O art. 15.º, n.º 2, do NRAU não mencionando a alternatividade ou a exclusividade de recurso ao PED e, não constituindo os documentos referidos nesse normativo, títulos executivos de recurso à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, servido apenas de base à propositura desse procedimento, permite ao senhorio socorrer-se livremente de qualquer um dos meios ao seu dispor, a acção judicial de despejo ou do procedimento especial de despejo.
Relatório
AA, BB, CC e DD, instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra EE e FF, pedindo que as rés sejam condenadas no despejo e entrega imediata de um prédio urbano e no pagamento da quantia de € 4.610,00 correspondente a rendas vencidas e não pagas e vincendas até à entrega do locado, e respetivos juros de mora.
Alegaram que deram de arrendamento à 1ª R. o referido imóvel tendo-se a 2ª ré assumido como fiadora no contrato, sendo que as rés deixaram de pagar as rendas referentes aos meses de abril de 2018 (parcialmente) e subsequentes a agosto de 2017, bem como o valor parcial referente ao mês de fevereiro de 2017; os autores comunicaram às rés a intenção de não renovação do contrato com efeito a partir de 31 de outubro de 2018, mas as rés não desocuparam o imóvel nem procederam ao pagamento de qualquer outra renda.
As rés apresentaram cada uma a sua contestação, alegando que pagaram as rendas em numerário após abril de 2018, e que no mês de março pagaram parte da renda por acordo com os senhorios mais alegando que os autores não observaram o prazo fixado para a não renovação do contrato, pelo que se mantiveram no locado até 31 de dezembro de 2018 e, em janeiro de 2019, com o acordo da mandatária dos autores, tendo feita a entrega das chaves do locado em 8 de fevereiro de 2018.
Instruídos os autos foi proferida sentença com o seguinte dispositivo que declarou a inutilidade superveniente da lide, e consequente extinção da instância, quanto aos pedidos de despejo e condenação de entrega do locado;
- julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência condenou solidariamente as RR. no pagamento aos AA. da quantia de € 3.310,00 (três mil trezentos e dez euros), referente às rendas de Abril de 2018 (parcial) e Maio de 2018 a Fevereiro de 2019, acrescida de juros de mora nos termos fixados sobre as quantias em falta, desde o vencimento da obrigação até integral pagamento.
Inconformada, a 1ª ré apelou do assim decidido tendo a apelação sido julgada parcialmente procedente alterando a decisão recorrida e condenando as rés a pagar aos autores a quantia de € 2.660,00 (dois mil seiscentos e sessenta euros), referente às rendas de abril de 2018 (parcial) e maio de 2018 a fevereiro de 2019, mantendo no mais a sentença.
De novo inconformada com esta decisão veio a primeira ré interpor recurso de revista e concluindo que:
“o tribunal de primeira instância é incompetente em razão da matéria, despejo fundado exclusivamente na falta de pagamento de rendas.
2º Isto é, os autores deviam ter recorrido ao procedimento especial de despejo em vez da presente ação judicial.
3º Mais: o artigo 1084º nº 2 do CC e o artigo 14º nº 1 do NRAU são inconstitucionais quando interpretados no sentido do procedimento especial de despejo constituir um meio processual alternativo, por violação do princípio da economia processual.
4º Assim, o Tribunal de 1.ª Instância era incompetente para julgar a presente causa.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando-se a
incompetência absoluta do tribunal de 1.ª instância.”
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
… …
Fundamentação
Está provada a seguinte matéria de facto:
1.1. Encontra-se inscrita pela ap. 190 de 2009/05/26, a aquisição por compra, a favor de AA, casado com BB sob o regime da comunhão geral de bens, de DD e de CC, da fracção autónoma correspondente à letra J do prédio urbano descrito sob o n.º 329/…. na Conservatória do Registo Predial ...…. – art. 1º da petição inicial.
