerimento de abertura de instrução. Mais defende que se o JIC entendesse «que o Ministério Público deveria investigar outros crimes, bastaria a remessa dos autos para o efeito para o Ministério Público, sem que isso afectasse a nulidade do inquérito que, salvo o devido respeito, não se verifica.
Na verdade, não pode o Tribunal de Instrução Criminal, sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, substituir-se ao Ministério Público, relativamente à decisão de investigar ou não investigar esta ou aquela suspeita da prática de crime, pois essa competência cabe em exclusivo, ao Ministério Público que, se decidiu não o fazer, foi por não encontrar, face ao Princípio da Legalidade relativamente à sua atuação e competências, qualquer indício nesse ou noutro sentido».
Por força do disposto no artigo 308º/3, antes de conhecer sobre a existência de indícios relativos ao cometimento de qualquer crime, ao JIC é imposto que decida se ocorreram nulidades ou outras questões prévias, que obstem precisamente à prolação de pronúncia ou não pronúncia do arguido.
Foi precisamente isso que ocorreu no caso em apreço.
Uma vez que o JIC entendeu que os factos apurados em inquérito, descritos do despacho de arquivamento, por si e em conexão com outros que se indiciam fortemente, configuravam a existência de indícios fortes relativos ao cometimento de um crime que não tinha sido investigado nem objecto de apreciação em sede de despacho final de inquérito, o que constitui nulidade  insanável, por falta de promoção do Ministério Público, de conhecimento oficioso, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 119º/CPP, declarou tal nulidade e determinou o regresso do processo à fase de inquérito para que este se complete, o que só ocorrerá quando seja isento de nulidades.
Esta é uma regra geral que se aplica ao processo penal e aos outros ramos de direito processual.
Determinadas fases processuais implicam necessariamente a inexistência de nulidades ou outras formas de invalidade da fase anterior que, a existirem, determinam precisamente o regresso do processo a essa fase para que se complete, dentro dos parâmetros de estrita legalidade.
«Requerida a instrução pelo assistente no caso do Ministério Público de ter decidido pelo arquivamento, a decisão instrutória não tem de se confinar à alternativa de pronunciar, conforme pretensão do assistente ou confirmar o arquivamento conforme decisão do Ministério Público; a decisão pode ser outra, nem de recebimento da acusação do assistente, nem de confirmação do despacho do MP pela não pronuncia. Pode com efeito o juiz entender que há vícios processuais que têm como consequência a anulação da acusação ou do despacho de arquivamento, nomeadamente por considerar ocorrer vício da insuficiência de inquérito ou qualquer outra falta de pressuposto processual» ([3]).
Tendo-se ficado a de instrutória pela necessariamente prévia declaração de nulidade do inquérito não tem cabimento o conhecimento sobre os termos do RAI, que pressupõem sempre um inquérito válido e eficaz, apto a permitir a passagem à fase seguinte.
Quanto à questão da devolução dos autos, sem declaração de nulidade, manifestamente tem falta de suporte legal. As competências do Ministério Público e do JIC não se sobrepõem, sendo que o MP é o dono do inquérito. Significa isto que não é legítimo ao JIC emitir simples opiniões e reparos e mandar o processo para trás com base nesse tipo de argumentação. Ou há fundamento legal para a verificação de nulidades, irregularidades ou outras questões prévias ou incidentais que se subsumem a normas que permitem essa devolução por parte do JIC, e ele tem o dever de as usar, ou não há, e resta-lhe a apreciação das questões que, nos termos da lei, lhe cabe apreciar nesta fase.
Face ao exposto, a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade.
E, sendo estritamente legal, menos ainda padece de qualquer violação de preceitos Constitucionais. 
Resta, portanto, a declaração da improcedência do recurso.
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VII- Decisão:
Acorda-se, pois, negando provimento ao recurso, em manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 3 ucs.

Lisboa, 30/ 06/2021
Graça Santos Silva
A. Augusto Lourenço
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[1] Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[2] Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.
[3] Vide Germano Marques da Silva, no “Curso de Processo Penal”, Tomo III, página 173.