1.2. Em 31 de Outubro de 2017, AA, BB, CC e DD, como primeiros outorgantes, e EE, na qualidade de segunda outorgante, e FF, na qualidade de terceiro outorgante, subscreveram o escrito particular designado de “Contrato de arrendamento para habitação com prazo certo”, junto aos autos a fls. 13 e ss., mediante o qual declararam que:
“É celebrado entre si o presente contrato de arrendamento, que reduzem a escrito, destinado a habitação do prédio urbano em propriedade total, sito em Rua …. (…) …, (…), fracção J descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 329…. (…)
Nos termos e com as cláusulas seguintes:
1. O contrato de arrendamento é COM PRAZO CERTO (…) pelo que se inicia em 1 de Novembro de 2017 e termina em 31 de Outubro de 2018.
2. No fim do prazo convencionado o contrato de arrendamento renova-se por períodos sucessivos de 1 ano enquanto não for denunciado pelo Senhorios ou pelo Inquilino.
3. Os Senhorios podem denunciar o contrato de arrendamento mediante comunicação ao Inquilino, feita com pelo menos 30 (trinta) dias de antecedência sobre o fim do prazo convencionado ou da renovação em curso, através de carta registada com aviso de recepção.
(…)
5. A renda é de € 325,00 (Trezentos e vinte e cinco euros), mensais, vence-se no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, podendo ser paga até ao dia oito por transferência bancária para a conta dos Senhorios (…).
6. Os Primeiros Outorgantes recebem do Segundo com a assinatura do presente contrato, o valor correspondente à renda de um mês e de um mês de caução totalizando o valor de € 650,00 (Seiscentos e cinquenta euros).
(…)
8. O local arrendado destina-se a habitação, (…).
(…)
16. O aqui Terceiro Outorgante, fica obrigado, nos precisos termos em que fica o Segundo Outorgante, ainda que ocorram alterações aos valores de compensação a pagar mensalmente, renunciando, desde já e expressamente, ao benefício da excussão prévia e/ou qualquer direito que possa limitar ou restringir as suas obrigações como fiador e principal pagador (…)” – arts. 2º a 12º da petição inicial
1.3. As RR. começaram a habitar o imóvel referido em 1.2. em Novembro de 2017 – art. 13º da petição inicial.
1.4. Os AA. remeteram às RR., por carta registada com AR, enviada em 14 de Setembro de 2018 dirigida para o locado, o escrito de fls. 24 e ss., datado de 14 de Setembro de 2018, em que declararam que:
“ vêm por este meio (…) informar, pela presente via e em tempo, que de acordo com o disposto nas cláusulas primeira e terceira daquele Contrato de Arrendamento assinado não é intenção dos senhorios e proprietários manter válido o supra mencionado Contrato de Arrendamento, desvinculando-se, deste modo, ao seu cumprimento.
Desta forma, e de acordo com o que o dispositivo legal obriga, a presente correspondência cumpre pôr TERMO E FINALIZAÇÃO, tempestiva, ao presente e referido contrato de arrendamento e DAR POR TERMINADO o dito contrato, a partir da data de 31 de Outubro de 2018.” – arts. 27º da petição inicial.
1.5. O escrito referido em 1.4. foi devolvido aos AA. com a menção de “Objecto não reclamado” – art. 28º da petição inicial.
1.6. Os AA. remeteram às RR., por carta registada, o escrito de fls. 64 e ss., datado de 12 de Outubro de 2018, em que declararam que:
“vêm por este meio (…) informar, pela presente via e em tempo, que de acordo com o disposto nas cláusulas primeira e terceira daquele Contrato de Arrendamento assinado não é intenção dos senhorios e proprietários manter válido o supra mencionado Contrato de Arrendamento, desvinculando-se, deste modo, ao seu cumprimento.
Desta forma, e de acordo com o que o dispositivo legal obriga, a presente correspondência cumpre pôr TERMO E FINALIZAÇÃO, tempestiva, ao presente e referido contrato de arrendamento e DAR POR TERMINADO o dito contrato, a partir da data de 31 de Outubro de 2018.” – art. 29º da petição inicial.
1.7. As RR. receberam o escrito referido em 1.6., pelo menos, em 22 de Outubro de 2018 – art. 29º da petição inicial.
1.8. As RR. procederam à entrega das chaves do imóvel à mandatária dos AA. em data não anterior a 8 de Fevereiro de 2019 e não posterior ao termo do mesmo mês – art. 26º e 27º da contestação de fls. 57 e ss. e art. 31º da contestação de fls. 78 e ss.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
2.1. As RR. despenderam com o arranjo/concerto de um dos estores da habitação no valor de € 60,00 – art. 6º da contestação de fls. 57 e ss.
2.2. As RR. procederam ao pagamento da totalidade da renda referente ao mês de Abril de 2018 e rendas subsequentes, tendo esses pagamentos sido feitos em dinheiro, no escritório da advogada dos AA. ou num restaurante explorado pela 2ª R. – art. 4º e 19º da contestação de fls. 57 e ss. e 8º e 10º da contestação de fls. 78 e ss.
2.3. Em resposta ao escrito referido em 1.6., a R. EE remeteu aos AA. o escrito de fls. 66 em que declara:
“Cabe-me informar os Exmos. Que a carta teria que ser remetida com 120 dias de antecedência no mínimo (…), posto isto informo os Exmos. Que procederei à saída do imóvel no dia 31 de Dezembro de 2018.” – arts. 13º e 14º da contestação de fls. 57 e ss. e 17º da contestação de fls. 78 e ss.
2.4. No final de Dezembro de 2018 as RR. acordaram com a mandatária dos AA. que iriam permanecer no locado até ao final de Janeiro de 2019 – art. 18º da contestação de fls. 57 e ss.
2.5. Em finais de Janeiro de 2019, a 1ª R. dirigiu-se por várias vezes ao escritório da mandatária dos AA. a fim de entregar as chaves do imóvel referido em 1.2. – art. 24º da contestação de fls. 57 e ss. e arts. 28º e 29º da contestação de fls. 78 e ss.
2.6. Como a 1ª R. não conseguiu proceder à entrega das chaves pelo facto de o escritório referido em 2.4. se encontrar sempre encerrado, a 1ª R. enviou uma mensagem à mandatária dos AA., no dia 7 de Fevereiro de 2019, indicando que no dia seguinte iria entregar as chaves do imóvel – art. 25º da contestação de fls. 57 e ss.
… …
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas alegações, importa em apreciar e decidir se o tribunal de primeira instância é incompetente em razão da matéria, para julgar a causa.
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Interposto o presente recurso ao abrigo do art. 629 nº 2 al. a) do CPC que prevê um dos casos de excepção à regra do nº 1 do mesmo preceito admitindo que independentemente do valor do processo ou do valor da sucumbência haja sempre recurso, nos diversos graus de jurisdição, a recorrente sustenta que o tribunal de primeira instância é incompetente (em razão da matéria) para julgar o despejo fundado exclusivamente na falta de pagamento de rendas.
Nos termos do art. 1081º, nº 1 do CC, a cessação do contrato de arrendamento torna imediatamente exigível, salvo disposição legal ou acordo das partes em contrário, a desocupação do locado e a sua entrega ao proprietário, sendo, portanto, fundamento de despejo.
De acordo com o art. 1079º do CC, o contrato de arrendamento urbano pode cessar por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou por outras formas de cessação legalmente previstas, tendo natureza imperativa, tal como dispõe o artigo 1080º do CC, salvo disposição legal em contrário.
Para a cessação de um contrato de arrendamento as partes podem recorrer a meios extrajudiciais ou utilizar a via judicial e o art. 9º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a redação dada pela Lei 31/2012 revela algumas das vias extrajudiciais, consoante o tipo de cessação em causa.
Assim, as partes têm a possibilidade de optar pela via extrajudicial, apesar de em determinados e pontuais casos a lei impor que a cessação opere com recurso aos tribunais e seja efetivada por decisão judicial importando salientar a distinção entre a pretensão de cessação do arrendamento e a desocupação do imóvel, após a relação contratual já estar finda, quando o arrendatário não o faça voluntariamente, que também pode ser conseguida por recurso à via judicial ou extrajudicial.
O exercício do direito de resolução do senhorio, no anterior RAU, tinha de ser sempre decretada judicialmente (art. 1047º do CC e 63º, nº 2 do RAU) mas com a entrada em vigor da Lei 6/2006, passaram a admitir-se duas possibilidades. Quando o fundamento resolutivo caiba numa das causas previstas do nº 2 do art. 1083º do CC, a resolução deverá ser decretada nos termos da lei do processo, o que significa que nesses casos o senhorio terá que recorrer à ação de despejo, regulada no art. 14º do NRAU (vide art. 1084º, nº 1) não podendo ser objeto do PED (art. 1084º, nº 1 em conjugação com o art. 15º do NRAU).
Pelo contrário, de acordo com o art. 1084º, nº 2 do CC, “a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior (…) opera por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida”. Esta comunicação é feita nos termos do art. 9º, nº 7 do NRAU que dispõe que “A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do art. 1084º do CC, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contato pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação”.
Apenas em duas situações se admite o recurso à via extrajudicial para a resolução do contrato de arrendamento: na falta de pagamento das rendas (encargos ou despesas) por mais de dois meses ou de forma reiterada e em caso de oposição pelo arrendatário à realização de obras ordenadas pela autoridade pública (art. 1083º, nº 3 e 4 do CC). E realizada a referida comunicação, se o arrendatário não desocupar o locado nos termos legalmente exigidos, o senhorio pode recorrer então ao PED, de modo a efetivar a cessação do arrendamento, apresentando para tal a comunicação de resolução e o contrato escrito, juntamente com os restantes elementos exigidos.
É neste contexto normativo (da resolução por falta de pagamento das rendas) que se suscita a controvérsia que a recorrente reedita a propósito da latitude da opção do senhorio entre a ação de despejo e o processo especial de despejo para efetivar a cessação por resolução do contrato, isto é, saber da admissibilidade ou não do recurso à ação de despejo quando o senhorio tenha ao seu dispor uma via extrajudicial como acontece no caso dos nºs 3 e 4 do art. 1083º do CC, por imposição do art. 1084º, n.º 2 do CC. E as respostas que se perfilam são as de a via extrajudicial ser meramente alternativa à ação de despejo, sujeita à escolha do senhorio, ou ser antes imperativa sem que o senhorio possa socorrer-se da acção judicial.
Um primeiro elemento de ponderação reside na circunstância de no art. 15º, nº 2 do NRAU, o legislador não mencionar a alternatividade ou a exclusividade de recurso a este procedimento o que deve, em nosso entender ser complementado com a evidência de os documentos referidos no citado preceito não constituírem títulos executivos de recurso à execução para entrega de coisa imóvel arrendada e servirem apenas de base ao PED. E em explicação concreta, se o senhorio para cessação do contrato recorrer à acção de despejo, se a mesma for procedente, obterá um título executivo que é a sentença judicial que lhe permitirá recorrer à execução para entrega de coisa imóvel arrendada. Todavia, o senhorio não poderá recorrer ao PED pois, por não ter efetuado a cessação pela via extrajudicial, não tem um dos documentos exigidos no art. 15º do NRAU – o comprovativo da comunicação à contraparte.
Ora, perante uma tal situação cremos não poder concluir-se como argumento decisivo o de que, assim, permitindo-se a alternativa de meios, não subsistiriam razões para se ter criado o PED e que, se ele foi previsto, tal só possa significar como único e lógico imperativo que o senhorio tenha de ser obrigado a percorrer um caminho que permita o seu acesso (ao PED) e nenhum outro.
A funcionalidade do procedimento especial de despejo pode levar à consideração de que através da via extrajudicial não só o senhorio alcança o mesmo objetivo que através da ação de despejo como o faz de forma célere - vd. Fernando Baptista de Oliveira in A resolução do contrato no NRAU, p. 91 - , mas o que temos reserva é em entender, como o faz este autor, que a existência de tal procedimento como está previsto, sem exigência de exclusividade e sem que os documentos referidos no art. 15 do NRAU constituam títulos executivos de recurso à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, impeça a vontade do senhorio de recorrer ao meio judicial. Por outro lado, com base nas mesmas reservas, não somos capazes de afirmar que “nos casos em que a lei admite a cessação do contrato por comunicação ao arrendatário e permite ao senhorio obter título executivo por essa via, a ação de despejo não é aplicável, não podendo o senhorio a ela recorrer” - Maria Olinda Garcia in A acção executiva para entrega de imóvel arrendado, p.27.
Dizer-se que a comunicação embora não permita obter um título executivo propriamente dito permite recorrer ao PED, acaba por deslocar para a celeridade e eficácia da obtenção da pretensão do senhorio a obrigação de este se socorrer de um procedimento que a lei nem directa nem indirectamente estabeleceu.
No sentido que defendemos, o da possibilidade de o senhorio se socorrer livremente de qualquer um dos meios, e que é maioritário na jurisprudência – vd. a título de exemplo o Ac. STJ de 06.05.2010, Ac. TR de Lisboa de 14.02.2013, Ac. TR de Lisboa de Acórdão da Relação de Lisboa de 02.07.2019, Ac. TR do Porto de 28.11.2013, Ac. TR de Guimarães de 31.05.2012 e Ac. TR de Guimarães de 25.10.2012 e ainda o Ac. TR de Lisboa de 23.10.2007 (comentado por Gravato Morais, in Ação de Despejo por falta de pagamento da renda, p.59, www.dgsi.pt - também encontramos na doutrina forte e maioritário apoio – vd. Gravato Morais (Falta de Pagamento da renda no arrendamento urbano, p.155 e ss), David Magalhães (A resolução do contrato de arrendamento, pp. 216 e 217), Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge (Arrendamento Urbano, pp. 408 e ss) e Rui Pinto, ob. cit., pp. 1083 e 1097 e seguintes e actualmente, também, Luís Menezes Leitão In Arrendamento Urbano, 8ª Edição, Almedina, p. 206.
Entendemos então que o PED como foi previsto legalmente não visou essencialmente uma poupança de recursos económicos, nem o afastamento dos tribunais, mas criar um procedimento alternativo de natureza não judicial e que, com esta diversa natureza, pode servir os interesses dos senhorios sem prescindir da intervenção dos tribunais se assim o pretender. Veja-se que o art. 1048 do CC manteve a referência genérica à possibilidade de o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ser exercido judicialmente (n.º 1 do artigo), tendo inclusive sido aditado um n.º 4, que tem por objeto o exercício extrajudicial do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda e de aluguer. Se a vontade legislativa fosse a de decisivamente separar o âmbito de aplicação dos procedimentos com a obrigação de haver exclusividade relativamente a cada um deles com exclusão do outro, seguramente que teria deixado expressa essa determinação que não encontramos na análise interpretação das normas em apreço. Aliás, alterando o RAU onde o exercício do direito de resolução do senhorio tinha de ser sempre decretada judicialmente (art. 1047º do CC e 63º, nº 2 do RAU) a Lei 6/2006 passando a admitir uma outra possibilidade extrajudicial, determinou que quando o fundamento resolutivo caiba numa das causas previstas do nº 2 do art. 1083º do CC, a resolução deverá ser decretada nos termos da lei do processo com recurso à ação de despejo (art. 14 do NRAU). Então, neste contexto sistemático, se o legislador advertiu a obrigatoriedade de nesses previstos casos o meio admissível ser o judicial, julgamos que se porventura quisesse criar uma outra obrigatoriedade para casos em que só através da via extrajudicial (do PED) os senhorios se poderiam socorrer, tê-lo-ia deixado expresso e não o fez.
Em conclusão, é admissível aos senhorios, na livre e independente apreciação dos seus interesses, optarem pelo meio judicial de prossecução da defesa da sua situação jurídica, mesmo no caso de incumprimento da obrigação de pagamento de rendas. E, em consequência, tendo os autores optado pelo meio judicial não se suscitam dúvidas sobre a competência (absoluta) do Tribunal recorrido para a presente ação, negando-se provimento ao recurso.
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Síntese conclusiva
- O art. 15 nº 2 do NRAU não mencionando a alternatividade ou a exclusividade de recurso ao PED e, não constituindo os documentos referidos nesse normativo títulos executivos de recurso à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, servido apenas de base á propositura desse procedimento, permite ao senhorio socorrer-se livremente de qualquer um dos meios ao seu dispor, a acção judicial de despejo ou do procedimento especial de despejo.
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Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Setembro de 2021
Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respectivo voto de conformidade do Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva e da Srª. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.
Manuel Capelo (relator)